7 motivos para afirmar que Jesus é negro

7 motivos para afirmar que Jesus é negro

Luciana Petersen

Jun 14, 2019·8 min 

Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” Mateus 25:35–40



“Com sua pele negra, Jesus vai em direção ao povo mais perseguido, escravizado, violentado, expropriado e exterminado da história” — Ronilso Pacheco

Como se parece o Jesus do seu imaginário? Qual a cor de sua pele, seus olhos? Como é a textura de seu cabelo? Faça uma pesquisa rápida de “Jesus” no Google Imagens. Como é sua aparência?

O Jesus representado em quadros, filmes e novelas é na maioria das vezes branco. Há uma intencionalidade e uma mentira nisso, que tem a ver com colonização e racismo.

Afirmar que Jesus é branco é desconsiderar a história, arqueologia, geografia e a Bíblia.

Para o teólogo e pastor auxiliar Ronilso Pacheco, “Se o debate sobre a cor de Jesus, sobre a condição social de Jesus, sobre sua família, sobre sua relação com seus amigos, sobre quais as tensões políticas e religiosas nos territórios que ele vivia ou passava, se tudo isso não é levado em consideração, a mensagem do Evangelho se esvazia”.

Diante disso, entenda como se deu a formação do Jesus branco no imaginário popular e 7 motivos para afirmar que Jesus é negro.

1. Porque é um consenso entre estudiosos dizer que Jesus era um homem negro, ou não-branco

A imagem abaixo é uma representação do especialista em reconstituição facial forense Cícero Moraes, em reportagem da BBC. Ela demonstra a provável aparência de judeus que viviam no Oriente Médio no século 1, que é o caso de Jesus.


Representação da provável aparência de um judeu no Oriente Médio no século 1. Fonte: BBC Brasil

A aparência não-branca de Jesus é um consenso para a ciência. Segundo o professor de história e mestrando em Relações Étnico Raciais João Marcos Bigon, a perspectiva histórica coloca Jesus como oriundo do Oriente Médio do primeiro século, o que provavelmente faz dele o que chamamos hoje de negro. “ A perspectiva bíblica nesse sentido corrobora com a arqueologia, visto a localização geográfica de Jesus”, complementa.

Ronilso Pacheco entende que da perspectiva bíblica podemos considerar Jesus um homem culturalmente africano e não-branco. “Desde o uso da parábola como recurso narrativo, típico de um contador de estórias africano, à comparação com uma pedra de jaspe (portanto, uma pedra escura) em Apocalipse, a Bíblia dá a dimensão de um homem negro, no mínimo não-branco”, explica

“E digo ‘não branco’ para que ao afirmar que Jesus de Nazaré foi um homem negro, a única imagem possível seja a do negro retinto como em grande parte do continente africano. Podemos dizer que Jesus foi um homem negro? Sim, podemos. Mas para tratar do debate que considera diversas etnias e pigmentações possíveis no território correspondente a Palestina, afirmamos como ele certamente sendo um homem não-branco” — Ronilso Pacheco

2. Porque a Bíblia diz em Apocalipse que a aparência de Jesus glorificado é como a de jaspe e sardônica

“E o que estava assentado era, na aparência, semelhante à pedra jaspe e sardônica” — Apocalipse 4:3



Jaspe e sardônio são pedras preciosas com aparência amarronzada, como as da imagem acima.Ainda na Bíblia Sagrada, o cabelo de Jesus é comparado à lã de cordeiro e seus pés à cor de bronze queimado (Apocalipse 1:15).


3. Porque há uma motivação colonizadora na construção a imagem do Jesus branco de olhos azuis


Representações de Jesus branco em diversos filmes

Segundo João Marcos Bigon, Jesus é representado como um homem branco por uma necessidade do cristianismo ocidental de origem romana de instrumentalizar a imagem de Jesus para um projeto político de poder. “Assim, uniram-se características dos deuses greco-romanos à uma personalidade/divindade do Oriente Médio”, afirma.

Essa construção tem objetivo de idealizar o padrão europeu de aparência e costumes e é muito comum na catequização de povos indígenas e negros, por exemplo.

Para Ronilso Pacheco, o embranquecimento de Jesus está relacionado à colonização, processo violento de europeização e ocidentalização do mundo, em que o homem branco europeu se apoderou do lugar de centralidade e referência do que é humano e civilizado. “ Não é surpreendente que uma imagem tão poderosa, como a imagem com a qual Jesus é reconhecido, tenha necessariamente de ser branca. Ele não poderia ser indígena, porque Jesus não é um selvagem. Ele não poderia ser negro, porque Jesus não é um corpo-mercadoria, ele não poderia ser de um “povo feiticeiro”, explica.

