DOMINGO DE PÁSCOA B

PÁSCOA DO SENHOR

31/03/2024

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: Atos 10,34a.37-43

Salmo Responsorial 117(118) R Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! Aleluia, Aleluia, Aleluia!  

2ª Leitura: Colossenses 3,1-4 

   ou

 1 Coríntios 6b-8

Evangelho: João 20,1-9 

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João 20,1-9 1No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. 2Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: 'Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram.' 3Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. 4Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. 5Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. 6Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. 8Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. 9De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos. Palavra da Salvação.

ou

 nas missas vespertinas Lucas 24,13-35


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE -  ARCEBISPO DE SOROCABA SP


No quadro dos acontecimentos da Páscoa o primeiro elemento é o túmulo. Ele é mencionado explicitamente 7 vezes ao longo de 9 versículos (só em dois não aparece essa palavra). Outro detalhe (que não é um detalhe) é que o túmulo está vazio. Trata-se de um sinal essencial. Com efeito, não havia dúvida quanto à sepultura de Jesus: José de Arimatéia e Nicodemos tinham deposto o corpo de Jesus no túmulo, e agora Jesus não está mais lá.

Maria Madalena tinha chegado ao túmulo de manhã bem cedo antes do amanhecer. Ela esperou todo o sábado e a noite do dia seguinte, mas se levanta impaciente de madrugada. Ela está ainda envolta nas trevas da dor. Aquela mulher continua a amar o Mestre, mesmo depois de sua morte. Por isso ele vai ao túmulo: deseja encontrar o cadáver de Jesus, que é sinal de sua presença. É uma pobre consolação, porque o corpo de um falecido é sinal de uma presença de alguém ausente. Madalena quer oferecer ao mestre a homenagem do seu amor, um amor impotente porque o mestre morto não pode mais corresponder a seu amor.

Por isso, quando ela chega ao túmulo vazio, experimenta uma outra dor e uma outra decepção. “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”. Essa é a primeira interpretação do sinal do túmulo vazio: um cadáver não pode sair sozinho e, por isso, alguém deve ter roubado o corpo de Jesus. De qualquer forma, Maria Madalena desempenha a missão de ser anunciadora para os outros discípulos do túmulo vazio.

Simão Pedro e o discípulo amado saem correndo para ver o que tinha acontecido. Os outros discípulos estão muito amedrontados para sair. Somente os dois saem.

Pedro é o chefe indiscutido; mas o outro discípulo é o predileto. Numa espécie de competição os dois correm. Por ser mais jovem, por ter mais energia, por amar mais, o outro discípulo chega antes ao túmulo. Ele viu as faixas de linho que envolviam o corpo de Jesus no chão, constata que o corpo de Jesus não está no túmulo, mas não entra nele. Espera Pedro; só entra depois dele.

Pedro entra no túmulo e constata o que o outro discípulo já tinha vista do lado de fora: as faixas de linho deitadas no chão e o pano que cobria o rosto de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado em lugar à parte. Os dois constatam que não foi roubo de cadáver: o túmulo está vazio, mas não por causa de roubo de cadáver. Com efeito, quem rouba cadáver carrega-o sem ter o cuidado de desenrolá-lo das faixas. Se não foi roubo de cadáver, o que foi então?

O evangelho diz que o outro discípulo entrou e que ele “viu e acreditou”. Os lençóis de linho são sinais da morte que Jesus deixou para trás. Ao constatar a ausência de Jesus, o discípulo amado descobre uma realidade. Ele não tem necessidade de ver Jesus para crer. Ele constata que Jesus não está envolto nos panos de linho porque está vivo.

Jesus ressuscitado se manifestou primeiramente com os sinais de sua ausência: o túmulo vazio, as faixas de linho, o sudário, deitados no chão e a mensagem da Madalena. Depois Jesus se manifestará de modo misterioso: como o jardineiro, o forasteiro que caminha para Emaús, o homem que vem para comprar peixes dos pescadores. Por fim, Jesus se manifestará corporalmente com sua voz e com os sinais da paixão.

Ao mesmo tempo, os discípulos vão progredindo na fé. Primeiro creem sem ver como o discípulo amado; depois reconhecem Jesus ressuscitado pela voz, pela visão e pelo tato como Maria Madalena. Por fim, é o grupo todo que reconhece Jesus vivo, mesmo que haja um teimoso e atrasado que exige ver para crer.

