Uma não tão nano estória da minha história

Marina Prass, Jun 21, 2020

Olá! Meu nome é Marina Prass Santos. Escrevo este texto em maio de 2020, quando o mundo está sendo sacudido pela COVID-19. Talvez quando você estiver lendo essas linhas, esse episódio já tenha se tornado apenas história. Estou aqui pois a Letícia me pediu para vir contar outra estória. A da minha experiência profissional no Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno da Universidade Federal de Minas Gerais (CTNANO/ UFMG).

Meu interesse por nanotecnologia foi despertado quando assisti ao filme O Agente Teen, de 2003. Nele, o protagonista é um espião adolescente que precisa desarticular os planos de um vilão que pretende dominar o mundo usando um tipo de nanotecnologia: nanorobôs. Lembro-me de ter ficado impressionada com as potencialidades da nanotecnologia e de querer aprender sobre aquilo para usá-la para o bem do mundo (Romântica eu? Talvez um pouco). Anos depois, em 2018, ao ler o livro Radical Abundance: How a Revolution in Nanotechnology Will Change Civilization, de Eric Drexler, compreendi que o filme reproduziu uma visão estereotipada sobre a nanotecnologia; tal percepção existiu na vida real e cultivou preconceito e medo, atrasando o desenvolvimento científico e tecnológico de algumas vertentes da área. Esse livro também me ensinou que o termo “nanotecnologia” pode designar diferentes tecnologias, sendo o que fazemos no CTNANO - pesquisa e desenvolvimento em síntese de nanomateriais e sua incorporação em matrizes poliméricas, cerâmicas ou metálicas - apenas algumas delas. Recomendo muito a leitura do livro!

Peço desculpas, estou me desviando do tópico. Voltando à minha trajetória, ingressei no curso de Engenharia Química da UFMG em 2013. No Ensino Médio, eu me apeguei à ideia de que para trabalhar com nanotecnologia deveria cursar Engenharia Química; não sei muito bem de onde tirei isso, mas não me lembro de ter pesquisado muito. E a UFMG sempre foi o plano A, mesmo antes de isso ser verbalizado na minha casa, acredito que pelo fato de eu ter nascido e vivido toda minha vida (inclusive até agora) em Belo Horizonte.

No final do primeiro semestre de 2013, o prof. Marcelo Cardoso, então coordenador da graduação, apresentou aos alunos do 1º e 2º períodos o Jovens Talentos para a Ciência (JTPC). Tratava-se de um programa de bolsas de iniciação científica; a seleção era feita por meio de uma prova estilo ENEM, porém mais curta, e todos aqueles que atingissem determinada pontuação teriam direito a uma bolsa de R$ 400 mensais por um ano. Para usufruir da bolsa, cada aluno aprovado deveria encontrar um projeto de iniciação científica do qual participar. Lembro que na Engenharia Química as taxas de inscrição na prova e de aprovação foram altíssimas. Como resultado, grande parte dos alunos começou a trabalhar em algum projeto de pesquisa no 2º ou 3º período, eu inclusa.

Esse episódio foi decisivo na minha vida, e provavelmente a razão de eu estar escrevendo esse texto. Quando fui aprovada para a bolsa do JTPC, busquei indicação de projeto de pesquisa com o prof. Vinicius Caliman, que havia ministrado a disciplina Química Geral B para a minha turma. Nessa ocasião, mencionei o meu interesse por nanotecnologia. E ele me recomendou conversar com a prof.ª Glaura Goulart Silva, também do Departamento de Química (DQ) da UFMG, que coordenava um vasto portfólio de projetos relacionados a nano. Foi aí, meus amigos, que eu descobri o que a nanotecnologia poderia ser na (minha) vida real.

A prof.ª Glaura, hoje vice-coordenadora do CTNANO e coordenadora da frente de Polímeros, é uma autoridade em nanocompósitos poliméricos, em particular naqueles constituídos a partir da incorporação de nanomateriais de carbono como nanotubos de carbono de paredes múltiplas (MWCNT, da sigla em inglês) e óxido de grafeno (GO, também da sigla em inglês). Quando nos conhecemos, em 2013, ela de fato coordenava muitos projetos dentro e fora do que viria a se tornar oficialmente o CTNANO em 2014. Grande parte desses projetos tinha um parceiro financiador em comum: a Petrobras. Um deles era resumido por uma linha dentro de um projeto maior chamado CTincubado, que garantiu recursos para a manutenção da sede provisória do CTNANO enquanto a instalação permanente era construída. Essa linha dizia algo como: estudos conceituais sobre material com nanotubo de carbono para umbilical elétrico (umbilical é um super cabo usado na exploração de petróleo em alto mar, que transporta fluidos, dados e energia elétrica da plataforma aos pontos de extração). À época, não havia na equipe da prof.ª Glaura alguém alocado nessa tarefa. Mesmo sem conhecimento específico sobre nanomateriais, rapidamente fiquei fascinada pela ideia de produzir um cabo condutor elétrico a partir de nanotubos de carbono. E foi assim que comecei a trabalhar no projeto do Cabo Condutor, em que estou até hoje.

A princípio, eu fui incumbida de acompanhar a síntese de nanotubos no Laboratório de Nanomateriais (LN) do Departamento de Física da UFMG, coordenado pelo prof. Luiz Orlando, e de realizar uma profunda revisão bibliográfica sobre produção de fibras, fios, feixes ou cabos a partir de nanotubos de carbono, sob supervisão de um pós-doutorando que trabalhava com a prof.ª Glaura. Nesse período, eu dividia o meu tempo na iniciação científica entre o LN - que ficava ao lado do Restaurante Setorial II (mais conhecido como Bandejão Velho) e em 2018 migrou para a sede permanente do CTNANO - e o DQ.

Eu e o engenheiro metalurgista Bernard processando um nanocompósito na mini extrusora do Laboratório de Engenharia de Polímeros e Compósitos (LEPCom) da UFMG, em 2018. À época, o CTNANO ainda ocupava a sede provisória, onde não havia extrusora.

Em 2014, o CTNANO, enquanto iniciativa centralizadora de pesquisas relativas a nanomateriais, nanocompósitos e nanoecotoxicologia, coordenadas por professores de diferentes departamentos da UFMG e movidas pelo objetivo de transferir conhecimento e tecnologia da Academia para o mercado, foi oficializado, e parte da equipe do Centro já trabalhava na sede provisória (antiga cavalaria da Polícia Militar na Rua Professor José Vieira de Mendonça). Eu, porém, somente fui para lá em 2015, quando, após se debruçar sobre o panorama do estado da arte na tecnologia de produção de fios de nanotubos de carbono, a agora equipe reunida em torno desse projeto definiu que a incursão prática deveria se dar por meio dos métodos secos de obtenção dos fios e que, para tanto, deveria ser construído um forno tubular para síntese de nanotubos por chemical vapour deposition (CVD). Nos métodos secos de produção de fios de nanotubos, a síntese CVD é parametrizada de modo que o produto obtido seja um aerogel que possa ser coletado na saída do tubo por algum mecanismo de fiação.

Essa etapa de construção do forno foi extremamente rica e um diferencial na minha formação, pois grande parte dos conhecimentos envolvidos estava fora do escopo do curso de Engenharia Química. Isso é algo de que gosto muito no trabalho no CTNANO: a oportunidade de aprender fazendo várias coisas que não necessariamente são esperadas quando pensamos em um engenheiro químico clássico. Nesse período trabalhei com um especialista em eletrônica com quem aprendi muito e sinto que deixei uma marca no Centro por participar da realização de algo que talvez as pessoas não esperassem de mim.

Essa “volta por cima” foi muito importante pois no final de 2014 eu cometi um erro grave na apresentação do meu trabalho até então na Mostra de Iniciação Científica da Semana do Conhecimento. Vejam, em paralelo com o meu trabalho no CTNANO eu estava participando da organização da 30ª Semana de Engenharia Química. Além de querer fazer muita coisa, tenho uma dificuldade crônica com prazos (desculpe pelo atraso na entrega desse texto, Letícia!). No frigir dos ovos, eu me vi apresentando um banner que não havia sido revisado por desorganização minha e em que não constavam os nomes dos autores do trabalho (nem o meu! Esquecimento puro). Para além da falta de revisão, essa ausência dos nomes foi interpretada pelo pós-doutorando com quem eu trabalhava como um grande desrespeito. Acho que a reclamação dele foi bastante razoável, embora não tenha sido a minha intenção. Esse episódio foi bastante difícil, doloroso e quase levou à minha saída do projeto de pesquisa. Porém, recebi uma segunda chance de continuar e fazer melhor, e considero que esse conjunto de acontecimentos foi muito importante para o meu amadurecimento profissional.

