Entrevista - Virginia Ciminelli

Abr 11, 2014

Primeira professora da Escola de Engenharia da UFMG e primeira mulher eleita Membro Titular na área de engenharia da Academia Brasileira de Ciências, Virginia S. T. Ciminelli nos conta sobre sua história, mercado de trabalho, intercâmbio e muito mais. Professora Titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFMG e Pesquisadora Nível 1A do CNPq, possui um currículo de tirar o fôlego!

Virginia é Membro Titular da Academia Nacional de Engenharia, também do Comitê de Assessoramento de Engenharia Metalúrgica, Materiais e de Minas do CNPq, e coordena o INCT-Acqua (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Recursos Minerais, Água e Biodiversidade), uma rede internacional com pesquisadores de cerca de trinta instituições. Atua nas áreas de desenvolvimento e aplicação de processos hidrometalúrgicos, como também na área ambiental, abordando temas como oxidação de sulfetos, drenagem ácida de minas e fixação de arsênio. Destacam-se a modelagem termodinâmica, cinética e molecular de reações de dissolução, sorção e precipitação. Um de seus trabalhos, por exemplo, é sobre o uso do carvão ativado e de resinas de troca iônica para recuperação de cianeto, proveniente da extração de metais preciosos e de metais de base como cobre e zinco, na eletrorrecuperação de metais.

Quer conhecer esse grande nome da engenharia, que faz parte da história da EQ? Confira!

Quem é Virginia Ciminelli?

“Sou engenheira química formada na UFMG, com mestrado em Engenharia Metalúrgica e de Minas, também na UFMG, e doutorado em Processamento Mineral, na Pennsylvania State University, nos Estados Unidos. Trabalho em áreas com forte base química, já que processos químicos e operações unitárias estão presentes na hidrometalurgia e na área ambiental voltada ao tratamento de efluentes aquosos. Sempre atuei em áreas multidisciplinares (fruto do interesse por várias disciplinas) e com colaborações no exterior. Gosto de desafios. Sofro daquela “insatisfação” que me faz pensar o tempo todo em como as coisas podem ser aperfeiçoadas, e isto vai desde o meu trabalho técnico ou o banheiro do corredor. Sempre trabalhei mais do que 8 horas por dia e em fins de semana. E ainda fica muito a ser feito. Adoro arte e tudo ligado à estética. Minha trajetória profissional foi marcada pelo incentivo, apoio e muitas idéias de meu marido, também engenheiro químico, Renato Ciminelli. Temos duas filhas, uma formada em direito e a outra cursa medicina na UFMG.”

Como era a perspectiva de um estudante de Engenharia Química na sua época de estudante?

“Desde que eu me formei foram vários períodos de altos e baixos, alternando períodos bons e ruins. Eu me lembro de que quando fui para o exterior fazer o doutorado a situação econômica do país estava péssima. Mas minha opção pela carreira acadêmica não foi uma consequência do mercado de trabalho e hoje, em retrospectiva, fico muito feliz pela escolha que me abriu tantas oportunidades e me trouxe tantas alegrias.”

Você acredita que o mercado de trabalho atualmente ainda está sofrendo problemas semelhantes da época que você formou?

“Durante as últimas décadas nós temos vivido momentos de grande esperança e também de grande desapontamento. Existem diversos aspectos da conjuntura econômica, social e política que não me cabe discutir. Mas eu gostaria de abordar um aspecto que considero fundamental para o desenvolvimento do país. Hoje, o que é apontado por especialistas e que eu posso testemunhar pela minha própria experiência, trabalhando com muitas pessoas e contratando também, é que nós presenciamos o que eu chamo de um grande “apagão de competências”. Qualquer brasileiro, bom aluno, que sai para o exterior tem um desempenho igual ou até superior a colegas estrangeiros. Ou seja, nós temos excelente capital humano, criativo e adaptável. Mas o nosso sistema não valoriza a competência e o desempenho. Essa postura resultará em uma conta dificílima de ser paga no futuro. Portanto, se nós não investirmos em uma educação de alta qualidade, mas, mais do que isso, em uma postura de busca da excelência e de comprometimento institucional e de cidadania, nós não teremos, a meu ver, como sair das recorrentes crises, mesmo em um cenário econômico favorável.”

Aproveitando o tema, há algum tempo atrás o Nobel de Economia alertou sobre uma crise em que o Brasil pode entrar em alguns anos. Você acredita que estamos já em crise ou que ela realmente nos afetará somente dentro de alguns anos?

“Eu entendo que pelos sinais [do mercado], pela opinião de analistas, pelo que eu leio e observo também, a crise já se aproxima. Agora, toda crise também deve ser vista como um momento de oportunidades. Eu não tenho dúvida de que as oportunidades virão para as pessoas que invistam na competência e excelência, para os profissionais comprometidos, capacitados, que estudem e que se aprimorem continuamente. Durante anos alguns setores de recursos humanos enfatizaram o conhecimento de inglês e da área de gestão. Estes são apenas pré-requisitos, um patamar básico. O que irá diferenciar o profissional é seu comprometimento e sua competência técnica, e esta é resultado de muito esforço, dedicação e muito estudo.”

Conte-nos como foi a transição da Engenharia Química para a área de Metalurgia.

