LINK AUXILIAR:
1ª Leitura: Sabedoria 7,7-11
Salmo Responsorial 89(90)R- Saciai-nos, ó Senhor, com vosso amor, e exultaremos de alegria!
2ª Leitura: Hebreus 4,12-13
Evangelho: Marcos 10,17-30
"17.Tendo ele saído para se pôr a caminho, veio alguém correndo e, dobrando os joelhos diante dele, suplicou-lhe: “Bom Mestre, que farei para alcançar a vida eterna?”. 18.Jesus disse-lhe: “Por que me chamas bom? Só Deus é bom. 19.Conheces os mandamentos: não mates; não cometas adultério; não furtes; não digas falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe”. 20.Ele respondeu-lhe: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha mocidade”. 21.Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-lhe: “Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”.* 22.Ele entristeceu-se com essas palavras e foi-se todo abatido, porque possuía muitos bens. 23.E, olhando Jesus em derredor, disse a seus discípulos: “Quão dificilmente entrarão no Reino de Deus os ricos!”. 24.Os discípulos ficaram assombrados com suas palavras. Mas Jesus replicou: “Filhinhos, quão difícil é entrarem no Reino de Deus os que põem a sua confiança nas riquezas! 25.É mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar o rico no Reino de Deus”.* 26.Eles ainda mais se admiravam, dizendo a si próprios: “Quem pode então salvar-se?”. 27.Olhando Jesus para eles, disse: “Aos homens isso é impossível, mas não a Deus; pois a Deus tudo é possível”. 28.Pedro começou a dizer-lhe: “Eis que deixamos tudo e te seguimos”. 29.Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho 30.que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições – e no século vindouro a vida eterna."
Mc 10, 17-30
Existe, no judaísmo, toda uma tradição que considera a sabedoria como o maior bem que se possa alcançar na terra. Seu valor supera outras coisas consideradas valiosas: pedras preciosas, ouro, etc. Mesmo a saúde não vale tanto quanto ela. Ora, se uma coisa vale mais do que outra, e se impuser uma opção entre duas, a gente tem que abandonar a que menos vale.
É o que acontece com o Reino de Deus. Encontramos no evangelho de hoje um homem que combinava riqueza e vida decente. Ele está à procura da “vida eterna”. Poderíamos dizer: procura a verdadeira sabedoria, o rumo ideal de viver. Pedagogicamente, Jesus recorda-lhe, primeiro, o caminho comum: observar os mandamentos. O homem responde que já está fazendo isso. Então, Jesus o conscientiza de que isso não é o suficiente. Coloca-o à prova. Se realmente quer o que está procurando, terá de sacrificar até sua riqueza (não vale a sabedoria do A.T. mais do que ouro?). O homem desiste, e vai embora. E Jesus fica triste, pois simpatizou com ele.
O homem rico quis entrar no Reino de Deus na base de suas conquistas: a vida decente, a observância dos mandamentos, a sabedoria dos mestres famosos, entre os quais Jesus de Nazaré (10,17).
Jesus rompe essa estrutura mental da vida eterna como conquista, insinuando que por trás do título “bom mestre”, que o homem lhe atribui, se esconde a exigência de uma obediência total, pois só Deus é bom.
O que Jesus lhe pede é, exatamente, superar este modo autossuficiente de proceder. Jesus quer que ele se entregue nas mãos de Deus, desistindo da vida decente cuidadosamente construída na base do trabalho, do comércio, do bom comportamento. Vender tudo e dar aos pobres, e depois, vir a seguir Jesus, fazer parte do grupo dos discípulos que Jesus reuniu em redor de si. Humanamente impossível, isso só é possível para quem se entrega a Deus. É este o teste que Jesus aplicou. E foi exatamente essa graça da entrega que o homem rico não recebeu de Jesus.
Pedro, entusiasta, comparando-se com o rico, exclama que eles, os Doze, abandonaram tudo e seguiram a Jesus: que receberão agora? Jesus não confirma que Pedro realmente abandonou tudo, embora no momento da vocação parecesse que sim (1,16-20). Mas repete a exigência de colocar realmente tudo o que não for o Reino no segundo plano; e então a recompensa será o cêntuplo de tudo que se abandonou.
Podemos verificar isso na realidade: sendo o Reino, desde já, a comunhão no amor de Deus, já recebemos irmãos e irmãs e pais, tudo ao cêntuplo, neste tempo; e ainda “a vida eterna”.
Jesus não exige árido ascetismo, fuga do mundo, e sim, correr o risco de ir ao mundo em sua companhia, abandonando tudo o que nos possa impedir de fazer do Reino valor absoluto, o sentido pleno e critério supremo da vida. Já o próprio modo de abandonar faz parte do Reino. Dar aos pobres é a forma concreta de entregar tudo a Deus: sempre há pessoas para quem nossos bens são mais vitais do que para nós mesmos.
O caminho da vida não é tanto o resultado de cálculo e esforço humano, mas de entusiasmo divino – ao qual nos entregamos com a lucidez que só a luz de Cristo nos dá.
Não devemos pensar que vamos conseguir a herança eterna com base nas posses, poder, capacidade intelectual ou coisa semelhante. É preciso pedir a vida eterna a Deus, como graça. Peçamos a Deus a graça do desapego para participar desse Reino, que já começou no mundo daqueles que seguem Jesus. Que encontremos na alegria do servir a garantia da “herança eterna”.
28º DomTComum - Marcos 10, 17 -30 – Ano B – 13-10-24
“Bom Mestre, o que devo fazer para herdar a vida eterna?”
Uma pergunta fundamental que brota de nossa interioridade: como chegar a viver uma vida que tenha o sabor de “eternidade”, ou seja, para além das limitações do tempo, da fragilidade e da caducidade das relações humanas; em outras palavras, uma vida plena, livre, profunda, transbordante... Todos desejamos dar um sentido à nossa vida, vivê-la com intensidade e com inspiração. Não nos satisfaz a explicação de que viveremos essa vida “na eternidade”: não poderemos começar a vivê-la já agora, em meio às carências, desafios, perdas, fracassos, crises... que vão se fazendo presentes em nossa existência cotidiana?
Aqui não se trata uma aspiração a mais; é o desejo de toda pessoa conseguir uma existência digna e feliz. Quem deseja uma vida vazia? Preenchê-la parece ser a meta, mas a questão é: de quê. Alguns mais, outros menos, mas todos aspiram uma vida plena, intensa, completa...
O “quê” da questão surge quando alguém descobre sua mochila vital transbordante de objetos, riquezas, ansiedades, pressas e vivências que, enganosamente, se mostram valiosos, mas que na realidade não o são. E quão cheia parece estar essa vida! E quão vazia a pessoa pode se sentir! Essa é a “síndrome existencial” onde o acumular embota os sentidos, atrofia o interior e não deixa lugar para o que é verdadeiramente importante. Uma vida cheia? Cheia de quê? De Vida!
