07/07/2024
1ªLeitura: Ezequiel 2,2-5
Salmo responsorial 122 (123 -R- Os nossos olhos estão fitos no Senhor: tende piedade, ó Senhor, tende piedade!
2ª Leitura: 2 Coríntios 12, 7-10
Evangelho: Marcos 6,1-6
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos – Naquele tempo, 1Jesus foi a Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. 2Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga. Muitos que o escutavam ficavam admirados e diziam: “De onde recebeu ele tudo isso? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos? 3Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?” E ficaram escandalizados por causa dele. 4Jesus lhes dizia: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. 5E ali não pôde fazer milagre algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. 6E admirou-se com a falta de fé deles. Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando. – Palavra da salvação.
Mc 6,1-6
Jesus foi a Nazaré, sua terra. Nazaré é o lugar onde ele passou a maior parte da sua vida, onde ele se criou e onde ele era conhecido de todos.
No sábado, começou a ensinar na Sinagoga. Como ele deve ter feito sempre na sua adolescência e na sua juventude, até os 30 anos, ele foi à Sinagoga. Foi nela que Jesus conheceu as Escrituras até o ponto de sabê-la citar de memória, de rezar salmos memorizados durante os cultos sinagogais. Foi na Sinagoga que Jesus, como os outros meninos, foi iniciado na religião judaica. Agora ele está de volta à Sinagoga e à sua cidade. Ele ensina com Mestre e é exatamente isso que provoca nas pessoas reações de admiração e depois de escândalo.
De onde ele recebeu tudo isso? Os conterrâneos de Jesus, gente conhecida e amada por ele, primeiramente reagem com admiração. Com efeito conhecem muito bem Jesus, cresceram com ele e nunca viram nada de extraordinário nele... o extraordinário acontece agora, com o ensinamento e com os milagres de Jesus. de fato, não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Judas e de Simão? É significativo como os nazarenos identificam Jesus: pela profissão, pela mãe e pelos irmãos. Ele é identificado com carpinteiro: trabalhou com suas mãos, ganhou o pão com o suor do rosto, dedicou a maior parte da vida num trabalho manual e não em estudo ou em atividades religiosas de cura. Ele é identificado como filho de Maria: o pai não é mencionado porque provavelmente já estava morto, mas todos conheciam bem a mãe Maria. Ele é, por fim, identificado pelos irmãos que vivem entre eles: Tiago, Judas e Simão. São os parentes próximos, provavelmente primos de Jesus.
E ficaram escandalizados por causa dele. Qual é o motivo do escândalo? Jesus não fez nada de mal, não realizou ato criminoso ou imoral... Mas ele ensinava e se comportava como profeta, como alguém que faz as vezes de Deus. É evidente que Jesus prega com autoridade, que realiza milagres. Essa sabedoria de Jesus vem de Deus? Os milagres que realiza vêm de Deus ou do diabo? Eles tropeçam na humildade e simplicidade de alguém que conheciam bem, que trabalhou com as mãos e que não estudou...
Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares. É significativa a reação de Jesus. Ele se decepciona com os seus conterrâneos. Certamente Jesus deveria alimentar a expectativa de fazer muito mais pelos seus amigos e conhecidos do que em outros lugares: afinal cresceram juntos, se alegraram e se entristeceram juntos. Mas onde ele mais desejava fazer, foi aí que ele mais se decepcionou. E Ele se deixa decepcionar. Exprime essa decepção nas palavras: Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares.
Jesus experimenta a sensação dolorosa e amarga de perceber que as pessoas mais próximas dele não o acolhem e se escandalizam por causa dele. De fato, nesse episódio já se preanuncia o cálice da paixão. Jesus terá que beber até o fim o cálice da incompreensão e da rejeição. Jesus sofre com o fechamento do coração e com os motivos mesquinhos da rejeição.
Jesus não nega a realidade dos fatos e toma consciência de que não é aceito pela sua gente. Ele não se revolta; ele se decepciona e se deixa decepcionar. Podemos dizer que ele se resigna. Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares.
Mas ele não fica somente na resignação. Ele supera a rejeição dos seus. Como? Ele curou alguns doentes impondo-lhes as mãos.
A consequência da incredulidade é que Jesus não pôde fazer milagre algum. O milagre está intimamente relacionado com a fé: faz surgir a fé, pressupõe a fé e reforça a fé. Mas o fato de não poder fazer o que desejava, não foi desculpa para não fazer o que foi possível. Ele curou alguns... Quando nos decepcionamos com as pessoas, com a falta de colaboração dos outros, com a rejeição das pessoas mais próximas de nós, reagimos nos fechando na amargura e evitando o diálogo e a colaboração. Às vezes, reagimos pior: nos vingamos dos outros pagando com a mesma moeda e acrescentamos ainda juros de 100% de maledicência e ofensas.
Jesus reage à incredulidade superando a decepção. Mesmo que não tenha podido fazer o ótimo não deixou de fazer o bom. Esperava fazer muito mais, mas a incredulidade impediu-o de realizar milagres. Mesmo assim fez o que foi possível: impôs as mãos e curou algumas pessoas.
Além disso, o evangelho narra que Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando. Apesar de toda decepção, Jesus não deixa a missão por causa desse fracasso. Outros fracassos ele terá de enfrentar, mas a missão continua. Ele continua todo dedicado à missão evangelizadora, continua gastando todas e as suas melhores energias para pregar o evangelho do Reino. Ele não permite que a decepção bloqueie a missão. Ele não fica se lamentando e chorando porque não é bem acolhido: a sua alegria está no fato de anunciar e de realizar o Reino. Não é o sucesso que o move, é o Reino. Não são os aplausos a razão de sua felicidade, é o tesouro do Reino. Não é a gratificação imediata que motiva Jesus, é fazer tudo o que agrada ao Pai.
Você já se decepcionou com as pessoas? Já colheu fracassos na ação evangelizadora? Já sofreu a incompreensão?
Não nos esqueçamos que mesmo que não tenham inicialmente acreditado em Jesus, os parentes e amigos de Jesus podem ter finalmente chegado à fé. Foi o caso de “Tiago, irmão do Senhor”. Jesus ressuscitado apareceu a ele (1Cor 15,7). Depois que Pedro fugiu de Jerusalém (Gl 1,19), Tiago assumiu o governo da comunidade cristã de Jerusalém. Ele teve um papel importante no concílio apostólico de Jerusalém. Por fim ele é o autor da Epístola que tem o seu nome. Mesmo que Jesus não tenha convertido na primeira vez os seus conterrâneos, temos a certeza de que, ao menos um, se converteu e se tornou muito estimado pela igreja.
