Entrevista - Aline Barros

Aline Barros, Coordenadora da Vesuvius na Alemanha

O SemprEQ conversa com Aline Barros. Atualmente como coordenadora de Qualidade na Empresa Vesuvius Refratários na Alemanha, ela nos conta como é trabalhar fora do Brasil revelando suas vivências em diferentes culturas e também as impressões dos estrangeiros em relação à ela como Brasileira. Confira:

Como você conseguiu uma colocação no exterior? De quais procedimentos legais você precisou para trabalhar na Alemanha?

“Consegui essa colocação por meio do programa de trainees da Vesuvius. O Projeto Columbus selecionou 3 brasileiros para trabalhar durante 9 meses na Índia, ao mesmo tempo em que selecionou 3 indianos para trabalhar no Brasil. Após esse período tivemos a opção de continuar trabalhando nos nossos respectivos países ou tentar uma outra colocação no exterior. Como sempre quis trabalhar na Europa, escolhi a segunda opção. Alguns meses depois, me foi oferecida a oportunidade de ir para a planta de Mülheim na Alemanha, que fabrica pó fluxante para lingotamento de aço.

Tenho um contrato de expatriada por 3 anos, até 2017. Trabalhar como expatriada significa que continuo registrada como funcionária da Vesuvius Brasil, pagando normalmente impostos e INSS. Mas a forma de pagamento do salário varia, ele pode ser feito totalmente no exterior, meio à meio ou totalmente no Brasil. Depende da negociação com a empresa. A Vesuvius também cuidou dos procedimentos legais, por meio de uma empresa terceirizada. Como o Brasil não tem um acordo de bitributação com a Alemanha, também tive que entregar uma Declaração de Saída, que me torna não-residente fiscal e evita que meus rendimentos sejam tributados nos dois países.”

Há algum incentivo no seu país para captar engenheiros ou mão de obra qualificada de outras nacionalidades?

“Sim, a Alemanha precisa de mão-de-obra qualificada, mas a língua ainda é um entrave. Me surpreendi muito quando cheguei aqui e percebi que são poucas as pessoas que realmente se sentem confortáveis com a língua inglesa. Então para quem quiser trabalhar aqui, aprender o alemão é realmente um diferencial. Existe um site para estrangeiros que querem uma colocação na Alemanha, o Make it in Germany.

Também recomendo a página da Embaixada Alemã no Facebook e a página “Brasileiros na Alemanha”. O blog “Quero Aprender Alemão” também é muito bom. Explica a gramática alemã de um jeito muito fácil.”

Os brasileiros sofrem algum preconceito ou são valorizados no mercado na Alemanha?

“Com relação ao preconceito é difícil responder porque nunca aconteceu comigo aqui. Onde estou fui bem recebida (claro que não do jeito caloroso Brasileiro, e sim do jeito introvertido alemão, mas ainda assim bem recebida). Infelizmente pessoas preconceituosas sempre existirão, contudo essa não é de maneira alguma a regra aqui. Inclusive a maioria das empresas tem a diversidade como um de seus principais valores, pois quantidade de estrangeiros na Alemanha é muito grande e está só aumentando. A tendência é que o país se torne cada vez mais multicultural.

Por outro lado não pude perceber também que o profissional brasileiro é mais valorizado que os outros. Na verdade eles ainda conhecem muito pouco à respeito do Brasil, da cultura e do povo. Quando um profissional brasileiro é contratado aqui, acredito que eles esperam que essa pessoa se dedique ao trabalho da mesma maneira que qualquer outro alemão.”

De acordo com sua opinião, quais as vantagens do engenheiro brasileiro em relação ao profissional estrangeiro?

“Acredito que o brasileiro é mais flexível e dinâmico pois somos mais dispostos à lidar com mudanças. Como vivemos em um país com uma economia oscilante, somos mais bem preparados à lidar com os momentos de crise e incertezas. O que eu percebi aqui é que o alemão (principalmente os mais velhos) gosta de manter as coisas do jeito que estão e qualquer mudança deve ser muito bem estruturada e debatida. Por exemplo, no Brasil, implementamos uma melhoria primeiro e aos poucos vamos ajustando até que o resultado final seja satisfatório para todos. Na Alemanha, a concepção da melhoria é altamente debatida até que se chegue à um resultado bom e ela possa ser implementada. Tive dificuldades em me adaptar a isso, pois acaba sendo meio frustante levar tanto tempo para ver os resultados do meu trabalho.