É necessário romper com o cristianismo colonizador que legitima projetos de poder.


4. Porque Jesus, Maria e José se esconderam no Egito, país africano, logo após seu nascimento

O relato bíblico que conta que logo após seu nascimento, Jesus corria o risco de morte por causa da perseguição do rei Herodes a todos os recém-nascidos do sexo masculino. Por isso, Maria e José fugiram para o Egito para se esconder.

O Egito da época estava sobre domínio militar romano, assim como Nazaré, cidade de Maria e José.

Isso significa que a família de Jesus seria facilmente deportada caso fosse descoberta. Ou seja, a família não conseguiria passar despercebida em um país do norte da África se não fosse negra.

Leia mais sobre a África antes dos europeus neste site.

5. Porque afirmar que Jesus é negro é também um posicionamento político


Um dos maiores nomes da Teologia Negra, James Cone entende que afirmar que Jesus é negro é um posicionamento político, significa que Ele se relaciona com as dores causadas pela escravidão e racismo às pessoas negras.

Para Ronilso Pacheco, afirmar que Jesus é negro significa dizer que a imagem dominante do Jesus de pele clara e olhos claros que reporta ao “corpo-modelo” europeu e branco é uma profanação do Deus encarnado. “Deus, que é livre para escolher em que contexto se encarnaria, escolheu encarnar no contexto de um homem pobre, em uma família pobre, foi um andarilho sem-teto, um homem negro e indisciplinado para o sistema religioso e político”, explica.

A pedagoga e mobilizadora da Casa Mãe Mulher Liz Guimarães observa em sua experiência caminhada cristã que as pessoas recebem a informação de que Jesus não é branco com surpresa, indignação e negação. “As pessoas querem se relacionar com o ‘Jesus Imaginário’ mágico e distante. O [Jesus] branco dos quadros em repartições e igreja cabe nessa relação. O Jesus Preto não”, afirma.


6. Porque isso molda a forma como as pessoas se relacionam com Jesus

Todo ser humano busca onde se reconhecer socialmente, culturalmente e religiosamente. “Faz diferença a mãe negra ver sua criança negra interpretando Jesus nas festas de fim de ano. Faz diferença o quadro com a imagem negra de Jesus. Faz diferença uma família negra se reconhecer na Bíblia, nas histórias que parecem distantes”, explica Ronilso Pacheco

Liz Guimarães observa que a compreensão de que Jesus é negro traz diversas implicações na vida de pessoas negras cristãs: “Em primeiro lugar, é como se Jesus estivesse agora mais próximo, as pessoas dão a impressão de estarem mais identificadas com Ele. Em seguida, certo orgulho no olhar de se verem agora de fato representadas por Jesus. E por último, um desejo maior de engajamento na luta por seus direitos e os direitos das demais pessoas negras” 

7. Porque precisamos chamar o racismo pelo nome: pecado

“Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas” — Romanos 2:11

“Essa discriminação não mostrará que agem como juízes guiados por motivos perversos?” — Tiago 2:4

Gálatas 3:28 diz “Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Algumas pessoas utilizam este versículo para defender que não é preciso falar sobre raça, classe ou gênero na igreja, pois em Cristo essas diferenças são irrelevantes.

Para Ronilso Pacheco, isso é um tremendo erro de interpretação, pois no texto de Gálatas Paulo está confrontando uma situação de desigualdade dizendo que, se Cristo é um ideal com o qual estamos comprometidos, é preciso levar a sério que “Em Cristo não há judeu nem grego, homem ou mulher”. “É evidente que o racismo deve ser combatido por isso, porque em Cristo não há acepção de pessoa, então na igreja não deve haver e também a igreja deve profeticamente denunciar onde há. E como a gente faz isso? Não falando? Obviamente não. A gente fala, a gente lança luz, a gente deixa bem evidente, sem qualquer dúvidas no ambiente, de que o racismo, embora presente na sociedade e na estrutura do país, ele não deve, e não será tolerado na, e pela, igreja”, afirma.

Racismo é pecado. Racismo é heresia. É a negação de que pessoas negras são criadas à imagem e semelhança de Deus.

O racismo no Brasil é estrutural e estruturante. Ele está presente em diversas camadas da sociedade, inclusive na igreja.

Que sejamos voz profética para anunciar os pecados estruturais de nossa nação e promover a justiça e reconciliação.

Ronilso Pacheco está fazendo uma campanha de financiamento para venda de seu novo livro “Teologia Negra: O sopro antirracista do Espírito” e para mobilizar os recursos necessários para o primeiro ano de Mestrado no Union Theological Seminary, da Columbia University. Você pode ajudar e adquirir o livro aqui, até 20/06.