A FRATERNIDADE

A FRATERNIDADE


A Fraternidade Sacerdotal nasceu da procura de um grupo de padres seculares na linha das intuições de Carlos de Foucauld. Diversas famílias já tinham nascido dessas intuições, em particular os Irmãozinhos de Jesus. Mas o aspecto propriamente religioso não convinha a padres que queriam permanecer diocesanos.


Assim nasceu em 1951 a União Sacerdotal Jesus+Caritas que, em 1976, tomou o nome de Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas.


A irradiação da personalidade humana e evangélica do irmão Carlos e sua aventura espiritual e evangelizadora estão na origem da fraternidade e continuam hoje como inspiradoras de uma forma evangélica de viver a vida e o ministério presbiteral. As intuições de Carlos de Foucauld se revelaram simples e fecundas para a nossa época. Nada perderam de sua atualidade.


A fraternidade continua despertando interesse entre os padres no mundo todo. Conta atualmente com 4 mil membros. Os aspectos característicos do carisma de Carlos de Foucauld encontram-se no amor a Jesus, ouvido no evangelho, adorado na eucaristia; na fraternidade universal; no desejo de proximidade com os mais deserdados; na preocupação com os mais afastados; no trabalho com meios pobres; na vontade de ser padre em estrita união com o povo, o presbitério e o bispo. São, pois, núcleos da Fraternidade Sacerdotal Jesus+Caritas:


a) A consciência da gratuidade do Amor de Deus, que leva a uma resposta agradecida no amor a Deus por Ele mesmo.


b) A amizade pessoal com Jesus na escuta de sua palavra: "voltemos sempre ao Evangelho"; no intento inacabado e sempre recomeçado do seguimento-imitação, pois segui-lo é imitá-lo em tudo. É instintivo, é necessário: "quando se ama, se imita..."; na adoração eucarística: "A sagrada eucaristia, é Jesus, todo Jesus"; no irmão, especialmente no mais abandonado: "Ver Jesus em qualquer ser humano".


c) A reconciliação conosco mesmos: Na aceitação sincera e serena de nossa pessoa com nossos valores e limitações: "Pai, a vós me abandono"; numa vida fraterna: "Fazer-me chamar de irmão e não de padre..."; num olhar contemplativo de toda a realidade: "Recebamos todo sofrimento como um presente da mão do Bem-amado". 


d) Um estilo próprio no modo de evangelizar: Na imitação da vida simples de Jesus de Nazaré. Grita-se o Evangelho

com a vida na amizade e na bondade; num dinamismo voltado para os mais abandonados:


"E tenho que fazê-lo,pelos esquecidos, pelos mais abandonados"; na pobreza dos meios pobres: "Tomastes o último lugar, e ninguém jamais poderá tirá-lo de vós”.


Em suma: "Toda a nossa vida, por muda que seja, a vida de Nazaré, a vida de deserto, como a vida pública, deve ser uma pregação do Evangelho com o exemplo; toda nossa existência, todo nosso ser deve gritar o Evangelho sobre os telhados...".


Para realizar o que buscamos, empregamos os “meios” da fraternidade:


a) Dia de fraternidade - Encontro mensal em pequenas fraternidades estáveis de 5 ou 6 padres, que se querem como irmãos, se assumem mutuamente, expressam-se livremente e se interpelam fraternalmente, para fazer o aprendizado da oração, para celebrar na eucaristia

o que faz a vida das pessoas hoje.


b) Dia de deserto, cada mês.


c) Retiro nacional, uma vez ao ano.


d) Mês de Nazaré, ao menos uma vez na vida.


e) Tempo de oração pessoal diário diante do Santíssimo.


f) Um diretório comum, no respeito às legítimas diferenças.


As funções na fraternidade são assumidas sem prejuízo das funções diocesanas. Há um mínimo de estrutura que supõe coordenações nacionais e internacionais, bem como uma caixa comum em diversos níveis. A ligação entre as fraternidades se faz por meio de boletins nacionais e diversos sites e blogs, correspondência, encontros anuais e mais frequentes a nível regional. 


COMO A FRATERNIDADE FUNCIONA- de Tony Philpot, 2012

A Fraternidade, muitas vezes, começa assim; um grupo de cinco ou seis padres, que tem afinidades uns com os outros, resolvem encontrar-se uma vez por mês. Isto, para se ajudarem mutuamente e não ficarem isolados. Mas há algo a mais: eles desejam viver o Evangelho com maior intensidade e terem uma fé mais forte, rezarem mais, ou terem uma vida de oração mais regular e desejam ainda manifestar mais o amor de deus no seu ministério, serem humildes e mansos de coração como Jesus, sem desejarem aparecer ou receberem privilégios. 

Ficando sozinho é mais difícil realizar um projeto de vida. Sendo membro de um grupo que tem o mesmo ideal é mais fácil, porque dá para contar com o apoio dos outros e cada qual oferece e a sua contribuição. Um membro da Fraternidade “Jesus Cáritas”, do Chile, dizia: “É muito valioso ser autorizado a tomar a vida de um irmão nosso nas mãos”!

Em cada encontro há uma hora de adoração silenciosa. Nossa fé em Jesus ressuscitado, presente na Eucaristia, nos move. Às vezes temos a celebração da missa. Alguns encontros acontecem durante o dia todo, outros são mais breves; às vezes se começa na véspera, com o jantar tomado em comum, e vai até o dia seguinte. Há um momento para o estudo e a partilha da Palavra de Deus , luz para nossas vidas.

Em cada encontro há também um espaço para a “revisão de vida”. Cada um procura olhar o mês que passou, desde a última reunião, com o olhar de Deus e partilhar o que descobriu. Não se trata de uma “confissão pública”. Cada um prepara a sua revisão de vida, na tranquilidade, no dia de deserto (dia de retiro pessoal), para descobrir a ação do Espírito Santo no dia a dia de sua vida. É importante ficar atento àquilo que os outros narram. É um privilégio raro poder colocar inquietações ou perplexidades, sem temer o julgamento de ninguém, e receber conselhos de irmãos que nos querem bem e estão dispostos a dar-nos o suporte de suas orações. O conselho dado num clima de oração e de confiança vivido por um grupo de fraternidade, onde a confiança e a abertura crescem entre os membros, vale como direção espiritual.

Um dos padres convoca as reuniões, sendo chamado “o responsável”. De vez em quando ele participa de uma reunião a nível regional ou nacional, onde encontra outros responsáveis. Pode haver também encontros a nível continental. A cada seis anos uma Assembleia Geral, a nível mundial, é convocada pelo responsável geral e a equipe dele, eleitos para mandato de seis anos, como é também o caso do responsável regional. O responsável geral e os seus auxiliares viajam bastante, visitando as equipes das regiões para encorajar os membros. Isso deve ser visto como um serviço, e nunca como uma dominação.

O encontro mensal das fraternidades locais é discreto e não é divulgado pelas redes sociais e pelos meios de comunicação. Para quem pertence à fraternidade local, o encontro não tem preço... Anos atrás, um bispo latino-americano, tendo que percorrer uns novecentos quilômetros para participar da reunião de sua fraternidade, confidenciava: “ Eu posso faltar a outro tipo de encontro, mas à reunião de minha fraternidade eu não quero faltar nunca”!


01- VIVER EM FRATERNIDADE 


“Por causa de Cristo e do Evangelho”, é o lema das fraternidades. Isto significa que o nosso compromisso é com Cristo e com todas as pessoas deste mundo, num espírito de fraternidade universal.


Nosso compromisso consiste em procurar ser irmão um do outro. Formar fraternidade e viver em fraternidade significa estender pontes e encurtar distâncias. Significa buscar com renovado ardor uma nova qualidade no relacionamento humano. Soa aos nossos ouvidos a palavra de Jesus em Marcos: “Entre vós não será assim” (Mc 10, 43) porque vocês vão colocar sinais do reino no tempo da humanidade, vocês vão mostrar ao mundo o que é uma sociedade sem dominações.


Na esperança, começamos o que queremos que aconteça. Por isso tentamos viver fraternidade com os padres, nossos

próximos mais próximos, com os quais carregamos o mesmo peso do dia.


Nosso ministério é um ministério de reconciliação. Na cruz, Cristo mata em sua pessoa a inimizade e derruba o muro de separação que afasta uns dos outros (cf. Ef 2,14-22). Vivendo em fraternidade testemunhamos de forma visível as possibilidades do amor. Certamente, todo problema humano se concentra na dificuldade de relacionamento. Fraternidade significa caminhar no sentido contrário, estabelecendo um novo tipo de relacionamento.


O propósito de uma fraternidade vai além da simples convivência ou de discussões teológicas e pastorais. Em fraternidade, os irmãos buscam entrar em sintonia com Jesus que veio realizar a vontade do Pai. Cada fraternidade se organiza de acordo com as necessidades de seus membros, mas dois pontos precisam ser levados em consideração:


O grupo deve dar tempo ao tempo para que cada um se sinta à vontade e se superem os mecanismos de defesa que bloqueiam os relacionamentos.

O segundo ponto é a estabilidade do grupo. Sem a estabilidade dos membros é difícil chegar a um nível razoável de confiança.

A fraternidade “não funciona” se em cada encontro o grupo é diferente. A estabilidade de cinco a seis membros se faz necessária.


02-  A LIBERDADE DAS FRATERNIDADES

“Ter a santa liberdade dos filhos de Deus e estar na alegria de Deus. Uma regra, mas uma santa liberdade na aplicação, como faria Jesus”- Irmão Charles de Foucauld (1). 


Escreve um dos maiores especialistas em Charles de Foucauld, Jean–François Six: “Quando se desenvolveram as Fraternidades do Padre Charles de Foucauld” – foi o titulo que o Padre René Voillaume deu ao seu primeiro livro em 1947 – Louis Massignon querendo observar que a “confraria” fundada em 1909 por Foucauld era diferente, por sua estrutura, das fraternidades que surgiam nos anos 40, indicou então a diferença: Carlos de Foucauld tinha fundado não “fraternidades” (com priores, responsáveis, vida comum ou vida de grupo, reuniões, revisões de vida...), mas uma “confraria”, isto é, um grupo de batizados em diáspora, um movimento de gente espalhada um pouco por toda parte, para serem, onde estiverem, em sua vida cotidiana de Nazaré, “missionários isolados”, “pioneiros evangélicos”. O único vínculo entre eles, na Comunhão dos Santos, é esta mesma vocação que traduzem cada uma, cada um, em sua vida cotidiana. E Foucauld lhes tinha proposto, como instrumento de união, um “boletim”, uma correspondência enviada a todos, o menos possível institucional para se consagrarem o mais possível aos “irmãos de Jesus que o ignoram” (2). 


“Nazaré” não foi um “esconderijo”, mas a encarnação, a participação plena e inteira da condição humana, e o inicio de sua tarefa divinizadora dessa mesma condição. Antes de “semear e de colher”, é preciso, diz Foucauld, “desbravar”. Foi o que Jesus fez em Nazaré. Depois, Jesus semeou: pregou. Enfim, por sua morte e ressurreição, colheu o grande feixe de todos os seres humanos que conquistou em sua vida. 


Desbravador, semeador, coletor: trinta anos, três anos, três dias. Desbravador em Tamanrasset, Foucauld apostava numa possível conversão ao cristianismo de seus amigos tuaregues para “talvez daqui a dois séculos”. O tempo do desbravamento evangélico é extremamente longo em relação aos dois outros. Não se vê o resultado, não se colhe o fruto dos esforços feitos e se é feliz, na alegria por estar nessa vocação, por estar nessa fase e nela permanecer. O que há diante de nós, hoje? Imensas extensões das quais nos dizem que sofrem um eclipse de Deus. Gostaríamos que de repente os céus se abrissem e que os relâmpagos iluminassem tais desertos. O bem-aventurado Charles Foucauld nos convida a percorrer esses desertos como Jesus percorreu as vielas de Nazaré, com passos simples e verdadeiros, com gestos diários de humanidade. 


Que nossas vidas sejam marcadas, aqui e ali, pela oração, pela ceia eucarística numa pequena capela ou numa catedral, isto são fontes indispensáveis. Marcada pelo Espirito de liberdade, “Todos juntos livres, padres e leigos, solteiros e casados, diz Foucauld, enviados para fazer conhecer, por nossa vida, nosso amor à vida, nossa alegria de viver, nossa abertura à toda pena e sofrimento, para fazer conhecer que nosso Deus é um Coração.” Cabe a cada um inventar, onde estiver em consciência, sua maneira de amar, fazer respeitar os direitos do ultimo homem, acolher particularmente de todo coração “os irmãos de Jesus que o ignoram”. 


São Paulo apóstolo afirma a gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rm 8,21). A liberdade que temos em Cristo Jesus (GI 2,4). Temos que pô-la em pratica dia por dia: é para a liberdade que vocês foram chamados diz ele ainda aos Gálatas (5,13). Onde está o Espírito do Senhor, ai esta a liberdade. (2 Cor 3,17). A liberdade em tudo no amor de Deus em prol do seu semelhante. “Querer amar é amar”, nos disse Foucauld, no dia de sua morte (era uma primeira sexta-feira do mês consagrada ao coração do Cristo). 


A vida evangélica só tem razão de ser no testemunho libertário e na dimensão da caridade: amor-Cáritas. 



Ir. Inácio José do Vale 

Fraternidade Sacerdotal JesusCáritas



O DIA DE FRATERNIDADE


É no dia de fraternidade que se dá a “graça do encontro”. Os irmãos se sentem solidários uns com os outros, por isso participam do dia de fraternidade. Não se trata de mais uma reunião. É um momento forte e um momento fonte. Há irmãos que fazem longas viagens para não perder o dia de fraternidade.

Na prática, o encontro acontece uma vez por mês. Uma freqüência menor pode enfraquecer a qualidade da reflexão do grupo. Maior freqüência se torna pastoralmente impraticável. Normalmente os irmãos se encontram no início da manhã e permanecem juntos até ao cair da tarde.

Outros preferem começar na véspera, considerando a noite e a madrugada, tempo mais oportuno para a oração. Há grupos que começam com um tempo de solidão, outros com uma conversação ou uma refeição em comum.

Um esquema interessante de Dia de Fraternidade para os que moram próximos uns dos outros é começar às 15 h. 15.30 adoração. 16.40 revisão. 18 h vésperas e missa. 19 h lanche. 19.30 estudo e comunicações. 21 h partida. Seja qual for a distribuição do horário, o esquema básico consta sempre de adoração, revisão de vida, meditação do Evangelho.

O que se espera é que o grupo tenha consciência da importância de se estar junto. Habitualmente esse dia é reservado com meses de antecedência, dando-lhe alta prioridade.