Aqueles que seguiram Jesus de perto fizeram a experiência de estar junto de alguém que vivia intensamente, sem colocar sua segurança na posse de bens ou no apego às pessoas, títulos, prestígio, poder... Seu único tesouro era a confiança em seu Pai, e seu projeto, como Mestre, era ensinar as pessoas a viverem a partir da liberdade e da alegria de servir, sem se deixar determinar pelo apego e preocupação em possuir e acumular.
É nesse contexto que alguém, de maneira inesperada, interrompe o caminho de Jesus, ajoelha-se diante d’Ele, chama-o de “Bom Mestre” e manifesta uma pergunta existencial, presente em todo ser humano: que devo fazer para herdar a vida eterna? Chamou Jesus de “Bom Mestre”, não tanto como um reconhecimento de sua bondade, mas porque intuía nele uma autoridade capaz de orientar-lhe à hora de conseguir essa vida que tanto buscava. Mas Jesus, sem maiores explicações, remeteu-o à vivência dos mandamentos. Quando o homem lhe respondeu que os havia guardado desde sua juventude, Jesus fixou nele seu olhar com amor, acentuando a comunicação pessoal com alguém que andava buscando a Deus.
Jesus intui que o homem que está prostrado diante de si é bom, religioso e pratica os mandamentos; ele tem uma consistência humana; por isso, Jesus quer ajudá-lo a ir mais além da simples observância dos preceitos. A vivência dos mandamentos é necessária, mas não basta. Realizar o que está previsto pode ser até fácil e cômodo, mas não há muito mérito nisso; é preciso ser criativo e descobrir caminhos novos, e não apenas cumprir leis e preceitos. Para Jesus, não basta ser apenas cumpridores de normas, por mais recomendáveis e santas que sejam. A cada um Ele diz o que ainda “falta”.
Jesus não se fixa na situação atual daquele homem, preocupado em acumular riquezas, mas vislumbra nele uma outra possibilidade de vida e que estaria esperando em seu interior para nascer, para iluminá-lo nesse novo percurso existencial ao qual o “Bom Mestre” o convida a empreender. Para “herdar a vida eterna” é preciso investir os próprios recursos internos numa vida descentrada, oblativa, comprometida e que se expressa na partilha dos bens com os mais necessitados.
Jesus revela um olhar profundo capaz de vislumbrar o melhor que está presente naquele homem que veio correndo ao seu encontro, esperando uma ocasião para se expressar. Seu olhar contemplativo não permanece na superficialidade da pessoa, nas suas limitações e apegos. Jesus viu, em profundidade, que o rico corria o risco de sufocar os desejos de liberdade, justiça e fraternidade presentes no mais íntimo do seu ser.
No diálogo com ele, Jesus o ajuda a discernir. Propõe-lhe que olhe o seu interior, à luz do amor com o qual Ele mesmo, olhando-o, o ama; é com esta luz do amor que o homem deve verificar a que seu coração está apegado verdadeiramente. Ele deve descobrir que seu bem maior não é acrescentar outros atos religiosos, talvez mais difíceis, mas, pelo contrário, esvaziar-se de si mesmo, vender o que ocupa seu coração para ampliar espaço para Deus. Esta é a chave que o abre à vida e que se encontra justamente na atitude de deixar, soltar, abandonar, desapegar-se, descentrar-se, partilhar... Viver esta vida com sabor de eternidade está longe de acumular, reter, colocar a segurança nos bens...
É uma indicação preciosa também para todos nós. Onde investimos o melhor de nós mesmos? Qual é o “tesouro” que nos seduz? Para onde estão orientados nossos “afetos”?
A “pressa” do homem do relato deste domingo, que veio correndo ao encontro de Jesus, parece que expressa uma falsa inquietude, uma má consciência, a necessidade de perfeição, de ser maior ou o melhor que os outros. Em todo caso, ele não está preocupado com a situação dos outros, mas com sua própria situação, com sua vida futura. Que importa a ele a situação dos camponeses, dos sem-teto, dos doentes... ou dos excluídos com os quais Jesus mais se preocupa?
Jesus o desafia a romper com seu mundo fechado, com seu modo legalista de viver... O desafio consiste em ir além da prática dos mandamentos, radicalizando-a. Como? Vivendo a solidariedade com os pobres e o desapego, numa experiência real da centralidade de Deus em sua vida, sem resquícios de idolatria. E, além disso, dar o passo do discipulado do Reino, no seguimento de Jesus.
Tal desafio deixa o homem contristado. O apego aos bens torna árido o seu coração, fecha-o no egoísmo, impede que ele se abra na direção de Deus e dos irmãos. O “homem rico” do evangelho de hoje é o nosso espelho: nele nos vemos; nele Jesus nos desafia a sair de nossa acomodação, a romper nossa prática rotineira das leis, do apego aos bens, prestígio, poder... (falsos ídolos que nos desumanizam).
Jesus “olhou aquele homem com amor” e viu em seu interior ricas possibilidades, impulsos para algo maior, o desejo do “mais” ... Ele também dirige o seu “olhar” para cada um de nós e capta a grandeza e a nobreza presentes no nosso coração. Somos seres de travessia, de largos horizontes... Somos, por natureza, expansivos, em contínuos deslocamentos nos projetos, nos relacionamentos, na maneira de viver...
Nós nos humanizamos à medida que nos deixamos mover pelos sonhos, projetos, desejos profundos... Ao mesmo tempo, Jesus, com seu olhar, “lê”, no mais escondido de nosso interior, os mais diferentes medos e apegos que minam a força e a coragem do seguimento.
Carregamos em nosso coração um “gérmen de vida” que busca desenvolver-se e chegar à plenitude. Santo Inácio nos diz que “Deus pôs grandes desejos em nosso coração”. O desejo é desejo de vida. O desejo não é a posse, mas a expectativa. Como explica Santo Agostinho, o desejo escava no nosso interior uma capacidade maior de receber.
Quem se julga saciado ou pouco interessado em aceitar um esvaziamento de si, apaga dentro dele este desejo que tem sabor de eternidade e embarca numa vida medíocre e sem criatividade.
Para meditar na oração:
Diante de Jesus, que desafia a todos a “fazer estrada com Ele”, deixar ressoar estas perguntas: “há vida na minha maneira de viver atualmente?
Há algum “afeto desordenado” que atrofia as potencialidades presentes em meu interior?
Quem é o “senhor” que move meu coração?
A quê me dedico a investir os melhores recursos que recebi como dons?
O mundo dos pobres e excluídos desperta uma sensibilidade solidária em mim, ou permaneço “indiferente” frente a esta cultura do consumismo e do esbanjamento?...”
Antes de se pôr a caminho, um desconhecido aproxima-se de Jesus a correr. Ao que parece tem pressa de resolver o seu problema: «Que devo fazer para herdar a vida eterna?». Não o preocupam os problemas desta vida. É rico. Tem tudo resolvido.
Jesus coloca perante a Lei de Moisés. Curiosamente, não o recorda os dez mandamentos, mas só os que proíbem de atuar contra o próximo. O jovem é um homem bom, observante fiel da religião judia: «Tudo isso tenho cumprido desde jovem».
