3º QUARESMA-B

3º DOMINGO DA QUARESMA - B

03/03/2024

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: Êxodo 20,1-17

Salmo 18(19)-R- Senhor, tens palavras de vida eterna! 

2ª Leitura: 1Coríntios 1,22-25

Evangelho de João 2,13-25

Estava próxima a Páscoa dos judeus; Jesus, então, subiu a Jerusalém. 14 No templo, encontrou os que vendiam bois, ovelhas e pombas, e os cambistas nas suas bancas. 15 Então fez um chicote com cordas e a todos expulsou do templo, juntamente com os bois e as ovelhas; jogou no chão o dinheiro dos cambistas e derrubou suas bancas, 16 e aos vendedores de pombas disse: “Tirai daqui essas coisas. Não façais da casa de meu Pai um mercado”! 17  Os discípulos se recordaram do que está escrito: “O zelo por tua casa me há de devorar”. 18 Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agires assim?” 19 Jesus respondeu: “Destruí vós este templo, e em três dias eu o reerguerei”. 20 Os judeus, então, disseram: “A construção deste templo levou quarenta e seis anos, e tu serias capaz de erguê-lo em três dias?” 21 Ora, ele falava isso a respeito do templo que é seu corpo. 22 Depois que Jesus fora reerguido dos mortos, os discípulos se recordaram de que ele tinha dito isso, e creram na Escritura e na palavra que Jesus havia falado. 23  Estando em Jerusalém, na festa da Páscoa, muitos creram no seu nome, vendo os sinais que realizava. 24 Jesus, no entanto, não lhes dava crédito, porque conhecia a todos 25- E não precisava do testemunho de ninguém acerca do ser humano, porque ele conhecia o homem por dentro. 


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP


Jo 2,13-25

Quaresma é um tempo de conversão e de renovação. Mas para isso é preciso uma corajosa revisão da própria vida moral e da própria vida de oração.

A liturgia de hoje chama a nossa atenção para estes dois aspectos da vida cristã: a vida moral e a vida de oração.

Comecemos com a vida de oração. A purificação do templo de Jerusalém nos mostra Jesus irado com o que estava acontecendo na casa do Pai. Os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas tinham tomado o templo para negócios. O que deveria ser um serviço para o culto dos peregrinos se tornara uma fonte de lucro. Conforme as palavras de Jesus, tinham transformado a casa do Pai em casa de comércio. Trata-se de uma perversão da finalidade do templo: em vez de servir a Deus, serve aos interesses econômicos; em vez de culto, é uma atividade de barganha.

A purificação é um gesto messiânico: revela quem é Jesus. Jesus é o novo templo do novo culto a Deus, no qual os verdadeiros adoradores adoram Deus em espírito e verdade. o novo culto no novo templo consiste, de agora em diante, em oferecer a Deus tudo em Cristo.

A segunda condição para que nosso culto seja agradável a Deus é que ele seja expressão de uma vida orientada para Deus e obediente à sua lei. Para que o culto agrade a Deus é preciso que o culto não esteja separado da vida moral. Honrar Deus só com os lábios enquanto o coração está longe dEle é paganismo e hipocrisia. 

Por isso a liturgia de hoje nos propõe, na primeira leitura, o Decálogo. O Decálogo toca as situações cotidianas da vida: a família, as relações sociais, o trabalho e o descanso, a vida sexual. 

Que relação há entre nosso culto a Deus e a nossa vida moral?

Se nossas mãos pingam sangue ou são violentas, se não procuramos a justiça e não socorremos os necessitados, Deus repete para nós: Deixai de me apresentar ofertas inúteis; não posso suportar delito e solenidade (cf. Is 1,11ss).

Se nós não honramos pai e mãe, se os abandonamos na velhice e só nos interessamos deles para integrar a aposentadoria deles aos nossos ganhos, Deus continua nos repetindo: Deixai de me apresentar ofertas inúteis; não posso suportar delito e solenidade. 

Se nossa vida sexual é dúbia e desregrada, se se deixa guiar unicamente pela busca do prazer, sem se deter nem diante do adultério e da fornicação, Deus repete a nós: Deixai de me apresentar ofertas inúteis; não posso suportar delito e solenidade.

3º. Mandamento: guardar domingos e festas de guarda

O domingo distingue-se expressamente do sábado. Ele substitui o sábado dos judeus. Por que? 

porque o domingo realiza plenamente, na Páscoa de Cristo, a verdade espiritual do sábado judaico (libertação do pecado, descanso eterno e nova criação);

porque a lei do sábado preparava para o mistério de Cristo; assim a prática religiosa do sábado era figura de um aspecto relativo a Cristo (2175).

Jesus ressuscitou de entre os mortos “no primeiro dia da semana” (Mc 16,2). Esse “primeiro dia” pode ser contato também como “oitavo dia”: 

Enquanto “primeiro dia”, o dia da ressurreição de Cristo lembra a primeira criação. 

Enquanto “oitavo dia”, a seguir ao sábado, significa a nova criação, inaugurada com a ressurreição de Cristo.

Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e nele nos alegremos (Sl 117,24). A Palavra de Deus é palavra e ato. 

1º. Mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas

Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que existe acima nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas debaixo da terra (Ex 20,4).

Esta imposição divina comportava a proibição de qualquer representação de Deus feita pela mão do homem. O Deuteronômio explica: “Tomai muito cuidado convosco, pois não vistes imagem alguma no dia em que o Senhor vos falou no Horeb do meio do fogo. Portanto, não vos deixeis corromper, fabricando para vós imagem esculpida” (Dt 4,15-16). Quem Se revelou a Israel foi o Deus absolutamente transcendente. Ele “está acima de todas as suas obras” (Eclo 43,27-28).

No entanto, já no Antigo Testamento Deus ordenou ou permitiu a instituição de imagens, que conduziriam simbolicamente à salvação pelo Verbo encarnado: por exemplo, a serpente de bronze, a arca da Aliança e os querubins.

Ao se encarnar, o Filho de Deus inaugurou uma nova “economia” das imagens. Jesus é a imagem do Deus invisível.

O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, pois o primeiro mandamento proíbe o culto aos ídolos.

Nós veneramos a imagem, não a adoramos. Veneração é a honra respeitosa que prestamos à imagem porque ela representa a pessoa de Jesus ou dos santos. Quem venera uma imagem venera nela a pessoa representada. A honra prestada às santas imagens é uma “veneração respeitosa” e não uma adoração, que só pode ser dada a Deus. O culto da religião não se dirige às imagens em si mesmas, mas nos conduzem à realidade que ela representa.


O amor não se compra - José Antonio Pagola


Quando Jesus entra no Templo de Jerusalém, não encontra pessoas que procuram Deus, mas sim comércio religioso. A sua atuação violenta perante os «vendedores e cambistas» não é mais do que a reação do Profeta que se encontra com a religião transformada em mercado.

