O IR. CARLOS E A RELIGIÃO DO AMOR

C. DE FOUC. E A RELIGIÃO DO AMOR


“Charles de Foucauld não é somente a força de uma vontade fora do comum; e é por isso que não deixa de intrigar aqueles que se interessam por essa personalidades tão atraente que confunde uns e fascina outros”.

Antoine Chatelard Autor da obra clássica Charles de Foucauld - O Caminho Rumo a Tamanrasset (1).


Charles de Foucauld nasceu em 15 de Setembro de 1858, em Strasbourg, na França. Em 1890 ingressou no Mosteiro Trapista da ordem dos Cistercienses Reformados da Estrita Observância que segue a regra de São Bento. Permanecendo primeiro na Abadia de Nossa Senhora das Neves, em Ardèche e depois passando a viver na Síria, em Akbés. Em 1897 deixou a Ordem Trapista, em busca de uma vida religiosa mais radical. Na cidade de Jesus Cristo, Nazaré viveu até 1900. Foi ordenado sacerdote em 9 de junho de 1901 na Diocese de Viviers, na França, ele tinha 43 anos. No mesmo ano, mudou-se para a região de Béni Abbès, no deserto do Saara argeliano, lá construiu uma capela.


Em 1905, recebeu autorização para mudar-se para Tamanrasset, mais ao sul da Argélia. Viveu entre os tuaregues do Hoggar pelo resto de sua vida. No dia 1 de Dezembro de 1916, foi morto aos 58 anos, por um grupo de assaltantes antifranceses de passagem pela região.


Toda vida de Charles de Foucauld pode ser resumida em duas vertentes: Jesus caridade e Jesus amor. Diante de todas as interrogações, das mudanças de modo de vida, dos sofrimentos do irmão Charles, o amor constitui a realidade unificadora. Como escreveu seu diretor espiritual o padre Henri Huvelin ao abade de Solesmes, Dom Couturier: “Ele fez da religião um amor”.


Em uma carta a Louis Massignon, Charles de Foucauld expôs o programa de sua vida, programa traçado por Deus no cotidiano dos dias, mas fundamentalmente unificado: “ O amor a Deus o amor ao próximo. Aí está toda religião. Como chegar aí? Não em um dia, por que é a própria perfeição: é o escopo ao qual devemos nos reaproximar sem cessar e que não aguardamos senão no céu”.


No alvorecer do terceiro milênio, Charles de Foucauld nos convida a uma imitação radical de Cristo Jesus, imitação suscitada e alimentada pelo amor; o caminho espiritual que ele traça é simples: busca o amor de Jesus, adoração e imitação. Entre as grandes constantes espirituais encontra-se a fé na presença de Jesus na Eucaristia. “Na Sagrada Eucaristia, você esta inteiro, vivo, meu Bem-Amado Jesus, tão plenamente quanto você estava na casa da Sagrada Família de Nazaré”, escreveu ele em suas meditações. Essa fé viva alimentou uma adoração que se tornou cada vez mais central e que lhe transformou profundamente a personalidade: “Os olhos na sagrada Hóstia, olhando sem cessar nosso irmão primogênito Jesus e nos esforçando por nos fundir nele em uma unificação cada dia mais perfeito, unificação na qual nosso amor tem sede inextinguível aqui embaixo”.


Essa identificação com Jesus transforma todo o comportamento, as decisões, as ações, os pensamentos. “Não existe, creio eu, palavra do Evangelho que tenha causado sobre mim uma mais profunda impressão e transformado mais minha vida que aquela: “Tudo o que vocês façam a um destes pequeninos é a mim que vocês o fazem”, escreveu quatro meses antes da sua morte a Louis Massignon. “Tornando-se um ícone de Jesus, o Evangelho é anunciado e proposto com delicadeza e amor.


Ele pode franquear um caminho nos corações, no ritmo da graça de Deus”, escreveu Dom Patrice Mahieu, monge beneditino e escritor francês (2). Escreveu Charles de Foucauld: “O principal de uma ação não é a ação em si mesma, mas o amor a Deus com o qual é feita. Não que a ação não tenha seu valor, mas que esse valor é bem menor que o amor que a inspira”. (Meditações sobre o Evangelho).