Jesus olha-o com carinho. É admirável a vida de uma pessoa que não fez mal a ninguém. Jesus quer atrai-lo agora para que colabore com Ele no Seu projeto de fazer um mundo mais humano, e faz-lhe uma proposta surpreendente: «Uma coisa te falta: anda, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres… e depois vem e segue-me».
O rico possui muitas coisas, mas falta-lhe o único que permite seguir Jesus de verdade. É bom, mas vive apegado ao seu dinheiro. Jesus pede-lhe que renuncie à sua riqueza e a coloque ao serviço dos pobres. Só partilhando o que é seu com os necessitados poderá seguir Jesus colaborando no Seu projeto.
O homem sente-se incapaz. Necessita de bem-estar. Não tem forças para viver sem a sua riqueza. O seu dinheiro está acima de tudo. Renúncia a seguir a Jesus. Tinha vindo a correr entusiasmado para Ele. Agora afasta-se triste. Não conhecerá nunca a alegria de colaborar com Jesus.
A crise económica convida-nos, aos seguidores de Jesus, a dar passos para uma vida mais sóbria, para partilhar com os necessitados o que temos e simplesmente não necessitamos para viver com dignidade. Temos de nos fazer perguntas muito concretas se queremos seguir Jesus nestes momentos.
O primeiro é rever a nossa relação com o dinheiro: que fazer com o nosso dinheiro? Para que poupar? Em que investir? Com quem partilhar o que não necessitamos? Logo rever o nosso consumo para o fazer mais responsável e menos compulsivo e supérfluo: Que compramos? Onde compramos? Para que compramos? A quem podemos ajudar a comprar o que necessitam?
São perguntas que temos de nos fazer no fundo da nossa consciência e também nas nossas famílias, comunidades cristãs e instituições da Igreja. Não faremos gestos heroicos, mas, se damos pequenos passos nessa direção, conheceremos a alegria de seguir Jesus contribuindo para fazer a crise de alguns um pouco mais humana e leve. Se não é assim, iremos sentir-nos bons cristãos, mas à nossa religião faltará alegria.
Leituras
Primeira leitura - Sabedoria 7, 7- 11
Salmo 89 (90) 12, 13, 14, 15, 16, 17- R/ 14
Segunda leitura - Hebreus 4, 12 -13
Evangelho - Marcos 10, 17-30 - ou abreviado Marcos 10, 17 -27 (homem rico)
1- Situando-nos
O capítulo décimo do evangelho de Marcos apresenta três desafios concretos a quem quer ser discípulo de Jesus: 1- Como encarar o matrimônio, 2 - A opção pelos pobres, 3- Como se posicionar diante das riquezas.
Hoje, o evangelista Marcos faz uma narração paradigmática a respeito de um homem muito rico que quis ser discípulo de Jesus e termina com um desfecho frustrado.
Jesus está a caminho de Jerusalém, onde será morto pelo sistema da época, dominado pela absolutização do poder, do ter e do saber, pelos saduceus, os sumos sacerdotes e os doutores da Lei. No caminho alguém corre ao encontro de Jesus. Marcos não identifica quem é essa pessoa e isso tem intenção catequética: qualquer um que esteja à procura de Jesus poderá identificar-se com aquele que costumamos chamar ‘jovem rico’. Essa pessoa, como todo discípulo de Jesus, está à procura da verdadeira herança: que devo fazer para ganhar a vida eterna?
O texto é rico em detalhes. Marcos mostra esse homem correndo, ajoelhando-se diante de Jesus, falando de igual para igual. Alguém que se sente livre, senhor de si, inteligente e sábio. Uma pessoa tão especial assim pode abordar o Mestre de frente. Mas na ótica do livro da sabedoria é um insensato.
O encontro com Jesus é determinante, porque lhe mostrará como exigência fundamental para estar com Ele no caminho, a superação das prescrições da Lei. A série de mandamentos recordados por Jesus, diz respeito à justiça social: não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, não enganar, honrar pai e mãe. Jesus não faz nenhuma exigência em relação a Deus. Tudo diz respeito às relações sociais justas, o respeito pela vida, pela propriedade, integridade e bens vitais dos outros, bem como o respeito pelos pais, fonte originante da vida.
A resposta do homem rico é surpreendente: mestre tudo isso tenho observado desde a minha juventude! (20). Trata-se de um Justo na vivência da Lei e da religião. Tem consciência de não haver cometido injustiças e vê como benção de Deus o acúmulo de riquezas e fortuna. Ele crê não ser necessário fazer mais nada para ser discípulo de Jesus, possuir a herança eterna e participar do reino.
Jesus lhe mostra que não basta não ter feito nada de mal, não ter prejudicado pessoa alguma. É preciso ir além, porque a riqueza é expressão de carência e até de impedimento para o reino. Só uma coisa te falta: vá venda tudo o que têm e dê aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois venha e siga-me (21). Aí está a novidade da mensagem de Jesus: para ser cristão não basta não ter prejudicado as pessoas, será necessário vender tudo e dar aos pobres, numa partilha total.
Alcança-se aqui o novo conceito de justiça, que não nasce do cálculo legal, mas do exercício da misericórdia em relação aos pobres. A rigor, só depois disso é que as pessoas poderão seguir a Jesus. Depois venha e siga-me. Somente após o desfecho final, Marcos mostra quem era esse homem atordoado com a proposta de Jesus. Trata-se de um grande proprietário de terras, adquiridas legalmente. Na sua concepção era sinal da benção divina. Ele esperava que Jesus lhe tranquilizasse a consciência, permitindo-lhe ser cristão e dono de grandes propriedades, fechado em si mesmo. A proposta de Jesus é radical: venda tudo é dê aos pobres.
Seguir Jesus implica em desligar-se de tudo aquilo que aprisiona e escraviza seu coração. Somente quem coloca o reino acima de tudo consegue segui-lo. É uma graça de Deus que se torna uma nova riqueza a substituir a que foi abandonada: ganha-se a comunhão cristã nesta vida e a vida eterna na era futura.
2- Recordando a Palavra
Primeira leitura - Sabedoria 7, 7- 11
A sabedoria vale mais do que tudo. O livro da Sabedoria é um escrito quase contemporâneo de Jesus (século primeiro antes de Cristo). Apesar da distância histórica, suas sentenças são postas na boca do rei Salomão, símbolo de pessoa sábia. Salomão, ao colocar a sabedoria acima de tudo, recebe de Deus a recompensa por esta atitude de humildade e de sabedoria.
Sabedoria é uma releitura sapiencial da oração de Salomão e da resposta de Deus (1 Reis 36, 13). De fato, pedir a Deus um coração dócil, a capacidade de fazer justiça e de discernir o bem do mal, equivale como reconhecer o próprio Deus a pedir do dom da sabedoria.
Esta reflexão animou os judeus da diáspora, que necessitavam se defender da falsa sabedoria deste mundo, que era a cultura helenística, baseada nos prazeres corporais. Para buscar a sabedoria que vem de Deus, entenderam que seria necessário cumprir a sua Lei. O autor não despreza o poder, a riqueza e a saúde, mas sabe que sem a sabedoria de nada valem. O sol brilha durante o dia e a sabedoria é uma luz para sempre.