Cada um procura chegar ao encontro tendo feito anteriormente uma preparação para a revisão de vida num dia de deserto. Essa preparação demonstra a seriedade com a qual se toma esse tempo de graça. A fraternidade encontra-se com Jesus no silêncio, na Palavra, no mistério eucarístico, e na vida e no ministério de cada um. A estrutura do dia visa a criar um clima no qual tudo isso possa acontecer.

Uma das tarefas do responsável da fraternidade é lembrar os irmãos na ante-véspera o compromisso do encontro. Mas, o importante mesmo é que cada um tenha o dia reservado.


O DIA DE DESERTO


O PEQUENO COMO FORÇA PARA GRANDES ENTREGAS 


Postado em: 12/12/2019 por: Fraternidad Iesus Caritas


(não há menção do autor)


São onze anos que venho praticando com freqüência o dia mensal de deserto. E, ainda que seja difícil apontar os frutos que esta experiência tem amadurecido em mim (o essencial do trabalho do Espírito é invisível aos nossos olhos), posso afirmar, com muita modéstia, que esta prática me fez mergulhar no silêncio interior, base da vida contemplativa. 


Em meus dias de deserto, tenho conhecido as horas de alegria e a aridez, os encontros lúcidos e serenos com o Senhor e as longas e aborrecidas esperas que parecem conduzir a nada. 


O dia do deserto se revela sempre com um lance na aventura do coração crente em busca do seu Senhor. Porém, no conjunto desses anos transcorridos, mantendo com assiduidade a prática do deserto, posso ver agora, com certa perspectiva, que os dias cinzentos não estavam, de modo algum, mais longe do Senhor do que aqueles outros que nos pareciam luminosos e esplêndidos; o essencial, do dia do deserto, é esse desprendimento total, essa espera silenciosa em Deus, vivida na inatividade e na ruptura com as ocupações habituais. 


POR QUE UM DIA MENSAL DE DESERTO? 


O fator “periodicidade” joga um papel determinante nesta experiência do dia do deserto.trata-se de ir cultivando em nós uma capacidade e uma necessidade de agendar que não são filhas da improvisação, do acaso. Naturalmente, a todos nos custa romper com nossas ocupações do dia a dia (achamo-nos tão necessários na tarefa que cada um desempenha...!). 


Custa-nos também romper com nossos hábitos e comodidade doméstica, que nos proporciona 


Certa segurança e fortaleza no conjunto de nossa imagem social. Pois bem. O dia de deserto obriga, ao menos uma vez por mês, a romper com a atividade e as preocupações prefixadas, para poder descobrir que todo trabalho tem raízes mais profundas das que ordinariamente lhe atribuímos e que caminhos batidos demais atrofiam ou mantém adormecidas algumas das nossas melhores qualidades. Quantas vezes, ao sair de manhã bem cedo para o lugar do deserto, vendo os meus vizinhos do bairro saírem também, mas... para os seus trabalhos cotidianos, tenho chegado a sentir vergonha e pensar que eu era privilegiado. Um dia inteiro para mim, para fazer o que eu quisesse. 


Quem pode dispor, pensava eu, desde luxo? Submergido, porém nos caminhos da solidão dos dias de deserto, encontrava a resposta a tão acusadora inquietude. Sim, é um privilégio, ou melhor, é um dom que não se dá a mim somente. É uma graça que me ajuda a ser mais autêntico em meu ser e em meu agir.


Nesse sentido, torno-me mais autêntico e solidário nos caminhos desses irmãos que não tem descoberto (e não é por culpa deles) a necessidade de uma pausa no caminho para sentir outras palpitações da vida que não se escutam entre o fazer, o ser protagonista e o competir a quem nos força esta dura necessidade de sobreviver. 


COMO SE FAZ UM DIA DE DESERTO 


Para o dia do deserto não se deve preparar alguma coisa. É necessário preparar-se (isto sim) a si mesmo. Não se deve ir ao deserto somente com o corpo. É preciso levar o espírito convenientemente preparado mediante o desejo vivo do encontro com Deus. Esta disposição de ânimo deve vir propiciada por uma série de condições externas que é preciso cuidar com esmero. Minha experiência me adverte que, sem tais condições, o deserto degenera com facilidade num dia de campo, numa explosão de paisagens, coisas aliás boas de si, que podem Ser integradas no dia do deserto, mas que jamais se podem comparar com ele. Estas condições mínimas podemos resumi-las assim: 


CLIMA DE VERDADEIRA SOLIDÃO 


Buscar lugares distantes das pessoas. Esse espaço melhor nos dispõe a nos encontrarmos com as pessoas, das quais nós antes tínhamos nos distanciado, sob outras perspectivas que não seja o encontro massificado e barulhento de sempre. 



NÃO OCUPAR O TEMPO COM LEITURAS 


A bíblia, o Saltério, podem ajudar. No início dedicava-me a eles na maior parte do dia de deserto. Pouco a pouco, porém, tenho sentido a necessidade de prescindir também desses livros. A Palavra de Deus vai ressoando viva de outra maneira, por dentro. 


AUSTERIDADE NA COMIDA 


O ideal seria que a comida seja preparada pelo retirante no dia anterior. Tomar alimentos que não sejam pesados, que não induzem ao sono. No deserto, até a comida material no deve lembrar que ali estamos para sermos alimentados por Deus. René Voillaume nos diz: “o deserto é uma tentativa de avançar despido, fraco, desprovido de todo apoio humano, em jejum total de alimento terreno, mesmo espiritual, ao encontro com Deus”. É verdade, que não podemos ir longe se Deus não nos envia Ele mesmo o alimento, como fez Elias prostrado, esgotado e extenuado. O deserto é sempre uma respeitosa espera do alimento divino. É como um grito de socorro lançado a Deus. 



ORAÇÃO SILENCIOSA 


O elemento “silêncio” deveria ser sublinhado até o infinito. Silêncio dos sentidos, silêncio da mente, silêncio da afetividade. Instantes passeando, instantes sentados ou de joelhos, conforme lhe permitam o clima e o espaço. Sempre, porém, atento ao passo do Senhor, mergulhando na escuta dEle. Esse Senhor nos fala com a eloqüência penetrante do silêncio 



ENSINAMENTO DO DESERTO 


O deserto tem me conduzido a vivenciar a fé cristã com dom de si. Dom que se expressa não no ato imediato do serviço, no fato de dar-se aos outros, mas na gratuidade do puro oferecimento. Eu entro no deserto como quem vai ao encontro de Cristo na Cruz, para oferecer-me com Ele ao Pai pela salvação do mundo. O deserto se converte, assim, em lugar e escola de intercessão. Subjugado por um Jesus fraco e reduzido à importância, um Jesus que nos ensina que o que importa é amar e que a libertação dos homens não está em proporção direta à quantidade de nossas ações, mas à qualidade de nosso ser entregue incondicionalmente á vontade do Pai. Os dias do deserto vão aperfeiçoando essa atitude de fé pura e transparente de entrega radical mediante a qual nos sentimos instrumentos nas mãos de Deus para a transformação de nossa sociedade e valores do Reino. 


A aridez dos dias de deserto, esse despojar-se, ou melhor, esse deixar-se e despojar e conduzir por Ele, nos prepara para vivermos atentos ao passo de Deus na nossa história e para dar razão de nossa esperança nos tempos de crise em que vivemos. E, assim, quando chegam aqueles outros desertos, que para todos chegam, ou seja, o fracasso, a doença, as situações sem saída, estamos preparados por Deus, trabalhados pelo Espírito para não derrubar-nos nas crises e reconhecer os próprios limites como maior fonte de fecundidade e eficácia que a fé faz brotar no seio da existência de quem crê. 


Não poderia acabar esta reflexão que, embora pobre, me permite ter uma visão de conjunto sobre estes dias de graça vividos sob a luz do deserto, sem dizer, com a boca cheia: obrigado, Senhor, pelo dia mensal de deserto, sacramento do teu passo de amor silencioso por minha vida, e revelador dessa verdade tão consoladora, de que somente Deus salva”. 


Em “Cadernos de Oração” – 1987 


(Boletim Jesus Caritas da fraternidade Sacerdotal – nº88 ano 1982)

AÇÃO DE GRAÇAS APÓS O DESERTO

DO BOLETIM 145, 2013

(Dom Edson Damian, em forma de canção)


Cada momento assumir um novo compromisso de fé interiorizando em nosso ser a graça de Deus.

Dou graças Senhor, por Seu imenso amor.

Pelo dia de deserto, dom de graça e de amor.

No deserto nós buscamos o absoluto que é só Deus.

No deserto recebemos a visita do Senhor.

No deserto encontramos Jesus Cristo, o Bem Amado.

No deserto nos sentamos junto ao poço de Jacó.

No deserto nós bebemos na fonte de água viva.

O deserto tira as máscaras e nos ensina ser humildes.

O deserto nos dá força pra vencer as tentações.

O deserto nos prepara para a reconciliação.

O deserto nos conduz pra gritar o Evangelho.

O deserto fortalece a nossa fraternidade.

O deserto renova nossa vida e ministério.

O deserto vivifica o abandono a Deus Pai.

O irmão Carlos de Jesus é nosso guia no deserto.

O Espírito nos recorda o Evangelho de Jesus.

Maria, nossa Mãe, nos acompanha no deserto.

Nosso bom anjo da guarda nos protege no deserto.

No deserto nos unimos aos irmãos que estão no céu.


Dom Edson Damian (na forma de canção)


O MÊS DE NAZARÉ


O mês de Nazaré oferece aos irmãos uma experiência mais ampla e mais profunda da vida de fraternidade. É uma oportunidade para se por em prática os valores e os meios da fraternidade. O mês pretende ser a ocasião para se experimentar de forma intensa e comunitária o que a fraternidade se propõe.


Por isso o ambiente de simplicidade, de silêncio e oração contemplativa, de meditação da palavra, de co-responsabilidade na revisão de vida feita com tempo e atenção, do estudo da vida do irmão Carlos e do diretório da fraternidade, do trabalho manual no espírito de Nazaré. No Brasil, fazemos o retiro anual no início de janeiro.


Os que fazem o mês de Nazaré participam desse retiro e continuam até o fim do mês, normalmente no mesmo lugar. O mês permanece um ideal para todos os membros da fraternidade.


Sabendo que a fraternidade e a região se enriquecem quando um de seus membros participa do mês, é necessário que haja um esforço comum para apoiar financeiramente o padre participante e dar-lhe oportunidade de se ausentar de seu lugar de trabalho.


A participação no mês é imprescindível para que alguém seja membro pleno da fraternidade sacerdotal.


A organização pessoal também se faz necessária. Prever ao longo do ano os possíveis gastos e substituto, se for o caso. Participar do mês é uma boa e salutar maneira de se passar as férias.

As intuições do irmão Carlos e os meios propostos pela fraternidade precisam ser experimentados com tempo e com os irmãos que partilham os mesmos ideais.


O mês de Nazaré faz com que a fraternidade adquira dimensões universais e não seja mera teoria. Estamos ligados a uma família e é preciso “comer um quilo de sal juntos” para dizer que sabemos conviver. A convivência prolongada aproxima os irmãos e universaliza o carisma.


Nesse tempo de oração e convivência, nós nos descobrimos na mesma caminhada e nos tornamos uns aos outros estímulo e apoio. Sei que não estou sozinho nesta aventura. Há outros com as mesmas convicções fazendo o mesmo percurso.


A IMPORTÂNCIA DO MÊS DE NAZARÉ

 (do boletim especial 126, de 2016)

 

De suma importância para os membros da Fraternidade Sacerdotal, o Mês de Nazaré se efetiva como um marco na vida do presbítero, momento de assumir, entre os irmãos, sua pertença à Fraternidade Jesus Caritas.

Segundo o Pe. Aurélio Sanz Baeza, responsável internacional da Fraternidade Jesus Caritas, deixar as atividades paroquiais e dedicar-se 30 dias à oração, trabalho e contemplação, é um esforço necessário que se evidencia como parte essencial da missão do presbítero que quer viver à luz dos ensinamentos do Beato Carlos de Foucauld: “Esta opção nos ajudará a retomar as opções fundamentais, como a opção preferencial pelos mais pobres; a retomar a consciência de filhos amados que precisam encontrar-se mais profundamente com o Pai”.

Com o objetivo de nutrir o ministro ordenado como homem de Deus, o Mês de Nazaré quer ser, para os membros da Fraternidade Sacerdotal, uma oportunidade de voltar ao deserto com tempo prolongado de escuta de Deus por meio da oração, da adoração, do estudo, da experiência de partilha de vida e dos trabalhos manuais no cotidiano.

Assim, o Pe. Baeza afirma que, para quem participa do Mês de Nazaré, “é uma experiência mística e contemplativa onde se sente a necessidade de ajudar, uns aos outros, por meio da revisão de vida”. 

 

Testemunho do Pe. Gunther Lendbradl

 

 

Depois de ser chamado por Jesus Cristo, de maneira muito clara, nunca mais duvidei de segui-lo por toda a minha vida. Não tive outra escolha. Mas minha pergunta foi: seguir Jesus Cristo de que jeito? Eu deveria segui-lo como leigo, como religioso, como padre?

Conheci vários padres. Meu pároco era padre diocesano, um dia, quando ele  estava de férias, veio um padre palotino; os párocos da paróquia vizinha eram freis franciscanos; o padre que acompanhou os jovens era dominicano; conheci também os padres jesuítas. Todos eram diferentes entre si, mas tinham em comum o fato de serem homens marcados pelo seu serviço a Deus e à Igreja. Me pareciam uniformizados, desde a maneira de se vestir, também no seu comportamento, tinham a mesma cabeça. Eles representaram a Igreja, eram considerados pessoas mais divinas do que humanas. Eu devia seguir este estilo de vida?

Um dia ouvi falar dos irmãozinhos e das irmãzinhas de Jesus. O jeito deles em seguir Jesus Cristo era diferente. Eles viviam inseridos, no meio do mundo. Os irmãozinhos eram pescadores, motorista de taxi, trabalhavam como garis na limpeza de ruas, ou nas fábricas; as irmãzinhas trabalhavam num restaurante lavando os pratos, eram empregadas, andavam com os ciganos. O testemunho de sua vida me encantou. Senti-me atraído para viver assim. Quis conhecer este grupo mais de perto e, nesta busca, encontrei-me com o Irmão Carlos de Foucauld. E através dele encontrei a Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas. Aprendi que além de ser chamado para ser padre diocesano, ainda pode existir um chamado especial. Já estava no seminário quando procurei conhecer mais de perto os padres da fraternidade e comecei a participar dos seus encontros. Não quis ser apenas um visitante, mas sim um membro pleno desta Fraternidade Jesus Caritas. Após cinco anos de participação, resolvi fazer o Mês de Nazaré. Conforme as informações, esse mês seria uma introdução à espiritualidade o Irmão Carlos. No fim do mês eu poderia assumir um compromisso com este estilo de vida seguindo a espiritualidade do Irmão Carlos e ser admitido como membro oficial da Fraternidade.