Dos tempos modernos, Charles de Foucauld foi o pioneiro que conectou em sua vida religiosa o deserto físico geográfico e o deserto da experiência mística e eremítica. Sua espiritualidade é abissal numa intimidade com o Absoluto de forma radical na morada do último lugar. Sua vida é por demais impactante, austera e uma chamada ardente a profunda experiência com Jesus de Nazaré. Na espiritualidade foucauldiana não espaço para o superficial, o artificial, o parcial e o virtual. Charles de Foucauld disse: “Quando se sai dizendo que se vai fazer algo, não se deve regressar sem tê-lo feito”. “Voltemos ao Evangelho: se nós não vivemos o Evangelho, Jesus não vive em nós”.

Em Charles de Foucauld o fundamento de toda sua busca, sua missão, sua paixão por Cristo, pela proclamação do Evangelho e pela salvação das almas era o amor, ou seja, a religião do amor!


Notas:

(1) Chatelard, Antoine. Charles de Foucauld, O caminho rumo Tamanrasset. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 9.

(2) Mahieu, Patrice, osb. Charles de Foucauld, um pensamento para cada dia. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2012, pp. 10-12.

Pe. Inácio José do Vale Fraternidade Sacerdotal JesusCáritas



Charles de Foucauld: O Farol Místico


O renomado filósofo e historiador francês Marie-André, no esboço biográfico de Charles de Foucauld, escreveu: “Entre as grandes figuras atuais, poucas são tão brilhantes quanto o Padre Charles de Foucauld. Nada mais admirável, com efeito, do que ver um mundano, desocupado, libertino, transformar-se quase subitamente em asceta, em penitente, em contemplativo, em apóstolo. A mudança desse homem provaria, se necessário, o poder da graça divina, quando unida à vontade humana”.


Pelo menos duas dezenas de institutos e fraternidades de religiosos, padres e leigos, criados, na maior parte dos casos, após a sua morte e interpretando, cada qual segundo a sua sensibilidade, a herança de Charles de Foucauld, continuam a manter viva a espiritualidade daquele que o célebre teólogo francês Yves Congar um dia chamou de "farol místico" para o século XX, junto com santa Teresinha do Menino Jesus.


O cardeal Walter Kasper ao falar sobre a espiritualidade que buscou Charles de Foucauld disse: "Charles de Foucauld me parecia interessante como modelo para realizar a missão do cristão e da Igreja não apenas no deserto de Tamanrasset, mas também no deserto do mundo moderno: a missão por meio da simples presença cristã, na oração com Deus e na amizade com os homens". “Charles de Foucauld é uma figura luminosa, e pode ser também um válido contrapeso diante do perigo de um emburguesamento e de uma tediosa banalização da Igreja” disse o cardeal.


Na espiritualidade de Charles de Foucauld não há espaço para espetacularização religiosa, ostentação mundana, pernosticismo intelectual e arrivismo.


Os apelos constantes do Papa Francisco para uma Igreja que saia da sua zona de conforto e se dirija às periferias foram vividos antecipadamente por Charles de Foucauld e, no seguimento de seus discípulos, pelas instituições que inspirou.


Em 13 de novembro de 2005, Charles de Foucauld foi beatificado na Basílica de São Pedro, em Roma. Aqui está um trecho do erudito Papa Bento XVI na beatificação do “Irmão Universal”, em meio a uma multidão:


Queridos irmãos e irmãs em Cristo,


“Vamos dar graças ao testemunho dado por Charles de Foucauld. Em sua vida contemplativa e escondida em Nazaré, ele descobriu a verdade sobre a humanidade de Jesus e convida-nos a contemplar o mistério da Encarnação; neste lugar, ele aprendeu muito sobre o Senhor, a quem ele queria seguir com humildade e pobreza. Ele descobriu que Jesus, que veio para se juntar a nós na nossa humanidade, nos convida a fraternidade universal, que ele posteriormente viveu no deserto do Saara, e ao amor, do qual Cristo nos deu o exemplo. Como sacerdote, ele colocou a Eucaristia e o Evangelho no coração de sua vida, as duas mesas da Palavra e do Pão, fonte da vida cristã e da missão”.


Esse farol místico ilumina pela sua Espiritualidade de Nazaré multidões. Ele inspira de forma abissal a vida mística contemplativa como também avida ativa missionária. A Espiritualidade de Nazaré impulsiona os nossos pensamentos, palavras e ações expressem o seguimento de Jesus Cristo, levando-nos a vida ativa e contemplativa sempre mais e de forma profunda. De fato, esse legado de Charles de Foucauld é um grande tesouro para Igreja e para quem desejar caminhar com pleno sentido em sua vida.


Frei Inácio José do Vale

Professor e conferencista

Sociólogo em Ciência da Religião

Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas