4º QUARESMA-B

4° DOMINGO DA QUARESMA ANO B

10/03/2024

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: 2 Crônicas 36,14-16.19-23

Salmo 136(137)-R- Que se prenda a minha língua ao céu da boca, se de ti, Jerusalém, eu me esquecer!

2ª Leitura: Efésios 2,4-10

Evangelho de João 3,14-21

14      Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também será levantado o Filho do Homem, 15 a fim de que todo o que nele crer tenha vida eterna”. 16    De fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. 17      Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. 18     Quem crê nele não será condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho único de Deus. 19  Ora, o julgamento consiste nisto: a luz veio ao mundo, mas as pessoas amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. 20 Pois todo o que pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. 21         Mas quem pratica a verdade se aproxima da luz, para que suas ações sejam manifestadas, já que são praticadas em Deus. 


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP

Jo 3,14-21

Estamos no domingo da alegria, e a liturgia nos coloca diante da razão da nossa alegria: Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna.

Deus nos ama! Esse é o dogma central da nossa fé; é a alma de toda a Bíblia; é a afirmação mais importante de toda a Sagrada Escritura e que contém o mistério mais profundo que podemos conhecer e receber: Deus e nós! E entre Deus e nós, há o amor! 

Como Jesus fala desse amor? Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do homem seja levantado...

Recordemos Nm 21,4-9. O povo passa por dificuldades no deserto: a fome, a sede, os agressores. Ao mesmo tempo recebe de Deus proteção contra os inimigos, a água que brota da rocha e o maná que desce do céu. A cada adversidade enfrentada no deserto, Deus manifesta com sinais maravilhosos o seu amor pelo seu povo.

Muitos, porém, ainda acham que Deus não faz mais do que sua obrigação e murmuram contra Deus, dizendo que não há água e que estão enojados daquele alimento sem graça. Por isso, os culpados são atacados por serpentes de fogo e muitos morrem por isso. Ante o castigo, os pecadores se arrependem e recorrem à intercessão de Moisés. Deus manda que ele faça uma serpente de bronze e a eleve em uma haste. E todos os que eram picados pelas serpentes e olhavam para a imagem elevada no deserto ficavam curados. 

Surpreende esse episódio. Deus manda fazer uma imagem! E essa imagem é de uma serpente! Sabemos que a serpente era uma divindade cultuada como símbolo da fertilidade das religiões pagãs. Além disso, para piorar, ela é também símbolo do tentador; símbolo do mal!

Por que, Deus mandou que a imagem fosse a de uma serpente? A Palavra de Deus nos explica o porquê disso. Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus (2Cor 5,21). Jesus foi feito pecado no sentido de que ele assumiu voluntariamente sobre si o castigo que nós merecíamos pelos nossos pecados. O perdão do meu pecado não é uma ação burocrática de Deus! Para que eu pudesse ser salvo, Deus fez recair sobre o seu Filho dileto todo o peso do pecado e ele foi esmagado.

Jesus explica a sua morte e ressurreição como um ser elevado! Como a serpente de bronze foi elevada, assim também ele será elevado! Jesus, com a sua morte e sua ressurreição, cumpre o que foi prefigurado por Moisés no deserto. Assim, o que salvou o povo no deserto não foi a serpente de bronze. Mas Jesus! Já no deserto, Jesus salvou os pecadores. Olhando para a serpente, eles estavam olhando, mesmo sem o saber, para Jesus. Eles não estavam olhando para um ídolo nem para o símbolo do mal, mas para Jesus.

Olhando para Jesus somos salvos. Olhando para o amor feito carne, olhando para Jesus que se entrega na cruz para ressuscitar, temos a salvação dos pecados. 

O mundo de hoje faz com que seja difícil acreditar no amor. São tão numerosas as traições, são infinitas as decepções, são terríveis as violências provocadas e sofridas! Quando sofremos a violência e a traição, somos feridos, começamos ter medo de amar e de ser amados, porque não queremos mais ser enganados e feridos. Muitos são também os que acusam a religião e a fé de estar na origem das guerras, da discriminação, da opressão da liberdade individual. Desse modo vai engrossando sempre mais o número das pessoas que não acreditam mais em Deus, porque não acreditam mais no amor de Deus. Não acreditam que o amor dos cristãos seja verdadeiro, de que amor de Deus seja realidade! 

Entramos em uma nova era do gelo: sem acreditar que Deus nos ama, o mundo está destinado a se dissolver na escuridão. Se não há amor, estamos só nadando para o gelo escuro do fim cósmico. 

Neste tempo da quaresma somos colocados diante da serpente elevada no deserto! De Jesus elevado na cruz, entre o céu e a terra, com os braços abertos. Estamos diante do amor que se derrama do seu lado aberto pela lança. Esse é o momento decisivo: Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito!

A Campanha da Fraternidade, nos aponta para a mesma decisão! Quem crê nele não é condenado! Cristo é nossa paz. Do que era dividido, Ele fez a unidade! Sem fraternidade, o mundo se perverterá em uma arena de luta e de violência, sem compaixão e sem misericórdia. Lugar da violência onde os fracos, os doentes, os idosos, os não nascidos não tem lugar.

Para enfrentar esse veneno, só há um antídoto: Deus nos ama e nós cremos no amor.


APROXIMAR-NOS DA LUZ  - José Antônio Pagola

 

Pode parecer uma observação excessivamente pessimista, mas o certo é que as pessoas, somos capazes de viver longos anos sem ter ideia do que está a suceder em nós. Podemos continuar a viver dia após dia sem querer ver que é que na verdade move a nossa vida e quem é que dentro de nós toma realmente as decisões.

 

Não é ignorância ou falta de inteligência. O que sucede é que, de forma mais ou menos consciente, intuímos que ver-nos com mais luz nos obrigaria a mudar. Uma e outra vez parecem cumprir-se em nós aquelas palavras de Jesus: «O que pratica o mal detesta a luz e afasta-a, porque tem medo a que a sua conduta fique a descoberto». Assusta-nos ver-nos tal como somos. Sentimo-nos mal quando a luz penetra na nossa vida. Preferimos continuar cegos, alimentando dia a dia novos enganos e ilusões.

 

O mais grave é que pode chegar um momento em que, estando cegos, acreditemos que vemos tudo com claridade e realismo. Que fácil é então viver sem conhecer-se a si mesmo nem perguntar-se nunca: «Quem sou eu?». Acreditar ingenuamente que eu sou essa imagem superficial que tenho de mim mesmo, fabricada de recordações, experiências, medos e desejos.

 

Que fácil também acreditar que a realidade é justamente tal como eu a vejo, sem ser consciente de que o mundo exterior que eu vejo é, em boa parte, reflexo do mundo interior que vivo e dos desejos e interesses que alimento. Que fácil também acostumar-nos a tratar não com pessoas reais, mas com a imagem ou etiqueta que delas me construi eu mesmo.

 

Aquele grande escritor que foi Hermann Hesse, no seu pequeno livro Meu credo, cheio de sabedoria, escrevia: «O homem que contemplo com temor, com esperança, com cobiça, com propósitos, com exigências, não é um homem, é só um turvo reflexo da minha vontade».

 

Provavelmente, na hora de querer transformar a nossa vida orientando os nossos passos por caminhos mais nobres, o mais decisivo não é o esforço por mudar. O primeiro é abrir os olhos. Perguntar-me que ando à procura na vida. Ser mais consciente dos interesses que movem a minha existência. Descobrir o motivo último do meu viver diário.

 

Podemos tomar-nos um tempo para responder a esta pregunta: porque fujo tanto de mim mesmo e de Deus? Porque, em definitivo, prefiro viver enganado sem procurar a luz? Temos de escutar as palavras de Jesus: «Aquele que atua conforme à verdade aproxima-se da luz, para que se veja que tudo o que faz está inspirado por Deus».