Se por um lado, o brasileiro é mais dinâmico para mudanças, por outro o alemão é muito mais competente para implementar padrões e manter a qualidade e eficiência nos mais altos níveis. Regras, leis e padrões são muito importantes para eles, por isso recomendo deixar um pouco de lado o famoso “jeitinho brasileiro” quando vier trabalhar aqui.

Uma outra vantagem que gostaria de mencionar é que somos de fato um povo mais caloroso e acolhedor, o que nos torna mais dispostos a trabalhar no exterior e mais abertos a outras culturas. Além disso, somos vistos como pessoas muito amigáveis (pelo menos aqui na Alemanha) e por isso somos mais queridos pelos estrangeiros.”

Qual a melhor e a pior parte de trabalhar no exterior?

“O melhor de se trabalhar no exterior é que você de fato se insere na cultura do país. Com isso, você aprende em maiores detalhes sobre os hábitos e os costumes do povo e adquire novas perspectivas. Pode paracer clichê mas isso realmente abre a sua mente, pois você acaba comparando a cultura brasileira com a do outro país e passa a pegar o melhor de cada. Um exemplo básico de um costume que adquiri aqui é o de tirar os sapatos assim que se entra em casa, ou de separar o meu lixo corretamente. Por outro lado nunca deixei de trazer minha escova de dentes para o trabalho (por mais esquisito que eles achem). Um costume deles que resolvi não reter foi o de imprimir quase todos os tipos de documentos, distribuir várias cópias em papel e arquivar. É até engraçado, mas na minha empresa eles não confiam muito na digitalização e no backup.

A pior parte, além da saudade da família, dos amigos e da sua casa é o período de adaptação. No começo era tudo tão novo que realmente me sentia esgotada no final do dia. Tentar aprender a língua, não cometer nenhuma gafe no trabalho, fazer amizades, entender as leis e as regras, procurar e mobiliar um apartamento e cumprir todas as outras burocracias realmente gastou muita energia. Por outro lado a cultura alemã foi muito mais fácil de se adaptar que a indiana. Os costumes indianos, a religião, as tradições e até as comidas eram muito diferentes dos brasileiros.

Juntando isso ao fato de que a sociedade indiana é ainda muito patriarcal e machista, confesso que não me adaptei totalmente ao país e isso só piorou ainda mais a saudade do Brasil. Se por um lado sou muito grata à essa experiência, que me fez colocar todos os meus problemas em perspectiva, me ajudou a superar minha timidez, e me ensinou a dar muito mais valor à minha liberdade, ao meu país e a todas as minhas conquistas, por outro o choque cultural foi tão grande, que me faz pensar se algum dia quero voltar a trabalhar lá.

Mas depois de ter superado o desafio da daptação e aprendido a controlar a saudade ficou muito mais tranquilo. Por mais que seja dolorido é importante passar um tempo longe da família porque só assim você aprende a se virar de verdade, encarar seus medos de frente e tomar suas próprias decisões. Acredito que esse tipo de experiência é tão importante quanto a faculdade na vida de um jovem.”

Que dica você daria para aqueles que pretendem conseguir alguma colocação em outro país?

“A primeira dica que eu daria é aprender uma língua estrangeira além do inglês. Atualmente o inglês ja deixou de ser um diferencial e virou uma obrigação principalmente para quem quer morar fora. Independente da língua escolhida, isso já te coloca algumas posições mais à frente dos outros candidatos, principalmente em multinacionais.

A segunda dica que eu daria é, por mais que você discorde do estilo de vida de um estrangeiro ou de suas crenças, não se revolte ou tente mudá-los. Um imigrante deve entender que esses hábitos vieram de uma cultura que se desenvolveu ao longo de muitos anos e não vai ser sua indignação que vai mudar tudo de repente. Se adaptar não significa mudar tudo à sua volta para ficar do seu jeito, mas sim adaptar o seu jeito às novidades que estão à sua volta. Aprendi essa lição de um holandês que morava na Índia já há 5 anos e isso me ajudou muito durante o período que trabalhei lá.”


Jun 15, 2016. Texto editado em 23/03/2018

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