Aquele Templo, chamado a ser o lugar onde se haveria de manifestar a glória de Deus e o seu amor fiel, converteu-se em lugar de enganos e abusos, onde reina o desejo de dinheiro e comércio de interesses.

Quem conheça Jesus não estranhará sua indignação. Se algo aparece constantemente no núcleo da sua mensagem, é a gratuidade de Deus, que ama os seus filhos e filhas sem limites e só quer ver entre eles o amor fraternal e solidário.

Portanto, uma vida transformada em mercado, onde tudo se compra e vende – inclusive a relação com o mistério de Deus –, é a perversão mais destruidora do que Jesus quer promover. É certo que a nossa vida só é possível a partir do intercâmbio e do serviço mútuo. Todos vivemos dando e recebendo. O risco está em reduzir as nossas relações a comércio interessado, pensando que na vida tudo consiste em vender e comprar, tirando o máximo proveito dos outros.

Quase sem nos darmos conta, podemos converter-nos em «vendedores e cambistas» que não sabem fazer outra coisa senão negociar. Homens e mulheres incapacitados de amar, que eliminaram das suas vidas tudo o que seja dar.

É fácil então a tentação de negociar mesmo com Deus. Oferece-lhe algum culto para ficar bem com Ele, pagam-se missas ou fazem-se promessas para obter dele algum benefício, cumprem-se ritos para tê-lo a nosso favor. O grave é esquecer que Deus é amor, e o amor não se compra. Por algo dizia Jesus que Deus «quer amor e não sacrifícios».

Talvez o primeiro que precisamos escutar hoje na Igreja é o anúncio da gratuidade de Deus. Num mundo convertido em mercado, onde tudo é exigido, comprado ou ganho, só o gratuito pode continuar a fascinar e surpreender, porque é o sinal mais autêntico do amor.

Os crentes devemos estar mais atentos em não desfigurar um Deus que é amor gratuito, fazendo-O à nossa medida: tão triste, egoísta e pequeno como as nossas vidas mercantilizadas.

Quem conhece «a sensação da graça» e já experimentou alguma vez o amor surpreendente de Deus, sente-se convidado a irradiar a sua gratuidade e é provavelmente aquele que melhor pode introduzir algo bom e novo nesta sociedade em que tantas pessoas morrem de solidão, tédio e falta de amor.



A Palavra de Deus é um apelo para nossa renovação quaresmal. - Carlos Mesters, Mercedes Lopes e Francisco Orofino.


SITUANDO

No evangelho segundo João, o início da atividade de Jesus foi apresentado dentro do esquema de uma semana (João 1,1–2,1). Agora, ao iniciar a descrição dos sinais que acontecem no sábado prolongado (João 2–11), o Quarto Evangelho adota o esquema das festas. Sábado é festa! Todos os sinais relatados por João estão relacionados, de uma ou de outra maneira, com festas importantes da vida do povo: casamento (Jo 2,1), Páscoa (Jo 2,13; 6,4; 11,55; 12,12; 13,1); Tendas (Jo 7,2.37); Pentecostes (Jo 5,1), Dedicação do Templo (Jo 10,22).

Os Evangelhos segundo Marcos, Mateus e Lucas colocam a expulsão do templo no fim da atividade de Jesus, pouco antes da sua prisão, como um dos motivos que levaram as autoridades a prender e matar Jesus. O Evangelho segundo João coloca o mesmo episódio no começo da atividade de Jesus. É para que as comunidades entendam que a nova imagem de Deus, revelada por Jesus, não está mais no antigo templo de Jerusalém, mas sim no novo templo que é Jesus. Não se pode colocar remendo novo em pano velho (Marcos 2,21).


COMENTANDO  

João 2,13-14: Na festa da Páscoa, Jesus vai ao Templo para encontrar o Pai, e encontra o comércio

Os outros evangelhos relatam apenas uma única visita de Jesus a Jerusalém durante a sua vida pública, aquela em que ele foi preso e morto. O Evangelho segundo João traz informações mais exatas. Ele diz que Jesus ia a Jerusalém nas grandes festas. Ir a Jerusalém significa ir ao Templo para encontrar-se com Deus. No casamento em Caná apareceu o contraste entre o vazio da Antiga Aliança e a abundância da Nova. Aqui, vai aparecer o contraste entre o antigo templo, que virou casa de comércio, e o novo templo que é Jesus.

João 2,15-16: Jesus faz uma faxina no templo

No templo havia o comércio de animais para os sacrifícios e havia as mesas dos cambistas, onde o povo podia adquirir a moeda do imposto do templo. Vendo tudo isto, Jesus faz um chicote de cordas e expulsa do templo os vendedores com seus animais. Derruba as mesas dos cambistas, joga o dinheiro no chão e diz aos vendedores de pombas: “Tirem essas coisas daqui! Não façam da casa do meu Pai uma casa de comércio!” O gesto e as palavras de Jesus lembram várias profecias: a casa de Deus não pode ser transformada em covil de ladrões (Jeremias 7,11); no futuro não haverá mais vendedor na casa de Deus (Zacarias 14,21); a casa de Deus deve ser uma casa de oração para todos os povos (Isaías 56,7).

João 2,17: Os discípulos procuram entender o gesto de Jesus

Vendo o gesto de Jesus, os discípulos foram lembrando outras frases e fatos do Antigo Testamento: o salmo que diz: “O zelo de tua casa me devora” (Salmo 69,10), e o profeta Elias que dizia: “Eu me consumo de zelo pela causa de Deus” (1 Reis 19,9.14). Naquele tempo diziam: “A Bíblia se explica pela Bíblia”. Ou seja, só Deus consegue explicar o sentido da Palavra de Deus. Por isso, se os gestos de Jesus são Palavras de Deus, então devem ser iluminados e interpretados a partir da Palavra de Deus presente na Escritura. Isto ajuda a atualizar o significado das coisas que Jesus fez e falou, e a manter viva a sua presença no meio de nós. Aqui se percebe como é importante o mutirão de memória para lembrar outros textos da Bíblia.

João 2,18-20: Diálogo entre Jesus e os judeus

Tocando no templo, Jesus tocou no fundamento da religião do seu povo. Os judeus, isto é, os líderes, perceberam que ele tinha agido com muita autoridade. Por isso, pedem que apresente os documentos: “Que sinal você nos dá para agir desse jeito?” Jesus responde: “Podem destruir esse templo e em três dias eu o levantarei!” Jesus falava do templo do seu corpo, que seria destruído pelos romanos e autoridades judaicas e em três dias seria totalmente renovado através da ressurreição. Os judeus tomaram as palavras de Jesus ao pé da letra e zombaram dele: “Levaram 46 anos para fazer este templo e você o levantará em três dias!” É como se dissessem com desprezo: “Vá enganar outro!” Sinal de que nada entenderam do gesto de Jesus, ou não quiseram entendê-lo!