  

Quem age conforme a verdade aproxima-se da luz”(Jo 3,21) - Adroaldo Palaoro


A estas alturas da Quaresma já é tempo para termos um encontro mais profundo com Jesus, mesmo que seja de noite; para deixar-nos transformar pelo seu Espírito e começar a “nascer de novo”; para ir mudando nossa imagem “pesada e deformada” de Deus e descobrir que o Deus de nossa fé é puro Amor, comprometido com a salvação do mundo, que não quer que se perca nenhum de seus filhos(as).

O contexto do Evangelho deste domingo é a conversa noturna de Jesus com Nicodemos, uma autoridade religiosa, membro do Sinédrio. Nicodemos representante da religião judaica, Jesus portador de vida.

Nicodemos representa todos aqueles que, nos seus corações, há uma insatisfação e uma busca; são muitos os que buscam de noite, embora de dia aparentam outra coisa; são muitos os que, no silêncio da noite, buscam a verdade de Deus e de si mesmos. São muitos aqueles aos quais Deus os escuta na noite, mas para anunciar-lhes a novidade de novos amanheceres no Espírito.

Nicodemos é um desses crentes anônimos e noturnos, em cujo coração já está atuando a graça. Ele recebe, pela primeira vez, o anúncio de um rosto diferente de Deus; não de um Deus que castiga, mas de um Deus que ama; não um rosto de um Deus que condena, mas de um Deus que salva.

Jesus o convida a sair da escravidão da Lei e lhe anuncia a necessidade de “nascer de novo”; anuncia-lhe um novo princípio vital que não é precisamente o que procede da Lei, mas que procede do Espírito; revela-lhe não o Deus da Lei, mas o Deus do amor exagerado. Um amor que é capaz de enviar ao mundo seu próprio Filho; um amor que terá sua máxima expressão no alto da Cruz; um amor que não julga e nem condena; um amor tão amplo que abarca o mundo inteiro; e um chamado a viver na luz da fé e não na obscuridade da Lei.

A partir do relato, narrado em Números, no qual Moisés eleva uma serpente de bronze sobre um madeiro para que os israelitas se curassem ao olhá-la, Jesus recorda ao mestre fariseu a verdade mais absoluta: que Deus nos ama até extremos inconcebíveis, que deseja que todos tenhamos vida eterna, ou seja, vida definitiva, plena, feliz... Deus nos ama de tal maneira que chega até o limite, até a encarnação, até entregar-se a nós em seu Filho Unigênito.

Em Jesus Cristo, fica claro, de uma vez para sempre, que Deus é do mundo e o mundo é de Deus; fica claro também a universalidade do amor salvífico de Deus, pois Ele abre todas as fronteiras para se revelar como o Deus de todos os seres humanos. Isso faz cair por terra toda intolerância religiosa, todo preconceito e todo ódio. Nosso tempo pede que, frente aos conflitos e violências entre culturas e religiões, só há um remédio: o diálogo intercultural e inter-religioso, fundado no diálogo de Deus com toda a humanidade.

Apaixonados por Deus, nos apaixonamos pelo mundo que, em sua diversidade, riqueza, simplicidade, profundidade, fragilidade, sabedoria... nos fala do novo rosto do Deus que buscamos com desvelo. E amando e investigando tudo o que é do mundo, adoramos o Deus que habita tudo e tudo salva.

Na conduta de Jesus se faz presente a Verdade de Deus que é amor e realiza sua verdade amando, curando, impulsionando os seres humanos para que cheguem à sua plena realização. Nessa conduta de Jesus a humanidade encontra sua vocação.

Na longa conversação noturna com Nicodemos, Jesus vai revelando a “verdade” do Pai, de si mesmo e de todo ser humano. Verdade que não se identifica com teorias, especulações, mas como um modo de viver. Verdade que é tecida no dia-a-dia no encontro com a Verdade revelada.

Precisamos de algumas certezas; buscamos algo sólido sobre o qual fundamentar nossa vida. Hoje, quando tudo parece discutível, nós nos perguntamos por aquilo que pode ser definitivo. Fala-se muito da verdade; é uma busca humana, mas muito delicada. Existem aqueles que, em nome da verdade, excluem, odeiam, insultam, julgam... Há outros que se fazem “donos” da verdade: dogmáticos, fanáticos... Mas, na realidade, devemos ser muito humildes na maneira de nos aproximar dela. E, no entanto, buscamos sem cessar, até descobrir algumas verdades essenciais que dão sentido à nossa existência.

O ser humano busca a verdade; antes que “ter” verdade, ele quer “ser verdade”. Jesus afirma: “eu sou a verdade”, e não “eu tenho a verdade” (poderia fechá-lo diante da verdade do outro, caindo no fundamentalismo). O importante não é ter a verdade, mas ser verdadeiro, transparente. A pessoa verdadeira pode entrar em consonância com a verdade do outro. Jesus é verdadeiro, revela o que é mais nobre em seu coração, não usa máscara, é pura transparência do rosto do Pai.

“Andar na verdade” é identificá-la com o caminho mesmo da vida humana. A verdade não está na ciência abstrata, nem nas teorias puramente racionais, nem nos sistemas fechados... A verdade é a vida humana, como extensão da mesma vida de Deus. “Agir conforme a verdade” significa dizer que “nós somos a verdade”, não contra alguém, mas a favor de todos. Nós somos a verdade, os que caminhamos e vivemos no amor, sabendo que em nossa vida se expressa a Vida e da Verdade do Deus Pai.

“Agir conforme a verdade nos aproxima da luz”: significa ir tecendo dia-a-dia a existência conforme o que é coerente com o nosso ser essencial, no mais profundo de nós mesmos: uma vida na verdade, uma vida iluminada. Assusta-nos conhecer tal como somos. Sentimo-nos incomodados quando a luz penetra em nossa vida e nos des-vela. Preferimos, muitas vezes, continuar cegos, alimentando novos enganos e ilusões.

Pode parecer estranho, mas o certo é que somos capazes de viver longos anos sem ter a mínima ideia daquilo que está acontecendo em nosso interior. Podemos continuar vivendo, dia após dia, sem desejar ver o que é que, na verdade, move nossa vida e quem é que, dentro de nós, fundamenta nossas decisões.

Cada dia é tempo que nos convida a despertar e abrir os corações, escutar o Espírito e pôr-se a caminho, enquanto “a luz da vida” nos ilumina.

Despertar é simplesmente abrir nossos olhos à Luz que provém de Deus e confiar que tal luz transforme nossa maneira de ser e de viver; é preciso deixar que esta luz ilumine nossas sombras interiores, des-velando e trazendo à tona nossas aspirações e esperanças mais duradouras. Abrir os olhos à luz de Deus e escutar atônitos, fascinados, a voz divina que cada dia ressoa em nosso interior.

Trata-se de estar despertos para assumir a vida com uma consciência lúcida. O amor, a inspiração, a vida, nos movem por dentro. Tudo o que esperamos, já temos dentro de nós. Um dinamismo misterioso nos abre e nos atrai, nos impulsiona a ser, a viver. Basta “destravar” este impulso e nos deixarmos conduzir.

Por isso, o sinal decisivo de que alguém crê no Deus de Jesus está na vida que leva; ou seja, está na experiência de viver como viveu Jesus de Nazaré. Isso quer dizer que o sinal de que uma pessoa encontrou o Deus é quando ela se deixa invadir pelo humano e é sensível a toda expressão de vida; ela “aproxima-se da luz” quando de verdade se relaciona com os outros como Jesus se relacionou, sente o que Jesus sentiu, vive o que Jesus viveu...

 

Para meditar na oração:

Podemos “viver de modo eterno” vivendo as experiências que são eternas: amar, perdoar, ajudar, compreender, aceitar, consolar, dialogar...

