Uma carreira nada linear

Andrey Mark, Abr 7, 2020

Quando me perguntaram se eu queria escrever para o SemprEQ, primeiramente fiquei muito feliz e honrado. Lembrar das reuniões do Grêmio há 7 anos quando surgiu a ideia desse Fórum, a concretização dos dois encontros presenciais iniciais, e ainda ver o calor das boas discussões e provocações daquele primeiro momento não morreram com o tempo, me deixam muito satisfeito com o pouco que pude contribuir.

Mas ao mesmo tempo, fiquei muito surpreso. Minha resposta de cara foi: “Mas você sabe que eu não trabalho com Engenharia Química, né?” E mais surpreso ainda fiquei com a resposta: “Sim, é por isso mesmo!”

Sempre fui um defensor de que nossa formatura vai muito além do que só nos colocar em formas, com os créditos desenvolvidos em 5 anos regulares ou as competências que o CREA ou CRQ nos certificam. A Engenharia Química nos proporciona ir muito além disso. Mas daí a quererem ouvir o que eu tenho pra falar sobre é outra história.

Minha carreira até o momento não foi nada linear, e acredito que cada vez mais a de vocês também não será. Aquele modelo de trabalho em que as pessoas passavam uma vida no mesmo emprego até a aposentadoria, já era raro no final do século passado, e hoje está virando lenda. Esse não é um fenômeno exclusivo da geração atual, talvez tenha se acelerado recentemente, mas é um movimento natural do mercado. O trabalho existe como uma forma de suprir uma necessidade da sociedade do momento. Só fui tomar consciência disso depois que entrei na faculdade, por também não ter tido tanta vivência anterior nesse universo. Mas uma coisa que eu pensava desde os primeiros passos de carreira, se eu fizesse apenas o que me era proposto para o hoje não estarei nunca preparado para os desafios de amanhã.

Meu primeiro impulsionador foi o próprio GEQLMS! Quando me colocaram na organização da SEQ, prospectando patrocinadores para o evento, talvez não esperassem (nem mesmo eu) que conseguiria um estágio ainda no terceiro período. Trabalhei com análise das leis e normas que orientam legalmente o trabalho de técnicos, químicos e engenheiros químicos em Minas Gerais e no Brasil. Esse estágio no CRQ – MG me deu a primeira noção das barreiras do que eu pensava ser engenharia química.

Nessa mesma época eu também fazia iniciação científica e percebi que muitos dos artigos que eu lia vinham da Alemanha. Comecei a estudar alemão e fui pelo Ciências Sem Fronteiras para lá por um ano e meio. No momento de me candidatar para as universidades, queria algo fosse além dos créditos que eu poderia aproveitar no Brasil. Eu me candidatei para engenharia de bioprocessos, de alimentos e biomolecular, em três universidades diferentes. Fui aceito pela Frankfurt University of Applied Science. Por conta da diferença do formato de graduação, fiz no meu primeiro semestre lá o penúltimo semestre deles, sendo que o seguinte era apenas estágio e TCC. Tinha uma escolha: no semestre seguinte fazer matérias de outros cursos e do semestre anterior, ou procurar um estágio.

Tomei minha decisão e me candidatei para mais de 350 empresas! Fui aceito em algumas e, por fim, minha experiência anterior parecia ter me conduzido para aquele momento. Fui trabalhar em uma empresa alemã, que, numa parceria do governo brasileiro com o governo alemão, trabalhava para a recuperação de aquíferos no Nordeste do Brasil. Eles precisavam de alguém que soubesse de engenharia química e de bioprocesso, entendesse sobre normas brasileiras, falasse português, inglês e alemão, e que ajudasse no desenho do projeto do reator que seria aplicado. Era feita pra mim aquela vaga, e não deixei escapar a oportunidade!

Mas ao fim desse estágio, na hora de apresentar alguns trabalhos extras que fui desenvolvendo ao longo do meu tempo na empresa, meu gestor e o engenheiro chefe do projeto criticaram bastante toda a entrega. Não pela relevância ou pela minha performance, mas porque naquele momento não soube comunicar tudo o que tinha feito. No retorno para o Brasil, assisti a um Tedx pelo YouTube (“7 competências perdidas da Engenharia: David E. Goldberg no TEDxUIUC”) e percebi que o que meu gestor e o engenheiro queriam me contar naquele dia foi que estava deixando de lado uma competência essencial, não só dos engenheiros, mas de qualquer profissional. Não é suficiente descobrir problemas e propor soluções, se você não conseguir vender a sua ideia.

