O Evangelho Segundo os Infiéis

O Evangelho Segundo os Infiéis

A maneira mais fácil de se livrar de um cristão é perguntar se Deus pode fazer um bolo tão grande que ele mesmo não possa comê-lo. A segunda maneira é dizer que “Não existem provas históricas de que Jesus Cristo existiu.” Desta forma você desqualifica de cara todo argumento da igreja: se Jesus Cristo nunca existiu ele não pode morrer. Se ele não morreu é óbvio que também não ressuscitou “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé” como afirmou Paulo em 1 Coríntios 15:14–25.

Infelizmente a maior parte dos Cristãos é mais preocupada demais com a opinião dos outros e pouco com os fatos históricos. O resultado é uma patética expressão de fanatismo que apenas confirma as suspeitas dos mais céticos.

Por outro lado, em geral, as pessoas que dizem que não existem provas históricas da existência de Jesus Cristo estão tão desinformadas quanto aquelas que nunca se fizeram esta pergunta. Mas seria possível crer no credo essencial da igreja primitiva com base no que sabemos hoje de história e arqueologia? Creio que sim.

Olha mãe! Olha mãe! Sem a Bíblia!

Uma coisa curiosa é que quem exige provas históricas da existência de Jesus, na verdade está dizendo “Você tem alguma prova histórica QUE NÃO A BÍBLIA sobre a existência de Jesus?” Esse questionamento faz muito sentido, afinal a bíblia realmente faz diversas afirmações ousadas, para não dizer absurdas. Temos animais que falam, dedos voadores, cegos que voltam a enxergar, dias que param no tempo e muitas outras coisas fabulosas demais para serem aceitas sem questionamentos. Essa dúvida, é sadia. A dúvida não é o oposto da fé, é o começo dela.

Além disso para cristandade dos primeiros séculos não existia bíblia nenhuma. Já no ano 70 D.C, O Império Romano deu uma surra tão grande em Jerusalém que foi parar judeu até na Etiópia. As cidades foram incendiadas, o templo de Salomão foi destruído e a maior parte dos hebreus foi morta. As testemunhas oculares da história de Jesus foram chacinadas. O caso é semelhante aos dos livros e documentos maias que foram queimados pelos cristãos espanhóis um milênio e meio depois.

Disto isso, fica explicado porque neste artigo não vou usar a Bíblia como prova para nada. Se a bíblia é confiável ou não para o que quer que seja é um assinto que vou deixar para outro artigo.

O Evangelho Segundo os Infiéis

Além disso para o bem de nosso estudo vou também ignorar qualquer coisa que tenha sido escrita por cristãos. Tanto as escrituras canônicas como as gnósticas e demais apócrifos serão deixadas de lado. Falaremos apenas de registros e documentos históricos de fontes não-cristãs.

Espantosamente, unindo estas fonte descobri que ainda sim é possível extrair a própria essência do evangelho.Com base nela escrevi abaixo uma espécie de Credo dos Infiéis.

“Houve durante o reinado de Tibério um homem chamado Jesus, um judeu de Nazaré que foi chamado Cristo. Ele praticava magia e fazia coisas admiráveis. Ensinou a adoração do Deus de Israel e pregava o desapego, a fraternidade e a imortalidade da alma. Ensinou novos ritos e leis e por isso acusado por blasfêmia na Páscoa, pelos seguidores de Caifás, na Judeia, Palestina. Padeceu sob Pôncio Pilatos, e foi crucificado e morto. Apareceu vivo depois de três dias e gentios e judeus o adoraram como Deus, dando suas próprias vidas por esta Fé.