Segunda leitura - Hebreus 4, 12 -13
A Palavra de Deus é viva e operante em Jesus Cristo. Nestes dois versículos, o autor elabora uma teologia da Palavra de Deus, que já ressoou por meio de Moisés e, que agora, é capaz de oferecer a felicidade definitiva à humanidade, em Cristo Jesus. Como ouvintes desta Palavra, a nossa sorte é decidida por seu acolhimento ou sua recusa. Daí a necessidade da docilidade obediente à Palavra de Deus.
A Palavra, por si mesma, possui o infalível poder de discernimento e de juízo (cf Ap16 e Ef 6, 17). Esse julgamento, o Pai o realiza por meio do Filho ( cf Jo 5, 26-29).
Como a Palavra de Deus é viva e operante em Cristo, ela é personificada e dinâmica. Ela dirige a história desde o começo até o fim. E como Palavra operante, provocando decisão, assim deve ser também a Palavra da Igreja: não um discurso sobre Deus, mas, um colocar-se sob seu juízo para proclamar esta mesma Palavra viva e edificante, que torna presente a salvação divina e seu juízo permanente.
Hebreus acentua a mensagem do evangelho de hoje, apresentando a pessoa de Jesus como a Palavra de Deus ativa na história, de forma decisiva e operante, como uma espada de dois gumes. Diante dela devemos optar. Neutralidade não existe.
Evangelho - Marcos 10, 17-30
Desapego e disponibilidade para o seguimento a Jesus. Um homem se apresenta a Jesus para segui-lo. Trata-se de uma pessoa exemplar, que busca a sabedoria. É tão precavido que quer, inclusive, fazer uma poupança até para a vida eterna. É uma pessoa livre e destemida, que encara Jesus frente a frente.
Inicia-se o diálogo entre o homem e Jesus. Como ele quer saber o que deve fazer para se salvar, Jesus lhe apresenta os mandamentos como caminhos de salvação. O que impressiona é que nesta lista Jesus só aponta os mandamentos que se referem aos relacionamentos sociais e não a Deus diretamente. É como se o homem quisesse chegar a Deus sem passar pela mediação do irmão e Jesus redireciona seu olhar para o próximo.
Quando Jesus afirma que não basta observar os mandamentos materialmente, mas exige-lhe uma doação total, a reação do homem foi de fechamento. Neste momento revela-se algo de sua identidade que estava escondido: era muito rico.
Como as riquezas podem se tornar obstáculos no caminho do reino! A exigência proposta por Jesus assusta a quem quer ser seu discípulo, a tal ponto que causa espanto no grupo restrito dos apóstolos, representado pela reação de Pedro. E Jesus reafirma que o discipulado consiste em se colocar continuamente diante de uma opção: Deus ou as riquezas.
3- Atualizando a Palavra
A concepção de riqueza e pobreza diverge tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Em alguns casos há até mesmo uma oposição, mesmo nos textos mais recentes do Antigo Testamento.
São vários textos que se comprazem em elevar e enaltecer a riqueza dos personagens da história de Israel e dos seus reis, como Jó, Davi, Salomão, Josafá, Ezequias. Deus é, muitas vezes, apresentado como aquele que enriquece aos que o ama, como a Abraão, Isaque, Jacó. A riqueza é apresentada como sinal da generosidade divina e imagem da abundância messiânica. A prosperidade material é sinal da benção e aceitação divinas.
Aparece no Novo Testamento uma nova perspectiva nas atitudes de Jesus e das primeiras comunidades cristãs diante da riqueza. Percebe-se claramente essa distinção, quando comparamos as bem-aventuranças e as maldições do Sermão da Montanha, diante das bem-aventuranças e das maldições prometidas pelo Deuteronômio, conforme seja ou não Israel fiel à Aliança (Dt 28).
A distância entre o Antigo e o Novo Testamento é mais evidente, devido à centralidade do reino, anunciado por Jesus, como um dom total de Deus, que para ser acolhido, exige-se o desprendimento mais completo para adquirir esta pérola preciosa e tesouro único.
Para seguir a Jesus é preciso despojar-se de tudo. De fato, não se pode servir a dois senhores: Deus e o dinheiro. O dinheiro é um senhor exigente que sufoca o coração do avarento, bloqueia-o no caminho da perfeição e, mesmo os corações mais bem dispostos, podem se fechar, como bem alertava Santo Agostinho: o dinheiro é um excelente escravo, mas um péssimo patrão.
A palavra do evangelho toca no absoluto e na soberania do reino de Deus, que não admite exceções. Quem não renuncia a tudo que tem não pode ser meu discípulo (cfLc 14, 33). Só os pobres são capazes de acolher a boa-nova (Is 61, Lc 4, 18). É precisamente fazendo-se pobre por nós que o Senhor pode enriquecer-nos (2 Cor 8,9) com suas imperscrutáveis riquezas (Ef 3,8).
Disponibilidade e desapego. O dinheiro e a riqueza não são um mal em si. Tornam-se mal quando se coloca neles seu fim último e fazem deles o seu ídolo, dizendo-lhe um amém absoluto, que é devido somente a Deus. De um lado, a riqueza pode ser símbolo de muitas iniquidades e lembrarão as terríveis injustiças à custa das quais foi adquirida. Doutro lado, resultado do árduo trabalho humano, que é por ele retribuído e das esperanças humanas que ele pode realizar. Como bem alertava São João Paulo II: ser rico não é pecado. Pecado é ser rico sozinho. O problema maior, como ele denunciava é ser rico às custas dos pobres.
Na realidade, a pobreza proposta também ao rico não significa não ter nada, mas comprometer-se com os pobres, especialmente com os que não têm capacidade de organizar-se, defender-se e libertar-se. Comprometer-se cristãmente é partilhar as próprias riquezas como São Francisco de Assis.
4- Ligando a Palavra com a ação litúrgica
A primeira leitura e o evangelho mostram o engano da riqueza. Nosso país oscila entre a insensatez do capital e o escândalo da miséria. É 74º em desigualdade. A exigência de Jesus se baseia no despojamento de tudo em vista da partilha.
O discípulo de Jesus é capaz de deixar tudo para segui-lo. Jesus garante que quem tem coragem de fazer isso começa a participar do reino. Quem deixa tudo por causa dele, acaba recebendo cem vezes mais, porém há uma advertência de que o reino será perseguido por aqueles que se fecham na ganância da posse e se excluem do reino. Mas Jesus que também foi rejeitado está com a comunidade dos perseguidos por causa dele e do seu Evangelho.
Nossa comunidade conhece alguma experiência de partilha e fraternidade? Onde estão as sementes da nova sociedade, como sinais do reino, lançadas pelos que seguem a Jesus? Quais os sinais de que já está se cumprindo em nós a promessa do cêntuplo daquilo que renunciamos? Temos enfrentado alguma perseguição?
A segunda leitura fala da força da Palavra de Deus. Em quais circunstâncias a Palavra de Deus tem animado as lutas do povo por liberdade e vida? Em quais momentos a Palavra de Deus demoliu, desnudou, desarmou e destruiu sementes de injustiça e de maldade?