Todas as aparições são acompanhadas de uma missão. A aparição a Maria Madalena a faz Apóstola dos Apóstolos. A aparição aos apóstolos os transforma em portadores dos dons da paz, do Espírito Santo e do Evangelho a todo o mundo. A aparição a Tomé comunica a ele a bem-aventurança de crer sem ter visto.


Jesus tinha razão - Jose Antonio Pagola

Que sentimos os seguidores de Jesus quando nos atrevemos a acreditar que Deus ressuscitou Jesus? O que vivemos enquanto seguimos caminhando atrás dos Seus passos? Como nos comunicamos com Ele quando o sentimos cheio de vida?

 

Jesus ressuscitado, tinhas razão.

É verdade o que nos disse Deus. Agora sabemos que é um Pai fiel, digno de toda a confiança. Um Deus que nos ama para além da morte. Continuaremos a chamá-Lo de «Pai» com mais fé do que nunca, como Tu nos ensinaste. Sabemos que não nos vai desiludir.

 

Jesus ressuscitou, tinhas razão.

Agora sabemos que Deus é amigo da vida. Agora começamos a entender melhor a Tua paixão por uma vida mais saudável, justa e feliz para todos. Agora compreendemos por que colocavas a saúde dos doentes à frente de qualquer lei ou tradição religiosa. Seguindo os Teus passos, viveremos curando a vida e aliviando o sofrimento. Poremos sempre a religião ao serviço das pessoas.

 

Jesus ressuscitado, tinhas razão.

Agora sabemos que Deus faz justiça às vítimas inocentes: faz triunfar a vida sobre a morte, o bem sobre o mal, a verdade sobre a mentira, o amor sobre o ódio. Continuaremos a lutar contra o mal, as mentiras e os abusos. Procuraremos sempre o reino desse Deus e a Sua justiça. Sabemos que é a primeira coisa que o Pai quer de nós.

 

Jesus ressuscitado, tinhas razão.

Agora sabemos que Deus se identifica com os crucificados, nunca com os verdugos. Começamos a entender por que estavas sempre com os enlutados e por que defendias tanto os pobres, os famintos e desprezados. Defenderemos os mais débeis e vulneráveis, os maltratados pela sociedade e esquecidos pela religião. A partir de agora ouviremos melhor a tua chamada a ser compassivos como o Pai dos céus.

 

Jesus ressuscitado, tinhas razão.

Agora começamos a entender um pouco as Tuas palavras mais duras e estranhas. Começamos a intuir que o que perca a sua vida por Ti e pelo evangelho a vai salvar. Agora compreendemos por que nos convidas a seguir-te até ao fim carregando cada dia com a cruz. Continuaremos a sofrer um pouco por Ti e pelo Teu evangelho, mas muito em breve partilharemos Contigo o abraço do Pai.

 

Jesus ressuscitado, tinhas razão.

Agora estás vivo para sempre e fazes-Te presente no meio de nós quando nos reunirmos dois ou três em teu nome. Agora sabemos que não estamos sós, que nos acompanhas enquanto caminhamos em direção ao Pai. Escutaremos a Tua voz quando lermos o Teu evangelho. Alimentar-nos-emos de Ti quando celebrarmos a tua Ceia. Estarás conosco até o fim dos tempos.

 

No Caminho de Emaús – Ele está no meio de nós!

 

Mercedes Lopes e Carlos Mesters

De que estavam falando pelo caminho?

Duas pessoas andando pela estrada. Desanimadas. Tristes! Estavam indo na direção contrária. Fugindo. Buscando. Imagem de ontem e de hoje. Imagem de todos nós. No ano de 85, muitos discípulos e discípulas andavam pelo caminho, tristes, desanimados, sem saber se estavam no caminho certo. Parece que a cruz ficou maior e mais pesada. O desemprego, a violência, a droga, a falta de atenção séria à saúde e à educação, a falta de dinheiro, as dívidas… o desespero.