O evangelho de hoje menciona Maria. Ela é a mãe de Jesus. sobre isso não há dúvida alguma. Podemos imaginar a dor que a rejeição dos habitantes de Nazaré causou em Maria. Ela melhor do que todos conhecia o mistério daquele filho tão humilde e excelso. Melhor do que todos sabia que sob as vestes da simplicidade de Jesus estava a glória de Deus. Ele que o gerou e o educou, que conviveu intimamente uma relação de fé no seu Filho, deve ter sofrido com Jesus a decepção da rejeição. Mas em comunhão com o Filho não perdeu a coragem nem o ânimo na missão evangelizadora. Nossa Senhora, estrela da evangelização! Rogai por nós! xxxxx 14° DomTC-Mc 6,1-6 – Ano B – 07-07-24
Jesus não é um sacerdote do Templo, ocupado em cuidar e promover a religião. Tampouco alguém o confunde com um Mestre da Lei, dedicado a defender a Torá de Moisés. Os camponeses da Galileia veem nos Seus gestos de cura e nas Suas palavras de fogo a atuação de um profeta movido pelo Espírito de Deus.
Jesus sabe que lhe espera uma vida difícil e conflituosa. Os dirigentes religiosos irão enfrentá-Lo. É o destino de todo profeta. Não suspeita, todavia, que será rejeitado precisamente entre os seus, os que melhor o conhecem desde criança.
Ao que parece, a rejeição de Jesus a Seu povo de Nazaré era muito comentada entre os primeiros cristãos. Três evangelistas recolhem o episódio com todos os detalhes. Segundo Marcos, Jesus chega a Nazaré acompanhado de discípulos e com fama de profeta curador. Os Seus vizinhos não sabem o que pensar.
Ao chegar sábado, Jesus entra na pequena sinagoga da povoação e «começa a ensinar». Seus vizinhos e familiares apenas o escutam. Entre eles nasce todo tipo de perguntas. Conhecem Jesus desde criança: é um vizinho a mais. Onde aprendeu essa mensagem surpreendente do reino de Deus? De quem recebeu essa força para curar? Marcos diz que Jesus «deixava-os desconcertados». Por quê?
Aqueles camponeses acreditam que sabem tudo de Jesus. Fizeram uma ideia Dele desde criança. Em lugar de acolhê-lo tal como se apresenta diante deles, ficam bloqueadospela imagem que têm Dele. Essa imagem impede-os de se abrirem ao mistério que se encerra em Jesus. Resistem a descobrir Nele a proximidade salvadora de Deus.
Mas há algo mais. Acolhê-Lo como profeta significa estar dispostos a escutar a mensagem que lhes dirige em nome de Deus. E isso pode trazer-lhes problemas. Eles têm a sua sinagoga, os seus livros sagrados e as suas tradições. Vivem com paz a sua religião. A presença profética de Jesus pode romper a tranquilidade da aldeia.
Os cristãos, temos imagens bastante diferentes de Jesus. Nem todas coincidem com a que tinham os que o conheceram de perto e o seguiram. Cada um de nós faz a sua ideia dele. Esta imagem condiciona a nossa forma de viver a fé. Se a nossa imagem de Jesus é pobre, parcial ou distorcida, a nossa fé será pobre, parcial ou alterada.
Por que nos esforçamos tão pouco em conhecer Jesus?
Por que nos escandaliza recordar os Seus traços humanos?
Por que resistimos a confessar que Deus se encarnou num profeta?
Intuímos talvez que a Sua vida profética nos obrigaria a transformar profundamente as nossas comunidades e a nossa vida?
“Não é este o carpinteiro, o filho de Maria...?” (Mc 6,3)
Marcos não começa seu evangelho apresentando a família de Nazaré e a educação do protagonista Jesus; ele começa fazendo referência a João Batista, para relatar depois o que Jesus começou fazendo.
Só agora, depois de apresentar basicamente a mensagem de Jesus, Marcos fala de sua terra e da relação que Ele tem com seus familiares e conterrâneos. Só agora recebemos uma informação mais detalhada do tema, a partir de uma perspectiva polêmica.
O evangelista já havia chamado a atenção da relação de Jesus com seus parentes, em 3,21, quando diz que eles vieram buscá-lo, porque diziam que que Ele estava ficando louco.
O relato deste domingo não deixa de ser surpreendente. Jesus foi rejeitado precisamente em seu próprio povoado, entre aqueles que julgavam conhecê-lo melhor que ninguém. Chegou a Nazaré, acompanhado de seus discípulos, ou seja, um mestre que tem seus seguidores fixos; ninguém saiu ao seu encontro para recebê-lo, como acontecia em outros lugares. Também não levaram até Ele seus enfermos para que os curasse. Jesus precisou esperar o sábado para ir à sinagoga e falar-lhes. Não foram à sinagoga para escutá-lo, mas para cumprir o preceito do sábado. É Jesus que, por sua conta e risco, se põe a ensiná-los sem que eles o pedissem.
A presença de Jesus desperta assombro em todos. Não sabem quem lhe ensinou uma mensagem tão cheia de sabedoria; do mesmo modo, não sabem explicar de onde provém a força curadora de suas mãos. A única coisa que sabem é que Jesus é um trabalhador artesão, nascido numa família de sua aldeia. Tudo o mais revela-se escandaloso.
Neste retorno à sua terra, Marcos aproveita para apresentar o que poderíamos chamar “o curriculum vitae” de Jesus. Todo o cristianismo posterior depende, de algum modo, deste “curriculum”, onde Jesus aparece como carpinteiro, e não como mestre de obras; também aparece como descendente de uma mulher chamada Maria, dentro de uma família conhecida. Os dados do texto poderiam ser usados para desprezar Jesus, como de fato aconteceu. Mas, Marcos os entende como fonte de honra, conforme um processo de “inversão” muito significativo.
De fato, Jesus, o Filho de Deus vivo, assumiu a condição humana, se fez “um entre tantos”, vizinho com os vizinhos, trabalhando com os que trabalhavam, assumindo a “comum lei do trabalho”. Era conhecido como filho do carpinteiro”.
Na vida escondida em Nazaré, Jesus assumiu a condição da imensa maioria dos mortais deste mundo, dos homens e mulheres “comuns”, dos que vão trabalhar ou estão sem emprego, dos que tem que “ganhar a vida” porque na vida não encontram seu lar, daqueles que são pura estatística...
Quando se perde a referência vital de que Jesus é o “caminho que nos leva à vida”, o seu cotidiano focado no trabalho se torna insuportável para aqueles que “buscam fama, honra e estima”.
Nesta vida comum e cotidiana foi onde Jesus cresceu em sabedoria e graça; ali Ele se “humanizou”.
