CANONIZAÇÃO DE C. DE FOUCAULD

Notícia sobre a canonização

Charles de Foucauld, "um Santo do nosso tempo"

Charles de Foucauld será santo em 15 de maio de 2022.

Marcada a data para a cerimônia de canonização do sacerdote francês e de outros seis beatos, decretada pelo Papa na primavera passada e adiada por causa da pandemia.

Sobre esta figura singular, de grande atualidade, a redação de língua francesa conversou com o diretor do Serviço Nacional para Relações com Muçulmanos na Conferência Episcopal francesa, padre Vincent Feroldi.


Olivier Bonnel – Vatican News


O diretor do Serviço Nacional para as Relações com os Muçulmanos da Conferência Episcopal francesa, padre Vincent Feroldi, recorda ao Vatican News a figura de Charles de Foucauld e sua importância para a Igreja na França e a comunidade muçulmana.


Que sentimentos a canonização de Charles de Foucauld inspiram no senhor?

A futura canonização de Charles de Foucauld é uma grande alegria para a Igreja na França. Esperamos desde que foi declarado Beato e sabíamos que a canonização viria a seguir. É uma grande alegria porque Charles de Foucauld é francês, nasceu no Grand Est, foi ordenado sacerdote em Viviers, em Ardèche, antes de exercer o seu belo e grande ministério na Argélia. Ele é, portanto, uma personalidade para nós hoje, e esta canonização será uma oportunidade para todos nós descobrirmos ou redescobrirmos, aprofundarmos a pessoa que é Charles de Foucauld, e que realmente me parece um Santo para o nosso tempo. Olhando para a totalidade de sua vida e o que fez com os outros, representa para nós um verdadeiro caminho para a missão hoje.


Por que Charles de Foucauld é um Santo de nosso tempo?

Ele é uma verdadeira testemunha de fraternidade, mas demorou muito para descobrisse profundamente o que o Senhor esperava dele, e isso é o que é muito interessante. Esta canonização nos permitirá olhar para a totalidade da vida de Charles de Foucauld. Ele foi um homem em sua plenitude, mas na diversidade, ele também é uma pessoa apaixonada. Ele foi primeiro um soldado, depois um explorador, principalmente no Marrocos, ele estava em uma busca contínua pelo sentido de sua vida e do Senhor. É nessa globalidade que ele irá descobrir gradativamente o que o Senhor espera dele. Queria viver em fraternidade, era o portador da civilização, do que era para ele a verdade, isto é, o encontro com Cristo, e depois nos seus fracassos ... Penso em particular em 1908: cai gravemente doente e descobre que, finalmente, ele que foi levar Cristo aos tuaregues, mas são os tuaregues que levarão a vida a ele, pois foram os tuaregues que o salvaram do escorbuto, e assim inesperadamente ele vai compreender que o tempo de Deus não é o tempo dos homens, e o que o Senhor lhe pede é, em última instância, "a cada um seu trabalho", a Deus pelo Espírito para falar ao coração do homem, e a ele Irmão Charles, de viver esta fraternidade no dia a dia com os que estão ao seu redor, sobretudo com o povo tuaregue.


Para além da dimensão inter-religiosa, a dimensão missionária é portanto muito forte. Qual o legado de Charles de Foucauld?

Esta dimensão missionária é precisamente para nós um verdadeiro desafio para compreender o que colocamos na palavra “missão”. Irmão Charles, no início, é o portador deste Jesus Cristo. Ele fez saber que nunca deixou de ter consigo o ostensório, e para ele a dimensão eucarística era muito importante. Ele foi, gostaria de dizer, um portador de Cristo. Aos poucos compreenderá que sua missão é antes de tudo viver a fraternidade com os que o rodeiam, testemunhar a sua alegria no quotidiano. Vemos que no final da vida é sobretudo a figura do linguista que emerge, que vai recolher a cultura do outro, recolher textos, poemas, canções tuaregues. E no centro disso, no centro dessa atenção para aqueles ao seu redor, finalmente haverá a presença do Evangelho. Esta missão de que dá testemunho é ser portador de Cristo, portador da Boa Nova, na vida quotidiana partilhada e, sobretudo, deixar espaço para que o Espírito de Cristo faça a sua obra no coração de cada homem. Charles não estava ali para mostrar o caminho, mas para permitir a cada um encontrar Jesus, não necessariamente da maneira que ele inicialmente imaginou, mas na maneira que só Deus conhece, que é o caminho que é bom para cada um.


O senhor é diretor do Serviço Nacional para as Relações com os Muçulmanos da Conferência dos Bispos da França. O que essa canonização significa hoje para os muçulmanos?

Para os muçulmanos, o Irmão Charles é um marabout, um homem de Deus, então eles se regozijam em ver a valorização desse homem. Eles irão finalmente, assim como nós, descobrir quem é Charles de Foucauld, porque para muitos de nós, ele é aquele que viveu em Assekrem. Mas Charles de Foucauld é o itinerário de um homem em toda a sua complexidade, e que pouco a pouco, no seu desejo de encontrar Deus, o irá encontrar, o irá contemplar, o irá adorar, e que o convidará então a viver a fraternidade e o amor. Para os muçulmanos da França, esta será a oportunidade de descobrir como um cristão em um país muçulmano pode experimentar não só o encontro com o outro, naquele que é o caminho que Deus desejou para ele.


Texto 1, Canonização do Irmão Carlos e opção pelos pobres

Postado em: 21/11/2020 por: Fraternidad Iesus Caritas

FRATERNIDADE SACERDOTAL JESUS CARITAS

PREPARANDO A CANONIZAÇÃO DO IRMÃO CARLOS

TEMA 1: A CANONIZAÇÃO DO IRMÃO CARLOS E NOSSA OPÇÃO PELOS POBRES

Fernando Tapia Miranda

Equipe Internacional

“A pandemia acentuou a difícil situação dos pobres e o grande desequilíbrio que reina no mundo”, disse o Papa Francisco no último 19 de agosto. E ele acrescentou: “O vírus, sem excluir ninguém, encontrou grandes desigualdades e discriminações no seu caminho devastador. E aumentou-as!

Isso significa que os pobres hoje sofrem mais do que antes, por causa da falta de assistência médica, do desemprego e da fome.