Sentimo-nos impotentes frente à corrupção que desvia fundos dos cofres públicos, ou frente à má administração que deixa o povo no desamparo. O sistema neoliberal vai gerando cada dia mais exclusões de indivíduos, grupos e países. Parece que vivemos em um caos, em uma situação sem saída. Temos a impressão de estarmos caminhando ladeira abaixo, para o pior.

Tinham os olhos vendados

A experiência da morte de Jesus tinha sido tão dolorosa que eles perderam o sentido de viver em comunidade, abandonaram o grupo de discípulos e discípulas. Sentiram-se impotentes diante do poder que matou Jesus e procuraram salvar pelo menos a própria pele. Sua frustração era tão grande, que nem reconheceram Jesus, quando este se aproximou e passou a caminhar com eles (24,15). Tinham um esquema rígido de interpretação sobre o Messias, e não puderam ver a salvação de Deus entrando em suas vidas. Algumas discípulas tentaram ajudar os companheiros a perceber que Jesus estava vivo (24,22-23). Mas eles se recusaram a acreditar (24,24).

Esta notícia era por demais surpreendente. Era o mesmo que dizer que Jesus era o vencedor do caos e da morte. Só podia ser fantasia, sonho, delírio de mulheres (24,11). Impossível acreditar! Quando a dor e a indignação pegam forte, há pessoas que ficam depressivas, desesperadas. Outras se tornam coléricas e amargas. Algumas invocam o fim do mundo com catástrofes que vão tirar os maus da face da terra. Outras buscam evadir-se numa oração sem compromisso social e político. Mas nenhuma dessas posturas ajuda a abrir os olhos e analisar a situação com fé lúcida e responsável, capaz de inventar saídas para esta situação aparentemente sem saída.

A Bíblia esquentou o coração, mas não abriu os olhos

Caminhando com eles, sem eles se darem conta, Jesus fazia perguntas. Escutava as respostas com interesse. Dessa maneira, obrigava-os a irem fundo no motivo da sua tristeza e fuga. Procurava fazê-los expressar a frustração que sentiam. Depois, ia iluminando a situação com palavras da Escritura. Procurava situar os discípulos na história do povo, para que pudessem entender o momento que estavam vivendo. Foi uma experiência apaixonante. Mais tarde, eles iriam fazer uma reflexão e perceber que o coração deles ardia, quando Jesus lhes explicava as Escrituras pelo caminho (24,32). Mas a explicação que Jesus dava a partir das Escrituras não conseguiu abrir os olhos dos discípulos.

Eles o reconheceram na partilha do pão

Caminhando com Jesus, os discípulos sentiram o coração arder. Cresceu dentro deles uma atitude de acolhida: “Fica conosco! Cai a tarde e o dia já declina” (24,29). Foi só então que a partilha aconteceu. Partilha de vida, de oração e de pão. Partilha que abriu os olhos e provocou a mais importante descoberta da fé: ele está vivo, no meio de nós! (24,30-31). Esta descoberta lhes deu forças para voltar a Jerusalém, mesmo de noite. Tinham pressa de partilhar com os outros a descoberta que os fez renascer e tercoragem para enfrentar o poder da morte. Sim, Jesus era de fato o vencedor do caos e da morte!

Não era fantasia das mulheres. Era uma realidade escondida, misteriosa, que só pode ser descoberta por quem aprende a partilhar, a se entregar, a sair do círculo vicioso dos interesses egoístas, para lutar junto com os outros pela vida de todos. Quando seus olhos se abriram, livres das trevas e travas por poder dominante, puderam descobrir a morte de Jesus como expressão máxima de um amor sem limites. Amor que tem sua origem no Pai cheio de ternura, gerador incansável da vida. Amor que tomou carne em Jesus de Nazaré para visitar e redimir a humanidade. Amor que se mantém fiel até ao extremo de dar a própria vida, para que todos tenham vida (Jo 10,10). Amor que foi confirmado pelo Pai, quando ressuscitou Jesus da morte.

Renascer para uma nova esperança

Esta experiência fez os discípulos renascerem para uma nova esperança. Ao redor de Jesus vivo, eles se uniram de novo e assumiram o projeto de vida para todos. A esperança é como um motor que leva a acreditar nos outros e a inventar práticas de fé. Com a esperança renovada, aquilo que parecia uma total impossibilidade passou a ter um novo significado para eles. Perderam o medo, superaram a experiência de incapacidade e de impotência. Deixaram de lado o negativismo derrotista e voltaram, em plena noite, como se fosse de dia. Voltaram para recomeçar, para reconstruir a comunidade, expressão, sinal e sacramento da presença de Jesus Ressuscitado.