Foi em Nazaré que Jesus aprendeu a olhar a realidade, o contexto social, com o sofrimento dos homens e mulheres de seu entorno. Provavelmente seus antepassados foram da Judéia a Nazaré como agricultores, recebendo como propriedade, parcelas de terra, que os vinculavam à promessa e benção antigas. Mas, num dado momento, os descendentes desses novos colonos perderam as terras, devendo trabalhar como artesãos eventuais.
Em princípio, um israelita ideal (segundo as promessas de Deus) devia ser proprietário de uma terra herdada. Mas a política urbana e mercantilista de Herodes o Grande e de seu filho Antipas fez com que muitos agricultores de Galileia tivessem que vender suas propriedades, tornando-se camponeses sem campo, artesãos eventuais (ou a serviço do templo e das construções reais) ou mendigos.
Jesus viveu num tempo de transformação comercial e urbana e muitos agricultores não puderam manter sua autonomia, de maneira que tiveram que vender seus campos aos oligarcas, tornando-se arrendatários ou artesãos a serviço das classes ricas das cidades. Jesus não teve outra opção: era pobre pela situação social e laboral e a partir daí aprendeu a viver e a olhar a partir do mundo dos pobres.
Mc. 6,3 define Jesus como “ho tekton” (o artesão), ou seja, um camponês sem-terra, de maneira que teve de viver e trabalhar entre operários eventuais ou diaristas, arrendatários explorados, enfermos, marginalizados e pobres. Conhecia a pobreza por dentro; era realmente pobre por seu trabalho e o lugar que ocupava na sociedade. Como “judeu marginalizado” não podia manter-se por si mesmo, senão que dependia do trabalho em obras alheias, alimentando-se mal ao ar livre, dormindo em lugares lúgubres...
Essa foi sua escola, essa foi sua identidade: vendia seu trabalho, encontrando-se à mercê das necessidades e ofertas (ou não ofertas) dos proprietários.
Só sabemos que foi o artesão de Nazaré, e que essa palavra o definia dentro da sociedade. Era um artesão do povo, pobre entre os pobres expulsos de suas terras. Como trabalhador artesão, pode conhecer a dor real do povo, na escola de Deus, que é a escola da vida humana, em contato com as necessidades dos excluídos, dos loucos, dos enfermos, dos famintos, em solidariedade laboral.
Não foi hábil marceneiro capaz de enriquecer-se através de sua destreza. Foi simples operário, como membro do grupo dos novos pobres, por necessidade social, pelo contexto em que havia nascido, ainda que por família tivesse recebido uma intensa formação. E na vida “oculta” Jesus cresceu em “sabedoria”.
Assim aprendeu a ser humano, ouvindo os gritos dos homens e mulheres de seu entorno, expulsos, oprimidos, como ovelhas sem pastor. Não teve que entrar a partir de fora no lugar da dor; cresceu ali, o levava dentro.
Jesus viveu e trabalhou no lugar apropriado para aprender, por experiência e solidariedade, aquilo que é mais importante, aquilo que até então quase ninguém tinha visto e escutado. Esses anos de trabalho artesão não foram de “vida oculta” (em sentido intimista), senão de solidariedade e encontro com homens e mulheres de seu contexto. Os evangelhos não quiseram dar mais detalhes sobre o tempo em Nazaré.
Quando uma pessoa não se empapa do cotidiano, não vive a vida normal do comum dos mortais, quando não compartilha da alegria e das dores da imensa maioria, quando não luta e se faz gente entre as pessoas, dificilmente terá resistência para viver um grande projeto, sem sucumbir às armadilhas deste mundo.
Viver “sendo um entre tantos” outros, acolhendo a vida cotidiana em toda sua riqueza e limitação é o que nos permite poder viver apostolicamente com “sabedoria”, nos permite saber discernir o trabalho e as atividades sem perder referências e dados da realidade. Quando deixamos de pôr os olhos n’Ele e na “imensa maioria” podemos perder o foco.
O trabalho na “vinha do Senhor” nos faz “um entre tantos”, mas ser “um entre tantos” dá pânico em muitos ambientes cristãos. Custa-nos assumir a trama do cotidiano, do vulgar, daquilo que pertence ao ambiente popular, dá medo dissolver-nos e perder-nos. Viver o seguimento do Senhor Jesus é viver o caminho da vida; é na dureza da vida que encontramos o Espírito que nos foi dado. É no compromisso com a vida que encontramos o Vivente, Aquele que submergiu nas águas deste mundo do trabalho por amor até o extremo.
Para meditar na oração:
Leia, com calma e sabor, o evangelho deste dia. Deixe que as palavras de Jesus despertem novas e diferentes palavras nas profundezas de seu interior, palavras carregadas de sentido e de ânimo.
- Crie silêncio para poder dialogar com seu eu profundo, para ver o que há por detrás de suas palavras, de seus sentimentos, de suas intenções... Silêncio para tentar ir ao coração de sua verdade.
- Cave palavras nas minas do seu silêncio, e deixe que o Espírito diga a “palavra” misteriosa, diferente, reveladora de sua verdadeira identidade. Somente o silêncio poderá gerar “palavras de vida”.
- Reze o seu “cotidiano”, lugar do encontro com Aquele que deu sentido a toda ação laboral.
Jesus retorna à sua terra natal acompanhado de seus discípulos; uma pequena comunidade itinerante que segue a novidade que Jesus traz, cativada por sua vida, seu testemunho e suas ações. Quando chegou o sábado, ele começou a ensinar na sinagoga. É possível que muitas pessoas estivessem esperando por sua palavra, pois tinham ouvido o que estava acontecendo em outros lugares. Jesus não está diante de um público indiferente, mas podemos pensar em grupos de pessoas que esperam por sua palavra, por seus ensinamentos e por suas ações. O texto diz que muitos que o ouviram ficaram maravilhados e admirados. "De onde recebeu ele tudo isto? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos?
Eles se perguntam sobre a origem de seu conhecimento, de sua capacidade de comunicar verdades de uma forma que seja fácil de entender. Possivelmente, os galileus, considerados pessoas rudes e sem instrução, estavam acostumados a não entender o que era dito nas sinagogas. E Jesus fala ao coração, com palavras acessíveis a todos, "desce" o mistério de Deus para a vida cotidiana. E isso gera espanto, admiração, perguntas. Mas, ao mesmo tempo, há a dúvida, a dificuldade de aceitar Jesus, que é "um de nós", com a novidade que ele traz, com a riqueza de sua sabedoria. Como é possível que "aquela" pessoa que todos conheciam desde criança, que o viram crescer, que conheceram o desenvolvimento de sua vida, seja agora aquele que está diante deles falando-lhes verdades tão profundas e gerando vida e liberdade? "E ficaram escandalizados por causa dele". Eles acham que conhecem Jesus e, por isso, não conseguem aceitar a novidade que ele traz.