Naquele tempo, quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele, e perguntou: "Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?"
Jesus disse: "Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!"
Ele respondeu: "Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude".
Jesus olhou para ele com amor, e disse: "Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!"
Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.
Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: "Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!"
Os discípulos se admiravam com estas palavras, mas ele disse de novo: "Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!"
Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso, e perguntavam uns aos outros: "Então, quem pode ser salvo?"
Jesus olhou para eles e disse: "Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível".
Pedro então começou a dizer-lhe: "Eis que nós deixamos tudo e te seguimos".
Respondeu Jesus: "Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, durante esta vida — casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições — e, no mundo futuro, a vida eterna.
O texto sobre o qual meditamos neste domingo nos diz que Jesus saiu em uma viagem. Mais uma vez, vemos Jesus no caminho, passando por cidades e vilarejos, indo de um lugar para outro. O Evangelho de Marcos nos dá esse vislumbre de um Deus que não está parado, que está em movimento e, nesse ir e vir, ele comunica as boas novas do Reino a todos aqueles que o encontram e também ensina seus discípulos a vivê-las.
“Veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele, e perguntou”
Com essa breve introdução, nos preparamos para receber uma pergunta importante que desencadeia um diálogo muito profundo, no qual o amor de Jesus, sua ternura, seu olhar individual e amoroso serão revelados de forma significativa. É narrado que uma pessoa, às vezes identificada como um jovem - talvez também uma jovem mulher - vem correndo até Jesus.
Certamente essa pessoa o viu, seguiu-o, ouviu suas palavras, deixou-se tocar por sua mensagem e, quando viu que Jesus estava prestes a continuar seu caminho, saiu correndo para fazer-lhe esta pergunta.
É uma pergunta diferente das que ele já havia recebido antes. Não se trata de uma exigência, nem de um interrogatório, nem de uma interpelação, como fizeram os fariseus quando o interrogaram com a intenção de “tentá-lo”, como lemos no domingo passado. Essa pessoa está lhe fazendo uma pergunta “sincera”, que vem do coração de alguém que se sente tocado pelas palavras e ações de Jesus.
A narrativa do texto nos deixa abertos para imaginar a cena de alguém que, quase no fim, se deixa tocar “quase no fim” e ousa fazer sua pergunta: "Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?" Ele é uma pessoa religiosa que tem sua esperança na vida eterna, em fazer tudo para alcançá-la, em cumprir tudo o que é prescrito para merecê-la. Movido por esse profundo desejo, ele vai até Jesus, corre até ele e se ajoelha, reconhecendo-o como “bom Mestre”, e Jesus começa o diálogo dizendo-lhe: “Por que você me chama de bom? Só Deus é bom, e ninguém mais. Você conhece os mandamentos”. Reconhecido como um mestre, Jesus continua ensinando e deixa claro que somente Deus é bom. Com sua resposta, Jesus nos remete à imagem do Antigo Testamento, que em várias ocasiões falará sobre a bondade de Deus, como diz o Salmo 25,8. Nesse ponto, ele abre uma nova perspectiva para aqueles que testemunham esse momento. Jesus continua: "Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!"
Parece que Jesus aceita ser chamado de mestre, mas precisa deixar claro que suas ações, sua bondade, vêm do Pai, de seu relacionamento íntimo com Ele. Jesus não age para merecer a vida eterna! Sua presença, sua vida, sua ação em nosso meio não tem a ver com guardar os mandamentos e “ganhar a vida eterna”, como talvez tenha pensado o jovem que fez a pergunta. Ao deixar claro que somente Deus é bom, Jesus responde à pergunta com a declaração sobre os mandamentos que a pessoa já conhece.
E, diante da perseverança do jovem que responde "Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude", Jesus abre uma nova porta que leva a um caminho diferente: segui-lo, ser seu discípulo. Ele não é apenas um mestre, alguém a ser imitado em seu modo de viver ou agir. Jesus olhou para ele com amor e disse: "Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!". O Evangelho destaca o olhar de amor de Jesus, acompanhado do convite para segui-lo. Não se trata apenas de fazer algo, mas de dar aos pobres. Não se trata apenas de fazer o bem de acordo com um programa preestabelecido, mas do convite para deixar que seu amor toque nossas vidas. Permitir que seu olhar se irradie em nossa história, cure nossas feridas e liberte nossas ações. Mas, para isso, é necessário alargar nossos corações, deixar de lado nossas amarras e ousar navegar no aparentemente desconhecido.
A pessoa que vem a Jesus não ousa se desprender daquilo que lhe dá segurança, separar-se do que acumulou, e “quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico”.
Ele está se apegando às suas riquezas, à estabilidade e à aparente garantia que o cumprimento dos mandamentos lhe dá. Ele não é incentivado a caminhar com Jesus, deixando para trás uma religiosidade segura e controlada. Ser discípulo de Jesus implica entrar em uma nova realidade, Ele é o Caminho, e o convite é segui-lo com esperança Nele, em Seu amor. Caminhar com Ele é descobri-Lo permanentemente naqueles que nos rodeiam e deixar-nos habitar pelo Seu Espírito que nos encoraja na esperança diante das dificuldades, que nos leva a reconhecê-Lo de uma maneira nova a cada dia. A vida eterna não está “depois da morte”, como se poderia pensar, mas a vida eterna está aqui e agora: no seguimento de Jesus...
Neste domingo, Jesus nos convida a abrir mão de nossas seguranças, a não nos prendermos a projetos que se tornam pequenos “deuses pessoais”, bandeiras que voam “fazendo o bem”. Nós nos perguntamos: quais são essas atitudes ou maneiras de viver nossa vida cristã que “nos asseguram que estamos no caminho certo”? A que ou a quem estamos respondendo em nosso seguimento de Jesus?
Quais são esses mandamentos que, diante das palavras de Jesus, não ousamos abandonar porque continuamos apegados a eles, porque são nossos bens, aqueles que construímos em nossa jornada cristã, mas que hoje Jesus também nos convida a abandonar.
A narrativa de hoje inicia-se com a frase: “Quando Jesus saiu de novo a caminhar”. Novamente estamos na caminhada com Jesus. Uma caminhada que é uma aprendizagem para o discipulado. Uma caminhada que o leva cada vez mais perto a Jerusalém, lugar da crise definitiva da sua vida. Ao longo dessa caminhada, Jesus luta com a incompreensão dos seus discípulos, até dos mais chegados a ele. Como a mentalidade deles era formada pela ideologia dominante, eles tinham dificuldade em apreciar a reviravolta de valores que Jesus e a sua mensagem significavam. Nos domingos anteriores, vimos essa tensão no trato das questões do poder, do divórcio, das crianças. No texto de hoje, Jesus põe em cheque o ensinamento comum sobre a riqueza e a pobreza.