Refazer hoje a experiência do caminho de Emaús

Desafiados pela atual conjuntura, somos chamados a viver hoje a experiência de Emaús e descobrir, na partilha solidária, a presença de Deus no meio de nós. Como comunidade de fé, somos chamados a reconstruir, no diálogo, na abertura e na acolhida, o projeto de Jesus, pelo qual ele entregou sua própria vida.

A solidariedade leva à descoberta da força libertadora de Deus na história. Com olhar lúcido e criativo procuraremos expressar esta fé numa solidariedade bem concreta e articulada, seja em nível de grupo, de bairro ou de cidade. Dizer articulada quer dizer que esta ação solidária deve ser comunitária. Só assim será de fato sinal do Reino e poderá intervir em favor da vida, da vida indefesa dos pobres, os preferidos de Jesus-

Fonte: Texto partilhado pelo autor e pela autora. Ambos participaram da fundação do Centro de Estudos Bíblicos no Brasil, e são referências da Leitura Popular da Bíblia.

 

Renovando a face da Terra: Domingo de Páscoa - Tereza Maria Pompéia Cavalcanti

 

As leituras de hoje nos surpreendem.

Nos Atos dos Apóstolos vemos Pedro atravessar as fronteiras entre judeus e pagãos para dar testemunho do Ressuscitado. Fronteiras que as diferenças religiosas haviam transformado em barreiras e discriminação supersticiosa. De fato, na mentalidade judaica, os pagãos eram impuros e pecadores, por serem idólatras e infiéis. Porém Pedro passara por uma experiência curiosa, um sonho em que lhe foi revelado que Deus não faz diferença entre as pessoas, ainda que pertençam a religiões e nações estranhas: o que vale, para o Deus de Jesus Cristo, é ser temente ao Criador e praticar a justiça. Era o caso de Cornélio, centurião romano que orava sempre a Deus e era muito querido na cidade de Cesaréia porque ajudava muita gente.

Diante disso Pedro aceita entrar na casa de Cornélio e falar a toda a sua comunidade. Disse então que aquele Jesus que passara pela Galileia e Judeia fazendo o bem e curando a todos, “Deus estava com ele!” (At 10,38). E continuou Pedro: “Nós somos testemunhas de tudo o que fez na Judeia e em Jerusalém. Mataram-no, pendurando-o num madeiro. Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia e fez que aparecesse, não a todo o povo, mas às testemunhas designadas de antemão por Deus: a nós, que comemos e bebemos com ele depois que ressuscitou dos mortos” (At 10, 39-42).

Pedro fala várias vezes no seu discurso em ser testemunha de Jesus, de sua vida, morte e ressurreição. Certamente não espanta encontrar testemunhas da vida e da morte de um profeta que atraía multidões. A novidade espantosa é testemunhar sua ressurreição! Pedro afirma que Jesus, vivo após sua morte, comeu e bebeu com seus discípulos; desse modo ele evitava que o Ressuscitado fosse confundido com um fantasma. Mas como teria sido a experiência do encontro com Jesus ressuscitado?

É aqui que entra a leitura do Evangelho de hoje! O Evangelho de João, escrito pelo “discípulo amado”, nos traz um relato dessa misteriosa experiência, da qual ele nos dá seu testemunho. Tanto assim que, ao finalizar seu Evangelho, ele diz: “Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e as escreveu. E nós sabemos que o testemunho dele é verdadeiro” (Jo 21,24).