A expressão "nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra" é bem conhecida, mas não se aplica apenas aos grandes profetas que geralmente são reconhecidos após sua morte. É uma realidade que nasce da convivência diária, do conhecimento mútuo e da crença de que "um sabe tudo sobre o outro". Essa pessoa está enquadrada em um determinado espaço, que determina seu comportamento, suas palavras e sua maneira de ver a vida e agir de acordo com ela. Não há possibilidade de inovação, de uma originalidade que ultrapasse esses limites preestabelecidos. Conforme narra o texto do Evangelho, são aqueles que estão fechados para o novo que pode surgir em outra pessoa e não apenas o negam, mas o "explicam" aos outros. “Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?"... Suas palavras parecem ser uma advertência para os outros. Pessoas que possuem uma aparência de uma sabedoria e de um conhecimento alimentado pela vulgaridade e pela rotina. É a trivialidade daqueles que acham que sabem algo sobre a pessoa porque conhecem o desenvolvimento externo de sua vida, suas raízes, sua família e seus laços.
Jesus mais uma vez nos convida a nos abrirmos para a novidade de cada pessoa que está próxima a nós. Deixar sempre a porta aberta para o mistério que é desconhecido e que é o dom de Deus. O Papa Francisco nos convida a reconhecer a novidade de Jesus presente em nosso próximo: Também nós, discípulos de Jesus, somos chamados a exercer a justiça assim, nas relações com os outros, na Igreja, na sociedade: não com a dureza de quem julga e condenam dividindo as pessoas em bons e maus, mas com a misericórdia de quem acolhe compartilhando as feridas e fragilidades de irmãs e irmãos, para reerguê-los. Gostaria de colocar assim: não dividindo, mas compartilhando. Não divida, mas compartilhe. Façamos como Jesus: compartilhemos, carreguemos os fardos uns dos outros em vez de tagarelar e destruir, olhemo-nos com compaixão, ajudemo-nos. Perguntemo-nos: sou uma pessoa que divide ou que partilha? Pensemos um pouco: sou discípulo do amor de Jesus ou discípulo da fofoca, que divide? A fofoca é uma arma letal: mata, mata o amor, mata a sociedade, mata a fraternidade. Perguntemo-nos: sou uma pessoa que divide ou uma pessoa que partilha? (Disponível em: “Sou discípulo de Jesus ou discípulo da fofoca, que divide?”, questiona o Papa Francisco no festa do Batismo do Senhor”)
“Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando”. O relato evangélico nos disse que Jesus continua ensinando, não se deixa influenciar pelas palavras daqueles que tentam desautorizá-lo! Sua missão e nossa missão neste mundo ferido e especialmente no nosso estado do Rio Grande do Sul e favorecer o que constrói, procurar soluções e favorecer o desenvolvimento de cada pessoa, de novidade que traz e dos projetos que podem surgir ainda no meio das cinzas!
(1952-2014), Quebec, Canadá - tradução Susana Rocca.
No Prólogo de São João podemos ler que, em relação a Cristo, o Verbo de Deus, “Ele veio para a sua casa, mas os seus não o receberam” (Jo 1,11). Com efeito, eis aqui o drama da Aliança de Deus e os homens; essa aliança é encontro, aceitação, abertura ao outro, transformação, novidade, e essa aliança só pode se expressar através dos profetas, e eles não caem nunca do céu; eles nascem sempre de baixo, na espessura da história humana. É por isso que é difícil reconhecê-los, apreciá-los e escutá-los. As três leituras de hoje nos apresentam profetas: Ezequiel, Paulo e Jesus de Nazaré. Que tipo de profetas eles são eles?
O profeta
Um ser humano ordinário. Nas três leituras de hoje, nos damos conta rapidamente que os profetas são, antes de tudo, seres humanos bem comuns, com seus limites e fragilidades. Ezequiel, um sacerdote que viveu no tempo de Nabucodonosor e do Exílio de Babilônia (598-587 a.C), é um profeta desconcertante, de genialidade diversa e complexa. Ele é como os israelitas do seu tempo, esmagados pela derrota, desesperados e deportados para a Babilônia. É de joelhos que ele toma consciência de que Deus acompanha seu povo na angústia e que tem necessidade dele para exprimir a sua presença: “Entrou em mim um espírito que me fez ficar de pé. Então eu pude ouvir aquele que falava comigo” (Ez 2,2).
É o mesmo Paulo que escreve a sua segunda carta aos Coríntios: “Eu estava tão preocupado e aflito que até chorava” (2 Co 2,4). Paulo toma consciência de sua pequenez humana perante a grandeza da missão à qual ele se sente chamado: “Para que eu não me inchasse de soberba por causa dessas revelações extraordinárias, foi me dado um espinho na carne (em grego: skolops), um anjo de Satanás para me espancar, a fim de que eu não me encha de soberba” (2 Co 12,7). Será que é um handicap físico, uma doença crônica ou seus adversários missionários eloquentes e autoritários que, com antecedência, ele havia chamado de “servidores de Satanás” (2 Co 11,13-15)? Não sabemos nada sobre isso! Uma coisa é certa: Paulo é muito humano e ele o experimenta na sua carne, (em grego: sarkos), que designa a fragilidade da existência humana.
Jesus de Nazaré não é também um homem comum? De maneira que mesmo a sua família achava que ele era perturbado: “Os parentes de Jesus foram segurá-lo, porque eles mesmos estavam dizendo que Jesus tinha ficado louco” (Mc 3,21). E no trecho que nós temos hoje o evangelista Marcos, retomando o que as pessoas da sua cidade diziam dele, escreve: “Esse homem não é o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco?” (Mc 6,3). Dizer que Jesus é o carpinteiro, o filho de Maria, pode querer dizer duas coisas: 1) que seu pai, José, faleceu; se não Marcos haveria escrito que Jesus era o filho do carpinteiro ou, 2) que se trata de uma família de reputação duvidosa, pois, na época, não se dizia nunca que alguém era filho da sua mãe. Uma coisa é certa: Jesus de Nazaré foi um homem completamente comum, de um meio bem comum, de uma cidadezinha escura que fez que o evangelista João dissesse: “Natanael disse: ‘De Nazaré pode sair coisa boa?’” (Jo 1,46).