Nunca mais me esqueci deste Mês de Nazaré. Realmente, foi uma experiência que marcou profundamente a minha vida. O mês começou com um retiro de oito dias. A partir da segunda semana a dinâmica mudou. Iniciávamos todos os dias com a celebração da eucaristia, seguida do café da manhã e uma rápida, mas profunda pregação sobre a vida do Irmão Carlos. Na sequência, fazíamos uma hora e meia de adoração diante do Santíssimo Sacramento exposto. Depois, do almoço até às cinco horas da tarde tínhamos trabalho manual. Eu trabalhei numa casa em construção. À noite, depois do jantar, sempre havia introdução e um exercício da revisão de vida. Em cada semana fizemos um dia de deserto. No fim do mês, diante dos irmãos, com um texto escrito a próprio punho, eu fiz o meu engajamento com a Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas. Esta promessa marcou a minha vida daquele dia em diante.

Hoje, quando olho para trás, lembro-me com alegria deste mês, que foi para mim como um noviciado. Ele me ajudou e clareou o caminho que daquele dia em diante eu quis andar, e andei.

Todo dia uma hora de adoração, toda semana um tempo prolongado de ler o evangelho, todo mês um dia de deserto, todo ano um retiro da Fraternidade. É uma regra simples, mas estes meios marcaram a minha vida de padre. Mesmo que não tenha conseguido segui-los cem por cento, posso dizer que tentei, com fidelidade e coragem, cumprir o que prometi ao Meu Bem-Amado Senhor Jesus naquela missa, no meio dos padres que, comigo, também fizeram o mês de Nazaré.

A amizade que surgiu com aqueles irmãos no Mês de Nazaré nunca mais se rompeu. Até hoje, depois de 45 anos, ainda nos correspondemos por carta, e agora por e-mail. Percebo como este ritmo marcou a minha vida de padre. Mais tarde ajudei outros irmãos a seguir este caminho. Inclusive me tornei o responsável, na Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas, para conduzir alguns desses meses.

Colaboração de Pe. Gunther Ell

 

O Mês de Nazaré oferece aos irmãos uma experiência mais ampla e mais profunda da vida de fraternidade.

É uma oportunidade para se pôr em prática os valores e os meios da fraternidade.

  

MEDITAÇÃO DO EVANGELHO


A Escritura desempenha um papel muito importante na fraternidade. Irmão Carlos aproximou-se da palavra de Deus com simplicidade e esperança. Os membros da fraternidade dedicam aproximadamente quinze minutos por dia à leitura meditada das Escrituras.


Esse contato com Jesus em sua palavra leva naturalmente à contemplação e à adoração. Rezar com as escrituras faz parte da vida de oração de cada um e a partilha em comum do evangelho é parte integrante do dia de fraternidade. A leitura meditada não é um exercício exegético de compreensão intelectual, embora isso às vezes possa ser necessário.


Meditar a palavra é antes colocar-se atentamente à escuta do que o Senhor diz, “pois o Senhor não faz coisa alguma sem revelar o seu segredo a seus servos, os profetas” (Am 3,7)


A fraternidade é de grande ajuda para se viver o evangelho, para não tratá-lo como propriedade nossa, para levá-lo a sério em sua mensagem de amor, de simplicidade e de pobreza, porque estamos caminhando com irmãos que se empenham na fé para viver a radicalidade da palavra revelada.


Até mesmo quando falhamos, a fraternidade nos ajuda a ver a falha à luz do amor de um Deus resgatador. Falamos de evangelho por seu lugar privilegiado na vida da Igreja, sem, porém, excluir o conjunto das Escrituras porque “são

elas que dão testemunho de mim” (Jo 5,39).


Como meditar as escrituras em fraternidade depende de cada grupo. Alguns leem juntos um trecho escolhido. Depois se separam permanecendo em meditação silenciosa durante um certo tempo. Retornam e partilham o fruto da palavra numa reflexão orante.



A partilha em fraternidade é um ato de contemplação da Palavra que ilumina nossas vidas e fala ao íntimo de cada um de nós. Seja qual for o meio que encontramos para deixar a palavra nos falar, estamos sempre atentos à exortação do irmão Carlos: “Voltemos ao evangelho; se não vivermos o evangelho, Jesus não vive em nós”.


A PALAVRA DE DEUS - de Tony Philpot, 2012

Os filósofos do Iluminismo, no século XVIII, falavam do “relojoeiro celeste”, que teria ajeitado o Universo e, em seguida, teria ficado sentado, de braços cruzados, simplesmente olhando como ele funcionava, sem querer mais se envolver no movimento dele. 

Ao contrário deles, nós acreditamos num Deus que se engaja, que se preocupa conosco, que tem um projeto para nós e nos ama. A prova mais forte é a Encarnação. O Filho de Deus, o Verbo de Deus, tomou uma forma humana e desceu até nós. “No início era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... e o Verbo se fez carne...”. Assim São João inicia o seu Evangelho e São Mateus descreve as mulheres deixando o túmulo, correndo, após a Ressurreição: “Eis que Jesus veio ao encontro delas...”. É a característica mais importante do nosso Deus: Ele vem ao nosso encontro. 

Uma das maneiras mais fortes pelas quais Deus vem ao nosso encontro é a Bíblia. Ela é a Palavra de Deus, em plena expansão, exposta em todas as matizes de cores e de sons, compreensível a todos os seres humanos. Inspirando os autores bíblicos, Deus achou assim outra maneira de estar presente, de tornar-se acessível. Os livros da Bíblia são vistos de um jeito tal que nenhum outro livro pode ser igual.  Posso ler um versículo do Evangelho hoje e voltar a ele amanhã: encontrarei novas profundezas de sentido. O Espírito Santo não é só ativo através dos escritos dos profetas, salmistas ou evangelistas; está também presente em nós, leitores, à escuta, quando nos confrontamos com a Palavra de Deus.

Carlos de Foucauld era um leitor assíduo das Escrituras. Mergulhava nelas todo dia. Os Evangelhos o animavam e o inspiravam muito. Sua devoção a Jesus na vida escondida de Nazaré é totalmente alicerçada em São Lucas. Seu desejo de martírio surgiu da leitura da Paixão de nosso Senhor.

Os padres da Fraternidade tentam fazer das Escrituras o seu pão de cada dia. Há momentos que seremos tão distraídos que a nossa meditação não poderá “decolar”. Mas, em outros dias, a Palavra de Deus nos conduzirá direto ao coração de Deus e uma única frase pode sustentar uma oração profunda e prolongada. Se nós nos impregnamos da Bíblia, nos tornaremos disponíveis ao Deus vivo. 

Quando as fraternidades Jesus Cáritas se reúnem, elas dedicam bastante tempo à leitura das Escrituras e à reflexão em conjunto a partir delas, Podem meditar os textos do domingo seguinte ou caminhar de maneira sistemática, lendo um evangelho só. O importante é não fazer dessa leitura um exercício de exegese, mas buscar o verdadeiro sentido dela: um encontro com Deus que vem a nós. “Fala, Senhor, teu servo escuta”!... dizia Samuel criança.


ADORAÇÃO EUCARÍSTICA


A Eucaristia, presença viva de Jesus, foi o centro da vida do irmão Carlos. Somos presbíteros e presidimos a oração eucarística do povo de Deus. Lidando com os mistérios da fé, podemos fazer uma experiência pessoal do mistério pascal de Jesus, transformando-o no ritmo e na pulsação de nossas vidas e do nosso ministério.


Esta experiência se faz primordialmente na celebração da missa, a oração do corpo ressuscitado de Cristo, e no serviço ministerial prestado ao povo de Deus. A fraternidade nos convida a permanecer nesta misteriosa presença em adoração silenciosa e contemplativa. Para o irmão Carlos, o mistério central da eucaristia era claro e profundo: Jesus dando sua vida por seu povo.


Esta oferta única se torna presente de forma simbólica, mas eficaz na simplicidade de nossa presença silenciosa diante de Jesus. A hora passada em atenta oração na presença eucarística prepara e prolonga a liturgia da missa com o povo de Deus. René Voillaume assim descreve essa realidade:


"Viver da eucaristia significa entregar-se pelo povo e tornar-se para ele, no amor e na contemplação eucarística, um alimento digno”. Na mesma linha das convicções do irmão

Carlos, os membros da fraternidade consideram o tempo dedicado à adoração como integrante do dia de trabalho. A adoração faz parte do programa do dia. A ela não se destina o tempo que sobrar, se sobrar. Uma hora diante do Santíssimo, cada dia, faz parte do programa diário dos membros da Fraternidade.


A experiência de Deus na vida do irmão Carlos foi tão marcante que ele compreendeu que não poderia viver a não ser para Deus. Estar junto de Deus seria uma atitude lógica e coerente se não fosse antes de tudo uma atitude de amor e amizade. Jesus é muito real para o irmão Carlos.



Ele nutre por seu Bem-Amado Senhor Jesus uma amizade afetiva que o leva a querer estar junto dele, em sua presença. Nossa presença diante do Santíssimo quer ser essa presença de amor e amizade. A presença não é sensível, é por vezes árdua, mas é na perseverança corajosa que algo novo começa a acontecer em nossa vida. É preciso experimentar.


A ADORAÇÃO - de Tony Philpot, 2012

No momento da ordenação presbiteral, o bispo impõe as mãos sobre o novo padre, pedindo ao Espírito Santo de torná-lo capaz de celebrar o mistério da Eucaristia. A Eucaristia é a verdade de Deus fazendo a sua morada no meio dos homens, é o dom de si de Jesus ao Pai, movido pelo amor para conosco, é nosso Senhor, o Bom Pastor, que nos alimenta com o Pão da Vida. A Eucaristia é o jeito pelo qual Deus nos chama a formar juntos um só corpo: o Corpo de Cristo. A Eucaristia é tudo isso e muito mais ainda. Não é um simples “serviço” prestado, ela é a revelação contínua do Mistério. 

Quando padres novos, começamos a celebrar a missa com nossos paroquianos e era-nos impossível guardar conscientemente todas estas considerações em nossa mente. Após muitos anos, o desenrolar da celebração tendo ficado rotineiro, começamos a pensar mais nas implicações daquilo que estávamos celebrando. Apesar de nossa indignidade, estamos trazendo Deus à terra. Após a comunhão, fechamos o sacrário e ficamos com a chave.  É como se nós prendêssemos nosso Senhor na vida dos fiéis, colocando-O onde eles podem encontrá-lo a qualquer hora do dia. Aos poucos, tomamos consciência de que Ele deve ser o centro de nossa vida. Precisamos desse dom para nós mesmos, de uma maneira urgente e contínua. Precisamos dele, Jesus, se não quisermos funcionar apenas de maneira superficial.

A adoração ao Santíssimo Sacramento, sendo exposto ou presente no sacrário, dá vida à nossa vida de padres. Significa que nós vivemos o Mistério que celebramos, que não agimos apenas para a edificação dos fiéis. Na hóstia sagrada nós reconhecemos o Senhor como São João o reconheceu após a Ressurreição, à beira do mar.

Charles de Foucauld construiu toda vida dele em redor da Adoração. Em qualquer lugar onde ele morava, organizava o seu espaço e seu tempo para poder ajoelhar-se diante de nosso Senhor e se entregar a Ele com amor e simplicidade. Os membros da Fraternidade Sacerdotal fazem o mesmo. Quando se encontram na reunião mensal, ficam uma hora em silêncio diante do Santíssimo Sacramento. Diariamente também, em qualquer momento do dia, nós introduzimos este elemento vital: estar presente junto d’Ele, para que Ele esteja presente junto de nós. Não é preciso formular uma oração. Trata-se, muitas vezes, do movimento do coração, como acontece quando nós desejamos alguém ou que os damos conta quanto ele fez falta para nós. Às vezes, temos um “feixe” de sentimentos e experiências a Lhe apresentar. Outras vezes, podemos apenas, com toda a simplicidade do coração, estar presente. 

Esse momento de adoração sempre dá a cor ao resto do dia, porque nós sabemos para quem nós vivemos e da graça de quem nós dependemos. Jesus é o nosso exemplo. Desejamos, como Ele, viver com misericórdia, com paciência, amando o Pai com coragem, sabedoria e dom de si. Parece uma tarefa difícil mas, vivendo este tempo de contato íntimo com Ele, o impossível torna-se possível e nossas vidas são transformadas.


    A REVISÃO DE VIDA


A revisão de vida ocupa um lugar central na fraternidade. De forma disciplinada e deliberada, ela nos ajuda a discernir a sintonia de nossa vontade com a vontade de Deus, de nossas decisões com o desígnio de Deus para o mundo. O princípio teológico fundante da revisão de vida está bem expresso na Gaudium et Spes 11:


“O povo de Deus, levado pela fé com que acredita ser conduzido pelo Espírito do Senhor, o qual enche o universo, esforçasse por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus. Porque a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova, e faz conhecer o desígnio divino acerca da vocação integral do homem e, dessa forma, orienta o espírito para soluções plenamente humanas”.


A revisão de vida apoia-se em duas verdades fundamentais:


(1) -Deus age na história e de forma marcante em determinados acontecimentos de nossa vida.


(2) -O Espírito Santo se deixa contemplar nos relacionamentos humanos, porque “Deus é o Amor com que amamos nosso irmão”, no dizer de Santo Agostinho.


A intuição do irmão Carlos sobre a qualidade salvífica da vida de Jesus em Nazaré lança uma nova luz sobre o valor dos gestos mais simples da vida. Nazaré é o ordinário e o

oculto de tudo o que faz o nosso dia a dia. É aí que encontramos Jesus.


Em cada acontecimento, mesmo confuso e cheio de contradições, Deus nos chama a descobri-lo, a caminhar

com ele, muitas vezes sem saber para onde estamos indo.


A Revisão de Vida não se faz sobre generalidades nem pretende ser uma análise psicológica de uma situação. Não se trata de fazer um exame de consciência detalhado e sim

um exame orante da obra de Cristo em nós. É na realidade um esforço comum de discernimento sobre um acontecimento concreto, uma decisão a ser tomada, uma nova oportunidade que se abre para alguém. A revisão em fraternidade é, em última análise, um ato contemplativo

da ação do Espírito Santo em nós.


Por causa da dimensão profundamente contemplativa da revisão de vida, devemos prepará-la bem na oração. Deve ser preparada no dia de deserto e na hora de adoração que precede a revisão. Expor à fraternidade, sem a devida preparação, acontecimentos da própria existência diminui drasticamente as possibilidades de uma revisão frutuosa.


A revisão corre o risco de se tornar mera exposição de fatos, sem conexão e sem substrato, e corre o risco mais grave de gerar desentendimentos por juízos sem fundamento. Permanecemos na superfície sem ler a vida por dentro.