Agora cada afirmação será seguida de um ou mais números com a referência documental correspondente à ser consultada e que é possível mapear através de testemunhos da época:

“Houve durante o reinado de Tibério[4] um homem chamado Jesus [1 e 3], um judeu [1,6] de Nazaré [7] que foi chamado Cristo [1, 3, 4, 6]. Ele praticava “magia” [7] e fazia coisas admiráveis [1]. Ensinou a adoração do Deus de Israel [5] e pregava o desapego, a fraternidade [5, 6 e 8 ] e a imortalidade da alma [4, 5 e 8]. Ensinou novos ritos e leis [8] e por isso acusado por blasfêmia [7, 8] na Páscoa [7], pelos seguidores de Caifás [2], na Judeia[4], Palestina [5]. Padeceu sob Pôncio Pilatos [1, 4 ], e foi crucificado e morto [1, 4, 5, 7, 8]. Apareceu vivo depois de três dias [1] e gentios [1] e judeus [1 e 3 e 6] o adoraram como Deus [6, 8], dando suas próprias vidas por esta Fé [4,5, 8].

[1] Testemunha: Flavius Josephus (Yosef ben Matityahu)

Período de vida: 37 a 97 d.c

Credenciais: O mais famosos historiados judeu do século I. Era leal ao Império Romano e foi autor dos tratados ‘A Guerra dos Judeus’ e ‘Antigüidades Judaicas’.

No capítulo 18, porção 3 de ‘Antigüidades Judaicas’, escreveu: “Havia neste tempo Jesus, um homem sábio, se é lícito chama-lo de homem, porque ele foi o autor de coisas admiráveis, um professor tal que fazia os homens receberem a verdade com prazer. Ele fez seguidores tanto entre os judeus como entre os gentios. Ele era o Cristo. E quando Pilatos, seguindo a sugestão dos principais entre nós, condenou-o à cruz, os que o amaram no princípio não o esqueceram; porque ele apareceu a eles vivo novamente no terceiro dia; como os divinos profetas tinham previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas a respeito dele. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, não está extinta até hoje.”

[2] Testemunha: Ossuário do Sumo Sacerdote de Caifás

Período de Vida: 18 e 36 d.c

Credênciais: Tumba da Família de Caifas, descoberta acidentalmente em 1990 em israel

Caifás é um importante personagem do novo testamento. É o Sumo Sacerdote que acusou Jesus de blasfemo e o levou a crucificação. Até o início dos anos 1990 não existia nenhum registro histórico deste personagem, quando então foi encontrada a tumba da Família de Caifas em Jerusalém. Na tumba mais finamente decorada, como cabia a uma família importante há a seguinte inscrição: “José filho de Caifás”. Para corroborar esta descoberta Flavio Josefo (visto acima) também identifica “José Caifás” como Sumo Sacerdote Fariseu entre os anos 18 e 37 d.c

[3] Testemunha: Suetônio (Gaius Suetonius Tranquillus)

Período de Vida: 69 a 144 d.C.

Credenciais: Historiador romano prestigiado na corte do Imperador Adriano. Autor do célebre Duodecim Caesarum (Os Doze Césares), o grande tratado biográfico dos imperadores romanos.

No capítulo XXV do livro quinto da obra Vitae Duodecim Caesarum, Suetônio fala acerca de Tibério diz: “Cláudio expulsou de Roma os judeus, que instigados por um tal Cristo, provocavam frequentes tumultos.” Interessante notar que esta expulsão dos judeus por Cláudio é mencionada com a mesma exatidção histórica dos Atos dos Apóstolos 18,2.

[4] Testemunha: Tácito ( Publius Gaius Cornelius Tacitus )

Período de vida: 55 a 120 d.c.

Credenciais: Considerado um dos maiores historiadores romanos da antiguidade. Suas obras principais foram ‘Annales’ e ‘Historiae’, sobre a história do Império no século I.