O profeta incomoda
Um profeta leva sempre uma mensagem de esperança. Por outro lado, a sua palavra deve necessariamente incomodar. O profeta é aquele que anuncia as situações de injustiça, que questiona, que interpela e que convida à mudança, à novidade. Frequentemente nós somos reticentes às mudanças; atolamo-nos em velhos hábitos e desculpamos a nossa passividade apoiando-nos em doutrinas e regras que determinamos serem a Verdade. Porém, não há verdades totalmente acabadas, absolutas, imutáveis, inalteráveis, e para que lembremos Deus deve necessariamente passar por mulheres e por homens como nós. Daí a rejeição, a negação e a condenação dos profetas. O teólogo Michel Hubautescreve: “Se Deus tivesse desejado que o homem pegasse o caminho errado como se diz, ele não teria conseguido fugir disso...”. Pois se há uma constatação na história da revelação judeu-cristã, ela é exatamente essa propensão do homem a querer encontrar Deus nas manifestações extraordinárias, milagrosas e grandiosas. E, ainda, na linha da história, percebemos que Deus prefere as teofanias do quotidiano mais do que as teofanias do grande espetáculo”. E, como prova, seu Filho nasceu como todo mundo: uma criança; ele se tornou carpinteiro como seu pai e ele foi crucificado como um vulgar bandido. Hubaut acrescenta: “Não podemos dizer que esse Messias veio lisonjear a espera das multidões”.
Contudo, todos os profetas sabem: a Palavra, a Boa nova que eles têm a anunciar será automaticamente mal recebida. A novidade perturba, incomoda. Ela impede de ficar na monotonia. A novidade suscita perplexidade, rejeição. O profeta Ezequiel experimentou-a: “Criatura humana, vou mandar você a Israel, a esse povo rebelde, que se rebelou contra mim. Eles e seus antepassados se revoltaram contra mim até o dia de hoje. Os filhos são arrogantes e têm coração de pedra” (Ez 2,3-4). São Paulo o expressa também desta maneira: “E é por isso que eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades, perseguições e angústias, por causa de Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte” (2 Co 12,10). E o evangelho de Marcos faz dizer a Jesus este célebre ditado: “Um profeta só não é estimado em sua própria pátria, entre seus parentes e em sua família”(Mc 6,4), pois é preciso reconhecê-lo, alguns dias a humanidade de Deus nos choca. Preferiríamos um Deus autoritário, todo-poderoso, que impõe as suas recompensas e os seus castigos... Felizmente, esse Deus não existe!
Um verdadeiro profeta
Como discernir o verdadeiro do falso profeta? Temos de ser prudentes e atentos aos sinais dos tempos. Infelizmente, na Igreja atual, alguns acham que são verdadeiros profetas pela sua intransigência, pela sua severidade e pelo que eles falam. Mas, atenção! O fato de ser criticado, rejeitado ou ainda de deixar indiferentes às pessoas que me rodeiam, não fazem de mim automaticamente um profeta. A Palavra que eu levo deve ser uma Boa Nova, uma Palavra que liberta, que salva e que dá esperança. E é por isso que os verdadeiros profetas não são sempre aqueles que nós pensamos. Eles são dificilmente apoiados pelas instituições, mesmo pela Igreja... Pois a Igreja, ela também não gosta do que incomoda, não gosta de mudança, de novidade, e os profetas são frequentemente suspeitos. O teólogo francês Hyacinthe Vulliez escreve: “Quando queremos nos desfazer de um profeta é habitual tratá-lo de anormal, de atípico e mesmo de estrangeiro, o que permite distanciá-lo e mesmo fazê-lo desaparecer. Não gostamos da pessoa que tem um discurso diferente do convencional. Ele incomoda, ele faz sair da monotonia de sempre, e isso o pessoal não gosta!”
O verdadeiro profeta de hoje deve necessariamente ter a linguagem das mulheres e dos homens de hoje, caso contrário ele deixará indiferentes as pessoas mais vulneráveis da sociedade: os pobres, os pequenos, os desprezados, os feridos da vida. A sua palavra deve denunciar as injustiças que sofrem e lhes permitir de ter esperança. Pode ser que o verdadeiro profeta não seja católico, nem mesmo cristão. A sua pertença a uma confissão particular não tem nenhuma importância. O profeta é aquele que restaura a justiça, que devolve a dignidade aos excluídos e aos feridos da vida e que traz esperança num mundo melhor.
Concluindo, o versículo evangélico que diz: “E Jesus não pôde fazer milagres em Nazaré...” (Mc 6,5) corre o risco de nos surpreender. Nós temos lá a prova de que um milagre não é um passe de mágica ou um prodígio que vira as leis da natureza; o milagre é um sinal que fala da proximidade daquele que faz com quem vê. O que significa que para que o milagre, o sinal possa se realizar, é preciso uma inter-relação, uma fé, uma confiança entre quem a dá e quem a recebe, se não nem a Palavra nem o sinal poderão produzir seus frutos. Se isso foi verdadeiro no tempo de Jesus, assim também é ainda hoje.
(Tradução do tradutor Google sem correção nossa)
Dom Damián Nannini, Argentina
14º DOMINGO DURANTE O ANO – CICLO "B"
Primeira Leitura (Ez 2,2-5):
Este texto personaliza no profeta Ezequiel o que veio a cristalizar-se como lugar-comum em Israel: o profeta como homem de Deus rejeitado e até perseguido por aqueles a quem é enviado. É a ameaça do fracasso apostólico, do definhamento numa atitude que não encontra resposta nos ouvintes. Mas esta é a coisa mais branda que pode acontecer com ele. Às vezes eles enfrentam situações mais difíceis. Eles chamam Oséias de louco; Jeremias como traidor do país. E ainda leva à perseguição, prisão e morte. Elias teve que fugir do rei em muitas ocasiões; Micah ben Yimlá acaba na prisão; Amós é expulso do Reino do Norte; Jeremias passa vários meses de sua vida na prisão. Zacarias é apedrejado nos pátios do templo (cf. 2Cr 24,17-22). Esta perseguição não ocorre apenas por parte dos reis e dos poderosos; Sacerdotes e falsos profetas também intervêm nisso. E até o povo se volta contra eles, critica-os, despreza-os e persegue-os. Neste destino dos profetas está prefigurado o de Jesus de Nazaré. "Por que esta oposição perpétua? Só pode ser explicada pelo contraste entre as aspirações imediatas do povo e a meta distante para a qual Deus o atrai. No tempo de Ezequiel trata-se de reconhecer, em primeiro lugar, que o a vida conduzida por Israel no reino judaico de Jerusalém encontra-se em oposição às exigências divinas, mas trata-se também de aceitar o que já ninguém consegue compreender, que Israel está a viver a dolorosa mutação que tornará o Reino, até então fechado na sua política; atividade, uma comunidade religiosa mais fiel e mais aberta ao ambiente universal"[1].