Vejamos então o que diz o texto: antes de falar na ressurreição, o autor (autora? autores/as?) nos dá dois detalhes significativos:

 

Primeiro detalhe: Ao relatar o enterro de Jesus, o texto diz: “No lugar onde Jesus fora crucificado havia um jardim, onde havia um túmulo no qual ninguém ainda tinha sido sepultado. Então, (...) aí colocaram Jesus” (Jo 19,41-42). Portanto, o lugar onde Jesus foi sepultado era um jardim. Ora, sabemos que o Evangelho de João dá muita importância ao que é simbólico. Esse detalhe nos remete ao jardim do Éden, lá do Gênesis (Gn 2,8-9). O texto parece sugerir que uma nova Criação se anuncia. A primeira Criação se encerrou: como dissera o crucificado, tudo estava consumado (Jo 19,30). E ao entregar seu espírito ao Pai, Jesus abria o caminho para a Nova Criação. De fato, o quarto Evangelho introduz o tema da ressurreição dizendo: “No primeiro dia da semana...” (Jo 20,1). Primeiro dia: tudo recomeça! Uma Re-Criação. E ainda mais: “bem cedinho, quando ainda estava escuro” ... A luz começa a vencer as trevas - é o limiar entre a morte e a vida! Algo misterioso, cheio de expectativa (cf. Salmo 130,5)!

 

Segundo detalhe: esse cenário do jardim – lembremos que Maria Madalena confunde Jesus com o jardineiro (Jo 20,15) - também nos remete ao Cântico dos Cânticos, onde um jovem casal apaixonado brinca de esconde-esconde pelos campos, sentindo o perfume das flores e sentando à sombra das árvores (Ct 2, 1-3. 11-13). A Ressurreição pertence, portanto, ao ambiente do AMOR! Sem amor, não acontece ressurreição!

E o Evangelho de João continua: Maria Madalena, apressada, não espera o sol acabar de nascer: como a amada do Cântico, corre à procura de seu Mestre querido. Ao ver a pedra do túmulo afastada, ela nem entra, logo deduz que alguém tirou (roubou?) o corpo de Jesus. E lá vai ela, chamar os discípulos, os mais próximos do Mestre: Pedro e o “discípulo amado”, o autor deste Evangelho (Jo 21,24): “Tiraram do túmulo o Senhor e não sabemos onde o puseram!” (20,2). Se ela disse “não sabemos”, no plural, deve ser porque estava acompanhada de outras mulheres, como relatam os outros Evangelhos.

Os dois discípulos correm, cada qual na velocidade que o corpo lhe permite... O discípulo amado, mais jovem (?), chega antes e espera, por respeito, Pedro entrar primeiro. Diz o texto: “Então entrou o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro; ele viu e creu” (Jo 20,8). O que foi que ele viu? Apenas alguns panos que envolveram o cadáver de Jesus e o sudário “enrolado à parte” (v. 7). Mas e o corpo de Jesus? Como sumiu? O evangelho acrescenta apenas: “De fato, ainda não tinham compreendido que ele devia ressuscitar dos mortos, de acordo com a Escritura (v. 9). Na verdade, o discípulo amado não viu nem o corpo de Jesus, nem o próprio ressuscitado. Viu um vazio, uma ausência. Então ele se lembrou da Escritura que anunciava a ressurreição. E a partir daí, ele acreditou.

Assim o discípulo amado dá testemunho de sua primeira experiência da ressurreição de Jesus. A experiência de uma fé que, com a ajuda da Escritura, renasceu do amor, mesmo sem ver o amado, mesmo na ausência física do amado! Naquele momento ele compreendeu o sentido das Escrituras: elas apontavam para um Deus que, por ser todo amoroso, é capaz de mostrar que “o amor é forte como a morte” (Ct 8,6) ... Na verdade, o amor é capaz de fazer a vida renascer da morte!

Ao contrário de outros discípulos que só acreditaram na ressurreição após as aparições de Jesus ressuscitado, João acreditou sem precisar ver!

De fato, o Evangelho de João enfatiza muito a questão do ver e não crer em oposição ao não ver e crer. Por isso é que, mais adiante, o evangelista relata a incredulidade de Tomé que quis ver para crer. Jesus então adverte: “Você está acreditando porque viu? Felizes os que não viram e acreditaram!” (Jo 20,29). João estava pensando em nós, seus leitores e leitoras...

Que nós possamos, então, aprender a fazer essa travessia de crer apesar de tantas experiências de não ver: não ver a justiça reinar, não ver a paz prevalecer, não ver o amor triunfar...

Talvez seja por isso que a epístola aos Colossenses recomenda que nós procuremos “as coisas do alto”. As coisas que estão “escondidas em Cristo, com Deus”. E “quando Cristo, vossa vida se manifestar, então vós aparecereis gloriosos junto com ele “ (Col 3,4).