O Santo Padre reconhece que a resposta à pandemia deve ser dupla: Se por um lado, “é essencial encontrar uma cura para um pequeno mas terrível vírus que põe o mundo inteiro de joelhos”, por outro lado, acrescenta o Papa, “temos que nos curar de outro grande vírus: o da injustiça social, da desigualdade de oportunidades, da marginalização e da falta de proteção para os mais fracos”.

Esta situação nos estimula a reafirmar nossa opção evangélica pelos pobres. Francisco diz em sua catequese: “A fé, a esperança e o amor nos impelem necessariamente para esta preferência pelos mais necessitados, que vai além da pura assistência necessária. Trata-se de caminhar juntos, deixando-nos evangelizar por eles, que conhecem bem o Cristo sofredor, deixando-nos “contaminar” pela sua experiência de salvação, pela sua sabedoria e pela sua criatividade. Partilhar com os pobres significa enriquecer-nos uns aos outros. E se existirem estruturas sociais enfermas, que impedem os pobres de sonhar com um futuro, temos que trabalhar juntos para curá-las, para transformá-las” (Como não reconhecer aqui, o jeito evangelizador do Irmão Carlos?)

O Santo Padre afirma que “a pandemia é uma crise, e de uma crise nós não saímos iguais: ou saímos melhores, ou saímos piores. Devemos sair melhores, no que diz respeito às injustiças sociais e à degradação do meio ambiente.”

A canonização do Irmão Carlos acontece neste contexto e não é por acaso. Através deste acontecimento de graças, Deus quer colocar à vista de todos, um homem, um crente, um pastor, um missionário que se entregou de corpo e alma aos mais pobres e abandonados do seu tempo, os Tuaregues. Ele se fez um deles, caminhou com eles, foi evangelizado por eles. Atualmente, a santidade passa pela opção preferencial pelos pobres.

Se queremos preparar e celebrar da melhor maneira possível a canonização do Irmão Carlos, não é para glorificar o Irmão Carlos, mas para fortalecer em toda a Igreja um amor ativo e proativo pelos pequeninos, os últimos, que, atualmente é mais necessário do que nunca. O Papa afirma na Evangelii Gaudium: “Nem sempre a própria beleza do Evangelho pode ser manifestada de forma adequada por nós, mas há um sinal que nunca deverá faltar: a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade rejeita e exclui.” (EG 165)

Nós, a família espiritual do Irmão Carlos, acolhemos como uma graça o seu carisma, que recebe, além disso, neste contexto de pandemia, uma atualização e uma validação especial. Não podemos mantê-lo escondido, negligenciá-lo ou deixá-lo estéril. “Reaviva o dom de Deus que está em ti”, disse São Paulo a Timóteo. Este é o convite que nosso Irmão e Senhor Jesus nos faz hoje, para contribuir na grande renovação da Igreja que o Espírito Santo está impulsionando por meio do Papa Francisco. Portanto, temos uma grande responsabilidade. A canonização do Irmão Carlos é uma oportunidade única para progredir nesta direção.

Para reflexão e oração pessoal ou em grupo:

• Vejo uma conexão entre nossa opção pelos pobres, a renovação da Igreja impulsionada pelo Papa Francisco e a canonização do Irmão Carlos?

• Que apelo à conversão o Senhor está nos enviando, por meio dessa canonização?

• Qual será a minha contribuição para que a Canonização dê todos os frutos que o Senhor espera dela?

Santiago do Chile, 10 de setembro de 2020

PDF: Text 1, port., Canonização do Irmão Carlos e opção pelos pobres BR

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Texto 2: Biografia. Preparação à canonização do irmão Carlos

Postado em: 04/12/2020 por: Fraternidad Iesus Caritas

PRINCIPAIS ASPECTOS BIOGRÁFICOS DE CARLOS DE FOUCAULD

Pe. Nabons-Wendé Honoré SAVADOGO, Burkina Faso


Um órfão cercado de afeto

O visconde Charles-Eugène de Foucauld de Pontbriand nasceu em Estrasburgo em 15 de setembro de 1858, filho de François Édouard, inspetor adjunto de Águas e Florestas, e Elisabeth Marie Beaudet de Morlet. Ele tinha apenas uma irmãzinha mais nova, Marie, nascida em 13 de agosto de 1861.A infância de Carlos foi marcada pelo luto. Em 1864, aos 6 anos, ele perdeu sua mãe em um aborto espontâneo em 13 de março, seu pai em 9 de agosto e sua avó paterna em outubro. Carlos e sua irmã foram educados por seu avô, o coronel de Morlet, que envolveu sua infância com caloroso afeto. A infância também foi marcada pelo carinho da família de sua tia paterna, os Moitessiers. Carlos criou uma amizade sólida e profunda especialmente com sua prima Marie Moitessier, que desempenhará um papel determinante em seu crescimento humano e espiritual. Seu avô lhe deu uma boa educação cristã; ele fez a primeira comunhão e recebeu o sacramento da confirmação em 27 de abril de 1872.


Fé perdida e encontrada

Admitido na Escola Secundária de Nancy em 1872 e na Escola Militar de Saint-Cyr em 1976, Carlos perdeu a fé e permaneceu descrente por uns dez anos. Essa fase de sua vida foi marcada por excessos e desvios de comportamento. A morte de seu avô em 3 de fevereiro de 1878 piorou a situação. E Carlos, então, afundou-se numa vida de preguiça, indolência, tédio, indisciplina, mediocridade, festas desregradas e despesas financeiras absurdas. Ele até se apegou a uma mulher, Marie C, e fez dela sua concubina.

Um soldado pouco disciplinado, mas corajoso. Carlos vivia entediado e acabou deixando o exército em 1882 para dedicar-se à exploração do Marrocos. O brilho do sucesso devolveu-lhe a estima e admiração de sua família e da sociedade. Daí em diante ele é habitado por uma busca moral e religiosa. O carinho e a fé, vividos no seu ambiente familiar, sustentam-no em sua busca religiosa cada vez mais intensa: “Meu Deus, se tu existe, faça com que eu te conheça!” Ele encontrou-se com o Padre Huvélin na Igreja de Santo Agostinho em Paris para discutir religião, mas este o convidou a confessar-se e a comungar. Carlos de Foucauld se converteu assim, no final de outubro, e sua relação com Deus será gradativamente cheia de amor, ternura e total abandono em Deus.