Diante da possibilidade real de rejeição por parte do povo rebelde, a Palavra de Deus para o profeta Ezequiel é que ele deve pregar; porque além do resultado, sucesso ou fracasso, o que deveria importar para você é tornar a Palavra de Deus presente naquela situação: “eles saberão que há um profeta entre eles”. A grande mensagem é a fidelidade de Deus que continua a tornar presente a sua palavra através da voz do profeta. A resposta permanece, então, nas mãos do povo: ouvir, obedecer ou continuar com o seu coração teimoso. Porque «nem mesmo a Palavra e o poder do Espírito podem restringir a liberdade do homem de acolher a revelação de Deus. O profeta então se levanta, sozinho, como sinal de contradição, como pedra de tropeço para aqueles que correm para a própria ruína.”[2]
Segunda Leitura (2Cor 12,7-10):
No início deste discurso Paulo fez referência às visões e revelações com as quais foi favorecido no início do seu ministério apostólico (cf. 12, 1-2). A esta primeira confiança acrescentou a de uma revelação diferente, mas intimamente ligada às anteriores, que para ele teve grande importância. A verdade é que, para evitar que se tornasse vaidoso ou engrandecido (“ele acredita”, diria Francisco), foi-lhe dado um “espinho na carne”. Designa São Paulo com este termo misterioso uma doença crónica que o afligia periodicamente? Muitos acreditam nisso e é muito provável. Mas devemos dizer que São Paulo vê nele um obstáculo ao Reino de Deus que ele, pela missão que recebeu, deve promover: é um “anjo de Satanás”, “inimigo do género humano”, e que incessantemente impede São Paulo no seu ministério (cf. 1 Tes 2, 18; 2 Tes 2, 9). Com extrema insistência, três vezes, como Cristo no Getsêmani, ele pede ao Senhor que o liberte disso. Mas este parece insensível. A sua resposta à oração do Apóstolo é, aparentemente, negativa. Na verdade, eu não conseguia ouvi-lo mais plenamente. Paulo pediu a Cristo que o libertasse deste espinho na carne, porque ele via isso como um obstáculo ao seu apostolado. Porém, era a condição mais favorável, até mesmo a condição necessária. Porque o poder de Deus se manifesta, isto é – segundo o verbo grego – “alcança a sua perfeição”, a sua consumação, o “seu fim”; Em outras palavras, pode exercer todas as suas potencialidades na fraqueza humana. O que era motivo de dúvida é motivo de confiança. Desta forma, podemos entender o que São Paulo diz a seguir: (“Minha graça te basta, porque meu poder (δύναμις) triunfa sobre a fraqueza (ἀσθενείᾳ).” Em vez disso, me gloriarei de todo o coração em minha fraqueza (ἀσθενείᾳ), para que o poder (δύναμις) de Cristo possa residir em mim.10 Portanto, tenho prazer nas minhas fraquezas (ἀσθενείᾳ), nas censuras, nas privações, nas perseguições e nas angústias suportadas pelo amor de Cristo fraco (ἀσθενῶ; ), então sou forte (δυνατός)” (2 Cor 12, 9-10).
O espinho na carne é o símbolo de tudo o que o faz experimentar o seu desamparo radical. As suas fragilidades identificam-se, de facto, com todas as tribulações que a vida apostólica comporta e que acaba de ser evocada no capítulo anterior: provações físicas, trabalho, prisões, chicotadas, naufrágios, esforços, cansaço, vigílias prolongadas, fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez (cf. 2 Cor 11, 23-29). Mas muito mais os testes morais entre os quais ele menciona a hostilidade que encontrou não apenas nos seus inimigos - perigos dos seus compatriotas, perigos dos pagãos - mas, muito mais doloroso, o que encontrou nos seus amigos, perigos de falsos irmãos, dos judaizantes, isto é, dos discípulos de Cristo que não quiseram renunciar a Moisés. Precisamente quando o Apóstolo sente mais profundamente a sua fraqueza, o poder de Cristo "habita nele", como noutros tempos a Glória de Javé "habitou" na Arca da Aliança - sinal da habitação de Javé no meio do seu povo ( cf. Ex 40, 34-35; Nm 9, 18.22), como o Verbo “habitou entre nós”. No apóstolo despojado de todo apoio humano, certo da sua fraqueza, «encarnou-se», por assim dizer, o próprio poder de Cristo[3].
Evangelho (Mc 6,1-6a):
“Esta história é a conclusão de toda a segunda seção dedicada à revelação de Jesus e à reação do povo. Jesus foi rejeitado mesmo na sua pequena pátria, Nazaré, que aqui é um tipo do povo judeu”[4]. Na verdade, como nos habituou o evangelista São Marcos, o texto começa com uma indicação espacial ou geográfica. Jesus sai da casa de Jairo e vai para a sua cidade, Nazaré, situada a cerca de 30 km a oeste do mar da Galileia, em cujas margens aconteceram as histórias anteriores. Outra indicação importante do texto é que ele é seguido pelos seus discípulos, que, embora não desempenhem nenhum papel ativo nesta narrativa, estão presentes e aprendendo em vista do seu próximo envio missionário (cf. Mc 6,7-13 que leremos no próximo domingo).
Chegando à sua cidade, segundo o seu costume (cf. Mc 1,21.39), Jesus ensina na sinagoga no sábado. Depois, muitos dos que o ouviram ficaram primeiro maravilhados (verbo ἐκπλήσσω o mesmo que em Mc 1,22; 7,37; 10,26; 11,18). Mas então eles começam a expressar sua surpresa pela sabedoria que ele manifesta em seus ensinamentos e seu poder em realizar milagres: "De onde vem isso? E que sabedoria é essa que lhe foi dada? E esses milagres feitos por suas mãos ?” Podemos pensar que são questionados pela falta de adequação entre o Jesus que conheceram antes (“Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, Josete, Judas e Simão? E não estão aqui entre as suas irmãs?” nós?") e aquele que está na sua frente agora. A princípio temos a impressão de que se trata apenas de espanto ou estranheza, mas no final vemos claramente que se trata de desconfiança e desqualificação da pessoa de Jesus (ἄτιμος com o sentido de desonra ou descrédito em 6, 4). J. Gnilka[5] considera esta uma “atitude crítica” e explica-a da seguinte forma: “A crítica articula-se em cinco questões. Três delas referem-se à atividade de Jesus e duas aos seus familiares. As três primeiras perguntas pretendem refletir a excitação em que as pessoas caíram. A primeira pergunta o julga de uma forma geral, a segunda a sua vida e a terceira os seus milagres. A pergunta sobre onde – quase joanino – pergunta sobre ele. desta forma os familiares já entram em cena. A fé conhece a identidade de Jesus. Este é o Filho de Deus. O conhecimento do ambiente onde Jesus residia tornou-se um impedimento quase intransponível para reconhecer a sua pretensão de revelação.