Cada fraternidade tem seu modo próprio de fazer revisão. Em geral, cada um, sem ordem especial, apresenta brevemente o que preparou no dia de deserto ou durante algum outro tempo de oração. Os demais oferecem seu apoio e dispõe-se a ajudar o irmão com esclarecimentos, questionamentos, e até provocações. 


A revisão supõe que quem a faz queira ser questionado para libertar-se de ilusões e falsas seguranças. É importante que o irmão em revisão diga o que precisa e o que espera do grupo naquele momento.


 O tempo deve ser distribuído de modo que todos tenham oportunidade de expor sua situação, mas pode acontecer

que um irmão necessite de mais tempo e até de todo o tempo. É natural que no início haja uma certa ansiedade. Podemos ter medo de não sermos aceitos como somos. Podemos pensar que nada temos a oferecer aos nossos irmãos. Podemos ter medo de ofender alguém.


Tudo isso será gradualmente superado. Com atenção e reverência para com cada um, ajudamo-nos a viver a liberdade para a qual o Senhor nos libertou.


A revisão alimenta o desejo de abertura e transparência, levando o irmão a entender mais profundamente e a escolher mais livremente o amor a Deus e o seguimento de Jesus com crescente generosidade.


 Entrando numa fraternidade, estamos dizendo que necessitamos dos outros, que não somos autossuficientes. Não queremos impedir que os irmãos confiem em nós e nos ajudem. Nossa fé na presença de Cristo e de seu Espírito em nosso meio nos ajuda a compartilhar com os irmãos nossos próprios sentimentos e nossas intuições, por mais defasados que possam parecer. Havendo confiança, a revisão se realiza.


POBREZA


Na Fraternidade não emitimos votos, nem o da pobreza, mas aceitamos os desafios do Evangelho. Vivendo num continente empobrecido e numa nação de profundos contrastes sociais, não somos ricos, mas também não vivemos na insegurança do dia a dia.


Num pais onde é possível passar num mesmo dia da idade da pedra lascada à da alta tecnologia, reconhecemos que a pobreza material está subordinada às legítimas obrigações de nosso ministério presbiteral. O exercício do ministério no contato direto com a vida do nosso povo nos leva a distinguir entre a pobreza como virtude e a pobreza como desgraça social.


Estamos convencidos de que o ponto de partida para a vivência da pobreza como virtude está na liberdade interior, liberdade do coração, que nos torna generosos servidores num mundo de contradições.


Conseqüentemente, o carisma do Irmão Carlos nos leva ao compromisso efetivo com os empobrecidos, os menos amados, os esquecidos e excluídos. A consciência do mundo dos pobres na Fraternidade Internacional mantém viva a sensibilidade de cada irmão e é um constante desafio para todos.


A Fraternidade nos ajuda a não escolher lugar, a aceitar o que ninguém quer, a estarmos disponíveis quando precisam de nós. Nossa pobreza de padres seculares não está circunscrita a um lugar geográfico. A pobreza, em última análise, está em nós, em nossas limitações, e a vivência da pobreza como virtude não depende de onde moramos, mas das pontes que somos capazes de lançar a partir do nosso lugar. Nós mesmos estamos pobremente equipados para realizar a missão de Jesus na terra e os meios de que dispomos são pobres por opção.


A fraternidade ajuda também um irmão a discernir sobre o uso do dinheiro. Não se trata de pedir permissão para gastos, mas de questionar ou ao menos de se interrogar sobre a validade de certos gastos. Nesta dimensão da espiritualidade, a vida do Irmão Carlos permanece uma fonte de intranquilidade e desconforto, verdadeiro estímulo para a liberdade.


A SIMPLICIDADE DE VIDA- de Tony Philpot, 2012

“Ele me enviou a anunciar a Boa Notícia aos pobres”. Não posso fazê-lo de um jeito paternalista, Pregar o Evangelho ficando numa situação de dominação, não é pregá-lo. Desastres na vida da Igreja, como a Reforma e a Revolução Francesa, tem a ver com a rejeição de um clero que não dava testemunho de sua fé. Como padre, meu estilo de vida deve ser de alegre simplicidade. A grande maioria dos católicos no mundo atual tem uma vida de simplicidade e tem necessidade de perceber o padre como alguém que partilha a vida deles e assemelha-se a eles, em termos de recursos financeiros. Não necessariamente mais pobre mas, com certeza, não mais rico. Alguém que pode assemelhar-se à situação econômica deles, identificar-se a eles quando a situação se torna difícil.

Carlos de Foucauld veio de uma família rica e aprendeu a viver numa pobreza cristã. Aprendeu-o entrando nos cistercienses e depois como pobre operário na Terra Santa e, enfim, na cabana simples do deserto da Argélia. A vida escondida de Jesus foi sua grande motivação: poderia recorrer aos recursos da família, mas sabia que a missão dele exigia austeridade. Essa austeridade falava aos árabes e tuaregues, significando: “estou disposto a qualquer sacrifício por causa de vocês”. Significa também: “não estou brincando, acredito realmente no Evangelho  que eu lhes anuncio”.

Nós, padres do século 21, devemos fazer uma escolha consciente. Talvez seja mais fácil hoje do que antigamente, porque nossa tomada de consciência das questões ligadas ao aquecimento global e ao meio ambiente nos incentiva a não desperdiçar. Nossos paroquianos não vão estranhar de nos verem andar a pé e não de carro, de nos verem utilizar transporte coletivo e frequentar os supermercados mais baratos. Isso deve ser uma constante na nossa maneira de viver: evitar a ostentação. Essa atitude tem a ver com a maneira de me comportar em minha vida pessoal e nem tanto com a compra de alfaias e mobiliário decente para a igreja.

Se eu vivo na simplicidade, posso acolher qualquer um sem preocupação ou angústia. Posso oferecer uma refeição ou uma cama sem constranger ninguém. Não precisarei ser evasivo em relação a minhas férias, aonde eu vou e o que eu vou fazer. Haverá nitidez e clareza evangélica quanto à minha maneira de viver. Os membros da Fraternidade Jesus Cáritas vêm de países bem diferentes. Muitos não têm condições de aspirar a acumular dinheiro ou viver no luxo, usando roupas finas. Na Europa e na América do Norte, porém, a tentação é real. é uma das preocupações de nossa Fraternidade. Quando nos reunimos, cada mês, e fazemos revisão de vida, é uma das coisas que vamos examinando. Todos nós conhecemos padres buscando carreira, aspirando a ser nomeados nas paróquias mais ricas da diocese e almejando o título que possa acompanhar essa nomeação. É tão importante não ser assim!

“Dá-me simplesmente Teu amor e Tua Graça; com isso sou rico e não desejo nada mais...”, pedia Santo Inácio de Loyola. Adquirir bens e dinheiro torna a água enlameada. É preciso que isso seja claro como o cristal, tanto para nós como para nossos paroquianos, ou seja, que nossas riquezas verdadeiras estão no céu. 


LAZER


Os rodeios estão na moda. Há cidades que se projetam pela celebração de rodeios com grande concurso de povo e de celebridades. Nossos irmãos dos Estados Unidos usaram a expressão para uma prática que poderia ser interessante também entre nós. Chamaram de “rodeio” um tempo sadio de lazer. Que nome teria entre nós?


Eis um verso de salmo muitas vezes repetido para animar a vida comunitária:


“Como é bom e agradável o convívio entre irmãos”. Para tornar a fraternidade uma experiência atual de companheirismo e partilha, é saudável organizar um ambiente de recreação para que os padres possam passar um tempo com seus colegas de qualquer parte do país em atividades como futebol, vôlei, natação, pingue-pongue, caminhadas, cartas, bate papo. Mas cada dia é marcado com uma hora diante do Santíssimo Sacramento, com a celebração da Liturgia das Horas e da Eucaristia. São férias simples, no espírito do Irmão Carlos, e a vida de fraternidade é exemplificada para alguém interessado em participar de algum grupo.


Esse tempo de lazer é benéfico para a própria fraternidade na revitalização de seus membros e na propaganda. É uma oportunidade para convidar outros padres que entrarão de forma agradável em contato com a fraternidade. Depois os levaremos ao deserto! Se trabalhamos com meios pobres numa sociedade de competição e poder, podemos também organizar um tempo de lazer sadio numa sociedade permissiva que afeta a todos nós. A organização do lazer é parte do trabalho pastoral. Jesus levava os seus a lugares tranquilos para que descansassem.


O tempo dedicado à oração aparece como parte integrante do nosso dia. A oração não entra em férias. Ela entra em harmonia com nossas atividades, sejam elas quais forem.


Essa prática faz parte do espírito de Nazaré que considera o valor salvífico de todos os atos da vida humana, sobretudo dos mais simples e comuns. São lugares teológicos.


O LUGAR DO IRMÃO CARLOS NA FRATERNIDADE


Muitos padres procuram uma fraternidade pela convivência presbiteral, pelo apoio mútuo, pela espiritualidade. O Irmão Carlos só é descoberto depois. Os padres seculares caracterizam sua espiritualidade como não pertencente a nenhuma “escola”. Se houver uma escola será a do discipulado, descoberto na Palavra e no Sacramento e vivido no meio do povo.


Por isso é compreensível que um padre seja cauteloso quando apresentado a uma figura recente como Carlos de Foucauld e o movimento surgido de seu carisma.


No entanto, os que estão em fraternidade sabem o quanto o Irmão Carlos os ajudou a aprofundar a espiritualidade diocesana. De fato, a vida ministerial do padre secular tem uma profunda dimensão contemplativa, é marcada pela simplicidade do evangelho, é livre como o beduíno no deserto, ocupa o último lugar que é o lugar dos últimos, não se fecha em dimensões territoriais por ser universal, está inserida no mistério pascal sempre atualizado na eucaristia.


Irmão Carlos começou como monge, mas ordenou-se padre secular. Sonhou com uma comunidade de irmãos e viveu sempre sozinho. Seu convento foi o mundo, sua comunidade,tuaregues muçulmanos. Os padres seculares têm um pouco de monges. Em geral vivem sozinhos, sem ser solitários. Sua comunidade é o povo. Às vezes pouca gente em proporção ao número de habitantes do lugar, e nem sempre os mais expressivos. Os demais permanecem à distância. Em alguns lugares nos defrontamos com fortes opositores.


Há algo de deserto e de silêncio em nossa vida. Somos ministros do querigma. Anunciamos oportuna e inoportunamente a Palavra de Deus com os meios atuais de comunicação, e, no horizonte, o Irmão Carlos grita o Evangelho com sua própria vida. Sua presença silenciosa e significativa é um constante desafio ao nosso ministério “ordenado”. Com bispos e diáconos fazemos parte do “clero”.


Somos homens públicos e exercemos liderança. Somos respeitados e às vezes até nos beijam as mãos. No horizonte, o Irmão Carlos descobre o alcance da vida oculta de Nazaré. Ele se identifica com Cristo no fracasso de todos os seus projetos e cai por terra como a semente. E então dá muito fruto! Os construtores da “koinonia” se encontram com o irmão universal que vive oculto na solidão do último lugar.


Presidimos a oração do povo de Deus ocupando um lugar de destaque junto à mesa do Senhor. Conosco está o Irmão Carlos que nos mostra o valor do “estar”. Estamos juntos, mas estamos sobretudo na presença do Bem-Amado e Senhor Jesus. Mesmo presidindo, nossa presença é fraterna e gratuita.


O irmão Carlos permanece um profeta para as fraternidades. Ele nos inspira com seu carisma e nos provoca em seu total abandono à vontade de Deus. Suas intuições, refletidas em fraternidade, mostram-nos a vivência concreta do Evangelho e libertam-nos de desejos que obscurecem e entristecem a vida de um padre.


O Padre de Foucauld foi um homem do seu tempo. Atraente e enigmático, com estilo próprio, resultante de profundas convicções de fé.


Na fraternidade o Padre de Foucauld ocupa o lugar de um irmão mais velho, mas irmão de virtudes heroicas. Sua vida é entusiasmante e seu modo de ser presença de Igreja num mundo adverso é estimulante para a nossa ação pastoral. Na medida em que descobrimos sua figura, cresce o amor por essa pessoa tão simples, tão comum e tão singular. 


Ele não nos convida a olharmos para ele ou a imitá-lo. Ele nos convida a olhar para onde ela olha. Seu olhar está fixo em seu Bem-Amado Senhor Jesus. Neste Jesus ele vê todas as pessoas e todas as realidades da vida. Por isso é um irmão universal.


O PROFETISMO DO IRMÃO CARLOS


Nossos irmãos participantes da assembléia do Cairo introduzem sua mensagem a todos os membros da Fraternidade Sacerdotal citando a conhecida frase do Irmão Carlos, escrita ao abade trapista Dom Martin, em carta de sete de fevereiro de 1902: “Não temos o direito de ser sentinelas adormecidas, cães mudos, pastores indiferentes”.


O Diretório de 1976, n. 18, falando do povo no qual vivemos e com o qual convivemos, lembra que às vezes se fazem necessárias “tomadas de posição claras e públicas e até mesmo rupturas indispensáveis”. E cita então o pensamento do Irmão Carlos:


Não sejais sentinelas adormecidas, cães mudos”. Trata-se, pois, de um pensamento já conhecido e assumido na Fraternidade Sacerdotal. Faz parte dos nossos objetivos não ser sentinela adormecida, cão mudo, pastor indiferente, ou, positivamente, na Fraternidade cada um de nós procura ser sentinela desperta, cão ruidoso, pastor comprometido.


A sentinela tem a função de vigiar, guardar, por isso deve estar atenta o tempo todo.


No nosso caso, isso supõe 24 horas de doação. Devorados pelo Evangelho, não há pausa ministerial. Somos cães ruidosos, ladrando para dar sinal, reagindo a alguma presença indébita, por vezes mordendo. Não reagimos, porém, pela violência do instinto. Somos inteligentes e racionais. O que não queremos é ficar quietos quando é preciso falar.

Interesses pessoais, interesses carreiristas não nos impedirão de dar o sinal quando a justiça estiver comprometida, quando a misericórdia for abandonada.


Pastor indiferente não se importa com a sorte do rebanho. Pastor comprometido está o tempo todo envolvido em ações concretas em favor de pessoas concretas e do conjunto da sociedade. Sua visão é larga, abrangente, envolvente. Suas ações são construtivas e criativas. Sua mente está concebendo constantemente e seu coração dá à luz projetos de vida. Marca presença, está, responde. Vive em função do rebanho.


Pastor indiferente cuida de si mesmo e de seu prestígio, não duvidando sacrificar as ovelhas para salvaguardar seu lugar ao sol.


Foi a propósito da escravidão no Saara que o Irmão Carlos afirmou: “Não temos o direito de ser sentinelas adormecidas, cães mudos, pastores indiferentes”. E acrescentava: “eu me pergunto, numa palavra, (estando de acordo como estamos a respeito da conduta a ser seguida com os escravos), se não é preciso levantar a voz, direta ou indiretamente, para tornar conhecida na França esta injustiça e este roubo autorizado da escravidão em nossas regiões, e dizer ou fazer dizer: isto acabou, non licet.


Na carta a Dom Martin, Irmão Carlos revela seu pensamento sobre a dignidade da pessoa humana e revela sua maneira de dizer o que pensa. Parece que Dom Martin, em carta, o havia aconselhado a evitar rebeliões e fugas de escravos e a consolar os escravizados com a esperança da libertação futura no céu. Irmão Carlos responde de maneira muito respeitosa, dizendo:


“Obrigado pela resposta tão clara e completa sobre a escravidão. O que o Sr. diz é o que estou fazendo em relação aos escravos. Longe de pregar-lhes rebelião e fuga, digo-lhes: paciência e esperança. Deus permite vossas penas para o vosso arrependimento e vossa glória celeste. Orai a Deus e santificai-vos. A quem busca o reino de Deus, o resto se lhe dá por acréscimo. A escravidão do homem e a pátria terrestre passam depressa, como a vida. Pensai na escravidão de satanás e na pátria celeste”.


Tais palavras soam muito mal a nossos ouvidos latino-americanos, ao menos soavam até agora. Mas, é na continuação que o Irmão Carlos se revela. “Porém, dito isto, e tendo-os aliviado na medida do possível, parece-me que nossa obrigação não terminou. É preciso dizer, ou existir alguém a quem compete dizer: non licet, vae vobis, hypocritae, que pondes nos selos e em toda parte ‘liberdade, igualdade, fraternidade, direitos humanos”, e reforçais os grilhões dos escravos, condenais às galeras os que falsificam vossos bilhetes de banco, e permitis que as crianças sejam roubadas de seus pais e vendidas publicamente, que castigais o roubo de um frango e permitis o de um homem (de fato, nestas regiões, crianças nascidas livres são arrancadas violentamente e de repente de seus pais)...


Não devemos nos imiscuir no governo do temporal, ninguém está mais convencido disso do que eu, mas é preciso “amar a justiça e odiar a iniquidade”, e quando o governo temporal comete uma grave injustiça contra aqueles dos quais, de alguma maneira, estamos encarregados (sou o único sacerdote da Prefeitura num raio de 300 kms), é preciso dizê-lo, pois nós representamos na terra a justiça e a verdade, e não temos direito de ser sentinelas adormecidas, cães mudos, pastores indiferentes. 


Eu me pergunto, numa palavra, (estando de acordo, como estamos, a respeito da conduta a ser seguida com os escravos), se não é preciso levantar a voz, direta ou indiretamente para tornar conhecida na França esta injustiça e este roubo autorizado da escravidão em nossas regiões, e dizer ou fazer dizer: isto acabou, non licet. Avisei o Prefeito Apostólico. Talvez seja suficiente. Longe de mim o desejo de falar ou escrever, mas não quero trair meus filhos, não fazer o necessário por Jesus, vivo em seus membros; é Jesus quem está nesta dolorosa situação. “O que fazeis a um destes pequenos, a mim o fazeis”. 


Não quero ser mau pastor, cão mudo. Tenho medo de sacrificar Jesus a meu descanso e meu grande gosto pela tranqüilidade, à minha preguiça e timidez naturais”.


IRMÃO UNIVERSAL - de Tony Philpot, 2012

Como padre, eu ofereço o Cristo Vivo ao Pai. Fui ordenado para isso. É a oferenda de todo o povo, não apenas a minha. Fui ordenado para ficar entre o céu e a terra; quando eu falo em terra, quero abranger todo o gênero humano. Eu falo em nome deles todos.

Por causa disso, o padre tem um laço forte com o irmão ou a irmã que está na loja, no ponto de ônibus, no bar, ou no parque; eles não o sabem, mas o padre foi designado para ser o embaixador deles. Esta solidariedade, o padre deve manifestá-la pelo afeto, pelo carinho, pelo amor fraterno. Já que é fácil sentir-se alheio a alguém porque fala outra língua ou pertence a outra classe social, ou recebeu outro tipo de educação, é mais fácil ainda ter preconceitos em relação a pessoas que têm outra cor de pele ou que, segundo as estatísticas da polícia, cometem delitos.

Houve, nos últimos cinquenta anos, muito movimento populacional, em toda parte do mundo. Houve refugiados por causa de guerras: houve gente buscando trabalho no exterior por não achar trabalho no próprio país. Houve famílias separadas procurando voltarem a conviver. Os governos tentaram limitar as migrações, mas com pouco resultado. Em toda parte, hoje, há movimentos de população: na Somália para o Quênia, do Afeganistão para a Inglaterra, do México para os Estados Unidos, da Líbia para a Sicília e Malta, da Indonésia para a Austrália... Muitos migrantes, nos países que os acolhem são explorados e vivem em condições sub-humanas, sendo desprezados com salários baixos, prestando serviços que nenhum nativo quer prestar. O comportamento do padre deve ser diferente!

Carlos de Foucauld dizia: “Quero ser um irmão universal”. Queria encontrar-se com árabes e tuaregues, não como oficial do exército ou representante do poder colonial, mas como um irmão de igual para igual. Temos algo a aprender dele. Ao encontrar-me com um estrangeiro, eu me encontro com um ser humano semelhante a mim, que precisa de amizade e amparo. O mandamento evangélico de amar ao próximo não admite nenhuma exceção. O dever da caridade ultrapassa os outros deveres.

Na prática isso significa, para o padre, ter capacidade de sorrir e de acolher; pode significar também querer aprender outra língua, com  humildade, aceitando a dificuldade do aprendizado. Muitas vezes, para quem procura viver de um jeito simples, é preciso ficar consciente que não dá para ajudar todo mundo e realizar um número ilimitado de atos de caridade, mas uma ajuda ocasional sempre é possível, querendo ser irmão. Lembre-se que, na noite de Natal, Jesus tornou-se o irmão Universal e que o padre não pode deixar de imitá-lo. 


INICIAR UM GRUPO


Depende de você fazer acontecer!


Se você quer começar um grupo da Fraternidade Sacerdotal Jesus+Caritas, reúna alguns amigos para um momento de oração e vá trabalhando gradualmente as intuições e os valores da Fraternidade. Entre em contato com o Responsável Nacional ou com algum padre da Fraternidade

.

O retiro anual e o mês de Nazaré são considerados tempos fortes. A experiência dos padres da fraternidade diz que o mês de Nazaré é uma excelente escola de introdução ao espírito e ao carisma do irmão Carlos de Jesus.


A grande expansão das Fraternidades Jesus+Caritas em todos os continentes mostra a necessidade e a utilidade de grupos fraternos de oração e partilha. A espiritualidade do irmão Carlos é vivida por mulheres, homens, leigos e religiosos em fraternidades ecumênicas, extra-territoriais, paroquiais, no campo, na cidade. A fraternidade sacerdotal destina-se especificamente, embora não exclusivamente, a padres seculares.


Reúna alguns amigos para uma hora de oração silenciosa diante do Santíssimo. Conclua com um bate papo informal. Mais tarde introduza um tempo de meditação do evangelho.

Depois, será o tempo de começarem a ler alguma coisa sobre o padre de Foucauld. No dia em que se encontram, vão introduzindo um tempo de deserto e gradativamente, nesse deserto, preparar uma pequena revisão de vida. Mais tarde se fará um dia todo de deserto e então será possível começar uma verdadeira revisão de vida.


O contato com os irmãozinhos e as irmãzinhas ou as fraternidades de leigos é sempre benéfico. Quem toma a iniciativa de começar uma fraternidade dispõe-se a fazer visitas, estreitar laços e lembrar compromissos, sobretudo o do dia da fraternidade.


SIMPLESMENTE ESCUTA

A verdade liberta

Quero ser um padre livre, alguém que não teme perder tudo para obter o único necessário.

Quero crer em tua palavra, Senhor, seguir-te e descobrir um pouco mais a verdadeira liberdade e a alegria de ser salvo.

A vontade de Deus

Não quero construir minha vida sobre o desejo de possuir, de dominar ou de impor, mas sobre o desejo de fazer de toda a minha vida, uma vida segundo a vontade de Deus, à qual quero me abandonar de todo o meu coração, com todas as minhas forças, com todo o meu espírito. Cada dia, um pouco mais, quero me unir a ti, Senhor, o único Deus verdadeiro.


Quando me levanto e quando me deito, quando ando e quando trabalho, quando sofro e quando luto, quando me sinto ameaçado, quando sou provado, que tua paz que ultrapassa tudo, guarde meu coração e meus pensamentos em ti, Senhor Jesus. Amém.


Para ir mais longe


Como um irmão padre, com o olhar de um amigo, sinto-me feliz por acolher quem queira comigo partilhar.


A VIDA DE NAZARÉ

As lições de Nazaré (Do Papa Paulo VI, homilia da Sagrada Família) 

Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho.

Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso, dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão bela, do Filho de Deus. Talvez se aprenda até, insensivelmente, a imitá-lo.


Aqui se aprende o método que nos permitirá compreender quem é o Cristo. Aqui se descobre a necessidade de observar o quadro de sua permanência entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a linguagem, as práticas religiosas, tudo de que Jesus se serviu para revelar-se ao mundo. Aqui tudo fala, tudo tem um sentido.


Aqui, nesta escola, compreende-se a necessidade de uma disciplina espiritual para quem quer seguir o ensinamento do Evangelho e ser discípulo do Cristo.


Ó como gostaríamos de voltar à infância e seguir essa humilde e sublime escola de Nazaré! Como gostaríamos, junto a Maria, de recomeçar a adquirir a verdadeira ciência e a elevada sabedoria das verdades divinas.


Mas estamos apenas de passagem. Temos de abandonar este desejo de continuar aqui o estudo, nunca terminado, do conhecimento do Evangelho. Não partiremos, porém, antes de colher às pressas e quase furtivamente algumas breves lições de Nazaré.


Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do espírito; em nós, assediados por tantos clamores, ruídos e gritos em nossa vida moderna barulhenta e hipersensibilizada. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo.


Uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza simples e austera, seu caráter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré o quanto a formação que recebemos é doce e insubstituível: aprendamos qual é sua função primária no plano social.


Uma lição de trabalho. Ó Nazaré, ó casa do “filho do carpinteiro”! É aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei, severa e redentora, do trabalho humano; aqui, restabelecer a consciência da nobreza do trabalho; aqui, lembrar que o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, mas que sua liberdade e nobreza resultam, mais que de seu valor econômico, dos valores que constituem o seu fim. Finalmente, como gostaríamos de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu divino irmão, o profeta de todas as causas justas, o Cristo nosso Senhor.

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      Para sentirmos a presença de Deus em nossa vida, devemos viver como Jesus viveu por trinta anos em Nazaré, ou seja, uma vida de oração, contemplação e trabalho, fazendo tudo para conservar-nos num caminho de santidade, na caridade e evitando os pecados. 

    Todos nós temos nossos pecados, mas precisamos confiar plenamente na Misericórdia divina. Isso implica, é claro, mudarmos nossas vidas de tal forma que tudo o que fizermos agrade a Deus. 

     

     Um acontecimento inesperado de sofrimento pode ocorrer em nossa vida, como ocorreu na minha. Aproveitemos esse acontecimento para nos purificar, para tomarmos a resolução sincera e corajosa de recomeçar a nossa vida abandonando tudo o que não agradar a Deus. É difícil e, às vezes, até impossível, sem a ajuda de Deus. 


     Por isso eu sugiro num tempo de pelo menos 3 horas diárias de oração: o dízimo de 24 horas seria 2 horas e 24 minutos. Com no mínimo esse “dízimo” de oração a Deus, pelo nosso maravilhoso dia, estaremos nos colocando sob sua proteção, sentiremos sua presença e estaremos sempre felizes, aconteça o que acontecer à nossa vida. 


     Gosto muito do trecho em que São Paulo Apóstolo fala: “Irmãos, quanto a mim, não julgo que O haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que ficaram para trás, e avançando para que estão diante de mim, prossigo em direção à meta, para conquistar o prêmio que, do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus” (Filipenses 3,13-14).

A VIDA DE JESUS EM NAZARÉ


Transcrevo em primeiro lugar um texto muito bonito que encontrei no site "Dei Verbum", de Porto Feliz. Em seguida, uma pequena história do que poderia ser a vida em Nazaré. Veja também o texto do "Jesus-Cáritas" sobre esse assunto. 


A VIDA DE NAZARÉ E A CONVERSÃO DE DEUS À CONDIÇÃO HUMANA.


"De Nazaré pode sair algo de bom?”(Jo 1,46). Natanael, que fez esta pergunta aos primeiros discípulos de Jesus, tinha suas razões para duvidar. Lucas precisa dizer a região em que fica Nazaré, pois seus leitores, sobretudo os de fora da Palestina, não saberiam onde fica Nazaré, de tão pequena e sem importância no grande mundo do Império Romano.


Os evangelhos apócrifos têm certa impaciência com esta pequena Nazaré. Jesus, segundo alguns, antes de começar sua missão pública, teria ido ao Egito ou até à Índia para conhecer a sabedoria destes centros do mundo.


Ou, conforme outros apócrifos, Jesus já fazia alguns milagrezinhos de crianças para se divertir. É muito difícil aceitar que o Messias, o próprio Filho de Deus, tenha passado a maior parte de sua vida num ambiente absolutamente comum, em total anonimato, sem nada de extraordinário, como a maioria da humanidade.


ELE CRESCIA 


Depois de cumpridos os mandamentos a respeito dos nascidos, Lucas afirma uma vez de João e duas vezes de Jesus que eles cresciam, ficavam fortes, com sabedoria, graça e espírito. João no deserto e Jesus em sua pequena e quase desconhecida cidadezinha de Nazaré. Enquanto o ambiente de João lembra os grandes momentos de Israel no deserto, Jesus, que seria o maior, crescia numa condição mais comum.


O desígnio de Deus passa pelo mergulho no cotidiano da vida humana. Em Nazaré tudo devia ser muito simples, pois nem estava à beira do lago da Galiléia e nem na planície que se estendia mais adiante aos seus pés, onde estava a rica cidade de Séforis, uma cidade que, estranhamente, não é mencionado nos evangelhos.


A vida social se daria em torno de um lugar de oração, com ao menos um rabino para ensinar os adolescente, e torno da única fonte até hoje existente.


Um pouco de agricultura e um pouco de animais, uma vida muito simples. O mistério de Deus passa por uma política e por uma economia muito marginais, por uma religiosidade simples e sincera. Os apócrifos tinham impaciência em aceitar esta “ignorância” do Filho de Deus, e esta necessidade de crescimento e de aprendizado a partir de um contexto tão rude. 