João 2,21-22: Comentário do evangelista

Os discípulos também não entenderam o significado desta palavra de Jesus. Foi só depois da ressurreição que compreenderam que ele estava falando do templo do seu corpo. A compreensão das coisas de Deus só acontece aos poucos, em etapas. A expulsão dos comerciantes tinha ajudado a entender as profecias do Antigo Testamento. Agora, é a luz da ressurreição que ajuda a entender as palavras do próprio Jesus. Jesus ressuscitado é o novo templo, onde Deus se faz presente no meio da comunidade.

João 2,23-25: Comentário do evangelista sobre a fé imperfeita de algumas pessoas

Naqueles dias da festa da Páscoa, estando Jesus em Jerusalém, muita gente começou a crer nele por causa dos sinais que ele fazia. O evangelista comenta que a fé da maioria destas pessoas era superficial, só da boca para fora. Este breve comentário sobre a imperfeição da fé das pessoas deixa uma pergunta importante na cabeça da gente: “Então, como é que eu devo fazer para crescer na fé?” A resposta vai ser dada na conversa de Jesus com Nicodemos.


ALARGANDO  

Jesus e o templo  

Para os judeus no tempo de Jesus, o centro do mundo, o lugar onde o céu tocava na terra era o Santo dos Santos no templo de Jerusalém. Sendo o lugar central da religião, o culto no templo regulava a vida cotidiana de todos. O judeu piedoso, não importando o lugar em que morasse, deveria ir ao templo uma vez na vida. Mesmo no lugar mais distante, quando fazia suas orações a pessoa devia orientar seu corpo em direção a Jerusalém e ao templo. O templo era o lugar para onde convergiam as multidões de peregrinos três vezes ao ano, por ocasião das grandes festas nacionais.

Sendo de família judia, Jesus segue a prática religiosa de sua gente. Por ser o primogênito de José e de Maria, ele foi apresentado a Deus no templo quando nasceu. Aos 12 anos, fez o ritual de passagem para a vida adulta, lendo um trecho da Lei diante dos escribas do templo. Com seus familiares participava das peregrinações anuais por ocasião das festas. Durante sua vida pública, Jesus toma atitudes de verdadeiro profeta, denunciando os desvios do culto celebrado no templo. Seu gesto de expulsar do santuário os cambistas e os vendedores lembra as palavras de Miqueias (3,11-12), de Jeremias (26,1-18) e de Isaías (66,1-4). Retomando as palavras de Oseias (6,6), Jesus proclama a superioridade da misericórdia sobre os sacrifícios (Mateus 9,13; 12,7-8).

As primeiras comunidades dos seguidores e seguidoras de Jesus eram todas formadas por gente vinda do judaísmo da Palestina. No início, estas pessoas continuavam ligadas ao templo e frequentavam o santuário para rezar (Atos 2,46; 3,1). Mas, com o tempo, judeus helenistas e samaritanos entraram na comunidade. Estas pessoas não tinham uma ligação tão profunda com o templo de Jerusalém. Principalmente os samaritanos, que tinham seu próprio lugar de culto no alto do monte Garizim (João 4,20). A presença destas pessoas fez com que as comunidades começassem a perceber que a prática libertadora de Jesus tornava inúteis os sacrifícios apresentados pelos sacerdotes do templo.

Depois do ano 70, com a destruição do templo, as comunidades releram as palavras de Jesus e concluíram que o templo de Jerusalém estava ultrapassado. A Glória de Deus não habitava mais naquele espaço! As comunidades do Discípulo Amado foram as que mais avançaram nesta reflexão. Elas concluíram que em Jesus, Palavra de Deus feita carne, reside a Glória de Deus (João 1,14). Jesus é o novo templo! O corpo de Jesus, ou seja, a sua realidade humana, é o local em que habita a plenitude da Divindade (João 2,21-22). Deus não se prende a nenhum santuário, nem ao de Jerusalém nem ao do monte Garizim. O que o Pai quer são os verdadeiros adoradores, aquelas pessoas que manifestam Deus em suas vidas através do amor ao próximo. Estas são as que o adoram “em espírito e verdade” (João 4,23). O verdadeiro templo de Deus é a comunidade, onde as pessoas são todas sacerdotes e sacerdotisas, “as palavras vivas”, que continuamente oferecem a Deus o autêntico sacrifício espiritual (1 Pedro 2,4-5). Por isso mesmo, no Evangelho segundo João, a limpeza da casa de Deus acontece no início da vida pública de Jesus.


Um templo renovado - Ana Maria Casarotti

 

Neste domingo iniciamos a 3ª semana da Quaresma. O texto que a Liturgia nos oferece para ler e meditar inicia lembrando a importância da Páscoa dos judeus. “A Páscoa dos judeus estava próxima”. E por esse motivo Jesus sobe a Jerusalém.

Neste tempo nos preparamos, junto com Jesus e todos/as os/as cristãos, para a celebração da Páscoa. Cada narrativa deixa entrever indicações e sugestões que favorecem a vivência deste tempo. Não é somente um tempo que se faz memória da paixão e morte de Jesus. É uma etapa em que cada cristão é convidado a subir junto com Ele a Jerusalém, estar ao seu lado na dificuldade, refutação, controvérsia deste caminho vivido com uma grande confiança no Amor do Pai. “Jesus subiu para Jerusalém”.

Para um judeu, o Templo era o espaço sagrado por excelência. Sua construção tinha levado 46 anos e para os judeus as festas importantes celebravam-se no Templo, por isso eles sobem para Jerusalém.

Ir ao Templo e oferecer sacrifícios de animais a Deus fazia parte do culto religioso. Os que iam peregrinar compravam os animais próprios para o sacrifício no Templo. Para isso era preciso trocar as moedas estrangeiras pelo shekel, moeda que era permitida para pagar o dízimo. As moedas usadas geralmente tinham a imagem do Imperador e por isso deviam ser trocadas pelo shekel.

Nessa situação aconteciam injustiças variadas que tinham sido denunciadas pelos profetas. O Profeta Amós tinha  anunciado: “Assim diz Javé: Eu detesto e desprezo as festas de vocês; tenho horror dessas reuniões. Ainda que vocês me ofereçam sacrifícios, suas ofertas não me agradarão, nem olharei para as oferendas gordas. Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca. (Am 5,21-22.24). Era um culto vazio, sem conteúdo, sua importância era o ritual externo sem uma mudança interior. 

Na cena que agora vivemos, Jesus expressa no seu atuar o sentimento de Deus que não rejeita este culto religioso, como já tinha sido anunciado pelos profetas.