Podemos falar de uma plenitude de vida, que com toda verdade, pode-se chamar “vida eterna”, porque transcende os limites deste mundo. Quem não encontra a Deus “nesta” vida, não o encontrará jamais.

- Dê graças a Deus por tantas vidas, por fazer parte de um mar de vida, que às vezes é tormentoso, e outras, pacífico, mas sempre incrivelmente belo.

 


Uma alegria profunda - Ana Maria Casarotti


A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 3,14-21 que corresponde ao 4º Domingo de Quaresma, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.


Estamos no 4º domingo da Quaresma, caminhando em direção à celebração mais importante do cristianismo: a morte e a ressurreição de Jesus. Lembremo-nos de que a Quaresma são 40 dias de preparação para a celebração da Páscoa e, além do tempo cronológico que pode ser considerado hoje, não podemos perder o profundo simbolismo que o número quarenta tem na Bíblia. Moisés esteve na montanha por 40 dias (cf. Ex 24,18), Elias peregrinou à montanha de Deus por 40 dias (cf. 1Rs 19,8), as tentações de Jesus no deserto por 40 dias (Lc 4,2). O número quarenta simboliza um tempo de provação, um tempo de fortalecimento na fé, um tempo de caminho. Marca um tempo especial, que implica uma peregrinação em direção a uma realidade nova e para isso é necessário se preparar.


Hoje, estamos nesse tempo de preparação para algo novo, um tempo de mudança, não somente como Igreja, mas também inseridos na realidade do mundo que vivemos hoje, onde tantos avanços tecnológicos e novidades científicas vêm acompanhados de injustiça, marginalização e desrespeito aos direitos sociais de populações inteiras que sofrem com esses flagelos.

Meditamos sobre o texto da Palavra de Deus que nos foi dado neste domingo e pedimos que ele seja uma luz que nos guie neste quarto domingo da Quaresma, chamado Domingo da Alegria.

Jesus está em diálogo com Nicodemos, uma "autoridade entre os judeus" que veio encontrá-lo à noite. Ele reconhece que Jesus é um mestre, aceita sua autoridade porque viu os sinais que ele realiza: "Mestre, sabemos que vieste de Deus para ensinar, pois ninguém pode fazer os sinais que tu fazes se Deus não estiver com ele" (Jo 3,2).

No diálogo a seguir, Jesus falou com ele sobre a necessidade de nascer de novo para ver o Reino de Deus. Nicodemos fica intrigado com essa afirmação e faz a pergunta: "Como pode um homem nascer, sendo velho?" Jesus então explica a necessidade de nascer da água e do Espírito para "entrar" no Reino de Deus.

Como dissemos antes, Nicodemos já era testemunha e conhecia os sinais que Jesus realizava e o considerava um mestre que agia em nome de Deus. Mas ele mirava desde fora, quase como um espectador, como alguém que sabe, já que ele é um "mestre de Israel", como lhe disse Jesus, mas não aceita "esse testemunho".


O Espírito é necessário para interiorizar esse testemunho, para que ele se torne não apenas algo "conhecido", mas também algo vivido, uma experiência de fé que transforma a vida de quem o recebe. Desde o começo Jesus lhe fala de um novo nascimento, não basta saber, mas é necessário estabelecer o vínculo com Aquele que é nascido do Espírito!

No versículo anterior ao texto que lemos hoje, Jesus diz: "Ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu, o Filho do Homem" e continua: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna".

Assim, Jesus se apresenta como aquele que desceu do céu para nos revelar a própria interioridade de Deus, da qual ele nos convida a participar. Ele é o único que pode nos tornar participantes dessa nova vida, para a qual é necessário nascer da água e do Espírito.

O texto menciona Moisés que, seguindo o conselho do Senhor, colocou uma cobra venenosa em um estandarte para que aqueles que sofriam de picadas de cobras venenosas pudessem ser curados ao olhar para ela. No evangelho que lemos hoje, esse evento é mencionado como uma prefiguração de Jesus sendo levantado na cruz. Jesus é levantado na cruz para que todos os que acreditam nele possam ter vida eterna. O Evangelho de João nos diz que, após a morte de Jesus, um soldado "perfurou seu lado com uma lança e imediatamente saiu sangue e água" e continua dizendo: "Aquele que viu isso testifica, e seu testemunho é verdadeiro; ele sabe que está dizendo a verdade, para que vocês também acreditem" (18,34).

Estamos no domingo da alegria, que nos torna conscientes do imenso amor de Deus por nós, por cada um de nós em particular. Ele nos convida a experimentar o Dom da vida que Deus nos deu em Jesus, porque: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”.

A comunidade joanina entendeu profundamente que Jesus Crucificado é a revelação total do amor de Deus por toda a humanidade. Jesus não veio para condenar, mas para salvar, e a única condição é "crer Nele", ou seja, ouvir Sua Palavra, vir a Ele, receber Sua mensagem, seguir Seu caminho em uma amizade íntima e união com Ele. Jesus nos convida a nascer da água e do Espírito. Ele também nos chama a levantar nossos olhos para Ele, que está na cruz, especialmente quando o sofrimento e a incompreensão diante da dor e da morte que, às vezes, parecem cobrir sociedades inteiras, nos levam ao desânimo e à morte, como as serpentes venenosas no deserto.

"Deus amou tanto o mundo" e nada fica fora desse amor! Essa é a boa notícia que o Senhor nos convida a comunicar neste Domingo da Alegria. Deus nos chama a nascer de novo, da água e do Espírito, e a olhar para ele na cruz, deixando que sua vida passe por nossas vidas, curando e curando as doenças que entorpecem nossa alegria.

Em meio à dor que nos cerca, somos convidados a ser sinais e testemunhas da alegria de sua Boa Nova: Deus nos ama sempre, é necessário deixar as portas abertas para que seu amor renove nossa vida e a das comunidades e nos transforme, olhar como fé o crucificado e redescobrir nele o Amor de Deus.

De fato, nesse encontro entre Nicodemos e Jesus fala-se de “grandes amanheceres”. É possível que Nicodemos visse algo estranho e interessante em Jesus e procurasse cooptá-lo para seu grupo.

E, no entanto, Jesus inverte totalmente a situação e lhe faz grandes anúncios.

Talvez, se não tivesse sido de noite, Nicodemos não teria se colocado em caminho. Ele é nosso espelho; o que acontece com ele, também se faz presente em todos nós.

Assustam-nos as dúvidas, as interrogações, as dificuldades que encontramos para entender o que acontece ao nosso redor e em nosso próprio interior. Mas, bendita noite que nos inquieta e nos tira de nossa anestésica comodidade! Bendita noite que nos move a nos perguntar os “porquês” e os “comos” e põe em questão nossa vida! Bendita noite que nos faz buscadores de sentido!

Por isso, o mestre busca o Mestre, o homem busca o Homem. E este lhe fala de “nascer de novo”, de nascer do Espírito. “Como pode ser isto?” E Jesus ressitua Nicodemos em seu caminho de fé.

Jesus, conhecedor de nossa humanidade, confirma a Nicodemos a existência da noite, a sua e a do mundo. Fala-lhe de obscuridades, da cegueira que nos leva, às vezes, a amar mais as trevas que a luz, do mal que provoca infelicidade.

Com suas palavras e ações, Jesus colocou em questão as verdades mais profundas de Nicodemos, aquelas certezas que o haviam configurado, aqueles pilares sobre os quais havia assentado, até então, sua vida e seu ensinamento da Lei.

Jesus reaviva sua memória para que Nicodemos não fique aí: “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”. Jesus lhe oferece palavras de vida, que lhe recordam a possibilidade de eleger o bem, de agir na verdade, de caminhar para a luz.

E assim, no meio da noite, Nicodemos recupera a luz. Porque Jesus é a Luz; o Amor é a luz.


Foi a Ele de noite, e n’Ele encontrou a luz.

Uma luz tão intensa que o tirou de sua obscuridade, transformando sua vida; e, na morte de Jesus, será o próprio Nicodemos quem abraçará o corpo do crucificado para envolvê-lo em lençóis e perfumes.

O mestre dando testemunho público de seu amor ao Mestre; o homem fazendo-nos fixar nosso olhar no Homem, levantado na Cruz, para que n’Ele encontremos a Luz.


Quaresma é um tempo privilegiado para “descer” em nossas noites e responder estas perguntas: por que fugimos tanto de nós mesmos e de Deus? Por que preferimos viver iludidos, sem buscar a luz presente no nosso próprio interior? Porque costumamos praticar essa mentira com muita frequência: pensamos de um modo, mas em nossa maneira de viver não atuamos como pensamos, senão que buscamos manter as aparências, para que os outros tenham boa imagem de nós?


Jesus desmascara nossas mentiras existenciais; é preciso escutar suas palavras: “Quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus”.

O símbolo da luz está muito presente na Bíblia (e na vida). A luz é o princípio da criação da vida (Gen 1,3). O povo que vivia nas trevas, viu uma grande luz (Mt 4,16). Eu sou a Luz do mundo (Jo 8,12; 9,5).

A primeira ação e palavra de Deus no relato da Criação é precisamente dar existência à Luz, a Luz que é a consciência e a capacidade de compreender, de dar sentido à realidade criada. Deus separa a Luz das trevas e o evangelho de hoje nos recorda que viver na Luz nos encaminha para a verdade do que somos.

Podemos eleger entre viver a partir da força da Luz, que nos move a fazer o bem, a realizar ações inspiradas pelo Deus-Amor, a cocriar uma nova humanidade..., ou viver a partir da tirania das trevas que nos enreda na obscuridade das armadilhas, justificações e a supremacia de nossos egos. Caminho complexo, de avanço e retrocessos, mas se nos situamos sob a influência da Luz poderemos avançar sem perder o horizonte da Vida eterna, eternizando a nossa vida, como plenitude do que já somos, mas ainda não plenamente.


Costumamos empregar o símbolo da luz nos momentos mais importantes da vida: as mães “dão à luz”. Quando alguém morre, pedimos a Deus Pai que lhe “conceda a luz eterna”. Em situações difíceis não vemos a luz, a saída. Às vezes, nos encontramos com pessoas que “não tem luz” ou nós mesmos somos carentes de luz por fraqueza, cansaços, falta de sentido etc.

Como cristãos, nos aproximamos d’Aquele que é a Luz, para que Ele ilumine nossa vida e nós transmitamos, reflitamos um pouco de Sua luz. Como cristãos, somos como João Batista: não somos a luz, Cristo é a luz.


A vida nos convoca a ser luz: como pais e mães de família que iluminam a vida de seus filhos; como companheiros e amigos que se iluminam mutuamente; uma comunidade religiosa deve deixar transparecer a luz presente em cada membro; a responsabilidade de um educador, de um mestre é grande à hora de iluminar, de ensinar mais com seu testemunho que com sua ciência; os psicólogos, os médicos iluminam também a vida, os problemas das pessoas; os presbíteros, os catequistas tem a responsabilidade de transmitir a luz de Cristo. A luz cristã está presente nos corações compassivos e misericordiosos.

A chama não precisa fazer um “esforço” para iluminar. Na nossa essência, já somos luz, carregamos a chama da luz divina; o que se requer de nós é não bloqueá-la. Isso implica atitudes de autenticidade e de transparência; “andar na verdade”.

Assim como a chama ilumina por si mesma, a luz brota em nós quando vivemos de uma maneira oblativa, sendo canais transparentes pelos quais ela flui. A nós, como a chama, basta ser o que somos e viver em coerência com isso. Então, crescerá em nós uma atitude de esvaziamento do ego e de liberdade interior: deixaremos que a Vida flua, sendo presenças iluminantes em cada recanto e em cada situação de nosso cotidiano. Sejamos transparência da luz divina!

Para meditar na oração:

Verificar, diante de Deus, se a experiência quaresmal está despertando em seu interior a faísca da luz divina, que o(a) tornará lúcido(a) para dar uma direção oblativa à sua vida; ao mesmo tempo, confirme se esta luz se revela como inspiração para viver o espírito solidário e o compromisso com aqueles que estão perdidos no mundo das trevas e da exclusão.



Graça e misericórdia em superabundância - Marcel Domergue (+1922-2015),


sacerdote jesuíta francês

tradução Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

 

A história do povo eleito foi antes de tudo uma história de graça e de benção, mas obscurecida muitas vezes pelas infidelidades do povo. Prevaleceu, no entanto, a misericórdia divina e, na cruz vitoriosa de Cristo, a graça para todos.

A cólera de Deus

A primeira leitura apresenta a ruina de Jerusalém e a deportação dos seus habitantes como uma sanção decidida por Deus, furioso contra as faltas do seu povo. Da minha parte, vejo aí um modo de sublinhar que não estamos sós em nossas aflições e sofrimentos, pois Deus participa deles conosco. Foi preciso esperar o Cristo para se descobrir que esta presença não é punição divina, que Deus não é autor, mas a vítima dos nossos males. Na 2ª leitura, Paulo vai mais longe: para ele, são as nossas faltas que nos matam; elas vão, de fato, em sentido contrário à nossa criação. O caminho que vai do mal cometido ao mal sofrido não passa pela cólera divina: Deus está todo por inteiro do lado da graça (no sentido aqui de agraciar, de perdoar).

Acrescentemos que, para as Escrituras, o sofrimento provocado pelo malfeito pode alcançar os inocentes, porque somos todos solidários e vivemos num mundo desregulado pelo uso abusivo que fazemos do mal (do pecado). Confessemos que não é fácil compreender nem admitir o laço por demais estreito entre pecado e sofrimento. Devemos renunciar talvez a uma ideia de causalidade e contentar-nos com dizer que mal moral e mal físico andam juntos, que eles exprimem a nossa fraqueza atual e que devemos voltar-nos ao dinamismo inteligente e amoroso que nos faz ser. Nele podemos encontrar remédio e cura. Ele nos encaminha para a nossa verdade integral, passando, contudo, pelo caminho da nossa liberdade.

A serpente de bronze

A serpente da dúvida que corrói interiormente o povo, no caminho da pátria definitiva, ganhou forma exterior na figura de um animal. Mordidos por serpentes venenosas, os Hebreus estavam morrendo. Impossível não pensar na serpente de Gênesis 3, a primeira representação da desconfiança fundamental que leva o homem a não confiar em Deus, a não confiar na vida. Esta desconfiança é muitas vezes inconsciente. Moisés foi convocado a levantar da terra este mal mortal sob a forma da serpente de bronze. E ei-la afixada numa haste. Todos os que aceitaram contemplá-la foram curados (Números 21,8-9). Segundo João, também o Cristo, por sua vez, se fez serpente. Levantado da terra na Cruz, como a serpente de bronze, assumiu o rosto do nosso mal. Ei-lo entre os malfeitores, eliminado do mundo dos vivos. Contemplando-o, podemos ver a uma só vez a nossa culpabilidade assassina e a nossa desgraça. Notemos, no entanto, que, onde o livro dos Números diz: «Todos os que contemplarem esta serpente viverão», João escreve: «Todos os que nele crerem terão a vida eterna». O verbo crer aparece quatro vezes no início deste evangelho. É que a fé é o contrário da desconfiança destrutiva. Não basta ver, nem mesmo «contemplar» (livro dos Números); mais ainda, é preciso confiar, uma confiança que transforma toda a vida. Confiança difícil esta, pois que deve nascer à vista deste homem torturado até à morte, em virtude de uma injustiça flagrante. Lembremos a 2ª leitura do domingo passado: «escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos».

O julgamento

Este é um tema terrível! Não sei se alguns cristãos ainda se lembram dos catecismos antigos, com o «juízo particular», no dia da nossa morte, e o «juízo universal», no final dos tempos. As Escrituras, por certo, falam em julgamento, mas não podemos esquecer tratar-se de uma metáfora emprestada das nossas práticas sociais. Alguns textos falam do julgamento como um destino inevitável; outros, que Deus não julga, mas perdoa. Neste evangelho, lemos que Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para julgar o mundo, «mas para que o mundo seja salvo por ele». Temos de levar a sério a seguinte frase: «Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado». Olhando de perto, o texto todo nos diz que não é Deus quem julga, mas nós mesmos. De fato, julgar é se pronunciar, é escolher. Eis, pois, que a luz veio ao mundo. Luz que é o Filho de Deus, verdade de Deus e verdade do homem. Diante desta irrupção da luz, irrupção que é contemporânea ao começo do mundo, os homens devem se pronunciar, devem se declarar, a favor ou contra. Este é o julgamento: alguns vão preferir as trevas. Esta imagem, de acolhida ou de recusa da luz, traduz-se no crer em Cristo ou em recusá-lo. Deus não se impõe a nós; Ele se propõe. Se o acolhemos, as nossas «obras» são ao mesmo tempo suas obras. Ou, se quisermos; Deus, para agir, passa através de nós (ver a última frase do evangelho de hoje).

 

Quem não crer, já está condenado. Condenado a quê? Edmilson Schinelo.


Introdução

João 3,14-21 traz uma bonita e, ao mesmo tempo, controversa frase: Deus amou o mundo de tal maneira que entregou seu Filho único para que todo aquele que crê não pereça, mas tenha a vida eterna (João 3,16). Tamanho foi o amor de Deus que nos deu seu único filho!

Mas, por que o mesmo Deus que proibiu o sacrifício de Isaac (Gênesis 22) entregaria seu próprio filho? Queria o Pai que seu Filho fosse morto por nós? Se não queria, por que permitiu isso? Era necessário que o Filho do Homem fosse levantado no madeiro (João 3,14)?

Sabemos que o quarto evangelho teve sua redação já no final do primeiro século, momento em que muita gente vinha entregando a vida pela causa do Evangelho, no serviço aos pobres, na partilha dos bens e até mesmo no enfrentamento com o Império Romano, por meio do martírio. Por outro lado, não era pequeno o grupo dos gnósticos que contestava essa postura: para seguir Jesus bastava buscar a “iluminação”, abrir-se ao conhecimento, à gnose. Para quem assim pensava, o logos era luz a ser atingida pelo esforço do intelecto, não pela prática concreta. Corrigindo esta distorção, o quarto evangelho afirma já em seu prólogo: o verbo, a luz verdadeira, fez-se carne, gente de fato, viveu acampado no nosso meio! (João 1, 9.14).

Procurando Jesus às escondidas

De acordo com as narrativas joaninas, havia um grupo de pessoas simpáticas ao projeto de Jesus, mas com dificuldades de assumir publicamente essa postura. Tais pessoas sempre procuravam Jesus às escondidas (João 3,2) e por isso a tradição os apelidou de cripto-cristãos, isto é, cristãos secretos, escondidos.

Nicodemos fazia parte desse grupo. Foi modelo para muitos que, à época da redação do evangelho, não podiam ou não queriam assumir publicamente sua fé em Jesus. Pessoa influente entre os judeus, Nicodemos era fariseu e membro do Sinédrio (João 3,1). Mais tarde, até tentou evitar a condenação de Jesus no Sinédrio (João 7,50). Na versão do quarto evangelho, também foi ele quem trouxe os perfumes para a preparação do corpo do Mestre (João 19,39). Mas teve dificuldades de assumir publicamente seu compromisso com o Reino. Parece ser uma boa pessoa, mas tem medo de assumir publicamente o projeto de Jesus. Sua postura é o contrário da atitude da Samaritana, que se encontra com Jesus à luz do dia (João 4,6). Ironicamente, o nome Nicodemos significa vitória (nikos) do povo (demo).

Jesus há havia dito a Nicodemos que era preciso “nascer do alto” (João 3,3). Num jogo de palavras, era como “nascer de novo”. Nicodemos não entendeu que Jesus esperava um renascer da água e do Espírito (João 3,5).

A conversa entre os dois segue em forma de poema, no qual se misturam as palavras de Jesus com as de quem escreveu o evangelho. E se Nicodemos tem dificuldade de procurar Jesus durante o dia, de ser testemunho aberto da luz (João 1,7), Jesus será elevado, para que seja visto por todo o mundo, para que o mundo seja salvo por ele.

Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto… (3,14-15)

De acordo com a narrativa joanina, Jesus recorre ao livro dos Números para falar de sua morte na cruz. Lá no deserto, quando o povo começa a ser picado por cobras venenosas, Moisés faz uma serpente de bronze e a coloca numa haste, numa madeira. Quando alguém fosse picado, se contemplasse a serpente, ficaria curado (Números 21,4-9). É muito possível que por trás da narrativa de Números 21 esteja o culto a uma antiga divindade, Neuestã ou Noestã, a serpente de bronze. O povo deve ter cultuado essa divindade até mesmo no templo de Jerusalém, oferecendo incenso a ela (cf. 2 Reis 18,4). A forma com que o texto nos é apresentado, entretanto, numa narrativa mais tardia, quer deixar claro que Moisés fez isso “por ordem de Javé”, o único e verdadeiro Deus.

De qualquer forma, o mais importante é a comparação apresentada: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado”. Aqui o texto explica melhor o que significa a expressão “nascer do alto”. Ao ser levantado, colocado no alto da cruz, o Filho do homem torna-se visível a quem o queira contemplar. Na cruz, ele nasce do alto. Mas contemplar Jesus no alto significa duas coisas: por um lado, reconhecer que sua missão requer fidelidade ao projeto do Pai, em favor da humanidade; por outro, admitir que essa forma de ser elevado, “subir ao trono”, foi o que nos trouxe a libertação definitiva. Acreditando nisso, temos vida eterna.

Deus amou tanto o mundo… (3,16)

O termo mundo (kósmos) é utilizado pelo quarto evangelho para designar tudo o que se opõe ao Reino, ao projeto de Jesus. Por isso, diante de Pilatos, Jesus afirma categoricamente: O meu reino não é deste mundo (João 19,26). Uma tradução possível e até melhor para esta frase seria: Meu reino não é conforme – de acordo com – este mundo! O mundo de Pilatos era o mundo do império romano: ocupação militar, corrupção, exploração dos pobres, violência contra as mulheres e as crianças. Jesus denuncia publicamente essa farsa, por isso é levantado no madeiro (João 3,14). O império o condena. É elevado ao trono, mas sua glória é a cruz.

Entretanto, mesmo denunciando esse mundo e por ele condenado, Jesus não quer a condenação do mundo. Deus enviou Jesus não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele (João 3,17). E da mesma forma que foi enviado, Jesus faz questão de afirmar que ao mundo também enviou seus discípulos (João 17,18).

A condenação e o assassinato de Jesus são atitudes e escolha do “mundo” e não o desejo de Deus. Temos que assumir que é nossa a culpa pela morte de tanta gente inocente. Não nos serve a atitude de Pilatos que, mesmo reconhecendo a inocência de Jesus, é conivente e autoriza a sua morte (João 19,6.16). Entretanto, a comunidade joanina, ao refazer a releitura de Gênesis 22 (a preservação da vida, o não-sacrifício de Isaac), quer ressaltar o quanto Deus ama esse mundo e como deseja a conversão e a mudança de comportamento.