Por uma série de fatores, o forno construído não foi usado no projeto do Cabo Condutor e acabou sendo aproveitado em outra linha de pesquisa. O projeto caminhou lentamente enquanto eu lidava com o 7º período da Engenharia Química e era novamente a única pessoa nele alocada. No segundo semestre de 2016, porém, chegou um reforço de peso: o dr. Marcos Felisberto, pesquisador com grande experiência em síntese de nanotubos de carbono, em particular sobre fibra de carbono. Lembro-me de ter ficado impressionada com o seminário que ele ministrou para a equipe do CTNANO no primeiro semestre de 2016 e da grata surpresa que foi a vinda dele para trabalhar no Centro. Desse ponto em diante, o projeto do Cabo Condutor ganhou outro nível de institucionalidade e relevância. Tanta que no final daquele ano Alexsander Kasama, nosso interlocutor técnico na Petrobras, nos presenteou com a notícia de que a empresa tinha interesse em financiar um projeto dedicado exclusivamente ao desenvolvimento de um cabo condutor de nanotubos de carbono para umbilical elétrico. Notem o avanço: de uma linha em projeto maior, lá em 2013, para um projeto próprio. A mera cogitação dessa ideia já foi uma grande conquista!

À esquerda está o dr. Marcos Felisberto, ao centro eu e à direita Lucas Passos, estudante do curso de graduação em Física da UFMG que trabalha conosco no projeto do Cabo Condutor. Essa foto foi tirada na inauguração da sede permanente, em 16 de abril de 2019.

Marcos e eu escrevemos a base da proposta de projeto, que foi finalizada e dali em diante conduzida pela equipe de gestão do CTNANO. No primeiro semestre de 2017 tivemos a felicidade de receber a confirmação de que a proposta havia sido aprovada: o projeto seria executado! A proposta incluía, na discriminação do corpo técnico, uma vaga de emprego para um profissional recém graduado atuar como pesquisador júnior (cargo até então não existente no organograma do Centro). Para mim, essa vaga representava uma oportunidade concreta de continuar profissionalmente no CTNANO após a colação de grau. A UFMG e a Petrobras têm seus ritmos próprios de tramitação de projetos, de modo que o do Cabo Condutor foi efetivamente iniciado em agosto de 2018. E eu tive a alegria de ser contratada em outubro, com nove meses de formada.

Antes disso, ainda no ano anterior, pude representar o CTNANO no Ultrawire Workshop 2017, em Cambridge (Reino Unido), um fórum de ponta sobre tecnologias de condução de eletricidade baseadas em nanomateriais de carbono e em nanocompósitos metálicos. Lá, tive contato com o trabalho de uma empresa espanhola que me inspirou a propor um tema para a disciplina Laboratório de Operações e Processos (LOP), o trabalho de conclusão de curso da Engenharia Química: estudo de um compósito de poli(ácido lático) (PLA) e MWCNT para ser usado em impressoras 3D do tipo fused deposition modeling (FDM). Essas impressoras são as que utilizam carretéis de filamento plástico como insumo. Esse trabalho de LOP, desenvolvido com quatro colegas (Paula - até hoje uma grande amiga, Felipe, Igor e Marcílio) sob orientação da prof.ª Glaura, gerou resultados positivos que motivaram a consolidação de uma parceria entre o CTNANO e a empresa 3D Lab. Essa parceria continua e tem rendido bons frutos, inclusive relacionados ao mestrado profissional em Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual da UFMG, que estou cursando.

NCEM Dinner at St Catharine’s College. Foto extraída do Cambridge Nanomaterials Technology Ltd Annual Activity Report 2017.

A minha experiência no Centro durante a graduação ainda pôde ser aproveitada na disciplina Estágio Supervisionado. De agosto de 2013 a dezembro de 2017 foram quatro anos e meio trabalhando com diferentes tarefas dentro de um grande guarda-chuva. Entendo que o termo “iniciação científica” se aplica adequadamente aos primeiros anos sendo iniciado ou iniciada em uma atividade, porém depois de um tempo, mesmo que para um estudante não graduado, a sucessão de experiências passa a significar outras coisas. Por esse motivo, para além da disciplina curricular, considero que parte da minha vivência no CTNANO foi um excelente estágio.