É interessante o que M. Navarro[6] deduz deste texto sobre a família de Jesus: “A pergunta sobre a origem das suas palavras e dos seus gestos indica que para os camponeses nada previa o seu futuro. porque não sabiam ler os sinais que ele emitia. A verdade é que a pergunta se torna uma luz sobre sua família, pois indica que não havia nada de especial nela. Uma família normal, sem formação especial.
Todas as perguntas dos ouvintes de Jesus terminam com a afirmação: “E escandalizaram-se por causa dele”. O substantivo skándalon designava originalmente o fechamento de uma armadilha[7]. Na Bíblia Grega (LXX) adquire um significado figurado: ocasião de ruína ou pecado; obstáculo que se encontra. No NT a ideia original de cair em uma armadilha é mantida em Rm 11:9 que cita Sl 69:23. Fora deste lugar, geralmente mantém o significado figurado da LXX: ocasião de pecado, incitação à apostasia ou descrença. O que escandaliza é algo que se choca e que provoca indignação ou protesto.
O verbo escandalizar (skandalízomai), na voz passiva, como no nosso texto, significa cair, ser enganado ou atrapalhado, irritar-se, aborrecer-se. Nos evangelhos é comum as pessoas se escandalizarem com Jesus; por exemplo, os discípulos antes da paixão (cf. Marcos 14,27); ou João Baptista antes do seu messianismo misericordioso (cf. Mt 11,3-6); ou os fariseus diante da sua doutrina (cf. Mt 15,12).
O texto mais próximo para nos ajudar a entender o significado do verbo escandalizar é encontrado em Marcos 4:17, quando Jesus explica o fracasso da semente que cai em solo pedregoso. Ali diz: “aqueles que recebem a semente em solo pedregoso são aqueles que, ao ouvirem a Palavra, imediatamente a recebem com alegria, mas não têm raiz em si mesmos, mas são inconstantes; e assim que ocorre tribulação ou perseguição por causa de a palavra, eles sucumbem imediatamente." “Sucumbir” ou “cair” é a tradução usual neste versículo do verbo skandalízomai. De certa forma descreve a mesma atitude dos nazarenos porque começam com entusiasmo com as palavras de Jesus, mas depois ficam escandalizados. E isso porque não têm raízes, são inconstantes, o que implica que são superficiais, que permanecem na aparência e não se aprofundam.
Em resumo: a origem humilde de Jesus e da sua família, a sua falta de preparação intelectual, o facto de o ter conhecido como alguém normal numa família normal; Tudo isto representou um obstáculo à fé para os Nazarenos. A sabedoria e o poder de Jesus “não os fecham” com o que sabem dele. E isso os irrita, incomoda. Colidem com a humanidade de Jesus e não podem ou não querem dar o salto para a fé.
O que Jesus diz aos seus compatriotas (“Um profeta é desprezado (ἄτιμος) apenas na sua cidade, na sua família e na sua casa”) é apresentado antes como um ensinamento para os discípulos, que devem estar preparados para sofrer a sua própria rejeição. "ambiente". Esta frase ou ditado condensa a experiência histórica de Israel com a sua repetida rejeição dos profetas. Literalmente o texto fala de “desonra” (á-timos) ou desprezo, referindo-se a não considerá-lo, a não reconhecê-lo como enviado de Deus.
Então o narrador comenta que Jesus só conseguiu fazer poucos milagres ali. A causa disso estaria no versículo seguinte: a falta de fé ou descrença (a-pistía), da qual Jesus é agora quem fica maravilhado ou surpreso.
Lembremo-nos que em Marcos os milagres são sobretudo atos de poder (dinamis) que dão autoridade às palavras e obras de Jesus; e verificam o anúncio da chegada do Reino de Deus entre os homens. É por isso que os milagres, em vez de despertarem a fé, implicam isso. Além disso, “a impossibilidade de realizar milagres em que Jesus se encontra pretende significar que a incredulidade, como rejeição da oferta salvadora de Deus, impede a manifestação de qualquer evento salvífico”.
ALGUNS PENSAMENTOS:
Uma primeira forma de nos apropriarmos do evangelho de hoje é tomar o lado dos nazarenos e perguntar-nos quais são os obstáculos que encontramos para crer em Jesus. Embora nos possa parecer estranho, a proximidade dos Nazarenos com Jesus, conhecendo-o durante toda a vida, acabou por ser um muro para a sua fé. Eles não conseguiram superá-lo e no final rejeitaram-no. É que para acreditar “o homem é chamado a deixar de lado as suas normas, os seus critérios e as suas formas mundanas de agir. A carne, o sangue, a pátria e o bom senso não superam o escândalo da palavra feita carne. Mas só no ato de fé Jesus aparece como acontecimento decisivo. Somente na fé existe a possibilidade do acontecimento milagroso. A fé é a superação do escândalo. É a opção contra o mundo e é a vitória sobre o mundo”[9].
No fundo, como nota R. Cantalamessa, os nazarenos tinham medo da “novidade” do Reino de Deus que Jesus trazia e por isso o rejeitaram.
E a mesma coisa pode acontecer conosco. O fato de Jesus entrar em nossas vidas e nos amar tanto nos desorienta e pode até nos deixar desconfortáveis. E então preferimos que ele não seja tão próximo de nós ou tão bom para nós. E nos distanciamos.
Também pode acontecer-nos, e acontecerá na maioria das vezes, que os meios e os momentos escolhidos por Jesus para estar presente nas nossas vidas e comunicar conosco não sejam os que esperávamos. E nos sentindo desapontados, vamos embora. Aconteceu com Santo Agostinho, que quando conseguiu, depois de muitas buscas, encontrar o Senhor, escreveu nas suas Confissões 10, 27, 38: “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, quão tarde te amei você! Você estava dentro de mim, e eu estava fora, e por fora te procurei, e deformado como estava, me joguei nas coisas lindas criadas por Ti. Você estava comigo, mas eu não estava com você".
O Senhor não costuma se manifestar em meio a nuvens e trovões, com ações extraordinárias, mas de forma simples e próxima. É precisamente que Deus se fez homem para que o sentíssemos próximo, um de nós, que sentiu e experimentou a mesma coisa que sentimos e experimentamos, menos o pecado. Jesus foi homem e viveu como homem, mas ao mesmo tempo é o Filho eterno do Pai que com a sua humanidade nos abriu o caminho para a vida com Deus e em Deus.