Trapista e imitador radical de Jesus de Nazaré

Em 1890, apenas três anos após sua conversão, ele entrou para o mosteiro dos Trapistas em Notre-Dame des Neiges, e, depois no mosteiro de Notre-Dame du Sacré-Coeur, em Akbès (Síria). Porém, muito insatisfeito por não poder encontrar a extrema pobreza de Jesus em Nazaré, e desejando fundar uma congregação para viver plenamente esse ideal, ele deixou a Trapa em janeiro de 1897. Ouvindo os conselhos de seu diretor espiritual, Padre Henry Huvelin, ele foi para a Terra Santa e tornou-se empregado doméstico no mosteiro das irmãs Clarissas de Nazaré, para imitar a vida oculta de Jesus, pobre, despojado de tudo e sentado no último lugar.


A descoberta da sua vocação sacerdotal e missionária

Durante quase três anos, Carlos de Foucauld viveu diariamente longas horas de adoração eucarística, de meditação do Santo Evangelho e leitura de livros teológicos. Mudanças muito importantes aconteceram, então, na percepção de sua vocação e do sacramento da Eucaristia. Ele percebe que, acima de tudo, nada glorifica tanto a Deus aqui na terra como a presença e a oferta da Sagrada Eucaristia. Ele também fica convencido de que um homem nunca imitará Jesus mais perfeitamente do que quando oferece o sacrifício ou administra os sacramentos. Carlos retorna a Notre-Dame des Neiges onde se prepara para o sacerdócio. Os retiros para a ordenação diaconal e sacerdotal incutem nele a convicção de que a Eucaristia é um banquete a ser levado para os mais pobres. Ela, a Eucaristia, exige a vivencia de uma fraternidade universal com todos os homens, em particular com os mais distantes. A partir de agora, a sua vocação de imitar Jesus de Nazaré não é mais viver na Terra Santa, mas de estar no meio das ovelhas mais abandonadas, as do Marrocos.


A abertura evangélica do Saara através da amizade e da bondade

Ordenado sacerdote diocesano em 9 de junho de 1901, no seminário maior de Viviers, Carlos queria ir para o Marrocos e morar em Beni-Abbès, uma encruzilhada na fronteira entre a Argélia e o Marrocos. O Irmão Carlos viveu no Saara uma evangelização de testemunho através da amizade e da bondade. Em Beni-Abbès, começou levando uma vida intensamente contemplativa, mas com grande disponibilidade fraterna a todos aqueles que chegavam em sua Fraternidade: as caravanas, os soldados e oficiais, os simples viajantes, os escravos e especialmente os mais pobres e mais desfavorecidos.

Para iniciar a evangelização dos tuaregues, empreendeu viagens pastorais ao ritmo de missões militares. Ele queria, assim, conquistar a confiança das populações e fazer amizade com elas. Tempos mais tarde, ele foi morar entre os tuaregues, em Tamanrasset, em maio de 1905, de onde fazia viagens pastorais. Ele se encarna na cultura daquele povo ao aprender sua língua e cultura, e ao traduzir o Santo Evangelho e algumas passagens do Antigo Testamento para o tuaregue. Carlos também fez importantes trabalhos linguísticos entre os quais, a realização de uma gramática elementar e dois léxicos tuaregue-francês, francês-tuaregue. Apesar das muitas dificuldades, Carlos não renunciou a sua presença entre os tuaregues, que ele resumiu nos seguintes termos:

É, em primeiro lugar, colocar Jesus no meio deles: Jesus no Santíssimo Sacramento, Jesus descendo todos os dias no Santo Sacrifício; é, também, colocar uma oração no meio deles, a oração da Igreja, por mais miserável que seja aquele que a oferece … é, então, mostrar a estes ignorantes que os cristãos não são aquilo que eles supõem, que nós acreditamos, amamos, esperamos; enfim, é confiar nas almas, na amizade, neste tolerar-se uns aos outros, e, se possível, fazer amigos; para que depois desse primeiro contato, outros possam fazer mais bem por essas pessoas pobres1.

Foi no meio dos tuaregues que Carlos de Foucauld morreu na sexta-feira, 1º de dezembro de 1916, assassinado por senussitas que tinham vindo saquear sua residência e levá-lo como refém. Ele foi beatificado pelo Papa Bento XVI em 13 de novembro de 2005 e canonizado pelo Papa Francisco em… 2021.


ATUALIDADE DA EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL DE CARLOS DE FOUCAULD

Uma multidão de “seguidores”

Após 15 anos de ministério pastoral no Saara, Carlos de Foucauld não fez muitos convertidos. Seu desejo ardente de fundar uma congregação religiosa para viver a perfeita imitação de Jesus de Nazaré não teve sucesso. Apesar desse aparente fracasso, a vida e a morte do Irmão Carlos foram fecundadas pelo Senhor. É assim que numerosos discípulos de Cristo se inspiram na experiência espiritual do Irmão Carlos, fundada na Eucaristia celebrada, adorada e vivida, na fraternidade universal, na escuta quotidiana e na meditação do Evangelho, num abandono total e confiante à vontade do Pai, no desejo ardente de levar Cristo aos mais pobres e distantes.

A transformação por meio da Eucaristia

A experiência espiritual de Carlos de Foucauld é como uma luz que o Senhor oferece hoje à sua Igreja, para iluminar a sua caminhada. A intensa devoção eucarística que ele nos comunica é um meio eficaz de viver as nossas celebrações e adorações eucarísticas no frescor da reforma conciliar do Vaticano II. Na escola do irmão Carlos, não se pode participar na Eucaristia sem viver uma profunda comunhão com Cristo, que nos abre a todos os homens, em particular aos mais pobres e distantes. O seu modelo de adoração eucarística convida-nos a escutar a Palavra de Deus para sermos transformados pela imitação das virtudes de Jesus.

