Entrevista - Profª. Maria Laura

Mar 15, 2016

Nossa entrevistada é docente titular aposentada do Departamento de Engenharia Química da UFMG. Graduada em 1977, mestre pela COPPE-UFRJ e doutora pela McGill University (1991), é inegável sua contribuição ao âmbito do Ensino e Pesquisa em Engenharia Química no Brasil. Além de coordenar o maior encontro nacional de Ensino de Engenharia Química, Maria Laura de Azevedo Passos foi uma das precursoras no estudo de secagem e sistemas particulados no país, além de promover estudos em modelagem e simulação de processos. Sempre lembrada pela sua seriedade e “brilho no olhar”, uma das professoras mais marcantes do Departamento responde a algumas perguntas sobre sua carreira e seu envolvimento com a EQ no país.

A senhora graduou-se em Engenharia Química pela UFMG no ano de 1977. Como era o Ensino de Engenharia Química naquela época?

Sim, eu me graduei pela UFMG como Engenheira Química em 1977. Nesta época, já havia grandes e importantes mudanças no Ensino de Engenharia Química no Brasil e no mundo. Os fenômenos de transferência de quantidade de movimento, massa e energia tinham sido agrupados, englobando uma formulação teórica acoplada a modelos matemáticos. Os processos industriais deixaram de ser informativos para serem estudados como uma sequência de operações unitárias, partindo da matéria-prima ao produto final. Isto resultou em um maior embasamento matemático e um espírito mais criativo, refletindo o que ocorria no mundo. A computação desenvolvia-se muito rapidamente… e como! Sempre mencionei aos meus alunos que vivi, na minha formação, a introdução da era computacional no curso de Engenharia Química. No primeiro ano de estudo no ICEX, usava-se a régua de cálculo… já no segundo ano, apareceu a maquininha que fazia as quatro operações matemáticas… comprei uma, pagando à prestação (imaginem?!!!). Quando terminei meu curso de graduação, existiam nas universidades os grandes computadores (mainframes), como o IBM e o Burroughs. Usei este último no meu mestrado na COPPE/UFRJ para simular a transferência de calor em coletores solares! Tinha que perfurar cartões e esperar até o dia seguinte para saber o resultado…?! Vocês nem imaginam a loucura que foi!…. Quando fiz meu doutorado no Canadá, ao chegar fui recebida com um PC na minha mesa de trabalho, era ainda de tela verde e usava o sistema DOS. Hoje, uma peça de museu!!! Enfim, me formei em uma época de grandes mudanças no ensino e o curso de Engenharia Química da UFMG era uma referência no país, em termos de inovação nos métodos de ensino. Em 1979, entrei para o corpo docente do DEQ/UFMG e continuamos a fazer grandes avanços no ensino da Engenharia Química, com métodos mais criativos e voltados à evolução do aluno como profissional.

O que é Engenharia Química para você?

Foi e é a minha vida profissional, e, sem dúvida, é uma paixão (se posso assim me expressar). Gosto muito de trabalhar na EQ, buscando novos caminhos, novas técnicas e rotas para produção de bens (principalmente alimentos — de alta qualidade — visando basicamente atender às necessidades dos pequenos produtores rurais). Isto é desafiante e inovador. Gosto muito de ensinar e continuo, em parte, esta atividade nos projetos de co-orientação de tese e dissertação. Escolhi a profissão e a carreira que me fizeram e fazem ter brilho nos olhos, trabalhar no conjunto e ser feliz.

Você teve uma grande contribuição com a criação do Programa de Pós em Engenharia Química na UFMG, na década de 1990. Qual sua motivação em levar adiante um projeto tão desafiador? Como era fazer ciência em Engenharia Química naquela época?

O Programa de Pós Graduação em Engenharia Química, basicamente o Mestrado, na UFMG surgiu do nosso crescimento no ensino da graduação e no nosso amadurecimento no desenvolvimento da pesquisa na área. Na época da implantação, como primeira coordenadora, assegurei que o Mestrado caminhasse junto à Graduação. Nossos mestrandos trabalhavam em conjunto com os alunos de iniciação científica e, além disso, estes mestrandos nos acompanhavam nas disciplinas de graduação (como monitores). Havia um contato grande entre os dois cursos. Foi um desafio, não só para mim como primeira coordenadora, mas para todo o departamento. Foi uma época efervescente de ideias e de trabalho, aumentamos os intercâmbios com outras universidades, trouxemos renomados professores para palestras e cursos de curta duração; asseguramos projetos e recursos para os laboratórios e para a pesquisa. Pessoalmente, a minha motivação em levar adiante este projeto era de crescermos juntos no ensino e na pesquisa da EQ. Tínhamos um grande potencial para tornarmos um centro de referência. Este sempre foi meu ideal (embora houvesse pessoas que não acreditassem)! Quanto à pergunta “Como era fazer ciência em Engenharia Química naquela época?”, acho que não mudou o conceito em “fazer ciência em Engenharia Química” daquela época para hoje. Pesquisa e desenvolvimento na Engenharia Química (ou mesmo em outra área aplicada) são essenciais ao país em desenvolvimento e isto surge de uma necessidade do setor industrial. Sempre foi assim, por exemplo, a indústria exige uma substituição de determinada etapa de um processo (ou mesmo de um processo) para ser mais eficiente economicamente (quer em termos energéticos, ambientais ou de melhoria da qualidade do produto). Como se faz isto? É pesquisando, abrindo portas, buscando novos conhecimentos de processar determinado material, estudando novas rotas e otimizando-as, enfim criando novos caminhos… fazendo ciência em Engenharia Química. No Brasil, sempre houve (e acho que ainda continua) uma separação grande entre indústria e centro de pesquisa-universidade, o que foi e é um pensamento errado. Veja como nós, brasileiros, desenvolvemos a tecnologia do álcool. Foi fazendo ciência em Engenharia Química (EQ) e isto foi uma exigência do mercado. Coube, então, a nós, pesquisadores da EQ, desenvolvermos uma nova tecnologia compatível com os recursos e necessidades do nosso mercado. Isto caracteriza a EQ, não se pode separar o processo industrial do desenvolvimento e da pesquisa. Se assim ocorrer, este processo esta fadado a ser arcaico e ultrapassado. Atualmente, as ferramentas computacionais (para resolução dos modelos matemáticos, simulação e otimização de etapas e/ou processos) são mais poderosas e abrangentes, isto, sem dúvida, aprimorou a pesquisa na EQ.

Como você se sente sendo referência para muitas pessoas dentro e fora da UFMG?

Sinto que é um reconhecimento da existência de um ideal conjunto de trabalho, crescimento e de evolução da nossa área. Estas pessoas, a que você se refere, trabalharam em algum projeto, quer de pesquisa ou de ensino, comigo. Com certeza, trabalhamos juntos, arregaçando as mangas com entusiasmo e brilho nos olhos. Sem dúvida, fizemos algo importante que valeu! Também, sou grata a todas elas que contribuiram para o nosso crescimento.

Além da pesquisa, a senhora parece ter demonstrado uma preocupação com o Ensino no país. Prova disso foi a sua participação como Coordenadora do ENBEQ de 1991. Como foi organizar um evento que hoje tem um significado tão especial para a Engenharia Química?

Além de Engenheira Química e pesquisadora, fui e sou um Professor-educador, que sempre se preocupou com o aluno, buscando aprimorar novas e criativas formas para o ensino. Com este ideal, participei ativamente dos ENBEQs. Em 1991, fui a coordenadora do III ENBEQ, representando o corpo docente do DEQ/UFMG, principalmente os professores: Odette, Maria Luiza, Solange e Hugo que tinham, como eu, o ideal de busca de um ensino moderno e mais criativo na EQ. Foi muito importante a organização deste evento na época. Cumpre-se ressaltar que o ENBEQ foi e é um encontro de cunho único e especial no ensino das Engenharias. Foi decorrente da ação de um grupo de docentes para a melhoraria dos cursos de EQ, buscando para tal conhecer o ensino no país e propondo uma ajuda mútua entre as universidades. Desta ação, resultou uma troca de conhecimento e análises de experiências no ensino, a identificação de pontos a serem melhorados visando o aprendizado do aluno e, finalmente, metas e ações para concretizar estas melhorias no ensino da EQ no país, como um todo. Estes encontros não visam o cunho individual, mas sim o coletivo, viabilizando uma ação conjunta para a melhoria do ensino! O que torna o ENBEQ único e inédito. O III ENBEQ em 1991 veio, então, consolidar tais encontros, garantindo não só sua continuidade mas, principalmente, sua memória. Profa. Odete e eu fomos editoras dos primeiros anais destes encontros (não só do III ENBEQ mas do I e II ENBEQ). Isto teve um grande significado para nós da comunidade da EQ. Esta documentação contribui até o momento para direcionar os currículos de novos cursos a serem implementados.

Qual sua visão do ensino de Engenharia Química no Brasil atualmente?

O currículo da EQ teve que ser adaptado às novas mudanças, mas o corpo básico continua envolvendo os fenômenos de transferência de quantidade de movimento, massa e energia, que definem as operações unitárias. Estas combinadas formam o processo industrial. Os modelos matemáticos e/ou estatísticos junto com os novos métodos computacionais modernizaram o ensino da EQ. Hoje, o aluno da graduação pode construir e visualizar um processo industrial, simulá-lo e saber otimizá-lo, além disso, ele tem que saber analisar suas variáveis e o efeito destas no produto final. Com estes resultados, o aluno pode acrescentar, retirar e modificar etapas, analisando os resultados em prol de melhoria do processo e do meio ambiente. Note-se que esta análise crítica continua sendo fundamental ao ensino da EQ e o professor-educador deve atuar positivamente neste ponto, ensinando o aluno a interligar os conceitos e conhecimento para que venha entender o fenômeno, incentivando-o a investigar, modificar e criar. Portanto, as ferramentas que temos hoje no ensino possibilitam atingir mais rápido o objetivo de formar um Engenheiro Químico com espírito analítico e crítico.


Mar 15, 2016

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