Em suma, como disse o Papa Francisco no Angelus de 8 de julho de 2018: “Em vez de se abrirem à realidade, ficam escandalizados: Deus é demasiado grande para se rebaixar a falar através de um homem tão simples! É o escândalo da encarnação: o acontecimento desconcertante de um Deus feito carne, que pensa com mente de homem, trabalha e age com mãos de homem, ama com coração de homem, um Deus que luta, come e dorme como todos os outros. de nós […] Mas o Senhor convida-nos a assumir uma atitude de escuta humilde e de espera dócil, porque a graça de Deus muitas vezes se apresenta a nós de formas surpreendentes, que não correspondem às nossas expectativas. Pensemos juntos em Madre Teresa de Calcutá, por exemplo. Uma irmãzinha – ninguém dava dez liras por ela – que andava pelas ruas recolhendo moribundos para que tivessem uma morte digna. Esta irmãzinha, com a oração e o seu trabalho, fez maravilhas. A pequenez da mulher revolucionou a obra de caridade na Igreja. É um exemplo dos nossos dias. Deus não se conforma com preconceitos. Devemos nos esforçar para abrir nossos corações e mentes, para acolher a realidade divina que vem ao nosso encontro. Trata-se de ter fé: a falta de fé é um obstáculo à graça de Deus. Muitos baptizados vivem como se Cristo não existisse: repetem-se gestos e sinais de fé, mas não correspondem a uma verdadeira adesão à pessoa de Jesus e ao seu Evangelho. Cada cristão – todos nós, cada um de nós – é chamado a aprofundar esta pertença fundamental, procurando testemunhá-la com uma conduta de vida coerente, cujo fio condutor será a caridade”.
Uma segunda forma de apropriação do texto é colocar-se ao lado de Jesus e dos apóstolos para compreender e partilhar a sua dor pela rejeição daqueles por quem Ele veio ao mundo: “Ele veio para o que era seu, e os seus não receberam ele” (João 1,11). Segundo F. Lentzen Deis[10] “ninguém quer pregar em sua própria casa. Ele acha que ninguém vai ouvi-lo. No entanto, Jesus fez isso, mas ficou surpreso com a pouca recepção que recebeu. Os discípulos também pregarão em sua terra natal. E será difícil para os parentes e o clã aceitá-lo como enviado; “Será mais fácil para os outros, para estranhos.” Portanto, temos que aceitar que também nós podemos experimentar a rejeição ao anunciar Jesus aos outros, especialmente à nossa família e às pessoas mais próximas de nós.
A este respeito, o Papa Francisco adverte-nos para não desanimarmos diante dos fracassos pastorais, que Jesus também teve: “O imediatismo ansioso destes tempos faz com que os agentes pastorais não tolerem facilmente o que significa alguma contradição, um aparente fracasso, uma crítica, uma cruz” (EG 82). Em vez do desânimo, ele nos convida a aguçar o olhar para reconhecer que a obra de Deus ainda está misteriosamente presente: “Como nem sempre vemos esses surtos, precisamos de uma certeza interior e é a convicção de que Deus pode agir em qualquer circunstância , mesmo no meio de fracassos aparentes, porque «carregamos este tesouro em vasos de barro» (2 Cor 4, 7). Essa certeza é o que chamamos de “senso de mistério”. É saber com certeza que quem se oferece e se entrega a Deus por amor certamente será fecundo (cf. Jo 15, 5)” (EG 279).
O grande apóstolo dos gentios, São Paulo, teve muitos fracassos pastorais em sua vida, sofreu muitas rejeições virulentas por parte de seu próprio povo por seguir e pregar Jesus. Mas o Senhor ensinou-lhe que «o poder de Deus manifesta-se na fraqueza do homem» (cf. 2Cor 12,9). Isto é, a vulnerabilidade, os fracassos pastorais e a pobreza de recursos materiais e humanos não são um obstáculo à evangelização, mas antes uma condição para a sua fecundidade. Porque o poder de Deus se manifesta e pode exercer todo o seu potencial nas fraquezas humanas. Como observa com razão A. Vanhoye[11]: “o Senhor não precisa das nossas capacidades, mas sim da nossa docilidade e humildade. Na verdade, se não formos humildes, ele não poderá realizar a sua obra. As graças do Senhor não podem ser comunicadas aos orgulhosos, porque se aproveitariam delas para serem ainda mais orgulhosos e arrogantes”.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Senhor, eu acredito em você...
Jesus, permita-me ouvi-lo com espanto
aceitar sua proposta, sinta-se cativado
e abandonar tudo para ficar ao seu lado.
Desejo reconhecê-lo como um de nós
percorrendo nossos caminhos, explorando nossos bairros,
para vir nos curar.
Abra meu coração aos seus cuidados
para que me chegue a tua ternura, a tua loucura de Amor por mim,
Santo, Santo, Santo.
Enxugue as lágrimas, acalme a angústia,
Preencha todos os meus espaços de alegria, você é meu amigo e meu Deus
Eu me rendo a você com confiança, Amém.
[1] L. Monloubou, Leer y predicar el Evangelio de Marcos (Sal Terrae; Santander 1981) 78-79.
[2] G. Zevini - P. G. Cabra, La Lectio divina para cada día del año. Vol. 14 (Verbo Divino; Estella 2002) 124.
[3] Resumido de S. Lyonnet, Iniciación a la doctrina espiritual de San Pablo (Roma 1963). Más ampliado se encuentra como "La ley fundamental del apostolado formulada y vivida por san Pablo (2Cor 12,9)" en I. De la Potterie- S. Lyonnet, La vida según el espíritu (Sígueme; Salamanca; 1967) 275-296.
[4] A. Rodríguez Carmona, Evangelio de Marcos (DDB; Sevilla 2006) 68.
[5] El evangelio según San Marcos. Vol. I (Sígueme; Salamanca 1992) 267.
[6] Marcos (Verbo Divino; Estella 2006) 212.
[7] Cf. J. Guhrt, "Escándalo" en Coenen-Beyreuther-Bietenhard, Diccionario Teológico del Nuevo Testamento vol. II (Sígueme; Salamanca 1990) 97-99.
[8] G. Zevini - P. G. Cabra, La Lectio divina para cada día del año. Vol. 14 (Verbo Divino; Estella 2002) 126.
[9] T. Beck – U. Benedetti – G. Brambillasca – Clerici - S. Fauti, Una comunidad lee el Evangelio de Marcos (San Pablo; Bogotá 2006) 193.
[10] Comentario al evangelio de Marcos (Verbo Divino; Estella 1998) 177.
[11] Lecturas bíblicas de los domingos y fiestas. Ciclo B (Mensajero; Bilbao 2008) 226