A cena é muito conhecida. Um homem pede orientação sobre como entrar na vida eterna. Em um primeiro momento, Jesus coloca diante dele a exigência conhecida por todo judeu piedoso e ensinada pelas escolas rabínicas: o cumprimento dos mandamentos. O homem, sem dúvida, um praticante piedoso da Lei, sente que isso não é o suficiente, pois é o mínimo. Jesus, então, põe diante dele as exigências do Reino: despojar-se dos bens, partilhá-los com os pobres e seguir Jesus. Isso o homem é incapaz de aceitar. Estava amarrado aos seus bens, pois era muito rico (v. 22). Fez a sua opção. Optou por uma vida “regular” que não exigisse partilha nem despojamento. Em consequência, foi embora “muito abatido”, pois tinha colocado bens secundários acima do bem maior.
Contudo, o centro da narrativa está no debate entre Jesus e os seus discípulos. O Mestre afirma que “é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!” (v. 25). Muitas vezes, gastamos muita energia em debater o que significa “o buraco da agulha” (quase sempre tentando diminuir o seu impacto!) e deixamos de lado o aspecto mais importante, isto é, a reação dos discípulos! Eles ficaram “muito espantados” quando ouviram isso e se perguntaram: “então, quem pode ser salvo?”. Por que ficaram espantados? O que houve de espantoso na colocação de Jesus? Aqui está o âmago da questão.
O espanto dos discípulos, conforme a mentalidade comum naquela época, era causado pelo fato de que a riqueza era considerada sinal da bênção de Deus. , Enquanto isso, a pobreza era vista como sinal da maldição. Ainda hoje, essa ideia continua presente em certas igrejas ou setores de igrejas. Para eles, quem não iria se salvar era o pobre, pois o rico era abençoado. Aqui é bom lembrar que se trata de “entrar no Reino de Deus”, o que não é sinônimo de salvação eterna. A salvação depende da gratuidade e misericórdia de Deus, e diante de tal mistério só cabe à gente calar-se.
O Reino de Deus deve ser uma experiência já existente entre nós, mesmo que não em plenitude, e que significa experimentar os valores do Reino na vida cotidiana. O rico dificilmente entra nesta dinâmica porque normalmente é autossuficiente, atrelado a um sistema classista e injusto e com grande dificuldade para partilhar e para sentir a sua dependência de Deus.
A proposta de Jesus desafia as ideologias, disfarçadas de teologia e espiritualidade, que veem a riqueza como sinal da bênção de Deus. A proposta dele não é riqueza acumulada, mas riqueza partilhada. Não é o egoísmo, mas a solidariedade e a justiça, de modo que todas as pessoas possam ter o suficiente. O texto deixa claro que viver esta proposta tem consequências, pois quem é do projeto deste mundo fatalmente promoverá a perseguição. Quem segue Jesus na prática da solidariedade, encontra uma felicidade mais duradoura, mas com perseguição. Porém, já vive a certeza da plenitude do Reino que virá (v. 29-31).
Texto partilhado pelo autor (em memória). Editado e revisado por Ildo Bohn Gass, biblista popular, autor e assessor do Centro de Estudos Bíblicos.
DOMINGO XXVIII DO ANO – CICLO “B”
Primeira leitura (Sb 7,7-11):
Este texto é um elogio à Sabedoria, que se apresenta como o valor supremo, muito acima de tudo o que os homens costumam aspirar: poder, riqueza, saúde, beleza. Esta Sabedoria não é algo que se consegue apenas com o esforço humano, mas é um dom exclusivo de Deus e por isso devemos pedi-la em oração (rezei... implorei). Mas ao mesmo tempo é necessária a opção do homem por isso, deve ser preferido a tudo: ao poder (cetros e tronos); à riqueza (pedras e metais preciosos), à saúde e à beleza, à luz do dia. E esta preferência se baseia no fato de que a Sabedoria supera todos esses bens, vale muito mais que eles. Ora, esta preferência ou predileção não é desprezo pelas realidades ou bens temporais com os quais a Sabedoria é comparada. Além disso, o texto afirma que “junto com ela (sabedoria) todas as coisas boas vieram a mim”. Mas é preciso notar que estes bens não se reduzem a bens temporais ou humanos, mas referem-se especialmente a dons divinos, em particular à imortalidade e à amizade com Deus (cf. Sab 7,14)[1].
Infelizmente, o versículo 7:12 é omitido, onde diz que quem tem Sabedoria pode desfrutar de todas as coisas boas que ela lhe oferece. Ou seja, a Sabedoria permite valorizar e usufruir de todos os bens de forma justa, saudável e equilibrada.
Evangelho (Mc 10,17-30):
O evangelho de hoje contém duas partes ou subseções: 10,17-22 onde é narrado o encontro de Jesus com o homem rico; e 10:23-30 que contém o ensino particular de Jesus aos seus discípulos.
A primeira cena acontece no caminho para Jerusalém, quando Jesus é inesperadamente abordado por “alguém” (“um”, diz o texto, destacando seu anonimato) que vem correndo com uma pergunta nos lábios. Ele se ajoelha e chama Jesus de “bom professor”, por isso presumimos que ele tinha grande respeito por ele e valorizava seu ensino. E imediatamente lhe faz uma pergunta: “Bom Mestre, o que devo fazer para herdar a Vida eterna?” (10,17).
Não é fácil especificar o que Marcos quer dizer com “vida eterna” (ζωὴν αἰώνιον), uma vez que a expressão aparece apenas aqui e em 10:30 em seu evangelho. Pela expressão de Marcos 10:23 (“Quão difícil será aos ricos entrar no Reino de Deus!”) podemos equiparar “vida eterna” ao “Reino de Deus”. E sabemos que desde o exílio a ideia do Reino de Deus foi adquirindo, em algumas correntes do Judaísmo, a representação de um reino transcendente, escatológico, celeste e eterno (cf. Dn 7, 13-14; Sl 96 e 98). E também é importante ter em mente que para a Bíblia a vida está intimamente ligada a Deus a tal ponto que estar em comunhão com Deus é estar vivo; e romper a comunhão com Deus é, de certo modo, morrer (cf. Gn 3). Portanto, podemos supor que este homem, ao questionar Jesus sobre o caminho para alcançar a “vida eterna”, quer saber como viver em plena comunhão com Deus nesta vida e na próxima.
Além disso, notemos algo que é muito importante considerando a formação especificamente judaica: a preocupação deste homem com “o que deve fazer” para “herdar” a vida eterna. Portanto, a questão visa conhecer o caminho (conduta) que o homem deve seguir para alcançar a vida eterna, para se tornar merecedor dela.
Jesus lhe responde em dois momentos. Primeiro, ele responde ao apelo do “bom professor” dizendo que só Deus é bom. Esta resposta ainda nos confunde um pouco hoje. Segundo J. Gnilka[2], a intenção de Jesus com esta frase é referir-se diretamente a Deus e à sua vontade, cuja responsabilidade exclusiva é determinar o que é bom e, portanto, nos permite herdar a vida eterna. Esta interpretação é coerente com o que se segue, pois no segundo momento da sua resposta Jesus refere-se aos mandamentos de Deus. Especificamente, Jesus cita 6 mandamentos, dos quais 5 pertencem ao decálogo (do 5º ao 8º mais o 4º); e o restante – “não fraudar nem prejudicar” – poderia ser uma referência a Eclo 4,1 e Dt 24,14. Outros pensam que Jesus acrescenta isso de propósito, dada a situação rica do homem e sua propensão para negócios fraudulentos. A verdade é que o elemento comum a todos eles está na natureza social destes mandamentos, que costumam ser considerados a segunda tábua do decálogo, pois se referem à relação com os outros, ao amor ao próximo.
