a engenharia da transformação

Sibelle de Andrade Silva, Nov 14, 2020

Nenhum outro profissional entende tão bem o significado das palavras transversal e multidisciplinar como o engenheiro químico. E minha carreira até aqui é a prova viva disso.

Na iniciação científica, no primeiro ano de curso, desenvolvi trabalhos na área de reologia de méis e de corantes caramelo, e auxiliei em análises de reologia para combustíveis no CETEC (Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais).

Posteriormente ingressei no Instituto Inovação, conhecendo outras possibilidades, atuei em estudos de prospecção tecnológica na área de nanotecnologia, estagiei fazendo levantamentos sobre os grupos de pesquisa que atuavam nesse setor no Brasil, em atendimento às demandas de consultoria do Instituto. Foi aí que comecei a perceber o quão abrangente a profissão poderia ser, temos base teórica para navegar em vários temas e se associarmos isso com nossa vontade de aprender, muitas portas se abrem.

Fotos de arquivo pessoal: [i] foto do viscosímetro do laboratório de reologia do CETEC-MG, [ii] foto do microscópio do mesmo laboratório e [iii] imagem microscópica de amostra de mel silvestre de Janaúba-MG, mostrando estruturas na forma de cristas hexagonais, respectivamente.

Depois do Instituto Inovação, estagiei na CEMIG, na Assessoria de Alternativas Energéticas. Conheci o primeiro Pálio elétrico, conheci o universo das células combustíveis, os trabalhos de pesquisa desenvolvidos na Universidade Federal de Itajubá, e tive mais contato com o mundo da gestão da inovação e das parcerias de pesquisa e desenvolvimento. Ser estudante de engenharia química me possibilitou compreender bem a parte técnica das pesquisas e me desafiou a aprender a parte da gestão das parcerias. Encontrei uma linha de atuação, a inovação, que é tão abrangente como o curso em si, área na qual estou até hoje.

Após a CEMIG, passei um curto período na cimenteira Cimentos Liz, acompanhando os trabalhos de troca de refratários do forno rotativo da planta. Sempre que entro em qualquer planta industrial de produção, me encanta pensar nas inúmeras transformações físicas e químicas que ocorrem nos equipamentos e em como nós, engenheiros químicos, podemos intervir, aprimorar e inovar nesses processos. Mas foi nessa experiência que percebi que, mesmo encantada pelo trabalho que ocorria ali, queria atuar de forma a aprimorar a produção, em um sentido, de fato, transversal, pesando em tecnologia e em futuro, em inovação.

A partir daí, ingressei como estagiária na Vale S.A., minha grande e maior escola profissional. Trabalhei na Gerência de Desenvolvimento Tecnológico, justamente com o tema de gestão da inovação nos processos de pesquisa e desenvolvimento da área de não-ferrosos da Vale.

Fotos de arquivo pessoal: [i] célula de polímero condutor iônico (PEMFC), em testes no Laboratório de Produção de Hidrogênio da Cemig em Juatuba-MG e [ii] Célula Combustível de Óxido Sólido (SOFC) fechada, adquirida por meio de projeto de pesquisa entre a CEMIG e a Universidade Federal de Itajubá, respectivamente.

Enquanto trabalhava estagiando na Vale, fazia o trabalho de conclusão de curso, na área de liberação controlada de fármacos, o que me abriu os olhos para mais uma transversalidade: apesar de vermos pouco a expressão “bio” no curso, ela está lá, seja com os biopolímeros na ciência dos materiais, seja nas várias possibilidades de desenvolvimento de soluções para a área da saúde. E na Vale, inclusive, tive a oportunidade de trabalhar em patentes sobre biolixiviação, que considerava o uso de bactérias em processos de extração de cobre.

Finalizado o estágio, fui contratada como engenheira para seguir nessa atuação, e foi na mineração que que me aprofundei no incrível universo da propriedade intelectual, das marcas e das patentes, e pude também trabalhar no tema de gestão da inovação, fazendo parte da equipe que cuidava da gestão e acompanhamento dos projetos de pesquisa, bem como da identificação das oportunidades de proteção intelectual de seus resultados.

Atuava e conversava com os engenheiros pesquisadores sobre várias operações unitárias na Vale, para entender, principalmente, o que se fazia de diferente e inovador frente aos processos já estabelecidos. E ser engenheira química, mesmo não atuando na linha de frente desses processos, foi fundamental para o diálogo e para que eu me aprofundasse nos mecanismos de proteção intelectual possíveis para cada nova tecnologia desenvolvida.

Na Vale, para melhor desenvolver minhas atividades, tive a oportunidade de cursar um mestrado, na área de propriedade intelectual e inovação. E não tenho dúvida de que ser engenheira química me deu subsídios para conectar o conhecimento técnico com todo o novo aprendizado em economia da inovação que tive o privilégio de ter.

Fiquei na Vale por cinco anos, e coroando a transversalidade do curso, vim a trabalhar posteriormente em outro setor, a agropecuária: fui trabalhar na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, atuando nas áreas de propriedade intelectual e gestão da inovação. Na Embrapa, conheci mais um mundo novo, e, assim como na Vale, ser engenheira química me habilitou a trabalhar com a proteção intelectual de novos produtos, processos e tecnologias do agro, como fertilizantes, equipamentos, processamento de alimentos, métodos de conservação de produtos, e tantas outras. Fui analista de patentes, coordenadora da área de propriedade intelectual e assessora técnica da diretoria de inovação da empresa. Na Embrapa, tive ainda a oportunidade de me especializar em patentes no Japão, em Tóquio.

Com o tempo, senti falta de aprender mais o lado técnico-jurídico da inovação. Decidi voltar à graduação e cursar direito, por isso hoje sou também advogada.

Recentemente fui convidada a um novo desafio e aceitei, hoje estou Coordenadora-Geral de Mecanização, Novas Tecnologias e Recursos Genéticos no nosso Ministério da Agricultura. Minha carreira partiu da ciência dos alimentos, passou por cimenteira, mineradora, consultoria em inovação, energias alternativas e especialização em propriedade intelectual; e hoje une um pouco de tudo isso no universo do agronegócio. Engenharia química sempre foi o pano de fundo, a base técnico-teórica.

É a engenharia da transformação, por isso, entendo que é muito difícil ser engenheiro químico e não atuar de alguma forma com engenharia química ou pelo menos ter na engenharia química a base para as futuras atuações.

Pretendo continuar trabalhando e aprendendo, sempre. Não atuei na vertente industrial direta da engenharia química, mas tenho absoluta certeza de que esse conhecimento foi fundamental para trazer até aqui, e lá se foram 12 anos da formatura. Hoje, vejo com muita clareza que várias posições de gestão, especialmente na área de inovação, em empresas dos mais diversos setores, não por acaso são ocupadas por engenheiros químicos.

Não é um caminho fácil, a transversalidade e multidisciplinaridade da carreira traz consigo uma enorme necessidade de aprendizado contínuo, de não recear conhecer e trabalhar em novas áreas e de exercitar diariamente a criatividade.

Acredito que em razão de lidarmos durante o curso com mecanismos complexos, compreendendo processos de transformação aplicáveis nas mais variadas indústrias, desenvolvemos uma capacidade ímpar de ter a noção do todo em várias situações.

E em meio a toda essa trajetória, um aspecto fundamental foram as pessoas. Sempre tenham como foco a construção de uma rede de relacionamentos sólida e diversa, os profissionais, todos, sem exceção, com quem trabalhei nos lugares por onde passei foram de fundamental auxílio na minha carreira, aprendi muito com cada um deles.

Se quer atuar em gestão da inovação sendo engenheiro químico, não pare nunca de estudar, de aprender coisas novas, especialmente nas áreas de marketing, de administração e de economia. Não precisa fazer um curso detalhado sobre esses temas, mas ter noção, ter no seu network pessoas dessas áreas. Podem parecer distantes da engenharia, mas não são e quando trabalhadas no dia-a-dia, considerando a profunda formação técnica que temos, abrimos inúmeras oportunidades profissionais. E façam parcerias, conversem com o pessoal de outros cursos, conheçam as startups que vem surgindo na universidade, se aproximem dos ambientes de inovação, conheçam áreas diferentes e observem a presença da engenharia química nelas.

Apliquem na vida o que aprendemos no curso sobre transformações: ser engenheiro químico significa também se reinventar.

Sibelle de Andrade Silva, formada em 2007. Nov 14, 2020

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