“Ocorreu através da pós-graduação. Quando eu me formei fui convidada para ingressar no Departamento de Engenharia Química. No entanto, como na época não havia pós-graduação em Engenharia Química, iniciei a pós graduação em Engenharia Metalúrgica e de Minas. Foi quando recebi uma oferta de ingressar na Metalurgia. A contratação seria mais rápida, além de algumas outras vantagens. Por isso fui para o Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, onde trabalho em áreas com forte base química: hidrometalurgia e meio ambiente. Naquela época eu era muito nova, recém-formada, e não posso dizer que a transição tenha sido uma opção tão consciente; mas eu soube identificar a oportunidade. O que me atraiu na Engenharia Metalúrgica foi perceber naquela época que o departamento se diferenciava na Escola de Engenharia pela pós-graduação, presença de vários doutores, professores com formação multidisciplinar e professores estrangeiros. Isso tudo chamou minha atenção. Assim eu ingressei na pós-graduação, fiz o mestrado, o doutorado no exterior e desde então trabalho no DEMET.”

Você mencionou que entrou no Departamento de Metalurgia, entre outros motivos, pela ausência de pós-graduação no Departamento de Engenharia Química na época. Atualmente você sente falta de um contato com o Departamento de Engenharia Química?

“Eu sinto que poderia haver ganhos mútuos numa maior interação com professores da Engenharia Química que atuam em áreas similares ou complementares. Meu trabalho caracteriza-se por multidisciplinaridade. Portanto, esse ponto de convergência entre diferentes áreas de conhecimento sempre me interessou. Por outro lado, não posso deixar de ressaltar que eu sempre tive ótimos alunos da engenharia química.”

Você sentiu alguma vez na carreira ou sente alguma diferença (positiva ou negativa) em sua atuação como Engenheira Química em relação ao profissional de Engenharia Metalúrgica?

“O que eu posso enfatizar é o diferencial que a minha formação em engenharia química trouxe para a minha carreira de uma forma geral. Eu tive o privilégio de uma formação excelente em engenharia química, com professores excepcionais, com enorme dedicação ao aprendizado de seus alunos, podendo citar vários, dentre os quais Solange, Odette, Maria Luísa, Hugo, Togo, Maria Lídia. O Prof. Emérito da Escola de Engenharia Ernst Pauline, que faleceu no ano passado, marcou-me também pelo seu conhecimento, apesar de um menor contato. Enfim, a formação recebida no curso me deu a base para que eu pudesse me sair bem em áreas de interface e na coordenação de projetos multidisciplinares, de dimensão nacional e internacional. Percebi o diferencial já no mestrado, mas mais ainda quando meu marido e eu fomos estudar no exterior. Fomos para áreas nas quais não tínhamos formação prévia, Hidrometalurgia e Materiais Cerâmicos. Nós dois nos saímos muito bem nos cursos, que eram pesadíssimos, em ambiente de grande competição. E eu não tenho dúvida da contribuição da engenharia química. Inicialmente em termos do contéudo do curso: desde o estudo de processos e operações unitárias até a sua integração na disciplina de projetos, quando éramos expostos a noções de economia, mercado, gestão. Essa abordagem que vai do micro ao macro foi essencial na minha trajetória e na minha forma de atuação. Mas uma contribuição essencial veio do estudo sistemático, aprofundado, provas muito difíceis… O treinamento que eu e meu marido tivemos certamente nos propiciou um bom desempenho nas nossas carreiras.”

Então você acredita que o curso pesado, o ritmo forte da Engenharia Química, te ajudou bastante nesse processo, a te dar um diferencial nessas áreas?

“Certamente. Isso tudo aliado ao estudo nos livros em inglês. As exigências e dificuldades formam a personalidade, moldam um profissional que estará apto a enfrentar desafios.”

Que conselho você daria a um aluno que queira explorar alguma outra área já durante a graduação?

“Eu vou repetir o que digo às minhas filhas e aos filhos dos meus amigos: estude muito, porque o que você não aprender durante o curso abrirá uma lacuna que carregará pelo resto da sua vida profissional. A educação continuada é uma realidade que o profissional contemporâneo não pode ignorar. Mas a falta de base é difícil de ser recuperada. Se você se interessa por uma área específica, aproveite as inúmeras possibilidades de formação complementar, por exemplo através da iniciação científica ou através de estágios, mas nunca em detrimento da qualidade e do envolvimento com seu curso. Descubra o que adore fazer e procure ser o melhor nesta área, como um aprendizado para uma longa carreira. Não perca o foco. Invista em uma competência que irá distinguí-lo como profissional. E aproveite as oportunidades de internacionalização, buscando assim o aprimoramento da formação técnica mas também a formação cultural. Vivemos em um mundo globalizado.”

Nesse caso, você acredita que o programa Ciência sem Fronteiras (CsF) ajuda a dar um diferencial muito bom para os alunos?

“Depende de como ele vai aproveitar essa experiência. Eu já observei inúmeras pessoas que foram para o exterior, mesmo na pós-graduação, e que aparentemente não conseguiram fazer com que essa experiência se transformasse em uma contribuição significativa para seu ambiente de trabalho. Depende portanto da forma como o aluno vai se apropriar da experiência e incorporá-la na sua vida profissional e pessoal. A minha esperança é que o programa Ciência sem Fronteiras traga benefícios de longo prazo para o país. Eu faço críticas ao programa, mas a principal é de que os alunos não estão ligados a um projeto da sua Instituição de origem. Assim o retorno é muito menor do que poderia ser, bem como seu efeito multiplicador. Mas uma experiência no exterior é sempre enriquecedora. Eu espero que os jovens que tem tido acesso a essa grande oportunidade voltem como agentes multiplicadores e disseminadores da cultura, da organização, do cuidado com o que é público, além do aprofundamento técnico. Que saibam identificar as boas práticas e incorporá-las na construção de um país melhor.”


Abr 11, 2014. Texto editado em março de 2018

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