A justiça, a paz, o amor, enfim a ressurreição estão por aí, no meio de nós; mas parece que estão disfarçadas, escondidas. O Reino de Deus é como semente. Cabe a nós treinar nosso olhar para poder enxerga-lo e fazê-lo desabrochar.


TEXTO DE Dom Damian Nannini, Argentina. 


domingo de Páscoa


Evangelho: Jo 20, 1-9 


Este primeiro relato da ressurreição que o quarto evangelho traz é um claro convite à fé. O texto centra-se em apresentar-nos um túmulo vazio e a fé do discípulo que Jesus amava. Mas esta sobriedade não deixa de apresentar elementos muito significativos para sugerir ao leitor que o que se relata é um acontecimento ocorrido no primeiro dia da semana e do qual participaram três discípulos muito significativos para Jesus e para a comunidade cristã primitiva. Recordemos que Maria Madalena e o discípulo que Jesus amava estavam aos pés da cruz (cf. Jo 19, 25-26), enquanto Pedro receberá de Jesus ressuscitado a missão de apascentar o rebanho (cf. Jo 21, 15). -17). O discípulo amado é mencionado pela última vez no diálogo entre Jesus e Pedro (cf. Jo 20, 21). Este discípulo é o paradigma do discípulo: aquele que permanece fiel até o regresso do Senhor e aquele que dá testemunho de tudo o que aconteceu sobre a Palavra da vida (cf. Jo 21, 23-24; 1 Jo 1, 1).


         Este evangelho também nos apresenta claramente a distinção entre ver e crer.


Maria Madalena, a amante que foi primeiro, bem cedo pela manhã, ao túmulo, e viu que a pedra havia sido retirada e que o túmulo estava vazio. Aqui é usado o verbo grego blepein, que tem o sentido material de ver. Na sua confusão, ele interpreta este facto como um roubo e este é o seu “anúncio”: “tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2).


O discípulo amado é o primeiro a chegar ao túmulo, olhou para fora e viu as ataduras de linho no chão. O verbo grego blepein também é usado aqui com seu sentido de visão material.


Pedro chega mais tarde e vê as ataduras de linho, assim como o discípulo amado, mas também descobre que o sudário está enrolado separadamente. Isso indica que foi uma ação deliberada de alguém, o que chama a atenção de Pedro porque quando um cadáver é roubado essa indicação não fica. E precisamente este “sinal” permite a Pedro “ver” que ali aconteceu algo estranho. Aqui é utilizado o verbo grego theōrein, que tem o sentido de visão material, mas mais abrangente, com possibilidade de ir além do que se vê.


         No final entra no túmulo o discípulo amado, que viu e acreditou. Aqui é utilizado o verbo eiden, que implica ver a realidade como sinal de algo mais profundo, transcendente. Por isso é seguido pelo ato de fé, por acreditar expresso com o verbo pisteuein, que, por estar no aoristo, alguns pensam indicar um ato inicial de fé e propõem traduzir: “ele começou a acreditar” [1 ]. Com efeito, «o discípulo, neste primeiro momento do seu caminho pascal de fé, tem consciência de que está aqui diante de um mistério da ação de Deus; mas ainda não compreendem nem sabem que o Senhor ressuscitou […] Ainda não estavam preparados para a revelação plena do mistério pascal; Ainda não tinham a capacidade de compreender com os meios extraordinários das Escrituras os sinais da presença do Senhor”[2].


O final da história confirma esta ideia: “Porque ainda não tinham compreendido o que diz a Escritura, que era necessário que Jesus ressuscitasse dentre os mortos” (20:9).


         Para cartão. Martini, esta história quer apresentar-nos a Igreja que vai em busca dos sinais do Ressuscitado para acreditar Nele. Com efeito: “a fé, como João nos descreve, não atinge o seu objectivo senão através do testemunho ou dos sinais”. ; portanto, isto é, realiza, em sua estrutura essencial, duas condições: a capacidade de interpretar corretamente os signos como tais, e a capacidade de ir além dos signos"[3].