Na parte XV de Annales, Tácito registrou: “Nero infligiu as torturas mais refinadas a esses homens que sob o nome comum de cristãos, eram já marcados pela mais merecida das infâmias. Cristo, de quem o nome deles se origina, sofreu a pena de morte durante o reinado de Tibério, pelas mãos de um de nossos procuradores Pôncio Pilatos. E uma superstição maligna nasceu disso, não só na Judéia, de onde o mal surgiu, mas mesmo em Roma, onde parece que todas as coisas vergonhosas do mundo se encontram e popularizam. Assim foi declarada a prisão a todos que se declarassem culpados, e segundo suas informações uma imensa multidão foi condenada, não tanto pelo crime de incendiar a cidade, mas pelo ódio contra a humanidade. Suas mortes foram acompanhadas de humilhações. Cobertos com pelas de animais eram atingidos como cães e morriam ou eram pregados em cruzes, ou queimados em fogueiras para servir de iluminação noturna, quando o dia já tinha terminado.”

[5] Testemunha: Luciano de Samósata (Λουκιανός ο Σαμοσατεύς)

Período de vida: 125 a 180 d.c

Credenciais: Escritor grego do século II, opositor da igreja, que ridicularizava o cristianismo. Escreveu mais de 80 obras, conhecidas hoje como Corpus Lucianeum (“coleção luciânica”).

Em seu livro ‘A passagem de Peregrino’ do Corpus Lucianeum, existem três trechos sobre os primeiros cristãos de sua época, a saber: “Ele foi, segundo aqueles que ainda adoram, o homem da Palestina que foi crucificado porque trouxe uma nova forma de iniciação ao mundo.” (…) “Tendo convencido a si mesmos que são imortais e que viverão para sempre, estes infelizes desprezam a morte e de vontade própria dão suas vidas. Além disso, o seu legislador os persuadiu que eles se tornam todos irmãos a partir do momento que transgridem e negam os deuses gregos e começam a adorar o sofista crucificado e a viver segundo suas leis.” (…) “Eles desprezam as posses sem distinção e tratam elas como propriedade coletiva. Eles aceitam tudo isso apenas pela fé, sem qualquer evidência. Assim quando uma pessoa aproveitadora e fraudulenta que sabe tirar vantagem se infiltra, pode se fazer enriquecer em pouco tempo.”

[6] Testemunha: Plínio, o Jovem (Caius Plinius Caecilius Secundus)

Período de Vida: 62 a 113 d.c

Credenciais:Famoso orador, jurista, político e cônsul e governador da Bitínia. Registrou a erupção do Vesúvio e o a vida política do Império Romano.

Em uma carta enviada ao imperador Trajano (Epístola 97), Plínio escreveu: “… Tinham o hábito de se reunir em um determinado dia fixo antes do amanhecer do dia, quando cantavam em versos alternados um hino a Cristo, como a um deus, e vincularam-se por um juramento solene, não a cometer qualquer maldade, mas a nunca cometer qualquer fraude, roubo ou adultério, nunca falsificar a sua palavra, nem deixar de entregar uma relação de confiança quando necessário; após essa reunião, era o seu costume se separar para então se reunir novamente e dividir os alimentos — mas a comida de um tipo comum e inocente. Mesmo esta prática, no entanto, eles abandonaram após a publicação do meu edital, pelo qual, de acordo com vossas ordens, eu tinha proibido as associações políticas. Julguei tanto mais necessário extrair a verdade real, com a ajuda de tortura de duas escravas que eram diaconisas de estilo, mas eu não consegui descobrir nada mais do que superstição depravada e excessiva.“(…).

[7] Testemunha: O Talmude da Babilônia

Período de Vida: entre 50 dc e 160 dc

Credenciais: O Talmude é um registro das discussões rabínicas de grande importância considerado importantíssimo até o dia de hoje para o judaísmo. Este é um testemunho importante porque teoricamente os judeus não teriam nenhum interesse em divulgar a existência de Jesus caso fosse mentira.