Como viveria Jesus este momento? Ele sobe a Jerusalém junto com seus discípulos, mas eles provavelmente não tinham nem ideia do que ia suceder num futuro nessa mesma cidade. Para Jesus a Páscoa tinha um sentido especial. Não fazia referência a um sacrifício externo, como geralmente os judeus estavam acostumados, mas era a entrega de sua própria vida na busca da justiça, da igualdade, da verdade. Uma vida que no dia a dia é oferecida ao Pai e aos homens e mulheres manifestando assim uma vez mais seu Amor infinito e sua imensa misericórdia.

Jesus chega ao Templo e encontra uma grande quantidade de vendedores de bois, carneiros e pombas. Também estavam os cambistas que aproveitavam essa situação para seu comércio. Eles estavam na entrada do Templo. Podemos imaginar Jesus junto com um grande grupo de pessoas que peregrinavam, sofrendo o calor e as dificuldades do caminho: homens e mulheres campesinos, pobres, com suas crianças, que no caminho louvavam e bendiziam a Deus com cantos de louvor e agradecimento pelas bênçãos recebidas durante o ano, confiando nele, cheios de esperança, para lhe oferecer o pouco que tinham como retorno pelas suas bênçãos.

Um povo que necessita de Deus e a ele procura. Cheio de sentimentos de compaixão e solidariedade com seu povo, Jesus entra no Templo e vê a perda do sentido religioso e a exploração das pessoas, principalmente dos mais pobres! Já não era um espaço para render culto a Deus, isso era uma fonte exploradora do povo. Ele deve reagir! Na sua atitude deixa claro que Deus não se agrada com esse mercado, mais ainda, o rejeita totalmente.

Neste domingo somos convidados a deixar Jesus entrar no templo de nossas vidas. Entramos juntos em nossa interioridade, nossa casa, nossas relações. Somos um verdadeiro templo consagrado ao Senhor onde habita a justiça, a igualdade, a acolhida dos mais fracos e desprezados? Ou nos consideramos de um determinado contexto ou classe social e isso nos leva a fazer diferentes cultos a pessoas, atitudes, ideias, costumes e nos convertemos num tipo de cambista atualizado?

Nesta semana deixemos que Jesus entre em nossa vida e em nossa morada para purificar aquilo que não contribui para o verdadeiro amor a Deus e ao povo.

Oração

O corpo diante de ti,

é um círio quieto na noite da história,

das ideias, dos projetos,

consumindo as horas como cera.

O pensamento está imóvel

como a chama afiada,

sem a mais leve brisa

que altere seu perfil luminoso e quieto.

O coração, cristal laranja 

aceso com a luz repousada

de tantos encontros infinitos.

As pupilas, redondas como a boca de uma tigela vazia,

se dilatam no escuro adivinhando tua presença.

Só se ouve o crepitar do fogo, e o alento da vida

que chega desde ti roçando suavemente

o ar em que caminha.

E ao ver-te e acolher-te,

se aviva a chama, iluminando a noite,

transparecendo a cera, 

transfigurando em luz

as ausências e trevas.

E toda a pessoa se vai fazendo luz recebida 

brilhando gratuita em teu templo, 

mundo escuro de injustiças,de fugazes estrelas

que deslumbram um segundo,

de néon inquieto, imposto com astúcia.

Na adoração de círio alerta,

para iluminar tu nos fazes luz

desde dentro, sem necessidade

de levar nas mãos uma brasa

emprestada e pequena.

Benjamin González Buelta

  

Religião sem templos - Adroaldo Palaoro

 

“Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo…” (Jo 2,15)

,A Quaresma nos oferece os grandes sinais da vida e da mensagem de Jesus: das tentações (1º. dom.) e transfiguração (2º. dom.) à expulsão dos comerciantes do Templo (3º. dom.).

Este terceiro sinal, vinculado com a construção do novo Templo (formado pela vida dos cristãos, unida à vida de Cristo), está no centro da mensagem de Jesus. E revela-se uma ocasião privilegiada para denunciar a tendência da religião cristã em distanciar-se da mensagem de Jesus e deixar-se contaminar pelo poder, pela riqueza, pela vaidade... Todos devemos nos empenhar em destruir muitas coisas do “velho templo” que fomos construindo ao longo da história.

João, à diferença dos outros evangelistas, situa o relato da expulsão dos comerciantes do Templo no começo do ministério de Jesus. O espaço do Templo tinha se convertido em mercado, e se encontrava dominado pelos comerciantes da religião, vendedores e sacerdotes. Com sua atitude, Jesus combate uma religião que está a serviço do “deus-dinheiro”, deixando de ser mediação de vida, de comunhão e partilha dos bens. Evidentemente, este não é o templo de Jesus, que veio chamar e convocar aqueles que não podem comprar “bois-ovelhas-pombas”.

Jesus expulsou os mercadores-vendedores do templo porque estes expulsaram Deus de suas vidas e da realidade cotidiana; queriam ter Deus sob seu controle para se enriquecer com o sagrado.

Por que este gesto violento de Jesus para com aqueles que dominavam o templo e manipulavam Deus em favor de seus interesses? Porque, para eles, o primeiro e o intocável era “o ritual” e “o sagrado” (com todas as suas consequências). Enquanto que, para Jesus, o primeiro e o intocável, era “o humano” (a vida humana, o respeito ao humano, a dignidade de todos os seres humanos por igual). Jesus se situou do lado da vida e da felicidade dos seres humanos. De fato, as preocupações de Jesus não foram nunca nem as observâncias rituais do templo, nem a inviolabilidade do sagrado, nem a dignidade dos sacerdotes, nem os poderes da religião... As preocupações de Jesus foram: a saúde das pessoas (relatos de curas), a mesa da partilha e da inclusão (relatos de refeições), a reconstrução das relações entre os humanos (o sermão da Montanha).

Jesus foi um profeta leigo; não foi sacerdote, nem funcionário da religião, nem mestre da lei, nem nada parecido. Mais ainda, Jesus viveu e falou de tal maneira que logo entrou em conflito com os dirigentes da religião de seu tempo, os sacerdotes e os funcionários do Templo, que eram os representantes oficiais do “religioso” e do “sagrado”.

Se há algo que é claro e é repetido tantas vezes nos Evangelhos é que os “homens da religião” não suportaram o Evangelho de Jesus, centrado na vida e não no Templo. E não o suportaram porque eles viram, em Jesus, um perigo e uma ameaça aos seus privilégios. Enquanto o projeto deles era defender e manter o Templo com seus ritos e normas, com suas dignidades e privilégios, com seus poderes sobre o povo, o projeto de Jesus centrava-se na cura dos enfermos, na proximidade junto aos mais pobres, aos pequenos, aos pecadores e a todo tipo de pessoas desprezadas e rejeitadas pelos dirigentes religiosos. Tudo isto é o que Jesus privilegiou, inclusive transgredindo as normas da religião, enfrentando os escribas, fariseus, os sacerdotes e atuando com violência contra aqueles que utilizavam o templo como negócio, até convertê-lo em “casa de comércio”.

O Compassivo não quer sangue, nem incenso, nem ritos...; quer compaixão, ternura, quer justiça, quer que todos vivam e vivam intensamente.

Sabemos que em toda religião o determinante está no sagrado. No projeto de Jesus, o centro de tudo está no humano, na dignidade e na felicidade das pessoas, na vida. Jesus não suprimiu o sagrado, mas o deslocou do religioso ao humano. Este é o verdadeiramente sagrado para Jesus. Seu projeto não é projeto “religioso”, mas a vida humana; o central na sua vida não foi o religioso, mas o humano e a humanidade.

Por isso, Jesus prescindiu do Templo para relacionar-se com Deus. Ele se encontrava com o Pai não no espaço sagrado do Templo, nem no tempo sagrado do culto religioso, mas no espaço cotidiano do encontro com as pessoas. Seu Templo era a convivência com as pessoas, sobretudo as mais excluídas.

Jesus foi um piedoso israelita que teve uma forte experiência de Deus, a quem chamava Pai e que fomentava a oração não no templo, mas no monte, nos lugares solitários e silenciosos. Sua “religiosidade” não estava vinculada ao templo nem aos rituais sagrados.

Frente ao projeto que chamava “Reinado de Deus”, Jesus foi questionando uma religião que desumanizava as pessoas. Ele mesmo foi relativizando os pilares da religião: o sábado, a “pureza” legal, o pecado, o Templo, o culto, os sacrifícios, as doutrinas... Pouco a pouco, foi colocando tudo em questão, infringindo suas normas e atacando a hipocrisia de um culto a Deus que desprezava as pessoas.

Para aqueles que veem em Jesus o novo Templo onde habita Deus, tudo é diferente. Quem deseja viver a fundo e encontrar-se com Deus (“os verdadeiros adoradores do Pai), não é preciso ir a um templo ou outro, frequentar uma religião ou outra. É necessário aproximar-se de Jesus, entrar em seu projeto, seguir seus passos, viver sob o impulso do seu Espírito.

Neste Novo Templo, que é Jesus, para adorar a Deus não bastam o incenso, as aclamações nem as liturgias solenes. Os verdadeiros adoradores são aqueles que vivem diante de Deus “em espírito e em verdade”. A verdadeira adoração consiste em viver com o “Espírito” de Jesus e na “Verdade” do Evangelho. Sem isto, o culto é “adoração vazia”.

Nós dizemos que a religião é um meio (mediação) para nos relacionar com Deus. Mas nem sempre caímos na conta que a religião com seus rituais (templos, ritos, o sagrado, os sacerdotes, a normativa religiosa...) ocupam tanto espaço e alcançam tanta importância na experiência dos indivíduos e da sociedade que Deus acaba ficando deslocado da vida e desfigurado em sua imagem de Pai/Mãe de misericórdia. O que acontece, com muita frequência, é que a religião, seus ritos, suas hierarquias e suas normas, em lugar de fazer-nos aproximar de Deus e fazer-nos pessoas melhores, na realidade fazem é complicar nossa relação com Deus e, sobretudo, dificultam nossas relações sociais, religiosas ou simplesmente humanas.

No Reino de Deus não se requer “templos” mas corpos vivos. Estes são os santuários de Deus, onde brilha Sua presença e Seu amor, onde as pessoas vivem dignamente. Jesus não veio para continuar a linha religiosa tradicional. Veio para propor uma humanidade restaurada a partir do princípio da centralidade da vida das pessoas que vivem com dignidade. Sobre esta base é possível sonhar e construir outra maneira de viver e outra maneira de ser.

Neste Novo Templo, que é a vida dos(as) seguidores(as) de Jesus, não se faz discriminação alguma, nem se fomenta a desigualdade, a submissão e o medo. Não há espaços diferentes para homens e mulheres. Em Cristo já “ não há varão e mulher”. Não há raças eleitas nem povos excluídos. Os únicos preferidos são os necessitados de amor e de vida.

Necessitamos, sim, de igrejas e templos para celebrar e fazer memória de Jesus como Senhor, mas Ele é nosso verdadeiro Templo. Os templos físicos não podem ser fronteiras que dividem o sagrado do profano, mas espaços onde vivemos a sacralidade de toda a vida.

 

Para meditar na oração

As portas do “novo Templo”, que é Jesus, estão abertas para todos; ninguém está excluído.

Podem entrar nele os pecadores, os impuros, os excluídos, os marginalizados da religião...

O Deus que habita em Jesus é de todos e para todos.

Somos também o “novo templo”, morada do Espírito, presença que alarga nosso interior para que todos possam ali ter acesso.

- Quem são os “frequentadores” do seu “templo interior”?

 

TEXTO DE DOM DAMIAN NANNINI, ARGENTINA


TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA

ACEITEMOS A OBRA DA SABEDORIA DE DEUS EM NÓs.



PRIMEIRA LEITURA (Ex 20,1-17):

A primeira leitura traz-nos o conhecido decálogo na versão do livro do Êxodo. Para interpretá-lo corretamente é importante colocá-lo em seu contexto, que é uma história teofânica que se abre em duas (Ex 19,16-19 + 20,18-21) para receber no meio dela as palavras dodecálogo(Ex 20, 2-17). Como consequência desta inserção no quadro da teofania, o decálogo adquire o estatuto de lei divina:É a primeira e fundamental expressão da vontade de Deus. A Teofania e a lei são colocadas, por sua vez, no âmbito daaliança(Ex 19,3-8 e 24,4-8). Desta forma, o decálogo torna-se odocumento de aliança. Na estrutura final da seção, a lei é definida em termos da aliança com Deus, é o compromisso formal do povo diante de Deus.Portanto, a vida em Aliança com Deus inclui necessariamente a Lei, os mandamentos como expressão da Vontade de Deus.

As leis em Israel têm o mesmo valor e dimensão salvífica que as intervenções históricas de Deus.A Lei é antes de tudo um dom de Deus ao seu povo. Com efeito, é o êxodo, o acto salvífico por excelência, que precede, fundamenta e dá sentido ao decálogo e a todas as outras leis.A principal razão pela qual o povo deve observar as leis do Senhor é porque Yahweh os libertou do Egito(Ex 20,2). Portanto, a ética nasce do dom da libertação e não o contrário.Israel tem que guardar a lei, não só para ser salvo, mas principalmente porque foi salvo por Deus..

O objetivo da lei é a preservação do dom da liberdade dado ao povo com o êxodo. O cumprimento da lei salvaguarda a vida livre na terra prometida. Ao obedecer a esta lei, os judeus crentes encontram nela seu deleite e bênção, e participam da sabedoria criativa universal de Deus. Estásabedoria divinarevelada ao povo judeu é superior à das nações (Dt 4,6.8), em particular à dos gregos (Ba 4,1-4). Pelo contrário, a transgressão da lei compromete não só a liberdade do povo, mas também a posse da terra.

SEGUNDA LEITURA (1Cor 1,22-25):

Para compreender as afirmações que São Paulo faz aqui temos que lembrar que elas são um desenvolvimento do que foi dito em 1Cor 1,18 como tese fundamental: “A mensagem da cruz é uma loucura para quem está perdido, mas para quem está salvo – para nós – é o poder de Deus."

O 'palavra ou mensagem da cruz’ (expressão única no NT)É o anúncio da morte de Cristo na cruz, que é parte essencial do querigma e que tem uma dimensão apocalíptica, isto é, reveladora, pois mostra e define de que lado estão os homens. Assim, a verdadeira divisão entre os homens não ocorre por causa do relacionamento com os apóstolos

como aconteceu entre os coríntios (eu de Paulo, eu de Pedro, eu de Apolo), mas com a mensagem da cruz: os perdidos e os salvos.E por trás disso está o próprio Deus que quis revelar-se no mistério da cruz como prova a citação de Is 29,14 em 1Cor 1,19 cuja função é colocar em cena o ator principal: Deus.

Em 1Cor 1:21 Paulo explica por que a pregação da cruz deve agora ser o conteúdo essencial do evangelho:Deus escolheu como caminho de salvação a “loucura da pregação” para substituir a sabedoria fracassada dos homens que não serviu para ser reconhecida.. A confirmação do fracasso da sabedoria humana em alcançar o reconhecimento do verdadeiro Deus também está presente em Rm 1,19-20, justificando o castigo de Deus; enquanto aqui ele dá conta do novo caminho de salvação que Deus propõe.

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O texto que lemos hoje e que é claramente dialético ou antitético segue como desenvolvimento do argumento. Enquanto os Judeus pedem milagres e os Gregos procuram sabedoria; São Paulo proclama que a sua pregação se centra em Cristo crucificado, um escândalo para os judeus e uma loucura para os pagãos. Nem milagres, nem sabedoria, nem poder, nem razão por si só podem agora nos levar ao verdadeiro Deus:só resta Cristo crucificado, força e sabedoria de Deus. Ele então amplia essa linguagem paradoxal brincando com as denominaçõesmalucoe os substantivosloucura-sabedoriaconsiderado segundo dois planos ou níveis de significância também apresentados como contrastantes:humano-divino.

Vale dizer que existe uma nova lógica que vai além das manifestações de poder ou das especulações do pensamento humano. É o paradoxo cristão tão dramaticamente exposto por São Paulo que em sua vida percorreu os dois caminhos, o da sabedoria humana e o da Lei, sem poder chegar plenamente a Deus, até ser alcançado porCristo, sabedoria de Deus.

EVANGELHO (João 2:13-25):

Comecemos por um fato interessante que surge de uma visão panorâmica dos quatro evangelhos: “O incidente da expulsão dos mercadores do Templo, que se encontra nos sinóticos no início da semana passada, foi colocado por João no início do seu evangelho, como o ato inaugural da atividade de Jesus em Jerusalém."1. Isto aponta a importância especial desta história no evangelho de João.

A história se passa perto da festa da Páscoa e na cidade de Jerusalém. Este era o feriado mais importante para os judeus e todos com mais de 12 anos eram obrigados a fazer uma peregrinação à cidade santa para celebrar a Páscoa ali, para que Jerusalém ficasse lotada de gente.

Os peregrinos, vindos de todas as regiões de Israel, precisavam trocar seu dinheiro “impuro” – porque nele estava gravada a imagem do imperador romano, César – por moedas próprias para fazer suas oferendas no Templo. Além disso, precisavam comprar animais para oferecer em sacrifício, pois não podiam trazê-los de seus locais de origem. Estas necessidades levaram à instalação de um verdadeiro mercado à entrada do templo, o que revela o carácter profano e comercial que esta festa religiosa adquiriu.

Jesus, então, “Ele fez um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com suas ovelhas e bois; Espalhou as moedas dos cambistas, derrubou as mesas e disse aos vendedores de pombos: “Tirem isto daqui e não façam da casa de meu Pai uma casa de comércio”.» (2,15-16).

Uma ideia presente no judaísmo daquela época para quem a purificação do Templo era uma das funções do Messias ajuda-nos a reconhecer o significado deste gesto de Jesus. Portanto, o de Jesus é um gesto messiânico, um sinal da sua chegada. Como observa G. Zevini2: “Se a história do sinal milagroso de Caná (2,1-11) estabelece a nova aliança com a celebração do casamento messiânico entre Jesus e a comunidade dos crentes, o sinal do templo (2,13-22) cede lugar à atividade messiânica de Jesus”.

Notemos que, ao definir o Templo, a “casa ou morada de Deus”, como a “casa do seu Pai”, Jesus manifesta-se indirectamente como Filho de Deus. A este respeito, F. Moloney aponta3: “Para Jesus não é apenas um edifício onde as pessoas se reúnem(para Hierão),que degenerou num mercado(oikos emporou),mas é "a casa do meu Pai"(ton oikon tou patros mou). O contraste entre os dois usos da palavra “casa”(oikos)lembre-se de Zacarias 14:21b “e naquele dia não haverá mais traficantes na casa do Senhor dos Exércitos” (cf. Dodd,Interpretação349) Albateré chamado agoraoikos.Não é apenas um espaço onde as pessoas se reúnem para adorar a Deus.(ontem),mas um

1L. H. Rivas,O Evangelho de João. Introdução. Teologia. Comente(São Benito; Buenos Aires 2006) 154.2Evangelho segundo São João(Siga-me; Salamanca 1995) 101.

3Evangelho de João(Palavra Divina; Estella 2005) 76.

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lugar entre homens e mulheres onde o Deus de Israel, a quem Jesus chama “meu Pai”, tem a sua morada(oikos)”.

Por sua vez, a expulsão das ovelhas e dos bois indica que doravante são suprimidos os sacrifícios de animais, que serão substituídos pelo único sacrifício verdadeiramente eficaz, o do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

O evangelista comenta que os discípulos se lembraram do Salmo 69:10: “O zelo pela sua casa vai me consumir”, buscando legitimar o gesto de Jesus a partir das Escrituras. Segue-se um diálogo com os judeus que exigem de Jesus um sinal de prova da sua autoridade messiânica e que justifique a ação de purificação do templo que ele realizou. Jesus não responde diretamente ao pedido do sinal realizando um milagre naquele momento; mas fazendo um anúncio que parecia misterioso para todos os presentes, inclusive para os discípulos: «Destrua este templo e em três dias eu o levantarei novamente» (2,19). Observemos que aqui e em 2.20.21 uma palavra diferente (ναός) é usada para se referir ao “templo”, daquela usada no início da história em 2.14.15 (ἱερόν). Embora ambos os termos possam referir-se ao templo como um edifício, o usado aqui por Jesus (ναός) tem um significado mais concreto e refere-se mais ao lugar sagrado como um santuário onde Deus habita, como a casa de Deus. Especificamente, ἱερόν se referiria ao Templo em sentido amplo, com tudo o que o rodeia, incluindo a corte dos gentios onde se vendiam animais e se trocavam moedas; enquanto ναός refere-se antes ao Santo dos Santos, o Santuário, o lugar do Templo onde Deus habita. A este respeito, X. León Dufour destaca4: “Neste templo (oontem)devemos distinguir o "santuário"(nave),o que há pouco ele designou como “casa de meu Pai”: certamente ainda é o espaço sagrado que devia ser purificado, por respeito a Deus. Mas, mais profundamente, trata-se de “santuário”. Os judeus estão tão envolvidos na discussão que, quando respondem, falam por sua vez, não do “templo”, mas do santuário, apesar de os quarenta e seis anos evidentemente dizerem respeito ao edifício como um todo [.. .] Eis o que Jesus deixou claro quando passa do “templo” ao “santuário”: a sua pessoa põe em presença aquilo que o próprio templo simboliza, a saber, o santuário, a habitação de Deus aberta aos homens.” No final o evangelista deve intervir para nos esclarecer que Jesus se referia ao templo/santuário do seu corpo (τοῦ ναοῦ τοῦ σώματος αὐτοῦ em Jo 2,21); e que somente depois da ressurreição de Jesus os discípulos compreenderam o significado desta expressão. Assim, o gesto é iluminado pelas palavras proféticas de Jesus que anunciam um novo Templo, o do seu Corpo, que dará origem a um novo culto, um culto autêntico, “em espírito e em verdade”. Tudo isso desde a Ressurreição de Jesus Cristo, desde a sua Páscoa.

Concluindo, e tendo em conta o gesto e as palavras de Jesus, fica claro que o grandesinalÉ a Ressurreição de Cristo, expressa através do símbolo do templo destruído e reconstruído em três dias. Assim se anuncia o novo Templo, que será de outra ordem, é o Templo definitivo, o corpo de Cristo Ressuscitado, o lugar onde Deus vive e onde os homens poderão encontrá-Lo.

Meditação:

Lembremos que a partir deste domingo os evangelhos são retirados de São João, não mais de Marcos, e que apresentam o mistério pascal com diferentes imagens: o templo destruído e reconstruído (3º); a serpente do alto que atrai a todos (4º.) e o grão de trigo que morre e dá fruto (5º.). O fio temático éo mistério da cruz de Cristo, com a sua abertura pascal. É mais difícil relacionar as três leituras de hoje, como reconhece A. Nocent: “Não é fácil encontrar uma certa unidade entre as três leituras desta 3ª. Domingo. Não há, portanto, razão para tentar forçar relacionamentos"5. J. Aldazabal6, por sua vez, pensa que "As leituras nos oferecem uma dupla linha de

4Leitura do evangelho de João. Volume 1.(Siga-me; Salamanca 1989) 305-306.310.

5A. Eles machucamO Ano Litúrgico. Celebre Jesus Cristo. III Quaresma(Santander 1980)143.6Ensine-me seus caminhos 9. Domingos ciclo B(Ágape; Buenos Aires 2005) 127.

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reflexão: a Aliança que Deus repetidamente selou com a humanidade e a marcha de Cristo Jesus rumo à sua morte e glorificação".

Penso que talvez algo comum às leituras deste domingo fosse expressar aspectos daParadoxo cristão, ou sua contraparte que é a Sabedoria Divina. Na primeira leitura, o paradoxo está entrelei e liberdade; em S. Pablo entresabedoria e loucura humana e divina; no evangelho entredestruir e reconstruir.

Fiquemos com as duas etapas ou momentos do evangelho em relação ao templo:destruir e reconstruir. No evangelho estes mesmos passos são referidos a Jesus, que nos prepara para o mistério pascal com os seus dois momentos:morte e ressurreição. Jesus dá, coloca toda a sua vida nas mãos do Pai, para recuperá-la ressuscitada:"É por isso que o Pai me ama, porque dou a minha vida para recuperá-la novamente. Ninguém tira isso de mim; Eu dou voluntariamente. Tenho poder para dá-lo e poder para recuperá-lo; essa é a ordem que recebi de meu Pai" (Jo 10,17-18).

A relação entre a morte e ressurreição de Jesus e a destruição e reconstrução do templo é muito importante, como salienta J. Ratzinger.7: "A rejeição de Jesus, a sua crucificação, significa ao mesmo tempo o fim deste templo. O tempo do templo já passou. Um novo culto chega a um templo não construído por homens. Este templo é o seu Corpo, o Ressuscitado que une as pessoas e as une no sacramento do seu Corpo e Sangue. Ele mesmo é o novo templo da humanidade. A crucificação de Jesus é ao mesmo tempo a destruição do antigo templo. Com a sua ressurreição começa um novo modo de venerar a Deus, não mais num monte ou noutro, mas «em espírito e em verdade» (Jo 4,23).".

E do mistério pascal de Jesus passamos para a nossa vida com a mesmaparadoxo:você tem que morrer para viver, tem queaceitar ser destruído para ser reconstruído. É um paradoxo que só pode ser aceito a partir da Fé na Ressurreição. Não foi entendido antes, assim como os discípulos não entenderam até que Jesus ressuscitou. De acordo com A. Nocent8Esta é precisamente a razão pela qual este evangelho foi escolhido hoje: porque faz referência explícita aoRessurreição.

Em nós, esse processo dedestruição e reconstruçãoPossui diversas aplicações: Emprimeiro lugar,se trata dedestruir-morrerpecar, para o velho, parareconstruir ressuscitarà graça, ao novo homem em Cristo.

Emsegundo lugar, visto que o templo simboliza o lugar do encontro com Deus e da nossa relação com Ele, isso implica queExiste uma maneira de se relacionar com Deus que deve morrer, seja destruido,para que nasça uma nova relação com Deus, em Cristo e por meio de Cristo, possível em todos os tempos e lugares. A partir de agora, o novo culto agradável ao Pai (cf. Rm 12, 1-2) é celebrado no Templo Novo do Corpo glorioso de Cristo, do qual fazemos parte através do Batismo. Sobre isso diz Y. Congar9: "A encarnação do Verbo de Deus no ventre da Virgem Maria inaugura uma etapa absolutamente nova na história da presença de Deus: uma etapa nova e também definitiva, pois que maior dom pode ser dado ao mundo? Existe agora apenas um templo no qual podemos adorar, orar e oferecer e no qual verdadeiramente encontramos Deus: o corpo de Cristo. Nele, o sacrifício torna-se inteiramente espiritual e também real: não apenas no sentido de que nada mais é do que o próprio homem aderindo filialmente à vontade de Deus, mas também no sentido de que procede em nós do Espírito de Deus. nos foi dado".

Emterceiro lugar, e também dentro deste processo pascal, somos convidados adeixemos que nossa falsa imagem de Deus seja destruída para que Deus possa reconstruir sua verdadeira imagem em nós. E assim se constrói um verdadeiro relacionamento com Deus:filial, amoroso, livre, comprometido. Neste sentido devemos reconhecer que será sempre uma tentação para o religioso construir um “deus” personalizado, objeto de manipulação.

7Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém à Ressurreição(Planeta; Bs. As. 2011) 33-34.8O Ano Litúrgico. Celebre Jesus Cristo. III Quaresma(Santander 1980)145.

9O mistério do Templo(Barcelona 1964) 264-265; citado em G. Zevini – P. G. Cabra,Lectio Divina para cada dia do ano 3(Palavra Divina; Estella 2001) 192.

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inconsciente: este é um ídolo e não o verdadeiro Deus. Negociamos com este “deus”, tal como Jesus denuncia no evangelho de hoje. A este respeito, A. Louf mantém10que “para a maioria das pessoas esta ilusão constitui uma etapa normal” que Deus permite no caminho da sua busca, “até que intervenha na nossa vida, irrompendo nela para destronar todos os ídolos de uma só vez e despedaçá-los. "É a melhor coisa que pode acontecer conosco." É o início de um árduo caminho que conduz a um novo conhecimento de Deus, fruto desta conversão.

Agora, aceitar a destruição não é fácil. Requer uma fé muito confiante em Deus e no seu poder para reconstruir algo novo em cima do que foi destruído. Especificamente, trata-seaceitar a intervenção do Senhor em nossas vidas, para deixar atuar em nós a Sabedoria divina. É um momento muito crítico na vida do crente, mas ao mesmo tempo é um passo necessário para uma verdadeira e profunda conversão quaresmal. O próprio A. Louf nos explica muito bem.11:“Deus nos toca de muitas maneiras para nos levar a este estado de conversão. Só podemos nos preparar para que Deus nos toque. Muitas coisas terão que acontecer fora da nossa vontade ou da nossa generosidade natural. Este retorno total não implica apenas que estejamos feridos internamente, mas também que os nossos alicerces ruam. Haverá quebras e pedaços. Algo em nós tem que ruir... Este colapso nada mais é do que um começo, embora já cheio de esperança. Não há necessidade de tentar reconstruir o que a graça destruiu. Há algo nisso que temos que aprender, pois é grande a tentação de construir um andaime diante da fachada oscilante e voltar ao trabalho. Temos que aprender a permanecer junto aos escombros, sem amargura, sem nos censurar e também sem acusar a Deus. Teremos que nos apoiar nestes muros em ruínas, cheios de esperança e abandono, com a confiança de uma criança que sonha que o pai vai consertar tudo, porque sabe que tudo pode ser reconstruído de outra forma, muito melhor do que antes.”

Em última análise, trata-se de morrer para as idolatrias, para os falsos deuses e para as falsas imagens de Deus que construímos para nós mesmos. Aí vai a conversão e a purificação da Quaresma como nos propõe o Papa Francisco na sua mensagem para este ano: “Os ídolos são mais temíveis que o faraó; poderíamos considerá-los como sua voz em nós. Sentir-se onipotente, reconhecido por todos, tirar vantagem dos outros: todo ser humano sente profundamente a sedução dessa mentira. É um caminho batido. Portanto, podemos nos apegar ao dinheiro, a determinados projetos, ideias, objetivos, à nossa posição, a uma tradição e até a algumas pessoas. Essas coisas, em vez de nos levarem adiante, nos paralisarão. Em vez de nos unirem, eles irão confrontar-nos. Existe, porém, uma nova humanidade, a dos pequenos e humildes que não sucumbiram ao encanto da mentira. Enquanto os ídolos tornam mudos, cegos, surdos, imóveis aqueles que os servem (cf.Podemos115,8), os pobres de espírito são imediatamente abertos e bem dispostos; “Eles são uma força silenciosa do bem que cura e sustenta o mundo.”.

Emconclusão, somos convidados a aceitar, agora que entrou a Quaresma, a pedagogia do Pai, a obra da sua Divina Sabedoria connosco, manifestada no mistério pascal com o seu carácter essencialmente paradoxal. Assim, este terceiro domingo assume e repropõe a mensagem dos domingos anteriores:A Quaresma exige de nós renúncia, luta contra a tentação, conversão, entrega de si, morte e transfiguração. Sim, mas numa nova perspectiva porque nos comunica a certeza – cada vez maior à medida que nos aproximamos da Páscoa – de que venceremos a luta, receberemos mais do que demos, seremos ressuscitados. Com Cristo, por Cristo e em Cristo. Supondo isto, o que é típico deste terceiro domingo seria nonecessidade de aceitar a aparente perda de liberdade para cumprir os mandamentos; parecendo loucos e tolos diante do mundo e diante de nós mesmos por seguirmos o

Sabedoria de Deus; aceitar que a nossa maneira imperfeita de nos ligarmos a Deus no antigo templo seja destruída para entrar no novo templo de Deus, o corpo de Cristo e ali nos encontrarmos com o amor infinito do Pai que nos torna filhos, livres e obedientes.

10À Misericórdia de Sua Graça(Narcea; Madrid 1996) 34-35.

11À Misericórdia de Sua Graça(Narcea; Madrid 1996) 20-21.

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Para oração (ressonância do Evangelho em quem ora):Construa-me novamente

Senhor,

Um chicote de cordas em suas mãos

Limpará minha alma do medo

Vou colocar meus pensamentos em oração

E entrarei no seu templo sagrado

Eu não vou perguntar onde você mora

Eu conheço esse lugar por boatos

E eu só consigo desejar

Quebre as barreiras, eu te imploro

Afaste a ganância, o apego ao vão

Faça deste templo sua casa

Destrua os muros do orgulho

E me construa novamente,

Assuma seu lugar de privilégio

Rei dos reis, conquistador da morte

Criador, recriador, amado Potter

Confiante eu espero por você

Nada pode sair de mim que seja bom

Você vive e eu morro!

Faça de mim um novo homem. Amém