A resposta do homem, que pressupõe que conhece bem estes mandamentos, é que os cumpriu desde a juventude. Ele é, portanto, um judeu observador e piedoso.
A seguir, Marcos nota um gesto de Jesus com grande carga emocional: “fixando nele o olhar, amou-o”. Este olhar amoroso de Jesus implica um apreço por este homem que cumpriu a vontade de Deus e também dá razão ao apelo a deixar tudo e segui-lo: «Só te falta uma coisa: vai, vende o que tens e dá-o aos pobres. ; então você terá um tesouro no céu. Então venha e siga-me.
O convite a renunciar a todos os seus bens deve ser entendido aqui como uma exigência ou condição para seguir Jesus e como uma resposta de amor a Ele. A renúncia é o sinal claro da sua decisão de amar Jesus acima de todas as coisas. De certa forma, exige o cumprimento do primeiro mandamento que pede ter Deus como único Senhor e não ter ídolos, que aqui seriam riquezas. Como bem observa J. Gnilka[3]: “com o convite a seguir responde-se à pergunta do homem sobre o que deve fazer [...] Seguir Jesus significa união com Aquele que era pessoalmente pobre, que não espera dele consolações. "mundo e, portanto, vai decididamente à cruz".
Essa exigência radical de Jesus causou tristeza no homem que saiu triste porque tinha muitos bens. Não há palavras dele, mas sim seu gesto e seus sentimentos são narrados.
Dado que para o primeiro deles foi utilizado o verbo grego στυγνάζω, que também significa sombrio ou nublado, O. Vena[4] propõe traduzi-lo como “ficou escuro”. É interessante comparar a atitude e os gestos deste homem quando se aproxima de Jesus (10:17) e os que ele tem agora ao se afastar dele (10:22). É importante ter em mente aqui que para o Antigo Testamento a riqueza é considerada um sinal da bênção de Deus. Como exemplo, entre muitos, temos a vida dos patriarcas Abraão e Jacó. Mas notemos também que, especialmente depois do exílio, a possessividade ou o apego à riqueza foi considerado um perigo ou uma tentação que pode levar ao esquecimento de Deus (cf. Dt 8, 11-16).
Agora, voltando ao evangelho de hoje, vemos que esta cena será ocasião para um ensino de Jesus aos seus discípulos em particular, que é a segunda parte dela. Diante deste convite frustrado ao seguimento, Jesus tira como primeira conclusão a dificuldade, para os ricos, de entrar no Reino. Para espanto dos discípulos, ele estende esta dificuldade a todos os homens: “Como é difícil entrar no Reino de Deus!” Mas depois faz uma comparação onde se refere novamente aos ricos: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”. Isto é uma hipérbole ou exagero porque “o camelo é o maior animal do Oriente Próximo e o buraco da agulha é a menor abertura”[5]. Outrora exegeta, confrontado com as tentativas dos seus outros colegas de tornar este provérbio menos escandaloso através de várias interpretações com suporte textual duvidoso (como aquela em grego que se deve ler em vez de kámēlon – camelo – kámilon que significa fio grosso ou corda; ou que a agulha se refere a uma das portas de Jerusalém), disse: não se pode encolher o camelo nem aumentar a agulha.
A favor do caráter escandaloso do provérbio está a reação dos discípulos, que ficam ainda mais surpresos e dizem: “Então quem pode ser salvo (τίς δύναται σωθῆναι)?” (10.26). Esta tradução é preferível porque reflete a voz passiva do verbo “salvar” e deixa claro que o homem não pode salvar-se a si mesmo, como este homem pensava juntamente com grande parte da teologia do seu tempo. Notemos também que existe um paralelismo entre as afirmações: herdar a vida eterna, entrar no Reino e ser salvo. Em última análise, é a mesma pergunta e tem a mesma resposta: “Para os homens é impossível, mas não para Deus, porque com ele tudo é possível” (10:27).
Jesus está dizendo que a salvação do homem, a sua entrada na vida eterna ou no Reino, é, em última análise, uma Graça, um Dom de Deus. E é principalmente por esta razão que será difícil, senão impossível, para um rico salvar-se: porque não acredita que precisa desta Graça, porque pensa que pode alcançá-la por si mesmo. Portanto, aqui o rico é rico antes de mais nada de coração; enquanto o pobre, a criança, é quem reconhece a necessidade da Graça para se salvar. O rico tem o coração cheio de si; O pobre e a criança sabem que devem receber tudo de Deus, especialmente a salvação, o Reino, a vida eterna.
Pedro, sempre Pedro, é quem fala em nome do grupo com a sua grande espontaneidade. E pergunte a Jesus o que acontecerá com aqueles que já renunciaram aos seus bens nesta vida para segui-lo. A eles Jesus promete cem vezes mais, com perseguições, nesta vida; e no futuro, a vida eterna. Este último diálogo prova que Jesus não é maniqueísta, não considera maus os bens terrenos; Mas o apego a eles é muito perigoso, colocando neles segurança e enriquecendo o coração. Por isso lhes promete que terão mais bens e afetos, mas recebidos como dádiva, depois de terem renunciado à posse deles. Quem tem esta pobreza de coração também receberá a vida eterna. Portanto, depois de um longo caminho encontramos a resposta de Jesus à primeira pergunta: “o que devo fazer para herdar a Vida eterna?” Devo tornar-me criança, pobre de espírito, para seguir Jesus dando-lhe exclusivamente o primeiro lugar na minha vida. Devo renunciar emocionalmente a tudo, até mesmo à pretensão de poder me salvar, de receber tudo como Graça de Deus.
ALGUNS PENSAMENTOS:
Sabemos que este caminho que Jesus percorre com os seus discípulos rumo a Jerusalém se torna uma autêntica escola de vida cristã. É um caminho ou processo discipular porque através dele se aprende, intelectual e existencialmente, a ser cristão, seguidor de Cristo.
O evangelho nos convida a meditar sobre as exigências do seguimento de Jesus. E o primeiro deles que nos é apresentado é o cumprimento dos mandamentos.
Hoje falar sobre mandamentos não cai nada bem; Parece algo que tira a nossa liberdade. Porém, os mandamentos de Deus são o canal e guardião da liberdade dos filhos de Deus. Com efeito, por trás de cada NÃO, não mate, não roube... há um SIM à vida plena, um SIM aos valores do evangelho: amor, verdade, justiça, misericórdia, fidelidade e liberdade. Deus nos deu os mandamentos para que possamos “canalizar” nossas vidas e concentrar nossas energias no que é bom, verdadeiro e belo, ou seja, no Reino de Deus e na Vida eterna. E cumprindo a vontade de Deus expressa nos mandamentos experimentaremos uma grande liberdade interior porque os vícios e os pecados não nos dominarão.