Um modelo de evangelização em situação de secularização e fundamentalismo religioso

A atualidade do irmão Carlos se expressa, também, por meio de seu modelo de evangelização. Em meio a um mundo fortemente muçulmano, onde não podia convidar abertamente a crer em Jesus, Carlos de Foucauld quis proclamar seu Mestre vivendo a bondade e a amizade com todos aqueles com os quais se encontrava. Não é desta presença fraterna, amiga e terna que necessitamos para testemunhar Jesus em nosso mundo cada vez mais secularizado? O irmão Carlos viu seus irmãos muçulmanos se radicalizarem: “É a islamização de Hoggar, […] … É um fato muito grave […] em alguns anos, se a influência muçulmana touatiana prevalecer, será uma hostilidade profunda e duradoura…”. A atitude do irmão Carlos em relação ao fundamentalismo religioso, tão difundido em nossos dias, é mais atual do que nunca e inspiradora para nós. Quer estejamos em diálogo ou amizade com os muçulmanos, quer sejamos vítimas do fundamentalismo, é necessário cultivarmos a amizade, o diálogo, o conhecimento lúcido do outro para “compreendê-lo”, a gentileza e a ternura para promover a união dos corações.

Padroeiro das periferias e da fraternidade universal

O Magistério do Papa Francisco nos convida a ir às periferias existenciais dos seres humanos, para fazer de todas as pessoas, especialmente os mais distantes e excluídos, nossos irmãos. Podemos ver o irmão Carlos como o especialista, o padroeiro das “periferias” e da fraternidade universal. Foi isto que ele viveu e ensinou: “devemos amar igualmente todos os seres humanos: ricos e pobres, felizes e infelizes, saudáveis e enfermos, bons e maus, porque todos são membros do Corpo Místico de Jesus (próximo assunto ou distante), e consequentemente membros de Jesus, uma porção dele, isto é, infinitamente veneráveis, amáveis e sagrados” 2.

Um amigo no céu que acompanha e questiona

Carlos de Foucauld é tão atual, porque, acima e tudo, sua presença diante de Deus, na imensa multidão dos santos, é a realização da fraternidade universal que ele tanto procurou. Sua participação na glória e na intercessão de Cristo torna-o tão presente para nós, quotidianamente agindo em nossas vidas e na vida da Igreja. Cada um de nós pode se perguntar: quais frutos a amizade com o Irmão Carlos produziu em minha vida? Há algum aspecto de minha vida que o Irmão Carlos me desafia a mudar?

São Carlos, rogai por nós!

São Carlos de Foucauld, rogai por nós, ajude-nos a abandonarmo-nos totalmente ao Pai, “sem medida, com infinita confiança”, porque Ele é nosso Pai e você, você é nosso amigo. São Carlos de Foucauld, reze por nós!


Texto 3. FUNDAMENTOS DE UMA ESPIRITUALIDADE INSPIRADA PELO IRMÃO CARLOS DE FOUCAULD

Postado em: 18/12/2020 por: Fraternidad Iesus Caritas

Pe. Nabons-Wendé Honoré SAVADOGO, Burkina

Carlos de Foucauld “empreendeu um caminho de transformação até se sentir irmão de todos os homens e mulheres. [..] Ele orientou o desejo de doação total de sua pessoa a Deus para a identificação com os últimos, os abandonados, nas profundezas do deserto africano”. (Fratelli tutti, 286-287)

A diversidade da família espiritual de Carlos de Foucauld é impressionante. Nela encontramos todos os diferentes estados de vida cristã: fiéis leigos, religiosos e religiosas de vida ativa ou contemplativa, leigos consagrados, sacerdotes e bispos. Todos conseguem obter uma inspiração rica e pertinente na experiência espiritual do Irmão Carlos. Muitas vezes esquecemos os não-cristãos e mesmo aqueles que não são grandes praticantes de uma religião, mas se sentem inspirados pela experiência de Carlos.

O segredo de uma espiritualidade tão profunda e sem fronteiras é, antes de tudo, a fidelidade ao Evangelho. Quanto mais próxima do Evangelho for conduzida a vida de uma pessoa, mais atraente e relevante ela é para todos os cristãos. Além dessa fidelidade ao Evangelho, o Irmão Carlos passou por todos os estados da vida cristã: um fiel leigo que perdeu e recuperou a fé, um monge contemplativo e eremita, um sacerdote “livre” ao mesmo tempo, diocesano e “religioso”, e à sua maneira, um missionário extraordinário. Esta profundidade da experiência espiritual de Carlos de Foucauld implica a existência de elementos básicos comuns a todos os que afirmam fazer parte de sua família espiritual. Tais elementos não devem faltar na vida espiritual de quem deseja seguir Jesus, inspirando-se no modelo foucauldiano.


1. Uma espiritualidade do coração: fazer da religião um amor

Em primeiro lugar, existe amor e misericórdia. O coração, sede e símbolo do amor, é a insígnia do Irmão Carlos, elemento central, distintivo e específico da sua espiritualidade. Desde sua conversão, ele queria que seu coração se tornasse como o de Cristo. Ao longo de sua vida agitada, ele fez tudo que estava ao seu alcance para transformar seu coração e expandir-se de acordo com os limites infinitos do Sagrado Coração de Jesus. Este amor insaciável por Deus e pelos homens é a principal razão de todas as mudanças e transformações inesperadas que aconteceram em sua vida. Em sua oração, ele nunca deixa de pedir a Jesus para trazer seu reino de amor ao mundo. Estamos familiarizados com a Oração do abandono do Irmão Carlos, mas a oração que frequentemente estava em seus lábios era: “COR JESU sacratissimum, adveniat Regnum tuum!” (Sagrado Coração de Jesus, venha o seu reino!). Ele mesmo gostava de dizer que o fundamento da religião e da vida espiritual é o coração e o amor. O que ele escreveu nas regras da congregação que ele queria fundar, ainda é válido para todos aqueles que desejam segui-lo: “Sejamos ardentes de amor como o Coração de Jesus! … Amemos todos os homens” feito à imagem de Deus”, como “este Coração que tanto amou os homens! “… Amemos a Deus, por quem devemos amar os homens, e a quem só devemos amar por si mesmo … Amemos a Deus como o Coração de Jesus o ama, tanto quanto possível!” Sobre este assunto do amor, Carlos estava convencido de que se deve amar sem limites e sem nenhuma restrição. Ele dizia: “O amor é a perfeição; podemos superar em tudo, exceto no amor: no amor nunca podemos ir longe o suficiente…”1.


