Minha Carreira de Engenheiro Químico de Tintas

André Luiz Guedes Martins, Nov 26, 2021

Pedro Nava, em sua obra memorialista Beira-Mar, escreve acerca da vida humana que a experiência é como um farol de ré. Sem acenar com a concordância, muito menos com a polêmica, compartilho minha história como Engenheiro Químico de Tintas com os graduandos e recém graduados em Engenharia Química. Olhar para atrás e contar o que se construiu é uma recompensa valiosa e pode ser inspiradora a muitos, todavia há de se dizer que o carro da vida anda sempre para frente.

Sinto orgulho virtuoso de ter me graduado na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais em dezembro de 1980, onde fui admitido pelo vestibular, iniciando o curso em março de 1976. Daquele tempo de estudante guardo lembranças maravilhosas, o antigo ICEx, o prédio da Escola, à Rua Espírito Santo, 35, os ambientes de sala de aula e laboratórios, os professores magníficos, os funcionários e os colegas de turma. Vivemos na Universidade no fim dos anos 70, curtíamos MPB, Chico, Caetano e Milton e desejávamos e lutávamos, cada qual a seu modo, pela Democracia.

Ao tempo de completar quase 27 anos de carreira, em 2009, fui admitido ao Mestrado em Artes, na área de Conservação e Restauração de Obras de Artes, na Escola de Belas Artes, UFMG. O objeto de estudo escolhido abordou o tema “Composição de Vernizes Oligoméricos para Pintura de Arte: Avaliação de Desempenho em Ensaio de Envelhecimento Artificial Acelerado”, sendo a dissertação defendida em outubro de 2011. O orientador do trabalho foi o Professor-Doutor Luiz Antônio de Souza Cruz. Todos os conhecimentos de Ciência e Tecnologia em Tintas foram essenciais ao sucesso do projeto.

Até hoje explico, com satisfação, a conexão Ciência, Engenharia Química e Arte pela abrangência de formação do Engenheiro Químico e pela interdisciplinaridade dos assuntos tintas e conservação e restauração artística.

Tudo começou com visitas semestrais de alunos de graduação de Conservação e Restauração ao laboratório de desenvolvimento de produtos da empresa local fabricante de tinta Bema, na qual trabalhava, e consolidou-se pela contribuição mútua, científica e tecnológica, empresa e universidade. Sempre coordenei as visitas de centenas de estudantes à empresa, especialmente de Química, Engenharia Química e Artes.

Programa de visita de estudantes EQ

Carteira funcional Bema, 1982

Minha carreira como Engenheiro de Tintas começou em 1982. Fui contratado pela Bema, cuja obra de crescimento no mercado era um grande desafio. Creiam que não é tarefa simples construir uma empresa nacional de tintas, partícipe de mercado tão competitivo, em ambiente com tantas empresas multinacionais concorrentes.

Tudo a fazer, tudo a organizar! Projetar e implantar todo o sistema de gestão da qualidade, redigir e registrar normas, procedimentos e instruções de trabalho por toda empresa, conscientizar e capacitar os colaboradores, tudo exige esforço e comprometimento constantes.

Início de carreira, laboratório Bema, planta antiga,1986

Em 1990, Bema concluiu a construção da primeira etapa da nova planta industrial em Contagem. Muitas dificuldades econômicas marcaram os anos 80 e 90 até a implantação do Plano Real. Em 1990, com a implantação do Plano Collor para deter a inflação descontrolada ocorreu até confisco de dinheiro. Todos os brasileiros e empresas ficaram com saldo de cinquenta cruzeiros (valor irrisório!) em suas contas-corrente. A maioria dos trabalhadores não recebeu seus salários por algumas semanas. Foi um verdadeiro desastre financeiro para milhões de pessoas. Parafraseando Neruda, digo "confesso que vivi" e vivemos todas estas dificuldades.

Laboratório Bema desenvolvimento de produto, 2010

Ao longo de meu longo exercício profissional de 35 anos na Bema assumi as funções de gestão em controle de qualidade, desenvolvimento de produto, assistência técnica, gestão da qualidade e produção. Desde 1996 tornei-me gerente de tintas base solvente orgânico com o alcance de todas as funções da gestão.

Minha atuação gerencial contou com os conhecimentos que adquiri pela graduação em Administração na PUC-Minas. A divisão de tintas base solvente orgânico produz tintas alquídicas, epoxídicas, poliuretânicas, silicato e demarcação viária. Os desafios foram intensos, todavia com trabalho dedicado e constante de toda a equipe de colaboradores, da diretoria à produção, Bema tornou-se uma empresa consolidada e reconhecida no mercado brasileiro de fabricantes de tintas. Hoje produz também completa linha de tintas látex acrílica e resinas sintéticas.

Qual a razão que me moveu para contar minha carreira, contar minha história? Nenhuma vaidade, apenas a intenção de reafirmar a potência e as capacidades de conhecimento e ação dos engenheiros químicos da EEUFMG. Logo no início do curso de Análise Instrumental, disciplina optativa, indaguei do Professor Ernest Paulini acerca da metodologia de análise para certo ensaio. Onde estava? A resposta foi a maior lição de minha carreira estudantil de graduação. Ele disse: "Tu serás engenheiro químico, é teu trabalho propor a solução da questão." Em tua toda minha carreira profissional e vida pessoal Professor Paulini continuou a repetir a lição ao meu pensamento. Foi lição significativa, todavia ouvi muitas mais pelos Professores José Augusto, Hugo, Solange, Odete, Maria Luiza, Sadi, Marcos, Cássia, Rubens, Togo, Heloísa e todos os demais que minha memória, de chofre, não lembra mais.

Agora, voltando a minha narrativa circular, pois nada está no fim e tudo está começando, retorno ao objeto de estudo do Mestrado. A questão da resistência ao envelhecimento de tintas e vernizes artísticos em pinturas de cavalete é essencial à conservação de todo patrimônio artístico.

Meu conhecimento em materiais e formulação de tintas apoiou a pesquisa acadêmica e pretendeu preencher a lacuna de conhecimento químico da atividade de Conservação e Restauração, especialmente com aditivos nanométricos para absorção de luz ultravioleta. Lembro a orientação valorosa dos Professores Luiz Souza, orientador, e Isolda de Castro Mendes, co-orientadora.

Feira de Tintas, Abrafati, São Paulo, 2019, eu e Dr. Fazenda, importante químico e referência técnica nacional na indústria de tintas

Destaco que investimentos vultosos são realizados em projetos e programas de conservação e restauração pelos organismos internacionais e grandes institutos de proteção ao patrimônio artístico. Eis aí mais uma oportunidade de conhecimento e trabalho para engenheiros químicos na colaboração multidisciplinar à arte. A oportunidade, todavia, vai além do campo da Conservação e Restauração e alcança o campo da perícia de autenticidade de obras de arte, atividade muitíssimo requisitada e valorizada.

Sinceramente espero ter colaborado com os colegas graduandos e recém graduados em Engenharia Química apresentando minha carreira profissional, mostrando novas oportunidades e, sobretudo, incentivando todos aos desafios, pois que as soluções do terceiro milênio têm garantida nossa colaboração. Boa sorte e sucesso!

André Luiz Guedes Martins, formado em Engenharia Química na UFMG em 1980. Nov 26, 2021

Gostou de conhecer a carreira incrível do André Luiz Guedes Martins, baseada em Ciência, Engenharia Química e Arte? Então, não dá para deixar de ler o texto do João Vítor Grossi em que ele mostra como encontrou seu lugar no mercado de trabalho!

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