Pois bem, nesta história vemos como a busca de sinais para acreditar no Ressuscitado é diversa segundo temperamentos ou mentalidades: pois de um lado está o carinho de Maria, de outro a intuição do discípulo amado e, por fim, a enorme lentidão de Pedro. Mas todos, se estão verdadeiramente na Igreja, têm em comum a saudade da presença de Jesus; e todos se ajudam a procurar juntos os sinais desta presença e a comunicá-los uns aos outros. HU von Balthasar[4], seguindo alguns Padres da Igreja, apresenta Pedro como o representante do “ministério eclesial” e o discípulo querido do “amor eclesial”. O amor eclesial corre mais rápido e chega primeiro, mas deixe que o ministério eclesial governe a situação.


         Em síntese, o leitor desta primeira história da ressurreição é convidado a percorrer as diferentes formas do verbo “ver”, que estão ligadas a visões de sucessiva profundidade sobre a realidade do túmulo vazio, até chegarem a assumir o próprio olhar do discípulo amado que viu e acreditou em Jesus ressuscitado.


 Meditação de Páscoa: 


Com um olhar atento descobrimos que no mundo existe o bem e o mal; graça e pecado; felicidade e tristeza; egoísmo e amor; consolo e desolação; A vida e a morte estão em luta permanente. A Quaresma foi precisamente um convite constante a tomar consciência desta luta e a tomar partido nela; comprometer-se na luta pelo bem, pela graça, pela vida em Deus. Mas o mais importante nesta luta ou combate pelo bem, pela verdade, pela justiça, pela graça e pela vida em Deus é que já houve um vencedor: Jesus Cristo Ressuscitado!


A essência daquilo que nós, cristãos, acreditamos pode ser proclamada dizendo que Cristo morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa salvação. É o mistério pascal, onde Cristo sai vitorioso sobre o mal, o pecado e a morte.


         Na Sexta-feira Santa a expressão “Cristo morreu pelos nossos pecados” ressoou fortemente nos nossos corações, onde a fé nos levou a reconhecer que Jesus sofre e morre por nós, e que este “por” abrange ambos os significados: por causa dos nossos pecados e em nossos favor, em nosso lugar.


         Se parássemos nisto, como aconteceu com os discípulos de Emaús, o melhor seria “desligar-nos” e voltar para o nosso povo. Porque se nos restasse apenas a morte de Cristo na cruz, teríamos que aceitar o triunfo do mal, a vitória do pecado, o reino da morte. São Paulo é ainda mais categórico: «E se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã também a vossa fé» (1Cor 15,14). Ou seja, tudo fica vazio de sentido, a pregação apostólica e a resposta dos homens, que é a fé.


«Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos», diziam as primeiras confissões de fé dos apóstolos que nos foram trazidas pelo livro dos Atos, como ouvimos na primeira leitura de hoje (Hb 10,40). É a própria essência da nossa fé cristã, como já afirmou Santo Agostinho: “a fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo”.


Quando o Pai ressuscitou Jesus, ele ao mesmo tempo derrotou a morte, derrotou o mal e o pecado com a sua condenação. A ressurreição é então a vitória de Jesus, o seu triunfo final... e também o nosso. A este respeito, o Papa Francisco disse na catequese de 31 de março de 2021: “Aquele que tinha sido crucificado ressuscitou! Todas as dúvidas e incertezas, hesitações e medos são dissipados por esta revelação. O Ressuscitado dá-nos a certeza de que o bem sempre triunfa sobre o mal, que a vida vence sempre a morte e o nosso fim não é descer cada vez mais, de tristeza em tristeza, mas subir ao topo. O Ressuscitado é a confirmação de que Jesus tem razão em tudo: ao nos prometer a vida além da morte e o perdão além dos pecados”.


         Este é o mistério que deve ser acreditado, que deve ser contemplado. Precisamos de uma fé no amor, como a de Maria Madalena – aquela que estava de madrugada junto ao túmulo – para descobrir esta nova Presença do Senhor Ressuscitado no meio de nós, na nossa vida. Já não podemos procurar Jesus entre os mortos porque ele está vivo, ressuscitou. Aqueles de nós que O encontraram em algum momento da vida têm a certeza de que Ele está vivo, que caminha ao nosso lado e que de várias maneiras procura comunicar-se connosco. É algo muito estranho o que acontece conosco com a fé em Cristo Ressuscitado. Olhando de fora parece uma loucura. Vivê-lo desde dentro é algo maravilhoso, é uma certeza que não conseguimos explicar plenamente, mas que enche o coração de alegria, a inteligência de luz e a força de vontade de força.