Depois de 5 meses absorvi o feedback e fui trabalhar numa Start Up de consultoria comercial. Queria descobrir um pouco mais sobre o universo comercial, pois achava que seria algo completamente diferente de tudo o que já tinha visto. Para a minha surpresa, nas minhas primeiras semanas as expressões que mais escutei foram: fluxo de processo, conversão entre etapas e indicadores de resultado. Isso eu conhecia bem! Talvez não com os termos comerciais, mas se ressignificados para o universo da química, os modelos comerciais que estava estudando nada mais eram do que um cálculo de reatores, exceto pelo fato que nós seres humanos reagimos de formas ainda mais inesperadas que moléculas orgânicas.

Gostei daquilo tudo, mas estava me vendo distante da engenharia. Fui então trabalhar, ainda no comercial, mas para uma consultoria de engenharia química. Por ser uma empresa bem menor, participava de discussões de ponta a ponta do universo da empresa, e gostei da parte administrativa. Desenhar modelos de negócio, discutir a percepção de valor, modelagem e estruturação de produtos/serviços e técnicas de precificação se tornaram novas descobertas dia após dia. E novas barreiras sobre o que é a engenharia para mim foram rompidas, e assim eu também precisava de fazer a mudança. Percebi que estava mais próximo de uma administração de empresas do que tudo o que eu havia visto em sala de aula, porém ainda amava tudo o que eu havia aprendido. Procurei algo que me desse uma visão conciliar dos dois. Eu me candidatei para 69 empresas diferentes, posições de trainee, analista, consultor, supervisor, coordenador. Eu queria uma proposta diferente do que estava escrito na maioria das vagas, mas eu ainda não sabia o que era exatamente. Então fui aprendendo ao longo dos processos, sobre as empresas, sobre as vagas e o mais importante sobre mim. Passei em cinco empresas, e optei pelo Grupo Boticário, umas das maiores empresas de cosméticos do mundo, num ramo industrial bastante desejado pelos engenheiros químicos.

Comecei a trabalhar com melhoria contínua de processos administrativos, modelagem, análise de gargalos e requisitos funcionais. Rapidamente apareceu a barreira tecnológica e abrimos uma frente de transformação digital dos processos, voltada pra controle de falhas e padronização de trabalho. Fiquei um ano e meio nessa fase e ali percebi que não existiam fronteiras entre os ramos do conhecimento. As interfaces entre contabilidade, administração, economia, direito, recursos humanos e engenharia eram múltiplas. E deveriam ser, pois nenhuma é completa para solução de todas as demandas. Mudei nos últimos oito meses para análise de dados em recursos humanos, aplicando conhecimento de estatística e modelagem para mudança de processos atrelados a experiência do colaborador dentro da empresa.

Como comentei, minha história não foi nada linear, mas também não esperava que fosse. Para mim, fazer engenharia abriria o meu leque de opções e não me daria um caminho único a ser seguido. Não sei se todos sabem, mas a palavra engenharia veio do latim “ingenium”, que significa talento ou qualidade nata, com raiz na palavra também do latim “gignere”, que significa produzir, gerar ou criar. Percebam que o conceito original destoa do que muitos pensam quando escutam a palavra engenharia. Para um pode ser a aplicação das ciências exatas avançadas, ou ainda o uso da tecnologia, ou ainda a otimização dos processos produtivos. Mas a engenharia nasceu como uma necessidade nata do indivíduo de ser criativo e produzir soluções para os problemas. Se esses problemas precisam de cálculo numérico, fluido dinâmica computacional ou química orgânica, ótimo. Mas se precisarem da interpretação humana, habilidade de negociação ou ainda gestão de risco, tem que estar tudo bem também.

Nesse sentido, acredito que não me desviei do que é ser engenheiro e espero que você não tenha se desviado também! Aprendemos o fundamento técnico e temos algumas experiências práticas experimentais, para que nos deem substrato para algo nato de cada um de nós, a vontade de resolver problemas! Não desprezem de forma alguma o conhecimento curricular, mas se provoquem a ir além, pois o mundo cada vez mais tem expectativas que nós possamos romper barreiras.

Espero que tenham muito sucesso e aproveitem a jornada! Um abraço,

Andrey Mark,

Estrategista de dados, palhaço de hospital e engenheiro químico!


Andrey Mark, formado em 2017. Abr 7, 2020

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