2. A Eucaristia celebrada, adorada e vivida

Podemos tomar emprestada a consagrada expressão do Concílio Vaticano II para dizer que a Eucaristia é a fonte e o ápice de toda a experiência espiritual de Carlos de Foucauld. Nesta experiência espiritual, a presença da Eucaristia é fundamental, transversal e inevitável a tal ponto que se pode dizer que a sua vida se desenvolveu como uma única contemplação e uma experiência cada vez mais profunda da Eucaristia. A Eucaristia marcou do início ao fim tudo o que ele viveu espiritualmente: sua conversão, sua vida de oração, sua relação com Jesus, a movimentada trajetória de sua vocação, sua pastoral da bondade, sua fraternidade universal, sua visão missionária, sua presença no Saara, cada momento de sua vida, sua morte …

Não se poderia ser discípulo do Irmão Carlos sem um amor cada vez maior por Jesus presente na Eucaristia, celebrada e adorada. Apesar de sua grande devoção eucarística, ele nunca deixou de tomar decisões para amar mais e mais a Eucaristia. Como ele, nós também devemos renovar constantemente o nosso amor pela Eucaristia. Precisamos fazer nossa esta decisão que ele tomou durante um de seus muitos retiros espirituais: “Estar aos pés do Santíssimo Sacramento sempre que a vontade de Deus, isto é, um dever muito certo, não me obrigue a afastar-me dela … […] Nunca ficar sem receber a Sagrada Comunhão, sob qualquer pretexto” 2.


3. A fraternidade universal

O Beato Carlos de Foucauld encontrou na Eucaristia a fonte da fraternidade universal. Tendo percebido claramente que todo ser humano é, de uma forma ou de outra, uma parte, um membro do corpo eucarístico de Cristo, ele deduziu daí a necessidade de amar todos os homens sem distinção: “devemos amar a todos os homens, venerá-los, respeitá-los, incomparavelmente, porque todos são membros de Jesus, fazem parte de Jesus…”. Considerando também que a Eucaristia é o sacramento no qual o amor de Deus se manifesta de maneira suprema, ele pensa que a sua recepção deve tornar-nos ternos, bons e cheios de amor por todos os homens. O Papa Francisco acaba de nos dar o Irmão Carlos como modelo de fraternidade e amizade universal nestes termos: Carlos de Foucauld “fez um caminho de transformação até se sentir irmão de todos os homens e mulheres. [..] Ele orientou o desejo de doação total de sua pessoa a Deus para a identificação com os últimos, os abandonados, nas profundezas do deserto africano” (Fratelli tutti, 286-287). Um desafio inevitável para qualquer discípulo do Irmão Carlos é esta transformação em irmão universal, buscando incessantemente um amor sem fronteiras para se tornar irmão universal de todos os homens e mulheres.


4. Amor pelos mais pobres

Para o Irmão Carlos, a adoração e a ternura que temos pelo Corpo de Cristo na celebração e na adoração eucarística devem ser a mesma veneração e a mesma ternura pelos pobres. Ele tinha o sentimento de que, cada vez que dizíamos “isto é o meu corpo, isto é o meu sangue”, é o mesmo Senhor que disse na parábola do juízo final que tudo aquilo que tivermos feito ao mais pequeno de seus irmãos, é para Ele que nós fizemos. Quando ele permanecia durante longo tempo diante do Santíssimo Sacramento em Beni Abbes, e alguém batia na porta, ele deixava o sacrário para ir ao encontro da pessoa que vinha visitá-lo. É o mesmo Cristo que ele encontrava no Santíssimo Sacramento e nos pobres que o visitavam. Para ficar com os mais pobres, para chegar às almas mais distantes, aceitou enormes sacrifícios: a solidão, a pobreza, a insegurança, a impossibilidade de celebrar a Eucaristia …


5. A sobriedade de vida: penitência, abjeção, pobreza, partilha

Para imitar Jesus em sua descida ao último lugar, por meio da encarnação e do sacrifício da cruz, Carlos de Foucauld levou uma vida de abjeção e intensa mortificação. Embora, às vezes, em sua vida tivesse que amenizar suas mortificações, o irmão Carlos permaneceu um grande asceta ao longo de sua vida. A penitência e a mortificação já não estão mais tão presente nas nossas práticas espirituais e no nosso mundo consumista, mas a figura do Irmão Carlos nos lembra constantemente o convite de Jesus para segui-lo em sua descida à nossa humanidade e em seu sacrifício na Cruz. Como reivindicar a própria escola espiritual sem uma certa dose de penitência, ou pelo menos de sobriedade? Precisamos de muita sobriedade para remar contra a maré de consumismo que tanto desfigura a beleza de nosso mundo e ameaça destruir nossa mãe terra. Uma espiritualidade de penitência e sobriedade constitui um verdadeiro antídoto contra qualquer uso excessivo e abusivo dos bens que a Providência divina coloca à nossa disposição.


6. A contemplação da beleza de Deus na natureza

Já dissemos anteriormente que a vida de Carlos se desenvolveu como uma contínua contemplação da presença de Jesus na Eucaristia e na Sagrada Escritura.

Diariamente, Carlos passava longas horas contemplando a Deus, olhando para Ele com amor e ternura, em oração. Ele foi uma pessoa sempre apaixonada pelo esplendor e pela beleza do infinito amor de Deus. Apesar desta intensa vida de contemplação, Carlos não era indiferente à natureza, também sabia encontrar nela o esplendor da beleza divina. Ele manteve esse senso de beleza na criação por toda sua vida. Ele dizia: “Admiremos as belezas da natureza, todas tão belas e tão boas, pois são obra de Deus. Elas nos levam, imediatamente, a admirar e louvar seu autor. Se a natureza, o homem, a virtude, se a alma é tão bela, então quão bela deve ser a beleza de alguém de quem essas belezas emprestadas são apenas um pálido reflexo! ” (Meditação sobre os Salmos, p. 66 ou: Ch. D. Foucauld, Rencontres à themes, Nouvelle Cité 2016. Capítulo: beleza)


7. Um zelo missionário inalterável

A vida espiritual do irmão Carlos foi marcada por um zelo missionário infalível. Assim que ele descobriu sua vocação de ser missionário do banquete eucarístico para os mais pobres, os mais distantes e os mais famintos – hoje diríamos os mais “periféricos” – não parou de rezar e trabalhar pela missão. Para que o Evangelho seja conhecido e anunciado, ele dizia estar disposto a sacrificar tudo para “ir até o fim do mundo e viver até o último dia …”. Qualquer que seja a forma de nosso estado de vida, podemos seguir autenticamente o irmão Carlos sem querer que o Evangelho e a Eucaristia sejam conhecidos e amados em todo o mundo?