De janeiro a setembro de 2018, já formada mas antes de ser contratada, recebi uma bolsa de pesquisa e desenvolvimento para profissional graduado. Desde a minha formatura, meu trabalho guarda muitas semelhanças com o que era antes, porém em tempo integral. Grande parte dele é dedicado ao projeto do Cabo Condutor e uma pequena parte ao escopo da parceria com a 3D Lab. Minhas atividades envolvem articulação das compras (de equipamentos e insumos) e contratações de serviços previstas no cronograma físico-financeiro com fornecedores e as fundações gestoras dos recursos financeiros dos projetos; execução de experimentos em laboratório, junto a alunos de iniciação científica que participam das equipes; compilação e tratamento de dados de experimentos e ensaios de caracterização; e confecção de apresentações e relatórios. O CTNANO é um braço institucional da UFMG recente e em consolidação, por isso os seus integrantes precisam se engajar em tarefas de diferentes naturezas para garantir, ao mesmo tempo, a execução dos projetos já contratados e a prospecção de novos, que assegurem a sustentabilidade do Centro. Nossa grande fonte de recursos são os projetos com empresas parceiras, com menor participação de agências de fomento em relação ao que se costuma ver na pesquisa no ambiente da universidade.


Registro de parte da equipe na sede permanente, com a fachada ainda incompleta, retirada da página http://www.fundep.ufmg.br/sede-nova-ct-nano/. Essa foto foi tirada em 14 de novembro de 2018.

Mudando um pouco de assunto, eu sou uma grande admiradora da Nathalia Arcuri, fundadora da Me Poupe!, a maior plataforma de entretenimento financeiro do mundo, e com ela aprendi que a gente não deve ter medo de falar sobre dinheiro. Por isso, gostaria de deixar aqui uma pincelada sobre a minha remuneração trabalhando como pesquisadora júnior no CTNANO.

Considerando valores de 2020, o meu salário bruto é aproximadamente 3,6 salários mínimos, e o líquido, aproximadamente três (legislação trabalhista e descontos em folha de pagamento são assuntos sobre os quais todos deveríamos aprender mais cedo). Sendo bem sincera, até me formar e sair da casa dos meus pais eu não sabia quanto custava para manter o meu padrão de vida e não dava o devido valor ao dinheiro (principalmente ao suado dinheiro deles). Aprendi muito com a prática e posso dizer que, com uma renda como a que tenho hoje é possível manter um padrão de vida bastante confortável morando com meu companheiro e nossos quatro gatos e também investir para o futuro (aproximadamente 25% dos meus ganhos líquidos é o que tenho conseguido), algo que considero essencial e que também deveria ser um conhecimento mais difundido.

Sou muito grata ao trabalho que me proporciona isso e ainda todos os benefícios da contratação por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Pela minha experiência, conversando com colegas, percebo que em muitos casos o piso salarial para “diplomados pelos cursos regulares superiores mantidos pelas Escolas de Engenharia (...)” estabelecido na Lei 4950-A/66 não é realidade para os engenheiros recém-formados. Muitos são contratados para funções com outros nomes, como “analista”, ou mesmo fora do regime CLT (como pessoa jurídica, por exemplo).

Não digo isso para desanimar aqueles que estão cursando a graduação em Engenharia Química, mas para ajudar na compreensão do cenário atual e para estimular a reflexão minha e dos eventuais leitores desse texto acerca do que cada um de nós, em seu microcosmo, pode fazer para que nossa formação profissional seja devidamente aproveitada e valorizada. Acredito que as possíveis respostas a essa pergunta não são triviais, ainda mais considerando as variadas maneiras por meio das quais essa formação pode ser exercida.

Por fim, gostaria de dizer que esse episódio da pandemia de COVID-19 tem intensificado em mim a reflexão sobre a sobrecarga que nós, seres humanos, estamos exercendo sobre esse planeta que nos deu casa, comida e, se bobear, até roupa lavada. E também sobre a desigualdade (social, econômica, instrucional) entre nós e qual o sentido disso tudo. Há algum sentido? Para onde estamos caminhando? Aonde queremos chegar, como humanidade? Tenho pensado também em como meu trabalho se relaciona com tudo isso e em como ele poderia contribuir mais ou causar menos dano ao mundo. Acho que é a menina de oito anos que assistiu O Agente Teen e gostou da nanotecnologia tentando falar comigo. Se um dia eu descobrir uma boa resposta, peço à Letícia para voltar aqui e contar.

Muito obrigada a você que teve paciência de ler tudo isso que escrevi e à equipe do SemprEQ, em especial à Letícia, pela oportunidade de contar minha história. Torço para que estejam bem, sejam felizes e para que a EQ traga a vocês tantas alegrias quanto tem me trazido! Um forte abraço!

Marina Prass, formada em 2017. Jun 21, 2020

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