         O Papa Francisco deu-nos esta alegria da fé pascal em “Cristo Vive” que devemos tornar “viral”: “Cristo vive, a nossa esperança, e Ele é o jovem mais bonito deste mundo. Tudo o que Ele toca torna-se jovem, torna-se novo, torna-se cheio de vida. Portanto, as primeiras palavras que quero dirigir a cada um dos jovens cristãos são: Ele vive e quer-vos vivos!” (nº 1). “Ele está em você, Ele está com você e Ele nunca vai embora. Não importa o quão longe você vá, o Ressuscitado está aí, te chamando e esperando que você comece de novo. Quando você se sentir envelhecido pela tristeza, pelos ressentimentos, pelos medos, pelas dúvidas ou pelos fracassos, Ele estará lá para lhe devolver a força e a esperança” (nº 2).


Com efeito, «Ele ressuscitou e com ele ressuscita a nossa esperança e a nossa criatividade para enfrentar os problemas atuais, porque sabemos que não estamos sozinhos. Celebrar a Páscoa é acreditar novamente que Deus irrompe e não para de invadir as nossas histórias, desafiando os nossos “conformistas” e determinismos paralisantes. Celebrar a Páscoa é deixar Jesus superar aquela atitude pusilânime que tantas vezes nos rodeia e tenta enterrar todo tipo de esperança […] O Senhor está vivo e quer que o procuremos entre os vivos. Depois de encontrá-la, convida cada um a trazer o anúncio da Páscoa, para suscitar e ressuscitar a esperança nos corações oprimidos pela tristeza, naqueles que não conseguem encontrar a luz da vida. Há muita necessidade disso hoje. Esquecendo-nos de nós mesmos, como alegres servos da esperança, somos chamados a anunciar o Senhor Ressuscitado com a vida e através do amor; Caso contrário, seremos uma organização internacional com um grande número de seguidores e bons padrões, mas incapaz de saciar a sede de esperança do mundo” (Papa Francisco, Homilia da Vigília Pascal 2018 e 2016). 


PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):


Processo


Ainda estava escuro... no meio da angústia e do sofrimento

Vimos a pedra retirada… novidade difícil de aceitar, confusão

Corremos desorientados, procurando ajuda, abrigo, uma explicação... é difícil de acreditar.


 E o amanhecer mostrou suas primeiras luzes... o entendimento começou a se abrir

Fomos todos ao túmulo... aos poucos cada um entrou no processo

As peças foram juntadas… e vimos Deus no palco 


Não é fácil entender tudo, perceber... os fatos estão dados

Eles estão ganhando importância... para entender as escrituras e sua ciência

Ele teve que ressuscitar, deixar a morte para trás... e os mortos


 Os pobres mais pobres são estes... aqueles que não têm fé

Porque é disso que se trata, ver as bandagens no chão... e lembrar da Palavra

O Senhor repetiu isso muitas vezes... ouvimos a mesma coisa naquela semana

Mas compreender é muito mais... é entrar no túmulo e enfrentar o nada.


Só Deus merece glória meu irmão... Ele obteve a Vitória

A morte vencida para sempre... Jesus levantou reinados

Agora somos Família... que toda a Igreja se levante com Cristo. Amém.


[1] “Se pasa del verbo blépo (percepción física) usado en presente en los v. 1.5, al verbo theoréo (observar atentamente), usado en presente en el v. 6, para llegar al aoristo eíden de horáo (percibir hondamente) en el v. 8, que en el mismo versículo guarda una estrecha relación con pisteúo (creer) cuyo aoristo epísteussen tiene un valor de comienzo, mientras que su uso en perfecto tiene valor de fe plena”, G. Zevini, Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 479.

[2] G. Zevini, Evangelio según san Juan, 479.

[3] C. M. Martini, El Evangelio de San Juan. Ejercicios espirituales sobre San Juan (Paulinas; Bogotá 1986) 92.

[4] Luz de la Palabra. Comentario a las lecturas dominicales (Encuentro; Madrid 1998) 59.