Para terminar como começamos, reafirmamos que, com Carlos de Foucauld, nos deparamos com uma espiritualidade quase inesgotável pela sua ligação direta com o Evangelho. Delineamos apenas alguns dos elementos básicos de sua experiência espiritual. Cabe a cada um questionar-se sobre o lugar e a extensão desses elementos centrais e fundamentais em sua vida espiritual pessoal. Sua presença e seu aprofundamento podem ser uma indicação da autenticidade de nossa fidelidade à experiência espiritual do Irmão Carlos.

Pe. Savadogo Nabons-Wendé Honoré

Ouahigouya (Burkina Faso), dezembro de 2020.

PDF: Text 3, port. BR. Fundamentos de uma esprititualidade inspirada por Charles de Foucaud


Texto 4. Nosso modo de evangelizar

Postado em: 16/01/2021 por: Fraternidad Iesus Caritas

Fernando Tapia, Chile

Como sacerdotes diocesanos, partilhamos com toda a Igreja a única missão que lhe pertence: evangelizar. O Papa Francisco nos deu orientações muito claras para fazer isso em sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”. Fazemos nossas as suas próprias orientações, e tentamos nos inspirar nelas para nossa ação evangelizadora em nossas paróquias, comunidades, centros de formação cristã, centros de acolhimento dos mais pobres, etc.

No entanto, a pergunta é válida se nós, enquanto presbíteros da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas, desenvolvermos algumas características particulares nascidas no carisma do Irmão Carlos e em nossa espiritualidade. Nós pensamos que sim, e apresentamos, abaixo, algumas dessas características


1. O MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO

Nosso modo de evangelizar é marcado, em primeiro lugar, pelo mistério da Encarnação, mistério que fascinou o Irmão Carlos e está na raiz de sua espiritualidade:

“A encarnação está enraizada na bondade de Deus. Mas uma coisa aparece, primeiro, tão maravilhosa, brilhante e assombrosa que brilha como um sinal deslumbrante: é a humildade infinita que contém tal mistério. Deus, o Ser, o Infinito, a Perfeição, o Criador, o imenso Onipotente, Senhor soberano de tudo, fazendo-se homem, unindo uma alma e um corpo humano e aparecendo na terra como um homem, e o último dos homens ” (EsEs p.49.)

A encarnação sempre ocorre num determinado tempo, lugar e cultura. O Irmão Carlos fez um ótimo trabalho ao conhecer a cultura dos tuaregues, sua língua, seus costumes, sua poesia, etc. Queremos sempre ter em conta o contexto histórico, as características do tempo e da cultura em que evangelizamos, porque estamos convencidos de que Deus prolonga a sua encarnação em cada época e que Cristo Ressuscitado continua falando conosco por meio dos sinais dos tempos, convidando-nos a construir o seu Reino de vida.

Levando em conta que Cristo entra no mundo pela “porta dos pobres”, como disse Dom Enrique Alvear, nós também gostaríamos de entrar por essa porta em nossa ação evangelizadora, e daí anunciar o Evangelho a todos.


2. AS PERIFERIAS

Em espírito de disponibilidade para com os nossos Bispos, queremos dar prioridade aos locais mais abandonados e mais afastados da Igreja. As periferias geográficas ou existenciais, como diz o Papa Francisco. São os lugares de fronteira: populações marginais, campos distantes, campos de refugiados, migrantes, dependentes químicos, privados de liberdade, excluídos em geral. Esta proximidade nos permitirá ouvir e atender ao clamor dos pobres, que às vezes é muito fraco e outras vezes impetuoso. E usando meios pobres, basicamente nossa própria presença amigável e misericordiosa. 1

Irmão Carlos nos diz:

“Devo buscar sempre o último dos últimos lugares, para ser, também, tão pequeno como o meu Mestre, para estar com ele, caminhar atrás d’ele, passo a passo, como servo fiel, discípulo fiel e – visto que, em sua infinita bondade, incompreensível, ele se digna a falar assim – como um irmão e fiel esposo” (EsEs p.68).

“Este banquete divino, do qual sou ministro, é necessário apresentá-lo não aos irmãos e parentes, aos vizinhos ricos, mas aos coxos, aos cegos, às almas mais abandonadas e à falta de padres … Eu pedi e obtive permissão para me estabelecer no Saara Argelino”. (EsEs p.80).

Se formos enviados para lugares mais ricos, gostaríamos de ser agentes de sensibilização social e fazedores de pontes entre os ricos e a realidade dos pobres.

Viemos como amigos e irmãos dos pobres. Descobrimos Deus já presente em seus gritos e aspirações. Nós, por sua vez, deixamos os pobres nos evangelizar e enriquecer nosso ministério.


3. TESTEMUNHO PESSOAL

Em todos os lugares, mas principalmente nos lugares marginalizados, queremos dar prioridade à evangelização com o testemunho mais que com a palavra. Testemunho marcado pela proximidade, simplicidade, acolhimento, bondade, interesse pelo que acontece com o outro, serviço concreto, alegria interior. Escrevia o irmão Carlos a um amigo:

“Quer saber o que posso fazer pelos nativos. Não é possível falar diretamente com eles sobre nosso Senhor. Isso os faria fugir. Há que inspirar-lhes confiança, ser amigo deles, prestar-lhes pequenos serviços, dar-lhes bons conselhos, travar amizade com eles, exortá-los discretamente a seguir a religião natural, mostrar-lhes que os cristãos os amam. (EsEs p.84).

Já no retiro de novembro de 1897, havia formulado o seu modo de evangelizar com esta frase, posta na boca de Jesus: “Aceite tua vocação: a de anunciar o Evangelho sobre os telhados, não com a tua palavra, mas com a tua vida”.

Isso não significa que negligenciamos o ministério da Palavra. Sabemos que é parte essencial da nossa missão despertar e alimentar a fé: “A fé vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo” (Rm 10,17). O Concílio Vaticano II diz isso claramente no decreto sobre “Ministério e vida dos presbíteros”: “A palavra da salvação desperta a fé no coração dos não crentes, e a fortalece no dos que já acreditam. Com a fé, começa a se desenvolver a comunidade dos fiéis.”2


4. NOSSA ESCOLHA DA FRATERNIDADE

Por escolhermos a fraternidade, privilegiamos o trabalho em equipe com outros presbíteros, sejam eles da nossa Fraternidade ou não, diáconos, religiosos e religiosas ou leigos. Queremos ser mais irmãos do que tiranos, mestres ou senhores religiosos, como diz o Concílio: “Os presbíteros vivem com os outros como irmãos”.3 O Irmão Carlos se antecipou ao Concílio a esse respeito quando busca e valoriza o trabalho com os leigos:

“Ao lado dos padres, são necessários Priscilas e Aquilas, para ver aqueles que o padre não vê, para penetrarem nos lugares onde ele não pode ir, para irem ao encontro daqueles que fogem, para evangelizarem com um contato benfeitor, com uma bondade transbordante antes de tudo, e com um afeto sempre pronto a doar-se, com um bom exemplo que atraia aos que deram as costas ao padre e lhe são hostis por princípio.” (de Assekrem, 3 de maio de 1912).

Por isso mesmo, queremos dar tempo à formação dos leigos, ao acompanhamento espiritual deles e apoiar a formação de comunidades fraternas, respeitando o ritmo de cada pessoa.

Igualmente, acreditamos na fraternidade como forma de vida, uma fraternidade universal, que inclui pessoas que não pertencem à Igreja, caracterizada pela amizade, reciprocidade e diálogo.

Da mesma forma, nossa opção pela fraternidade nos leva a favorecer a participação dos leigos na coordenação pastoral de nossas paróquias, evitando todo autoritarismo e clericalismo de nossa parte e toda passividade por parte dos leigos. A existência de conselhos pastorais, conselhos de assuntos econômicos, equipes de animação das diversas áreas pastorais e movimentos, assembleias paroquiais, planejamento pastoral feito em conjunto, etc., devem ser uma marca distintiva das paróquias ou de outras estruturas pastorais confiadas aos nossos cuidados.


5. VIDA ESPIRITUAL E EUCARISTIA

Este modo de evangelizar supõe uma vida espiritual muito profunda em cada um de nós que nos leve a contemplar Jesus nos Evangelhos, para nos configurarmos cada vez mais com Ele, graças à ação do Espírito Santo em nós. Ele nos capacitará para entrar na dinâmica da descida, do rebaixamento, do despojamento, típica do mistério da Encarnação, deixando muitas coisas por Ele e pela fidelidade ao Evangelho: preconceitos, bens materiais, prestígio, busca de poder, seguranças, etc. Nos dará a liberdade interior para encontrar novos caminhos e campos na tarefa evangelizadora da Igreja, buscando sempre a vontade do Pai, com infinita confiança.

O nosso impulso missionário, sobretudo de chegar e permanecer nos lugares mais difíceis, é sustentado pela celebração da Eucaristia, pela Adoração diária e pelos outros meios de crescimento espiritual próprios da nossa Fraternidade. Eles nos ajudam a tomar consciência do amor infinito de Deus por nós, da sua fidelidade e misericórdia e conduzem-nos à missão.

A Eucaristia deve tornar-se, para nós, um estilo de vida caracterizado pela partilha do pão, da palavra e histórias pessoais, inclusive com pessoas de outras tradições religiosas.

Devemos promover uma experiência espiritual semelhante entre os leigos, se quisermos transformar nossas paróquias no sentido missionário que o Papa Francisco deseja: uma Igreja “em saída” que, sem medo de acidentes ou de manchar-se nas lamas do caminho, vai em busca dos afastados e descartados pela sociedade4.

Por outro lado, a Eucaristia nos abre à pertença a um Corpo eclesial cada vez mais amplo. Queremos estar muito conscientes de que a Evangelização é uma missão partilhada com toda a Igreja diocesana e universal. Como presbíteros diocesanos, queremos ser os primeiros a sentir-nos parte de um presbitério, com seu bispo à frente, apoiando a gestação e a implementação de projetos diocesanos, aos quais contribuímos com nosso carisma e nossos dons pastorais.


PARA A REFLEXÃO PESSOAL E A ORAÇÃO

Você adicionaria algo a este esquema?

A estrutura pastoral em minha paróquia, centro de formação, etc. está caminhando nesta direção?

Quais características nosso estilo de vida pessoal deve ter para sermos coerentes com esta forma de evangelizar?

PDF: Texto 4 – Nosso modo de evangelizar


Texto 5. O diálogo no intinerário espiritual do irmão Carlos. Jean-François BERJONNEAU

Postado em: 23/01/2021 por: Fraternidad Iesus Caritas

Jean-François BERJONNEAU, France

O Irmão Carlos viveu sessenta anos antes do Concílio Vaticano II.

A noção de diálogo inter-religioso tal qual ouvimos atualmente na Igreja era totalmente estranha para ele. Embora eu acredito que ele tenha sido um precursor das aberturas do Concílio à dimensão universal da missão da Igreja, o processo de diálogo entre os crentes cristãos e os muçulmanos enquanto tal não se enquadra nessas categorias. Ele viveu com a teologia de seu tempo, com medo de se juntar aos muçulmanos para salvar “essas almas ignorantes”, fazendo-as conhecer a Cristo.

Além disso, ele desempenhou seu ministério em um contexto sócio-político específico. A França, em sua época, estendia seu império colonial sobre parte da África. Na época, muitos acreditavam que ela estava fazendo um trabalho civilizador e que poderia fornecer a educação necessária para libertar os povos colonizados da pobreza e da ignorância. O irmão Carlos aderiu a este objetivo. Ele, portanto, não via no Islã de seu tempo uma religião com consistência própria, com sua história e suas diferentes correntes, com algumas das quais os cristãos pudessem dialogar.