Quem não crer, já está condenado… (3,17-21)

O Evangelho segundo João parece cair em contradição. No conjunto, insiste na salvação do mundo. Aqui, porém, explicita a condenação: a luz veio ao mundo, mas muitos dos seres humanos preferiram as trevas (João 3,19); o mundo não o reconheceu (João 1,10). Quem não crer, de antemão já está condenado (João 3,18). Uma tradução melhor seria “julgado” (em grego, kríno). O acréscimo de Marcos modificou o texto e o verbo: além de crer, é preciso ser batizado (Mc 16,16). Quem não crer será condenado (Marcos usa outro verbo – katakríno, mais ligado a “dar a sentença”).

Há quem prefira interpretar que a fé em Jesus é condição para a salvação. Estariam condenadas as pessoas que não acreditam e não aceitam a luz. É até possível que seja essa a intenção dos redatores, tamanha era perseguição do mundo sobre as comunidades à época da redação do texto. Entretanto, duas perguntas são muito importantes: Quem condena? E condena a quê?

Com certeza, quem nos condena não é Deus. Tamanho é o seu amor por nós que nos enviou seu próprio Filho! Nós mesmos/as fazemos a escolha, a opção é nossa. Estamos “no mundo”, mas podemos deixar de viver “conforme o mundo” (cf. Romanos 12,2).

Mas a que nós podemos nos condenar? Condena-se a si mesmo quem decide pelo projeto do “mundo”. Neste sentido, “crer” é aderir, aceitar, entregar-se, integrar-se no outro projeto, o do Reino.

Não é bom que corramos o risco de nos condenar à tristeza e à frustração de quem não consegue crer que Deus nos ama e que “outro mundo é possível”. Não podemos nos condenar ao individualismo e ao isolamento apregoados pela sociedade moderna. O caminho é a solidariedade, a partilha e o compromisso com quem sofre injustiças. Não fazer essa escolha é ficar na indecisão de Nicodemos. E então nos sobraria a “opção” de nos consolar comprando flores e perfume para o túmulo, como fez esse líder dos judeus (João 19,38-42).


4o Domingo da Quaresma - Reflexão -2 Crônicas 36,14-23 - Thomas McGrath


A primeira leitura nos diz que, quando o homem abandona o caminho traçado por Deus nos 10 Mandamentos, escolhendo uma vida de egoísmo e autossuficiência, - “eu”, “eu”, “eu” -, ele/a està ajudando construir um futuro e um mundo de dor e de morte. No entanto, o autor do Livro das Crónicas afirma que Deus dá sempre ao seu Povo outra possibilidade de recomeçar, de refazer o caminho da esperança e da vida nova

Nós não sabemos quem escreveu o Livro das Crónicas, e nem exatamente quando foi escrito, mas provavelmente seria entre os anos 500 e 300 antes do nascimento de Jesus. Tem os que afirmam que possivelmente uma primeira versão do livro foi feita por volta do ano 500 a.C., depois que o Povo de Deus retornou do Exílio na Babilónia, e tinha já reconstruído o templo, com a finalidade de tratar do culto no Templo. Depois teve uma outra versão escrita por volta do ano 300 a.C., com o intuito de animar, fortalecer e consolidar a nação frente à ferrenha hostilidade dos povos vizinhos. 

A importância de lembrar que o Livro das Crônicas levou em torno de 200 anos para ter a forma e conteúdo que nós conhecemos hoje, é que assim foi com quase todos os livros da Bíblia, tanto os livros do antigo Testamento como os do Novo Testamento. Cada um dos livros foi escrito com dois objetivos em mente: para guardar para futuras gerações os relatos e experiências vivida, sentida, contada e recontada da presença libertadora e salvifica de Javé no meio deles; e, em segundo lugar, os livros foram escritos e reescritos como luz para entender e enfrentar o sofrimento e desanimo de uma nova situação e também servir de conforto e orientação para continuar com a vida. 

E assim quando nós lemos a Bíblia hoje, estamos olhando retratos, ou “vídeos” se quiser, mostrando como os antepassados sentiram e reagiram diante da presença e ação de Javé na vida deles. E assim, nas nossas celebrações, temos que ver como essa mesma palavra pode nos ajudar no momento nosso de hoje. 

A palavra é uma luz, uma experiência de ontem, que ilumina a sala da vida de hoje. E, infelizmente, a sala da vida de hoje é de uma situação de desespero, de tristeza. Somos um povo que nos sentimos abandonados. Estamos passando por um momento - na história da nossa nação, da nossa sociedade e da nossa Igreja -, que é dominado por notícias falsas e mentirosas. 

Precisamos de uma luz forte que revela Javé presente no nosso mundo de hoje. Uma presença que cria esperança, e uma verdade que unifica a todos. Uma luz que ascende em cada um de nós, em nossas comunidades e em nosso Brasil a certeza de um novo dia, onde todos os nossos compatriotas (e porque não dizer, os pobres de todas as nações do mundo), tem casa para morar, comida para pôr na mesa para os filhos, terra para quem quer trabalhar nela, trabalho para quem precisa ter o suficiente para criar a sua família e viver com dignidade, e a certeza de poder ter uma família com vida plena.

E as nossas Comunidades devem ser “Sal da terra e Luz do mundo”, “Fermento na Massa”

MENSAGEM

A mensagem do trecho do Livro das Crónicas nos diz o seguinte; quando vivemos na fidelidade à Aliança, aos mandamentos, vivendo uma vida espelhada na vida dos antepassados e principalmente o caminho de Jesus, teremos vida em abundancia para todos, e seremos povos unidos e felizes. Mas quando o Povo desconhece a experiência dos antepassados, vivendo cada um por si, “eu”, “eu”, “eu”, destruindo a natureza, ai vem morte e desgraça. Esquecendo o passado, ignorando o presente, e não pensando no futuro dos filhos do nosso pais, só traz pandemias cada vez mais letais.

No entanto, os autores do livro das Crônicas estão bem conscientes de que a pandemia não terá a última palavra. Javé que nunca abandona o seu Povo e sempre oferece perdão e a possibilidade de recomeçar do novo, diz pela boca do Ciro: “Eu ordeno que todos vocês …. vão a Jerusalém e peça que Deus esteja com vocês”





TEXTO De Dom Damian Nannini, Argentina


(Traduzido pelo Google, mas sem revisão nossa). 

QUARTO DOMINGO DA QUARESMA

Viver a nova aliança é CONHECER o amor do pai e ACREDITAR nel


Primeira leitura: 2Cr 36,14-16.19-23

A primeira leitura corresponde ao final do segundo livro das Crônicas. Lembremos que estes livros foram escritos por volta do ano 300 AC. C. e tem como principal objetivo apresentar a história de Israel sob uma nova perspectiva. Para isso, utilizam como fontes os livros bíblicos já ‘canonizados’ em sua época (especialmente 1-2Sam e 1-2Ki); além de outras fontes desconhecidas para nós. É perceptível nesta obra, escrita a bastante distância do exílio, a intenção de despertar o desejo de ver aparecer o Messias, o novo David, que estabelecerá uma monarquia de direito divino em todo Israel. O autor está ligado à linha sacerdotal e possivelmente é levita. Por isso, as suas preocupações são sobretudo cultuais (litúrgicas) e centradas no Templo. Esta tendência verifica-se precisamente no texto que nos apresenta a liturgia da palavra deste domingo, extraída de um capítulo dedicado ao exílio e onde o que mais interessa ao autor são as misérias que se abateram sobre o Templo. Mas, depois do tempo de exílio que fica nas trevas, a história termina com o édito de Ciro onde este rei persa declara ter recebido uma ordem de Deus para reconstruir o Templo (2Cr 36,22-23 e Esdras 1,1 -3). Portanto, há uma mensagem final de esperança apoiada na fidelidade de Deus que começa a trabalhar, de formas inesperadas, para reconstruir a Aliança com o seu Povo.