Seguir Jesus significa caminhar atrás dele, significa etapas, progredir ou crescer passo a passo, porque “esta santidade à qual o Senhor te chama crescerá com pequenos gestos” (GE 16). Assim, depois do cumprimento dos mandamentos há “algo mais”, que pressupõe ter sentido o olhar amoroso de Jesus, ao qual se segue um convite a partilhar mais o seu estilo de vida com um seguimento mais pleno.
Mas este “algo mais” pressupõe ter sentido o olhar amoroso de Jesus, ao qual se segue um convite a partilhar mais o seu estilo de vida com um seguimento mais pleno. A este respeito, o Papa Francisco diz: “Assim diz o Evangelho: “Jesus olhou para ele, amou-o” (v. 21). Ele percebeu que era um bom jovem. Mas Jesus também compreende qual é o ponto fraco do seu interlocutor e faz-lhe uma proposta concreta: dar todos os seus bens aos pobres e segui-lo. Mas aquele jovem tem o coração dividido entre dois donos: Deus e o dinheiro, e vai embora triste. Isto mostra que a fé e o apego à riqueza não podem coexistir.
Agora, neste caminho de seguir Jesus, existem apegos que nos impedem de segui-lo e devemos estar dispostos a abandoná-los para não ficarmos no meio do caminho. O evangelho de hoje nos aponta de maneira particular para as riquezas ou posses que nos dão segurança na vida, mas acabam por nos tirar a liberdade de amar a Deus e ao próximo como Jesus nos pede. Trata-se de renunciar à posse egoísta dos bens, abandoná-los e depois recebê-los gratuitamente, como dádivas de Deus que devemos administrar tendo em conta o bem comum dos homens.
Vemos como a exigência ascética é precedida e motivada pelo amor de Deus. Trata-se de partir, de um êxodo, que significa deixar coisas e esquecer de si mesmo. E digamos também que a negação centra-se no espírito do possuidor e não nas próprias coisas: “Se atribuirmos o nada à história, às pessoas, aos objetos, tudo isto estará condenado à destruição. Pelo contrário, se o nada se refere à possessividade independente com que o homem quer utilizá-los, então será o egoísmo que deverá ir para a fogueira, deixando as pessoas e as coisas na sua plenitude de vida, beleza e valor”7.
Como prova a resposta de Jesus à afirmação de Pedro no evangelho de hoje, nem o valor nem a necessidade dos afetos e dos bens para viver são negados. Notemos que a recompensa pela renúncia é da mesma espécie que esta, com exceção do “pai” que aparece na lista das renúncias e não das recompensas (conjectura-se que para Jesus o único Pai verdadeiro e definitivo é Deus). O que mudou, portanto, foi a possessividade sobre os bens e os afetos; você renuncia àqueles que possui como seus e recebe mais, mas como um presente. É assim que perdem o perigo e devem ser fonte de gratidão a Deus que nos enche deles. E sem esquecer, claro, a vida eterna, a salvação, que embora apareça em último lugar na lista, é o Dom definitivo, a plena comunhão com Deus, fruto e fim das renúncias.
O Papa Francisco, no angelus de 10 de outubro de 2021, disse que este evangelho pode servir para testar a nossa fé: “Esta pessoa começa com uma pergunta: “O que devo fazer para herdar a vida eterna?” (v. 17). Vejamos os verbos que ele usa: tenho que fazer – ter. Esta é a sua religiosidade: um dever, um fazer a ter; “Eu faço algo para conseguir o que preciso.” Mas esta é uma relação comercial com Deus, um do ut des. A fé, por outro lado, não é um rito frio e mecânico, um “devo fazer, conseguir”. É uma questão de liberdade e amor. A fé é uma questão de liberdade, é uma questão de amor. E aqui temos a primeira questão da prova: o que é fé para mim? Se for principalmente um dever ou uma moeda de troca, estamos muito enganados, porque a salvação é um dom e não um dever, é gratuita e não pode ser comprada. A primeira coisa a fazer é livrar-se de uma fé comercial e mecânica, que sugere a falsa imagem de um Deus responsável, um Deus controlador, não um pai. E muitas vezes na vida podemos viver esta relação de fé “comercial”: faço isto para que Deus me dê isto.
Jesus — segunda passagem — ajuda aquele homem oferecendo-lhe a verdadeira face de Deus. E assim – diz o texto – “fixando nele o olhar, amou-o” (v. 21): isto é Deus! É aqui que nasce e renasce a fé: não de um dever, não de algo que deve ser feito ou pago, mas de um olhar de amor que deve ser acolhido. Desta forma, a vida cristã é bela, se não se baseia nas nossas capacidades e nos nossos projetos, mas se baseia no olhar de Deus. Sua fé, minha fé, está cansada? Você quer revitalizá-lo? Busque o olhar de Deus: adore-se, deixe-se perdoar na Confissão, coloque-se diante do Crucifixo. Em suma, deixe-se amar por Ele. Este é o início da fé: deixe-se amar por Ele, que é pai.
Depois da pergunta e do olhar há – terceiro e último trecho – um convite de Jesus, que lhe diz: “Só te falta uma coisa”. O que aquele homem rico estava faltando? O dom, a gratuidade: «Vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres» (v. 21). Isto é o que talvez também nos falte. Muitas vezes fazemos o mínimo, enquanto Jesus nos convida a fazer o máximo possível. Quantas vezes nos contentamos com os deveres – os preceitos, algumas orações e muitas coisas assim – enquanto Deus, que nos dá a vida, nos pede impulsos de vida! No Evangelho de hoje vê-se claramente esta passagem do dever ao dom; Jesus começa lembrando os mandamentos: “Não mate, não cometa adultério, não roube...” etc. (v. 19), e chega à proposta positiva: “Vai, vende, dá, segue-me! (cf. v. 21). A fé não pode limitar-se a nãos, porque a vida cristã é um sim, um sim de amor”.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
para o seu visual
Pelo seu olhar Senhor, deixo tudo
Meus medos e minhas dúvidas, deixarei para trás
Meus rancores e minhas lutas
Pelo seu olhar Senhor, deixo tudo
Minhas ansiedades, minhas frustrações
O desejo de cada dia, das situações humanas
Pelo seu olhar Senhor, deixo tudo
Um Reino nos espera
Apenas pobres pecadores
Pelo seu olhar Senhor, deixo tudo
Orgulho e vaidades,
Minha posse e minha posse.
Se tudo é seu, você é meu dono
Deixo tudo em suas mãos, porque não há
Gerente mais honesto
Pelo teu olhar, Senhor, levanto meus olhos ao céu
E procuro a promessa cumprida,
Viva em seu Reino. Amém.
[1] Cf. J. Vilchez, Sabiduría (Verbo Divino; Estella 1990) 247-250.
[2] El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 99. De la misma opinión es M. Galizzi, Evangelio según Marcos (San Pablo; Madrid 2007) 207.
[3] El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 101.
[4] Evangelio de Marcos (SBU; Miami 2008) 227.
[5] B. Malina, Los evangelios y la cultura mediterránea del siglo I. Comentario desde las Ciencias Sociales (Verbo Divino; Estella 1996) 190.
[6] F. Ruiz, Místico y Maestro, 86-87.