Embora o Islã tivesse exercido sobre ele, num determinado momento de sua vida, um certo fascínio e o encontro com os muçulmanos constituísse para ele uma etapa não desprezível no caminho de sua conversão, ele estava longe de concordar com a visão conciliar do Islã segundo a qual “A Igreja olha com estima os muçulmanos que adoram o Único Deus, vivo, misericordioso e todo-poderoso, criador do céu e da terra, que falou com os homens …” (Nostra Aetate nº 3). Não foi, portanto, na problemática teológica do Concílio Vaticano II, que reconhece nas religiões não cristãs a presença de “sementes da Palavra” que podem constituir uma base para entrar em diálogo com os crentes de outra religião.Portanto, não se encontrava na problemática teológica do Concílio Vaticano II, que reconhecia nas religiões não cristãs a presença de “sementes da Palavra” que podem constituir uma base para entrar em diálogo com os crentes de outra religião.

Sem dúvidas, parece-me que podemos considerar o Irmão Charles como um precursor do diálogo. Pois ele instituiu com as populações muçulmanas que conheceu, em particular com os tuaregues, um “diálogo de vida” que foi então apresentado pela encíclica “Ecclesiam Suam” do Papa Paulo VI em 1964, como base fundamental para qualquer diálogo: “Não podemos salvar o mundo exterior; como a Palavra de Deus que se fez homem, devemos assimilar, em certa medida, as formas de vida daqueles a quem queremos levar a mensagem de Cristo … Devemos compartilhar seus usos comuns, desde que sejam humanos e honestos, especialmente os costumes dos mais pequenos, se quisermos ser ouvidos e compreendidos. Antes mesmo de falar, é necessário escutar a voz, e mais ainda, o coração do homem … Devemos fazer-nos irmãos dos homens … O clima de diálogo é a amizade” nº 87.

Assim, o Irmão Charles, dedicando toda a sua energia e grande parte do seu tempo para aprender a língua dos tuaregues com os quais compartilhava a vida, desenvolvendo conversas muito simples sobre a realidade do seu quotidiano, abrindo-se a eles, à sua poesia e, assim, procurando entender a genialidade deste povo, soube abrir, pelo diálogo com os seus anfitriões, um clima de confiança a tal ponto que se tornou, para muitos, “um amigo”. Assim, mostrou que a missão da Igreja é também suscitar irmãos, respeitando as diferenças culturais ou religiosas, como a Igreja fez posteriormente em muitos países do planeta, impulsionada pelas aberturas do Concílio Vaticano II.

Podemos, portanto, reconhecer, como padres membros da Fraternidade sacerdotal Jesus Caritas, que o Irmão Carlos nos abriu uma espiritualidade de diálogo que ainda pode nos inspirar nos encontros que vivemos não só com os muçulmanos, mas também com todos aqueles que não compartilham nossa fé. Assim, o caminho de diálogo que ele abriu com os tuaregues desdobrou-se em vários movimentos fundamentais:

Ele soube distanciar-se de tudo para mergulhar no país do outro. Ele realizou este movimento que o Papa Francisco chama de “uma Igreja em saída”. Ele queria ser acolhido por essas pessoas e tornar-se, tanto quanto possível, “um deles”. E fez do aprendizado da língua deles (os tuaregues) uma obra mística, porque isto tinha, para ele, o sentido da encarnação de Cristo nesta humanidade que ele veio salvar.

Embora seu maior desejo fosse que os muçulmanos se convertessem à fé cristã, ele nunca exerceu qualquer pressão para alcançar seus objetivos. Ele sempre respeitou a liberdade deles. Em 1908, ele reconheceu que não faria nenhuma conversão e concluiu que provavelmente não era a vontade de Deus. Mas ele permaneceu no meio desse povo tuaregue em nome da aliança que fizera com eles, simplesmente para avançar no caminho da fraternidade com eles.

Seu objetivo: tornar-se amigo do outro. Em uma carta que endereçou a um correspondente, ele caracterizou o modo de relacionamento que queria adotar com os muçulmanos ao seu redor: “Primeiro, preparar o terreno em silêncio por meio da bondade, do contato íntimo, exemplo; amá-los do fundo do coração, ser estimado e amado por eles; Desse modo, quebrar preconceitos, ganhar confiança, adquirir autoridade – isso leva tempo – depois falar em particular aos mais dispostos, com muita prudência, e, pouco a pouco, de várias maneiras, dando a cada um conforme sua capacidade de receber.” Não podendo anunciar explicitamente o Evangelho, ele quis fazer de sua própria pessoa a presença do Evangelho. Era isso o que ele entendia quando disse que queria “gritar o Evangelho não com as palavras, mas com toda sua vida”

Ele soube adaptar-se à maneira como Deus olha para os muçulmanos que conheceu. Ele não os viu primeiramente como “infiéis” ou “descrentes”, mas, em seu desejo de se tornar um irmão universal, ele os considerou “irmãos amados, filhos de Deus, almas redimidas pelo sangue de Jesus, amadas almas de Jesus ”

Ele manifestou o rosto de uma Igreja diaconal. Ele não somente morou com eles, mas também contribuiu, na medida de suas possibilidades, para a melhoria de suas condições de vida e para o desenvolvimento do país. Ele lutou contra a escravidão, combateu as doenças, introduziu a medicina, novas técnicas agrícolas e meios de comunicação neste país tão pobre.

Sempre que pôde, ele abriu um diálogo espiritual com os muçulmanos. Claro que ele não aderiu à doutrina do Islã de forma alguma. Mas ele reconheceu nela um ponto em comum com a fé cristã: o duplo mandamento de amar a Deus de todo o coração e de amar o próximo como a si mesmo. Com base nisso, ele desenvolveu numerosos diálogos com seus amigos muçulmanos, mostrando-lhes em várias circunstâncias como esse duplo mandamento poderia se desenvolver em suas relações diárias.

Finalmente, e este não é um dos menores elementos do diálogo, ele fez do mistério pascal o caminho real para o diálogo. Pois, contemplando constantemente a vida de Cristo em Nazaré, como Ele percorreu o caminho da humildade, da pobreza, da escuta e do morrer para si mesmo no encontro com o outro. Ao longo de sua vida, ele demonstrou que “não há maior amor do que dar a vida por aqueles que você ama.”

Apresentando-se como “um pioneiro”, mostrou-nos que o diálogo da vida faz parte integrante da missão da Igreja.

PDF: Texto 5. O diálogo no intinerário espiritual do irmâo Carlos. Jean-François BERJONNEAU -pt