Existem diversas passagens no Talmude que se referem a (Yeshu) nome hebraico para Jesus, muitas delas ofensivas, mas de qualquer forma testemunhos históricos do impacto na comunidade Judaica dos primeiros séculos. Eis as principais:

“Nossos rabinos ensinaram que Yeshu o Nazareno teve cinco discipulos, e este são eles: Matthai, Naqqai, Netzer, Buni, and Todah. — Talmud Sanhedrin 43a

“Yeshu filho de Stada é Yoshua filho de Pandira?” O mestre Hisda disse: “O marido era de Stada e o amante era Pandera” “Mas não era o marido Pappos filho de Yehuda e a mãe Stada?” “Não, sua mãe era Miriam (Maria) que deixou o cabelo crescer e foi chamada Stada. Pumbedita disse sobre ela: “Ela foi infiel ao marido.” — Talmud Shabbat 104b, Sanhedrin 67a

“Na véspera da Pascoa, Yeshu o Nazareno foi pendurado e um arauto foi anunciado quarenta dias antes dizendo “ Yeshu o Nazareno será apedrejado porque praticou magia e instigou e seduziu Israel a idolatria. Quem quer que saiba qualquer coisa em sua defesa deve pronunciar-se. Mas desde que ninguém veio em sua defesa eles o penduraram na véspera da Páscoa. Ulla disse: “Vocês acham que Yeshu de Nazaré é alguém de quem uma defesa pode ser feita? Ele foi um mesit (alguém que instiga israel a idolatria), de quem o Misericordioso disse: “Não mostre compaixão e não o defenda (Deut 13:9). Com Yeshuo Nazareno foi diferente, pois ele se aproximou do governador. — Talmud Sanhedrin 43a

[8] Testemunha: Celsus

Período de Vida: entre 130 dc e 200 d.c

Credenciais: Filósofo e satirista grego do século II, lembrado como opositor do Cristianismo.

Em sua obra de ataque a primeva comunidade cristã Celsus deixou registrado na obra que foi enviada a Origenes em cerca de 180 d.c: “Os cristãos, você sabe, adoram um homem até hoje — este estranho personagem que introduziu novos ritos, e foi crucificado por causa disso … Você vê, essas criaturas equivocadas partem da convicção geral de que eles são imortais, o que explica o desprezo pela morte e a auto-devoção voluntária, que são tão comuns entre eles; foi ensinado a eles por este legislador que eles são todos irmãos e a partir do momento que são convertidos, eles negam os deuses da Grécia, e adoram este sábio crucificado e vivem segundo suas leis.”

O Dilema Inescapável

Além destes documentos citados temos ainda os registros menores de Talo Samaritano (52 d.C), Mara Bar-Serapião (73 d.c) e do neoplatônico Celso (séc. II) , entre outros. Mesmo diante desta documentação histórica devastadora muitas pessoas ainda escolherão não acreditar nestes testemunhos. Elas podem honestamente fazer isso. O que eles não podem fazer é duvidar honestamente disso sem também duvidar de quase tudo o que sabemos sobre o Império Romano (Tácito, Suêtonio), sobre o Cerco de Jerusalém e a tragédia de Massada (Flávio Josefo) ou do desastre do Vesúvio sobre Pompéia (Plínio, o Jovem). Para estas pessoas o próprio conceito de História é impraticável e o conhecimento do passado do mundo inexiste pois sempre dependerá do testemunho de alguém que viveu antes de nós.

Mas se por outro lado podemos confiar no testemunho destes historiadores, devemos admitir no mínimo que se a vida de Jesus Cristo é uma mentira, então ela foi inventada na exata época e local onde ele teria vivido. E mais importante do que isso, que era uma mentira boa o bastante para fazer com que alguns milhares de cristãos do primeiro século, incluindo os apóstolos, preferissem dar suas vidas como mártires por ela no lugar de desmenti-la. Muitas pessoas por comodismo ou desespero, de fato vivem de ilusões, mas ninguém daria sua vida em favor do que sabe ser uma mentira.