Desta forma, esta leitura apresenta-nos, antes de mais, uma justificação teológica do exílio:Foi o justo castigo de Deus pelo pecado das pessoas que quebraram a Aliança com a sua infidelidade. Embora Deus tenha tido a delicadeza de alertar o seu povo através dos profetas; o povo ignorou. Mas ao mesmo tempo ele insisteo perdão gratuito de Deus porque, passado o tempo do castigo, o próprio Deus ordena reconstruir o Templo de Jerusalém e restaurar a Aliança.

Segunda leitura: Ef. 2.4-10

A segunda leitura insiste também nagratuidade da salvação e do perdão divino: “Você foi salvo gratuitamente (graça)”(Ef 2,5b); “Assim, Deus quis demonstrar aos tempos futuros a imensa riqueza da sua graça (graça) pelo amor que ele tem por nós em Cristo Jesus.EMVocê foi salvo pela graça dele (graça), através da fé. Isto não vem de você, mas é um dom de Deus e não é resultado de obras, para que ninguém se glorie”(Ef 2,8-9). A salvação é obra de Deus, da sua Graça, que “nos vivificou com Cristo”.

Mas não se trata apenasrestauración o reconstrucción Tal como na primeira leitura, é algo mais:É uma nova criação. E é uma criação a partir do “nada” dos nossos méritos porque “estávamos mortos por causa dos nossos pecados”(Ef 2,5a). É um verdadeiroRessurreição, obra exclusiva do Pai.

Talvez nos chame a atenção que a carta mencione diversas vezes que a salvação dos homens já ocorreu. Por outro lado, em outros parágrafos da mesma carta fica implícito que este processo ainda não foi totalmente realizado. O contexto batismal da carta convida-nos a pensar que, em sintonia com Rm 6, ela se refere à participação dos cristãos no mistério pascal de Cristo através do sacramento do Batismo.1. Portanto, nós que somos batizados já fomos salvos e renascemos”,fomos criados em Cristo Jesus“Agora é a nossa vez de viver como novos homens para que as nossas ações manifestem o nosso novo ser em Cristo."realizando aquelas boas obras que Deus preparou antecipadamente para praticarmos"(Ef 1,10).

  

Evangelho: João 3:14-21

Este texto é a continuação do diálogo de Jesus com Nicodemos sobre o tema do novo nascimento pelo Espírito (Jo 3,1-12). Mas aqui encontramos antes um monólogo de Jesus sobre o tema do mistério redentor e sobre o julgamento dos homens. Conforme observado por X. León Dufour2: “Todo o monólogo, formulado na terceira pessoa, é um esboço sintético do projeto de salvação”.

O início deste texto (3,14-15) tem como pano de fundo a história de Números 21,4-9. Ali está narrado que o povo murmurou contra Deus e contra Moisés; Então Deus puniu esta rebelião enviando “serpentes ardentes”. Quando o povo se arrepende e confessa o seu pecado, Deus ordena a Moisés: “Faça para você uma serpente ardente e coloque-a em um poste. Qualquer um que foi mordido e olhar viverá.”(Núm. 21,9). Em Sabedoria 16:5-7 este fato é comentado dizendo: “Mesmo quando a terrível fúria das feras os alcançou e eles morreram picados por serpentes sinuosas, sua raiva não durou até o fim. Como lição, eles foram incomodados por um breve período, já que tinhamum sinal de salvação(símbolo da salvação) lembrar os mandamentos da sua Lei; e quem olhou para isso foi curado, não pelo que viu, mas por sua causa, salvador de todos..”

Eleeu produzode Nm 21,4-9 combina este texto com Gn 3,1 e, a seguir, oambigüidade ou ambivalência da cobra: por um lado, as serpentes ardentes são expressão da serpente original, causa do pecado do homem e símbolo da morte; Por outro lado, a serpente de bronze é benéfica para o povo e um símbolo da vontade salvadora de Deus. E isso passa para o quarto evangelho, onde a ambiguidade do símbolo da serpente serve para expressar adupla face do mistério pascal: uma negativa, a morte; outro positivo, a ressurreição.A morte está associada ao pecado, ao triunfo do mal e à serpente original. Mas para issonegatividadeacontece com elepositividadedo triunfo da vida através da exaltação ou elevação na cruz. A serpente elevada ao alto vence as serpentes ardentes. Jesus, sendo levantado na cruz, derrota a serpente das origens3. Notemos que, como aponta G. Zevini4, “O confronto que João propõe neste exemplo não deve ser colocado entre Jesus e a serpente de bronze, mas sim no facto da elevação e da salvação (Cf. Sabedoria 16,6) alcançada por quem sabe superar as aparências do assinam e vêem com fé a misericórdia e o poder de Deus”.

A este respeito, X. León Dufour diz5: “O itinerário do Filho do Homem é anunciado com a ajuda da tradicional frase: “é necessário” (do), que os sinópticos usam para dizer que o Filho do nome tem que morrer e ressuscitar; mas o próprio anúncio é formulado no estilo joanino; “O Filho do Homem deve ser levantado” (Hipsotenaico: 3.14). Para a comunidade primitiva, este último termo equivale adoxatenai: “ser glorificado” ou “exaltado” à direita de Deus. É o que anunciava a profecia de Isaías sobre o Servo: ele «será elevado e plenamente glorificado»; A sua glorificação representa a etapa anterior da sua humilhação... A elevação do Filho do Homem na cruz "simboliza" (no sentido forte da palavra) a elevação gloriosa”.

Então, nos vv. 16-18 o evangelho insiste que a salvação chega até nós através da doação do Filho e é obra de Deus que "ele amava tanto o mundo". O carácter universal da salvação operada por Cristo está aqui claramente expresso e tem a sua fonte e origem no amor do Pai pelos homens, pelo mundo inteiro. Dada esta amorosa doação de salvação eterna por parte do Pai, os homens têm que escolher, acreditar. ou não acreditar nele, recebê-lo ou rejeitá-lo.Aquele que acreditaEle se apropria deste amor do Pai que transforma a vida e lhe dá uma dimensão de plenitude.Aquele que não acreditaAo rejeitar esta revelação do amor do Pai, ele condena a si mesmo. Esta opção é tão fundamental que decide, já no presente, a salvação ou a condenação do homem. E nisso mesmo consiste o julgamento, visto que no evangelho  de João já ocorre no presente e provoca a separação entre os homens conforme aceitam ou rejeitam Jesus Cristo como revelador do Pai6.

Na parte final do texto de hoje (3,19-21) procuramos desvendar o mistério da rejeição dos homens a Jesus Cristo, à Luz, à Verdade. Aparentemente existe uma opção prévia do coração pelas obras do mal e é preferível que elas permaneçam escondidas pelas trevas e pelas mentiras que as cercam. Eles não ousam trazer à luz o mal em seus corações para serem iluminados, curados, salvos. Em contraste, aqueles que praticam a verdade procuram a luz para que as suas boas obras possam ser manifestadas. Segundo X. León Dufour7, trata-se da aceitação pela fé ou da rejeição pela descrença das manifestações anteriores do Logos, da Palavra de Deus, na criação e na história da salvação de Israel. Desta forma, ele denuncia os destinatários judeus (e também os gnósticos) por rejeitarem as anteriores manifestações de Deus, o que agora os leva a rejeitar a revelação plena, definitiva e absoluta de Deus que ocorreu no Verbo feito homem. Para além destas hipóteses, no fundo, permanece o misterioso poder da liberdade humana que pode rejeitar até o amor do Pai manifestado na doação do filho.

Meditação:

Este domingo é chamadopara se alegrar(alegrar-se) no início da antífona latina e "É o domingo da alegria, etapa de descanso no caminho da Quaresma, antes da subida definitiva a Jerusalém. As leituras de hoje mostram-nos a verdadeira razão desta alegria: o amor generoso de Deus. Ele intervém mesmo quando a situação parece desesperadora, proporcionando ao homem salvação e alegria."8.

As três leituras convidam-nos aveja a obra de Deus, o que Deus faz por e em nós; por que ele faz isso e como ele faz isso. E este “ver” inclui “crer”, típico do vocabulário do evangelho de João. Na verdade, de acordo com A. Nocent9"O tema fundamental que hoje quisemos apresentar é o da regeneração do homem, condicionada pelo envio do Filho e pela sua vinda, bem como pela sua exaltação, isto é, pela sua crucificação e pela sua ressurreição triunfante. Este é o plano realizado do amor de Deus para com os homens. O amor de Deus é, portanto, o ponto de partida original de todo o processo de salvação.".

NoPrimeira leituravemos a infidelidade de Israel por um lado e, por outro,fidelidade e A paciência de Deusque, embora cumpra a sua palavra de castigo, tem também uma palavra de perdão e de reconstrução para o seu povo. E este últimoEle faz isso de uma forma desconcertante e imprevisível. Bem, ele usa a ação bélica de um pagão, Ciro, para libertar o seu povo Israel.

OSegunda palestranos convida tambémolhar mais para o que Deus faz do que para o que nós pnós podemos fazer, à sua salvação gratuita que é ao mesmo tempoNova criação. E reconhecer que o que podemos fazer também é um presente de Deus. Com efeito, neste texto: “Amor e vida são os dois termos essenciais. A redenção revela que Deus transborda amor e graça. O mediador da salvação é Jesus Cristo: assumindo um corpo semelhante ao nosso, com a sua morte vence a nossa morte, com a sua ressurreição abre-nos o caminho. Como dom gratuito, a humanidade tem sido associada à glorificação de Cristo […] A onipotência de Deus manifesta-se no seu amor. Perante esta gratuidade, todo o trabalho humano desaparece ou, melhor, o próprio homem torna-se uma nova criatura e as suas obras nada mais são do que o transbordamento da graça divina nele. Qualquer indício de vanglória desaparece: só há lugar para a gratuidade, a Eucaristia”10.

 

Este Evangelho, convidando-nosprocurar, insiste que a salvação vem de fora de nós mesmos, vem somente de Deus e do seu amor: “Sim, Deus amou tanto o mundo...”. E aqui também o nosso trabalho é redimensionado: devemos deixar-nos iluminar por este amor e aproximar-nos dele, isto é “trabalhar a verdade”, trabalhar na luz. Estes são os “obras que foram feitas em Deus”(Jo 3,21).

A mudança iniciada no terceiro domingo da Quaresma acentua-se neste quarto domingo, como assinala A. Nocent.11: “Estamos, portanto, em plena contemplação da superabundância de graças concedidas pelo Pai. Somos salvos pela graça, esta graça é rica e torna os nossos atos bons aos olhos de Deus. Tal é o ensinamento denso desta 4ª. Domingo da Quaresma”.

Sim, simcentralidade da obra de Deus é evidente. Você tem que deixá-lo trabalhar.olhar introspectivodas duas primeiras semanas da Quaresma deve dar lugar a umaolhar para Deus e sua graça. Eleve o nosso olhar para Aquele que foi elevado e de onde virá a salvação.Fixe o olhar em Cristo crucificado, acredite nesta manifestação suprema do Amor do Pai e espere pela Sua Graça. Ele pode fazer o que nós não podemos, portanto, devemos deixar tudo em Suas Mãos.

É claro que este abandono em Deus não é o mesmo que ignorar a própria vida ou as próprias obrigações. O olhar deve estar atento a Deus, mas acompanhar a sua obra, apoiar a ação da Graça e dar graças. A gratidão, a ação de graças a Deus, a Eucaristia, é e será a nossa melhor resposta.

A este respeito, o Papa Francisco disse na sua homilia de 14 de março de 2021: “Em Jesus, Deus Ele falou a palavra definitiva sobre a nossa vida: você não está perdido, você é amado. Sempre amado. Se você ouvir O Evangelho e a prática da nossa fé não expandem o nosso coração para nos fazer compreender a grandeza deste amor, e se nos inclinamos para uma religiosidade formal, triste e fechada, então é sinal de que devemos parar um pouco. momento e ouça novamente o anúncio da boa notícia: Deus te ama tanto que te dá toda a sua vida. Não é um deus que Ele olha-nos do alto com indiferença, mas é um Pai, um Pai apaixonado que está envolvido na nossa história; não é um deus que tem prazer na morte do pecador, mas um Pai preocupado em que ninguém se perca; não é um deus que condenação, mas um Pai que nos salva com seu abraço amoroso de bênção”. 

Finalmente, embora não seja uma questão menor, permanece a misteriosa rejeição dos homens ao amor do Pai manifestado em Cristo, rejeição da própria salvação. A descrição do Cardeal J. Bergoglio do coração corrupto, que se distingue do pecador, pode nos ajudar a compreender isto:"O pecado está perdoado, a corrupção não pode ser perdoada. Simplesmente porque na base de toda atitude corrupta existe umafadiga de transcendência: diante do Deus que não se cansa de perdoar, o corrupto se coloca como suficiente na expressão da saúde: cansa de pedir perdão […] O corrupto não tem esperança. O pecador espera perdão... o corrupto, por outro lado, não, porque não se sente no pecado: triunfou"12.

Em suma, hoje é um domingo de alegria porque o amor infinito do Pai nos foi manifestado em Cristo; porque “a misericórdia não é apenas uma atitude pastoral, mas a própria substância do Evangelho de Jesus” (Papa Francisco). Portanto, viver na Nova Aliança é viver na e da Graça, do amor misericordioso e gratuito do Pai. O nosso é ACREDITAR NO AMOR DE DEUS E ACEITÁ-LO, e então, CONFIAR E AGRADECER.

 

Para oração (ressonância do Evangelho em quem ora):


Jesus meu Senhor

Tenha compaixão de mim

Eu acredito em você, em suas obras cheias de luz

E ainda assim me sinto ameaçado e julgado

Perseguidos e oprimidos pela pressão destes tempos

Você conhece minhas tristezas

E você me vê assim, vulnerável e doente

Ajude-me a olhar para cima e ver você elevado em uma cruz

Abandonado pelo seu povo

Deixe-me encontrar meu conforto lá

Porque eu preciso de você, não posso mais ficar sozinho

A escuridão me cerca, meus ossos doem

Eu abraço a madeira com você

Eu te mostro minhas mãos

Minha pobreza, minhas obras imperfeitas, e te procuro

Porque a Verdade me seduz com toda a sua força

E ele me atrai para ele sem reservas

Ensina-me meu Mestre,

Eu sempre escolho suas preferências

Fique em você e nada mais, eu espero

E alcançar a Vida Eterna. Amém


 1Cf. F. Pastor,Corpus Paulino II(DDB; Bilbao 2005) 31-32.

2Leitura do evangelho de João. Volume 1.(Siga-me; Salamanca 1989) 237-238.

3Seguimos de perto o que afirma J. Asurmendi em seu artigo “As mudanças da cobra”, emRevisão da Bíblia9 (1996) 63-64.

4Evangelho segundo São João(Siga-me; Salamanca 1995) 118.

5Leitura do evangelho de João. Volume 1.(Siga-me; Salamanca 1989) 239-240.-


6Cf. L. H. Rivas,O Evangelho de João.(São Benito; Buenos Aires 2006) 165.

7Leitura do evangelho de João. Volume 1.(Siga-me; Salamanca 1989) 251.

8Cartão. A. Vanhoye,Leituras bíblicas aos domingos e feriados. Ciclo B(Mensageiro; Bilbao 2008) 79.9Celebre Jesus Cristo III. Quaresma(Santander 1980) 149.

10G. Zevini - P. G. Cabra (eds.), Lectio Divina para todos os dias do ano. Vol.3(Palavra Divina; Estella 2001) 253

11Celebre Jesus Cristo III. Quaresma(Santander 1980) 152.

12Corrupção e pecado(Claretiana; Buenos Aires 2005) 18h30.