FILHO DE MARIA E “FILHO DA LEI”


NA Galácia, alguns judeus não conseguiam crer que alguém tão humilde, pudesse ser maior do que a Lei de Israel com toda a sua grande história . Mas Paulo insistiu:


Deus nos enviou seu próprio Filho, “nascido de uma mulher”, portanto muito humano, e submetido às leis humanas, solidário com tudo o que é humano (Cf.Gl 4,4). Lucas faz um teste, abrindo, com muito pudor, uma janela para examinarmos o crescimento de Jesus: uma vez completado doze anos, todo judeu deve realizar o ritual de iniciação que ainda hoje se chama “Bar Mitzwáh”,ou seja, ele deve tornar-se “ Filho da Lei. Isso significa ler as Escrituras em público, na Sinagoga,participar do círculo dos mestres na lechiváh, a escola rabínica, e, naquele tempo, devia começar a acompanhar os adultos na peregrinação anual à Cidade santa de Jerusalém e ao templo.


Lucas nos atesta tudo isso a respeito de Jesus: ele esta no momento crucial do seu crescimento, está se tornando adulto. Assim, quando Jesus diz à sua mãe, que o guiou até os doze anos, que está cuidando das coisas “de seu Pai” no templo, entre mestres, ele está assumindo a Lei, pois é “filho” da Lei, e esta é, de agora em diante, o seu “pai”, a autoridade e o guia de sua vida. E Lucas cerra a janela com discrição, repetindo a frase: ele voltou a Nazaré, e continuava seu crescimento em idade, sabedoria e graça. “Em tudo igual a nós –consubstancial a nós segundo a humanidade”, diria em 431 o concílio de Éfeso.  (Aqui termina a citação do referido site)

(deste site:)


AGORA UM POUCO DE IMAGINAÇÃO SOBRE O QUE PODERIA SER A VIDA DE NAZARÉ, VIVIDA POR JESUS EM SUA ADOLESCÊNCIA


Quando já morava em Nazaré, um dos amigos de José foi visitá-lo e seu filho de 12 anos, quase mesma idade de Jesus, que tinha 10, foi também. Ele sabia de cor muitas leis, preceitos e orações judaicas. O rapaz que fora com o pai à casa de Jesus não era muito de praticar a religião, pois seu pai era pagão e apenas sua mãe frequentava o templo, num lugar reservado aos casados com pagãos. Ele ia às vezes e se encontrava com Jesus na saída, de seis a dez garotos que voltavam juntos, comentando o que tinham ouvido.


Entretanto, todos se calavam ao ouvir a versão de Jesus do que tinha sido dito: era sempre algo diferente, maravilhoso, vindo não se sabe de onde. Brotavam do coração de um Deus feito homem. Eram ideias muito, muito além daquele tempo.


Jesus gostava muito de repetir a parte da lei que dizia “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração...”etc. Jesus vivia ali, mas não estava só ali: o lugar onde estavam parecia embutido num local mais extenso e mais profundo. Jesus estava com os demais, mas parecia imergido num mundo muito mais bonito, muito mais feliz que aquele.


Mais tarde muitos descobriram, porém, que aquele mundo diferente e maravilhoso estava em seu santo e puro coração. É dali, de seu coração, que brotavam luzes de um novo tempo e de uma nova vida, brotada do amor santo, puro e verdadeiro. E seus felizardos amiguinhos abriam a mente e os corações para verem se recebiam um pouco, pelo menos, daquela sabedoria, amor e santidade. Mas tudo isso era barrado pelos olhos pobres e materialistas daquelas pessoas que com ele conviviam.


Naquele dia em que o amigo de José foi visitá-lo, seu filho ficou à frente da casa com Jesus, conversando, quando Maria levou-lhes dois pães para comerem. Era a hora do lanche. Apareceu, então, um rapaz leproso, ao longe, tocando aquela horrível sineta para lembrar a todos que não deviam aproximar-se. Todos se afastaram, mesmo o amigo de Jesus. Ele, não. Ficou ali até o rapaz chegar perto. Entregou o seu pedaço de pão ao mendigo, com um sorriso. O rapaz fitou-o e a nuvem de angústia que o cobria desapareceu. O sorriso se esboçou e acabou por tomar conta de sua face. Não se curara exteriormente, mas sua vida acabara de tomar um novo rumo, uma nova feição.


Maravilhado ao ver a mudança estonteante obtida por esse simples ato e esse simples olhar, o amigo de Jesus quedou-se em sua insignificância e preconizou: 


“Algum dia esse rapaz será curado!”.


Imediatamente adiantou-se e também deu o seu pedaço de pão não ao leproso, mas a Jesus, para que lho entregasse. Ele sorriu e o agradeceu, e entregou o pão ao mendigo. O rapaz leproso colou-se ao chão e não queria mais sair dali, não queria mais se afastar daquela presença extasiante. Jesus, porém, percebendo que ainda não podia fazer mais nada, disse-lhe: “Vai em paz!” Só então o outro saiu. Mas enquanto podia, voltava-se para olhar Jesus de longe, até perder-se de vista.


Foi por esses tempos, aos dez anos de Jesus aproximadamente, que Arquelau, que governava despoticamente aquela região, destruiu uma cidade distante 8 km de Nazaré, Séforis. Eu presumo que muitos sobreviventes (muitos ficaram escravos) tenham fugido para Nazaré e com toda a certeza foram hospedados por José, Jesus e Maria.


Devido a esse e a outros maus governantes, Jesus viu muita violência entre os 3 e 12 anos de idade, conforme nos ensina o Frei Carlos Mesters em seu livro “Com Jesus na Contramão”. É engano nosso achar que Jesus viveu sempre em ambiente tranquilo e pacífico. A infância dele foi marcada pela violência desses déspotas que governavam. A maldade de Arquelau era tanta que logo depois da destruição que ele causou em Séforis, foi deposto pelo governo romano.


Essa violência poderia ter sido, de fato, constatada por ele nessas migrações de pessoas que conseguiam escapar do morticínio ou da escravidão a que eram submetidos nessas cidades circunvizinhas a Nazaré. Consta que duas mil pessoas foram crucificadas em Séforis quando da destruição da cidade.


Quanto a Nazaré, era tão pequena que fora da bíblia não se fala dela. Seus moradores, e José e Jesus estão incluídos nisso, trabalhavam na pequena agricultura. José e seu filho Jesus trabalhavam também na carpintaria: eram camponeses e operários. Jesus ficou, pois, trinta anos trabalhando como camponês e operário e apenas três anos pregando o evangelho, utilizando-se de todo esse conhecimento obtido nessa sua vida de Nazaré.

Diz o Frei Carlos Mesters:

Ele nasceu em Belém, na Judeia do Sul (Mt 2,1) e foi criado no interior, nessa cidade de Nazaré, na Galileia, no Norte (Lucas 4,16). Falava o aramaico com sotaque de judeu da Galileia. Para os samaritanos era judeus (Jo 4,9) e para os judeus da Judeia era galileu (tudo isso está no livrinho do Frei Carlos Mesters indicado acima).


Era de família não sacerdotal, ao contrário de João Batista (Zacarias , Lc 1,5). Nasceu leigo, pobre, sem nenhuma proteção financeira. Como já dissemos no capítulo anterior, José provavelmente era migrante provindo de Belém, talvez para tentar uma vida mais digna.


Jesus aprendeu o que sabia em casa, com a mãe, e na sinagoga. Essas coisas a gente vê na bíblia, por exemplo, em Lucas 2,4 (migrante), Atos 22,3 (Jesus não estudou como Paulo), Mt 13,55 e Mc 6,3 (os filhos seguiam a profissão do pai.


18 bênçãos (manhã, tarde, noite); 


Shemá (3 benditos e 3 leituras ), manhã e noite, sendo: 


1 bendito ao Deus Criador, 


1 ao Deus Revelador, 


3 leituras:Dt 6,4-9 (receber o reino); Dt 11,13-21 (receber a Lei de Deus); Números 15,37-41 (receber a consagração), 


1 bendito ao Deus Salvador que liberta o povo. 


TUDO MISTURADO COM SALMOS. 


Jesus tinha muita intimidade com Deus, seu Pai. Rezava muito, passando noites em oração, como vemos em Lucas 6,12. Nas orações procurava sempre saber o que o Pai queria dele, como em Mateus 26,39. Todos os sábados ia com os pais à Sinagoga (livro citado do Frei Carlos Mesters).


Nos trinta anos que viveu com os pais, em Nazaré, procurou vislumbrar, em seu horizonte, o que faria, qual seria sua missão. Não lhe faltaram muitas tentações, mesmo nesse tempo de Nazaré, como depois, na vida pública, em que foi tentado não apenas pelo demônio, mas também pelas pessoas, que sugeriam-lhe um desvio de sua vocação.


O Frei Carlos Mesters faz um pequeno elenco dessas tentações: 


Pedro: tentação de ser um Messias glorioso- veja Mateus 16,22; Marcos 8,33; 


Seus pais – veja Lucas 2,48; Lucas 2,49. 


Seus parentes, que queriam levá-lo para casa. Veja Marcos 3,21 e 3,33; 


Os apóstolos gostaram do afluxo do povo. Veja em Marcos 1,38; 


João Batista queria um juiz severo. Veja em Lucas 3,9. Mateus 3,7-12; Mateus 11,3. Jesus mandou João conferir as profecias e confrontá-las com a realidade dos fatos. Veja em ateus 11,4-5; Isaías 29,18-19; Isaías 35,3-5; Isaías 61,1; 


O assédio dos fariseus. Veja em Lucas 13,31.32 


O povo o queria rei-messias, poderoso. Veja em João 6,15. Jesus se retirou. 


O demônio o tentou pedindo que ele fosse o novo Moisés, para alimentar o povo (Mateus 4,3), um Messias que se manifesta (Mateus 4,5-6; João 7,27), um Messias nacionalista que conquistaria o mundo (Mateus4,9). Jesus reage. Veja em Mateus 4,4.7.10. 


No Horto das Oliveiras, pede ao Pai que o livre do cálice, mas logo pede que se faça a sua vontade. Veja em Marcos 14,36. 


Na prisão, tem a tentação de ser um Messias guerreiro, quando Pedro corta a orelha do outro. Veja em Lucas22,53 e Mateus 26,52.


Todos nós podemos viver a Vida de Nazaré vivida por Jesus, mesmo sendo missionários e pessoas ativas na comunidade. Há muitas horas de descanso e de intervalo em nossas atividades, que podemos muito bem usá-las para uma vida tranquila, de contemplação. Como vimos acima, a vida que Jesus levou em Nazaré não foi assim tão tranquila. Houve muitos momentos de violência externa, que ele e sua família teve de ver e assistir sem poder fazer muita coisa. Jesus veio para ser cem por cento homem e cem por cento Deus, mas não podia usar em benefício próprio sua divindade. Ele veio justamente para nos ensinar e nos mostrar que é possível ser uma pessoa santa, mesmo com os afazeres diários.


O problema sério, principalmente de hoje em dia, é que nós nos apegamos aos nossos trabalhos como se fossem nossa tábua de salvação, e acabamos muitas vezes nos afastando da fonte de tudo, que é Deus.


Diz o salmo 126 (127), que não adianta nada trabalhar sem Deus. É trabalho perdido, jogado fora. Vejo tantas pessoas se matando simplesmente por causa do dinheiro, e ainda mais, que não é do próprio sustento, mas para coisas supérfluas que muito bem poderiam ser deixadas de lado.


O cardeal Van Thuan, bispo do Vietnam fazia apenas alguns meses, foi preso porque era católico. Ficou 13 anos preso, sendo 9 de solitária. Quando chegou à prisão, ficou angustiado, pois tinha deixado muito trabalho apostólico. No fim de alguns dias, após muita oração descobriu que ele não havia escolhido, em sua vida, as obras de Deus, mas o próprio Deus, que se manifesta em qualquer lugar.


Dizia Santa Teresinha do Menino Jesus que “A alegria não está nos objetos, mas no mais íntimo do coração; podemos sempre senti-la, tanto no mais rico palácio, como na mais triste prisão”. E é a mais pura verdade. Jesus foi Deus-homem verdadeiro em todos os lugares, seja em Nazaré, como na vida de pregação como na morte. Fosse qual fosse a situação, ele não deixava sua intimidade com o Pai.


Jesus deveria ser a cara de sua mãe. Deveria ser muito parecido com ela, pois sua carne veio só de Maria. Nossa mãe do céu, que tão bem soube ensinar e educar Jesus, pode também nos educar, nos ensinar, nos orientar no caminho de nossa vocação, seja ela qual seja.


Entretanto, fica aqui um lembrete para que não deixemos a oração, a intimidade com Deus, e Jesus nos deu o exemplo, quando ficava noites inteiras rezando. Nosso sucesso na vida espiritual vai depender não tanto de nossas ações, mas de nossas orações e de nossa confiança na Providência Divina, como fizeram Jesus, Maria e José. 


COMPLEMENTO

A VIDA DE NAZARÉ E O BEATO CARLOS DE FOUCAULD

 

Em busca da santidade, podemos viver como Jesus viveu em Nazaré durante os seus primeiros trinta anos de vida: trabalhando com José, rezando, contemplando e convivendo com as pessoas. Nada de "espetacular". A vida de Nazaré antes de tudo é uma vida em família. Se você não vive em família, faça de sua comunidade a sua família.

 

Nós procuramos viver essa vida de Nazaré, procurando pregar o evangelho mais com a vida do que com as palavras. Dizia o Beato Irmão Carlos de Foucauld que precisamos não apenas proclamar, mas gritar o evangelho e não apenas com as palavras, mas com a própria vida!

 

Eis algumas meditações que o Beato Ir. Carlos escreveu sobre a vida de Nazaré:

 

Tenho tanta sede de levar enfim a vida que entrevi, que adivinhei, ao caminhar pelas ruas de Nazaré, ruas que os pés de Nosso Senhor pisaram, e Ele, o pobre artesão perdido na abjeção e na obscuridade... (Carta à sra. de Bondy, 24/6/1986).

 

Há uma semana mandaram-me rezar diante do corpo de um empregado (do mosteiro), um nativo católico, falecido numa cabana próxima: que diferença entre esta casa e nosso convento. Eu suspiro por Nazaré (Carta à sra. de Bondy, 10/4/1894, Oeuvres Spirit. p. 702).

 

“Desceu com eles e veio a Nazaré”. Durante toda sua vida ele só se abaixou: ao encarnar-se, ao fazer-se criancinha, ao obedecer, ao fazer-se pobre, abandonado, exilado, perseguido, supliciado, pondo-se sempre no último lugar.(Voyageur dans la nuit, p 308).

 

Meus últimos retiros para o diaconato e para o sacerdócio mostraram-me que esta vida de Nazaré, que parecia ser minha vocação, era preciso levá-la não na Terra Santa tão amada, mas entre as almas mais doentes, as ovelhas mais abandonadas. Este banquete divino do qual sou ministro, era preciso apresentá-lo não aos irmãos, aos parentes, aos vizinhos ricos, mas aos coxos, aos cegos, às almas mais abandonadas, mais carentes de sacerdotes (Carta ao Pe. Caron, 8/4/1905).

 Eu sou um velho pecador que, no dia imediato ao da sua conversão – há quase 20 anos – foi poderosamente atraído pelo Senhor para levar a mesma vida que Ele levou em Nazaré. Desde então, esforço-me por imitá-lo... bem miseravelmente, é certo. Passei muitos anos nessa querida e abençoada Nazaré, como criado e sacristão do convento das Clarissas. Só deixei este lugar bendito há cinco anos, para receber as santas ordens.

 

Sacerdote não residente da diocese de Viviers, os meus últimos retiros de diácono e sacerdote mostraram-me que esta vida de Nazaré, a minha vocação, era necessário levá-la, não na tão amada Terra-Santa, mas entre as almas mais doentes, entre as ovelhas mais abandonadas.

 

O divino banquete de que sou o ministro, era preciso oferecê-lo, não aos irmãos ou aos parentes ou aos vizinhos ricos, mas ao mais coxo, ao mais cego, às almas mais abandonadas, as privadas do sacerdote. Na minha mocidade, percorri a Argélia e Marrocos. Marrocos tão grande como a França, com dez milhões de habitantes, não tinha nem um único padre no interior. O Saara argelino, sete ou oito vezes maior que a França e mais habitado do que anteriormente se julgava, tinha doze missionários.

 

Nenhum povo me pareceu tão abandonado como este e assim pedi e obtive do Reverendíssimo Prefeito Apostólico do Saara, a licença para me fixar no Saara argelino, e de levar na solidão, na clausura e no silêncio, pelo trabalho das minhas mãos e no estado de pobreza, só ou com alguns padre ou irmãos leigos, uma vida tão semelhante quanto possível à vida oculta de Cristo em Nazaré ...

 

Estabeleci-me há três anos e meio, em Beni-Abbès, mesmo na fronteira de Marrocos, procurando, embora miserável e tibiamente, levar a bendita vida de Nazaré. Até agora estou só... O grão de trigo que não morre, fica só...” Peça ao Senhor para que eu morra para tudo o que não seja a sua vontade. Um pequeno vale é a minha clausura; só de lá saio quando um imperioso dever de caridade me força a isso... a falta de outro sacerdote (o mais próximo está a 400 quilômetros ao norte)... ou para levar Cristo a qualquer outro lugar (Carta ao Pe. Caron, 8/4/1905, Textos Espir. p.213-215)

 

Escolho Tamanrasset, lugarejo de vinte casas em plena montanha, no coração do Hogar e entre os Dag-Rali, principal etnia [Tuareg], afastado de todos os centros importantes. Não parece estar prevista nenhuma guarnição militar, nem telégrafo, nem europeu, e por muito tempo não haverá missão. Escolho esse lugar abandonado e aqui me instalo, suplicando a Jesus que abençoe esta instalação na qual quero, para minha vida, tomar um único exemplo, sua vida de Nazaré (Carta ao Pe. Huvelin, 4/12/1909).

 

Quero que todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus... se acostumem a ver-me como irmão, como irmão universal ... Eles estão começando a chamar minha casa de “fraternidade”, e isso me dá muita alegria (Carta à sra. de Bondy, 7/1/1902).

 

Ele [Jesus] assume a vocação de gritar o Evangelho em cima dos telhados, não com palavras, mas com a vida. (Retiro em Nazaré, 1897).

 

Levem o Evangelho, pregando-o não com palavras, mas pelo exemplo. Não o anunciado, mas vivendo-o... (Retiro em Efrém, 1898, 2ª f. depois do 3º domingo da Quaresma).

 

Que os irmãos tenham o mesmo zelo pelas almas e as mesmas virtudes que os cristãos dos primeiros séculos e realizarão as mesmas obras. Espalharão, como eles, ocultos, dissimulados, o bem que não podem fazer abertamente. O amor mostrar-lhes-á os meios, e o Senhor sabe tornar eficazes os esforços que inspira.

Recapitulemos: “Não podemos medir os nossos trabalhos pela nossa fraqueza, mas os nossos esforços pela nossa obra”. Se as dificuldades são grandes, apresemo-nos ainda mais a dedicar-nos ao trabalho e multipliquemos mais ainda os nossos esforços (Projeto de Missão no Marrocos, Textos Espir. p. 275).


 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FRATERNIDADE SACERDOTAL JESUS+CÁRITAS


Henry Le Masne e Michel de la Villeon. (do boletim 111, julho 2002)

Para resumir a história que vivi dos inícios da Fraternidade Jesus+Cáritas, estou convencido de que caminhei “cercado por uma nuvem de testemunhas” (Hb 11,1). De fato, seu nascimento e seu desenvolvimento não foram obra de uma só pessoa, mesmo tendo o Padre Voillaume desempenhado importante papel ao tomar, no início, a iniciativa de nos reunir, permanecendo guardião de nossa fidelidade à mensagem de Carlos de Foucauld. “A Fraternidade tomou corpo colegialmente”(Gabriel Isaac).


1- A “PRÉ -UNIÃO”

Alguns padres procuravam juntos como viver a mensagem de Carlos de Foucauld no clero diocesano, sobretudo Gabriel Isaac. É em seu itinerário pessoal que se enraíza a intuição do começo da Fraternidade Sacerdotal.

(Catedral de Issy-les-Molineuax)


No Seminário Maior de Issy-les-Molineaux, desde 1927, Gabriel está em contato com René Voillaume e os que formarão a primeira equipe dos Irmãozinhos de Jesus. Alimenta-se da Vida de Carlos de Foucauld, livro escrito por René Bazin, dos Escritos Espirituais e do Diretório, este último um texto importante por ter sido trabalhado pelo Irmão Carlos quase até sua morte. Participa dos dois retiros que, em 1932 e 1933 preparam a fundação dos Irmãozinhos. Sente grande atração pela vida religiosa.

Logo, porém, tem a intuição de ser chamado a ser discípulo de Carlos de Foucauld como padre diocesano e não como Irmãozinho.

Desde o início, Gabriel participa da vida da “Associação Carlos de Foucauld”, que reune todos os discípulos do Irmão Carlos. Entre os membros da Associação, há alguns padres. Começam a se reunir buscando viver uma fidelidade maior à mensagem evangélica do Irmão Carlos de Jesus e, ao mesmo tempo, à sua vocação de padres diocesanos:

-À mensagem evangélica de Carlos de Foucauld, pela importância dada à oração em Nazaré: as virtudes ocultas; às duas fontes vivas: a Eucaristia e o Evangelho; a um estilo de apostolado: bondade, amizade; à preferência pelos mais pobres; à fraternidade universal.

-À sua vocação de padres diocesanos, pela união como Bispo, sem obrigações de obediência na Fraternidade; pela prioridade às reuniões diocesanas em relação aos encontros de fraternidade.

A preocupação pela missão tem um grande espaço. Alguns pedem para trabalhar num meio bem popular com outro estilo de vida: trabalho manual, habitação, para estarem mais perto das pessoas, com relacionamentos simples e partilha de amizade.

O grupo começa a se organizar e se dá o nome de “União dos irmãos do sagrado Coração de Jesus”. Permanece estreitamente unido com os Irmãozinhos, comprometendo-se a um dia mensal de retiro numa de suas fraternidade, se possível. Mas, quer ser antes de tudo “um espírito e uma amizade”.

É nesta época que o Padre Voillaume começa a aparecer, colaborando conosco diversas vezes entre 1948 e 1951. Tinha uma tríplice preocupação:

1-responder ao pedido dos jovens atraídos pelos Irmãozinhos, mas com o desejo de levar uma vida apostólica ativa.

2-responder à caminhada de muitos padres que batiam à porta da Fraternidade dos Irmãozinhos de Jesus.

3-Assegurar o estabelecimento dos Irmãozinhos onde estiverem surgindo comunidades cristãs. Como no norte dos Camarões, pedindo missionários ativos no mesmo espírito.

Em junho de 1951, o Padre Voillaume redige uma nota sobre um ramo dos Irmãozinhos para padres de ministério. Trata-se de um Instituto Secular e não de uma congregação religiosa, para padres diocesanos, mas é de fato um ramo dos Irmãozinhos, e o superior é o Prior.

Em setembro de 1951, uma etapa decisiva será vencida. O Padre Voillaume nos convida a participar de um retiro que vai pregar às Irmãzinhas, no Tubet, perto de Marselha. Nesta ocasião tivemos a oportunidade de nos encontrar diversas vezes com ele e com Monsenhor de Provenchères, arcebispo de Aix-en-Provence, que acompanhava o conjunto dos grupos da Família Carlos de Foucauld. Um padre,Pierre Cimetière, que veio assistir à profissão de uma de suas sobrinhas, se junta a nós. Foi um amor à primeira vista e, para a União nascente, uma grande oportunidade de se enraizar ainda mais no clero diocesano. Ele dirá que descobriu em Carlos de Foucauld:

 “Aquele que será talvez o santo típico de nossa época, tão presente a Deus e ao mesmo tempo aos homens, tão sedento de contemplação e ao mesmo tempo irmão universal, com um ardente amor por Jesus a ser levado aos mais pobres, aos mais afastados. Não foi isso que nos seduziu nele, porque era isso que angustiava nosso espírito e nosso coração?”


II- A “UNIÃO DOS IRMÃOS DE JESUS”

(DIJON ATUAL)

Em Mombard, Costa d'Ouro, Departamento cuja capital é Dijon, novo encontro em março de 1952. O grupo toma agora o nome de “União dos Irmãos de Jesus”, escolhe um responsável, Pierre Cimetière, e organiza estatutos, bem na linha do Irmão Carlos. Leigos consagrados são inteiramente membros da União. Infelizmente, seu pequeno número em relação aos padres amplamente majoritários, vai obrigá-los a se organizarem em grupo independente, que não durará muito. E a União se tornará “União Sacerdotal”.

Em seguida, acontecem diversos encontros que possibilitarão precisar melhor os objetivos e o espírito da União. Abre-se um debate que durará anos sobre o “compromisso”, revelando uma tensão normal entre os que entraram na Fraternidade atraídos pela vida religiosa, por vezes monástica, e os que vinham primeiro à procura de uma vida fraterna entre padres para assumirem melhor sua missão.


III-DUAS ASSEMBLEIAS QUE FUNDAM A UNIÃO.

1- O PRIMEIRO MÊS DE NAZARÉ (Boquen, agosto de 1955).

Com a preocupação de não tirar os padres por muito tempo de seu ministério – na época ainda não havia ano sabático – foi proposto um mês de formação àqueles que já tivessem caminhado numa fraternidade. Tratava-se menos de um grande retiro e mais de uma vida fraterna simples, partilhada na oração, no trabalho manual, na revisão de vida com um tempo de formação dado pelo Padre Voillaume.

Éramos uns cinquenta padres numa abadia em ruínas, a abadia de Boquen, na Bretanha, que Dom Aléxis – uma figura! - tentava refazer com alguns monges. As condições materiais eram rudimentares, não faltava trabalho: cozinha, reconstrução das ruínas, mas o ambiente era magnífico, em plena natureza, a dez quilômetros de qualquer povoação.

Foi para cada um de nós um tempo muito forte. Padre Voillaume fazia cada dia uma conferência, esforçando-se para adaptar a mensagem de Carlos de Foucauld. Não queríamos ser religiosos. Estava conosco Mons. De Provenchères, que nos acompanhava de perto desde o primeiro encontro de 1951, no Tubet.

Um pequeno grupo fazia uma experiência paralela à nossa. Tornar-se-ia a Fraternidade dos Irmãozinhos do Evangelho. Entre eles, um padre extraordinário, Philippe Dien, Reitor do Seminário Menor de Saigon. Uma amizade profunda nos uniria no decurso de seu itinerário, que o levaria ao arcebispado de Hué, encargo pesado que ele assumiria “entre sangue e lágrimas”, durante a guerra do Vietnã e depois.

No fim do Mês de Nazaré, dezessete dos nossos fizeram seu primerio compromisso, dizíamos “primeira consagração”. Esse passo correspondia ao nosso desejo de viver a fundo o Absoluto de Deus e era necessário – pensávamos então – fundar a União.

Um momento importante seria a eleição de Gui Riobé como responsável geral. Seu papel foi capital na continuação do enraizamento da União no clero diocesano, na criação de um mínimo de estruturas e na constante abertura à Igreja universal. Guy fará inúmeras viagens na Europa, na África, na América do Norte e na América Latina. A primeira viagem foi de quatro meses. Essas viagens eram, por vezes, muito exigentes para a sua saúde, mas possibilitaram-lhe o duro aprendizado da gratuidade: sentimento de não estar sendo esperado, acolhida fria de alguns bispos que tinham medo que seus padres deixassem o clero diocesano. Guy, porém, semeou a semente e a semente produziu frutos como se viu já na primeira assembléia internacional.


2- A PRIMEIRA ASSEMBLÉIA INTERNACIONAL (Taybeh, na Palestina, julho de 1962)

(Taybeh, Palestina)

Foi o primeiro encontro verdadeiramente internacional: cinquenta padres de 18 nações: Europa, África Negra, Oriente Médio, Egito, América do Norte e América Latina.

Esse grupo tão diversificado encontrou-se numa aldeia palestina, a Efraim do Evangelho, aonde, para escapar das autoridades que tinham decidido sua morte, “Jesus se retirou” (Jo 11,54), região vizinha ao deserto, que foi o lugar ideal de nossos dias de deserto.

Era um ambiente estranho para a maioria: moradia, alimentação, liturgia. A aldeia era totalmente cristã. Mas a acolhida dos moradores deixou todo mundo à vontade, tanto que, como chegamos no dia em que um filho da terra celebrava a sua primeira missa, fomos convidados a participar da festa. Cinquenta convivas imprevistos não é um problema nessa sociedade.

A vida fraterna era forte, sobretudo graças aos encontros diários em pequenas fraternidades, nas quais íamos nos conhecendo. Tive a chance de estar com Luigi Betazzi, atualmente Bispo de Ivrea, grande figura do episcopado italiano.


Tivemos, no entanto, que descobrir que a Fraternidade Universal não surge feita. Houve tensões, e até mesmo uma crise, quando os franceses foram criticados por quererem impor seus modelos, seu vocabulário, como “revisão de vida”. Era preciso deixar os não-franceses pensarem e construir a União segundo seu próprio jeito. Esta crise nos colocou uns diante dos outros na verdade. Um homem desempenhou um papel essencial na solução da crise, Pierre Cemitière, porque se mostrou muito próximo dos africanos, dos latino-americanos e de outros “estrangeiros”: sem ter viajado, ele mantinha contato epistolar com cada um, para quem ele era de fato o “Vieux Frère” (Velho Irmão).

Houve para mim momentos particularmente fortes:

-a primeira palestra do Pe. Voillaume: “Vocês vieram até aqui à procura de Deus, caso contrário só lhes resta voltar para casa”;

-os dias de deserto;

-a visita a alguns lugares santos, em particular lugares ortodoxos, graças a Vsevolod, sacerdote russo (em Betânia participamos do enterro de uma monja ortodoxa);

-a consagração definitiva que fizemos em Jerusalém;

-a visita a Nazaré.


(Cardeal Émile Biayenda)

Há também rostos dos quais não posso me esquecer, como Émile Biayenda, cheio de alegria, embora tivesse sofrido prisão e tortura em seu país. Foi arcebispo de Brazzaville e cardeal, e morreu assassinado; Simon M'Peqê, o Babá Simon, irradiando a sabedoria dos anciãos de sua África e que, embora pároco de uma grande paróquia, partiu como missionário para o norte dos Camarões. Duas faces entre outras nas quais se encontravam anciãos como Gabriel Isaac e jovens que estavam descobrindo a União, especialmente na América Latina.


(Presidente Marien Ngouabi à esquerda com Émile Biayenda então Cardeal Arcebispo de Brazzaville ambos assassinados em março de 1977 e com seu sucessor, o coronel Joachim Yhomby Opango na foto da direita)


IV- ALGUMAS EVOLUÇÕES

Deste breve histórico dos inícios, pode-se tirar algumas evoluções ?

1)- Nossa Fraternidade foi encontrando pouco a pouco o seu lugar na família espiritual originada na vida e da morte de Carlos de Foucauld. Isso aconteceu na tensão, às vezes difícil, mas finalmente fecunda, entre o chamado à perfeição evangélica, um pouco segundo o modelo da vida religiosa, e a fidelidade ao clero diocesano.

Entre os que entraram na União nos primeiros anos havia o desejo de uma vida religiosa, até mesmo contemplativa: apelo interior, expansão dos Irmãozinhos e das Irmãzinhas. O próprio Pe. Voillaume tinha dificuldade, no início, em ver nosso grupo como plenamente diocesano.

“Era o momento no qual Pio XII abria a possibilidade de um caminho de perfeição reconhecido aos leigos e aos padres, no mundo e com os meios do mundo, pelos institutos seculares. Muitos grupos evangélicos, já existenes ou em gestação, aspiravam por esse reconhecimento” (Gabriel Isaac, Origines et étapes, p. 64).

Entretanto, havia os padres que tinham procurado a União para nela encontrar os meios para uma fidelidade maior à sua missão pastoral e também uma vida fraterna, uma amizade entre padres, sem desejo de vida religiosa.

Desde o início, foi afastado tudo o que pudesse nos separar do presbitério, como equipes de ministério, tempos longos de formação. Pierre Cimetière e mais ainda Guy Riobé com o peso de sua autoridade, garantiram o caráter plenamente diocesano da União. Durante alguns anos foi pedido o reconhecimento da União como Instituto secular, mas depois o pedido foi abandonado.

Permaneceu porém, inteira, a exigência de perfeição evangélica. No lugar dos quadros da vida religiosa, há a fraternidade: “Tudo está na fraternidade”, dizia Pierre Cimetière. É o lugar onde se verifica a nossa fidelidade, graças à amizade de nossos irmãos, amizade compreensiva e ao mesmo tempo exigente. A revisão de vida deve se o meio dessa verificação num clima de verdade e de transparência.


2)-É interessante notar uma evolução no papel do responsável de fraternidade. No início havia um relacionamento pessoal com cada um: era a ele que a gente entregava a revisão de vida por escrito. Era um pouco como um superior. Agora, sua responsabilidade consiste em fazer com que a fraternidade desempenhe bem seu papel em relação a cada um de seus membros e garantir sua fidelidade ao Evangelho.


3)- Uma outra evolução: o lugar de Carlos de Foucauld na Fraternidade Sacerdotal. É certo que esse lugar dentro do movimento espiritual que ele suscitou é humilde e discreto. Seu papel é de nos levar a Jesus, ao Evangelho, à Igreja. Quem transmitiu fielmente a mensagem do Pe. De Foucauld, em sua pureza e seu vigor, foi o Pe. Voillaume. Por isso, devemos sempre voltar às intuições do início, ou seja:  

-PRESENÇA DIANTE DE DEUS E DO POVO;

-NAZARÉ: VIDA SIMPLES, PERTO DO POVO, NA AMIZADE E NA GRATUIDADE;

-ATENÇÃO PRIVILEGIADA AOS MAIS DESPROVIDOS

Pode-se entrar na Fraternidade sem conhecer Carlos de Foucauld; penso, porém que não se pode ficar na Fraternidade sem um esforço para estudar sua vida e seus escritos. Parece que tal estudo se torna sempre mais importante em nossa Fraternidade.


4)- O anúncio do Evangelho a quem ainda não o ouviu foi a paixão de Carlos de Foucauld:

“O senhor pergunta se estou disposto a ir para outro lugar além de Beni-Abbés para a expansão do santo Evangelho: para isso estou pronto a ir até ao fim do mundo e a viver até o juízo final”! (a Dom Guérin, 27/2/1903).

Na União dos primeiros anos os padres eram orientados, ao menos de coração, àqueles dos quais a Igreja está longe, e muitos exerciam o ministério em meio muito popular ou entre imigrantes muçulmanos.

Talvez tenhamos percebido mais a dimensão missionária da vocação de Carlos de Foucauld, enquanto, no início, éramos mais sensíveis aos aspectos contemplativos da adoração, do deserto. Fizemos de alguma maneira um caminho paralelo ao seu, como o mostram, no fim de sua vida, sua carta de maio de 1911 ao Pe. Antonin sobre o “monge missionário” e seus esforços para fundar a “União” - associação – e promover um laicato missionário tanto na França quanto nas “colônias” (cf. “Correspondência com Joseph Hours”).

Ser da Fraternidade foi para muitos na Europa um elemento determinante na decisão de partir como “fidei donum” ou de se consagrar à missão na França como padres operários ou numa vida mais próxima dos imigrantes magrebinos.

Haveria outras evoluções a serem destacadas, sobretudo no campo da missão. Que nossa Fraternidade possa estar sempre em busca na Igreja, respondendo ás necessidades deste mundo ao qual o Senhor nos enviar para levar sua Boa Notícia.


COMO NASCEMOS


AS ORIGENS DA FRATERNIDADE SACERDOTAL JESUS CARITAS

 ( Do boletim especial 126 de 2016)

 

No Seminário de São Sulpício, em Issy-les-Moulineaux, na França, alguns estudantes trocam ideias sobre a vida e os projetos de Carlos de Foucauld, que chegaram até eles pela obra de René Bazin, a primeira a apresentar a biografia do Irmão Carlos de Jesus. Graças a Louis Massignon, um filho espiritual do Padre de Foucauld, os seminaristas têm acesso também ao manuscrito do Diretório para as Fraternidades escrito pelo Padre de Foucauld. Leem e estudam os textos, procurando visualizar a espiritualidade do Irmão Carlos na vida de padres seculares em seu ministério pastoral. Alguns seminaristas pensavam numa Congregação que realizasse o projeto do Irmão Carlos, pensamento que se concretizou na fundação dos Irmãozinhos de Jesus. Dois nomes que se destacam nesse primeiro momento são os de René Voillaume e Gabriel Isaac. Gabriel, do clero de Lyon, fará parte do primeiro grupo da Fraternidade Sacerdotal.

Voillaume, fundador dos Irmãozinhos de Jesus, e dos Irmãozinhos do Evangelho, será o grande inspirador de toda a Família espiritual do Irmão Carlos. Gabriel Isaac e René Voillaume se conheceram em 1926, no Seminário de São Sulpício.

René Voillaume é ordenado padre em 1929 e nos anos de 1932 e 1933 prega dois retiros preparando a fundação dos Irmãozinhos de Jesus. Gabriel participa dos retiros. No dia 8 de setembro de 1933, quatro primeiros Irmãozinhos fazem seus votos em Montmartre e partem para El Abiodh Sidi Cheikh, na Argélia. Aí tem inicio a primeira fraternidade e o noviciado dos Irmãozinhos.

Em Lyon existia a Associação Carlos de Foucauld, que depois se chamou de Fraternidade Carlos de Foucauld, agrupando todos os discípulos do Irmão Carlos. Alguns padres faziam parte da Associação, sempre buscando inspiração em Carlos de Foucauld para sua vida de padres diocesanos. Ligados aos Irmãozinhos e orientados pelo Pe. Voillaume, os padres se organizam com o nome de União dos Irmãos do Sagrado Coração de Jesus. Encontram-se mensalmente nma das fraternidades dos Irmãozinhos. Em 1946, o sacerdote Voillaume conhece Henry le Masne, em Lyon.

Em junho de 1951, Pe. Voillaume redige uma nota sobre um projeto de fundação para padres diocesanos de um novo ramo ligado aos Irmãozinhos. No mesmo ano, em setembro, prega um retiro para as Irmãzinhas de Jesus no Tubet, perto de Marselha. Os padres são convidados. Está presente o Pe. Pierre Cimetière, o Vieux Frère, que vem assistir os votos de uma de suas sobrinhas. Presente também Mons. de Provenchères, arcebispo de Aix em Provence, que acompanhava as fundações da família do Padre de Foucauld.

Em março de 1952, no encontro em Montbard, o grupo de padres passa a se chamar de União dos Irmãos de Jesus. Piere Cimetière é escolhido como responsável e são redigidos os estatutos.  Em agosto de 1955 acontece o primeiro Mês de Nazaré na abadia de Boquen, na Bretanha, com a participação de cerca de 50 padres. Ao todo, 17 fazem a consagração. Guy Riobé é eleito responsável geral. Em julho de 1962, realiza-se a primeira Assembleia Internacional em Taybeh, na Terra Santa. Participam 50 padres de 18 nações, entre eles Martin Huthman, de origem alemã, que há anos trabalha na diocese de Rondonópolis; Rui Coutinho, de Belém e Hélio Campos, de Fortaleza; Henry le Masne, de Lyon; Emile Biayenda, que será Cardeal Arcebispo no Congo Brazzaville e será assassinado, e Simon M’peke, Baba Simon, dos Camarões, que está com um processo de beatificação encaminhado.

A Fraternidade Sacerdotal nasceu pouco a pouco e colegialmente com momentos fortes nas etapas de formação e com pessoas marcadas pelo carisma do Irmão Carlos. Depois de Guy Riobé, Pierre Loubier veio ao Brasil em 1964 consolidar a Região brasileira. Em 1965 Paulo Oliveira participa da Assembleia de Valmont.

 

“Minha missão deve ser o apostolado da bondade. Se alguém me perguntar porque sou manso e bom, deverei responder: ‘Porque eu sou o servidor de um Outro que é muito melhor que eu. Se você soubesse como é bom o meu Mestre Jesus!”  Quero ser tão bom que possam dizer de mim: “Se o servidor é assim, como não será o Mestre?”

                (Ir. Carlos)

 

Colaboração de Cônego Celso Pedro

 

Atualmente, a Família Carlos de Foucauld conta com vinte e um ramos, e alguns grupos ainda não filiados. A Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas tem o reconhecimento pontifício e está presente nos cinco continentes, em 60 países, organizada em 46 Regiões. Hoje existem 950 fraternidades, nas quais 4.572 presbíteros participam ativamente.

 

COMO SURGIRAM  AS FRATERNIDADES SACERDOTAIS NO BRASIL

 

Aos 05 de julho de 1958, o padre francês Guy Riobé (1911-1978), responsável geral da “União Sacerdotal”, cujo nome mudará, depois do Concílio Vaticano II, para “Fraternidade Sacerdotal”, chega, pela primeira vez, ao Brasil, por um mês. Em cinco cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e Belém do Pará), ele mantem contatos com padres e seminaristas que conhecem a espiritualidade de Carlos de Foucauld.

O primeiro fruto concreto da visita aparece: dois padres brasileiros, Pe. Francisco Hélio Campos (1912-1975), do Ceará, e Pe. Ruy Coutinho (1921), do Pará, decidem ingressar oficialmente na “União Sacerdotal”, fundada na França em 1952, e se comprometem com ela. Como segundo fruto concreto da visita, Pe. Riobé anota, no seu diário da visita ao Brasil, que vários padres concordaram, nas cinco cidades visitadas por ele, em encontrar-se mensalmente para iniciar uma fraternidade da “União”.

Segundo Dom Paulo Eduardo Andrade Ponte (1931-2009), arcebispo emérito de São Luís do Maranhão, que fez parte alguns anos da fraternidade de Fortaleza, os primórdios da “União Sacerdotal”, em nível do Brasil, ocorreram no Ceará, no bairro pobre e violento do Pirambu, em Fortaleza, onde havia um grupo de padres simpatizantes reunidos, de vez em quando, por Pe. Francisco Campos; lembra ainda que o primeiro retiro em redor da espiritualidade de Carlos de Foucauld, para padres de todo Brasil, aconteceu em Pacatuba – CE, a uns 40 km de Fortaleza, no sitio do pai dele, em julho de 1959, com uns 60 participantes. O retiro foi orientado pelo padre francês René Voillaume (1905-2003), fundador dos Irmãozinhos de Jesus e autor do famoso livro “Fermento na Massa” (1950). Em maio de 1960, Dom Alberto G. Ramos, arcebispo de Belém do Pará, torna-se o primeiro bispo brasileiro a aprovar a “União” na sua Diocese.

“Por causa de Cristo e do Evangelho” é o lema das fraternidades.

O nosso compromisso é com Cristo e com todas as pessoas deste mundo

O nosso compromisso é viver num espírito de fraternidade universal. Estendendo pontes e encurtando distâncias

Assim, em Belém, Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo e na Bahia as fraternidades começaram a se estruturar. Em 1962, na primeira Assembleia Internacional da “União”, na Terra Santa,  havia cinco brasileiros, sendo três do Ceará e dois do Pará. Em 1965, o jovem padre de São Paulo, Celso Pedro da Silva, é indicado pelo sucessor de Riobé (nomeado Bispo de Orleans), Pierre Loubier (1923-1988), como responsável das fraternidades sacerdotais no Brasil. Ele é hoje o irmão mais antigo da Fraternidade Jesus Caritas no território brasileiro, tendo se engajado, em 1962, pouco tempo após a sua ordenação. O primeiro Mês de Nazaré no Brasil ocorreu em Vinhedo, no Estado de São Paulo, no mesmo ano da escolha de Celso Pedro, que prestou o serviço de coordenador até julho de 1973, sendo substituído sucessivamente por Roberto Delgado, até julho de 1974, e, em seguida, por Geraldo Lima (1974-1980). Na quarta Assembleia Internacional de Montefiolo (Itália-1976), houve a participação ativa de dois brasileiros: Celso Pedro e Geraldo Lima que, como latino-americanos, questionaram alguns moldes culturais franceses e europeus da Fraternidade Jesus Caritas, sugerindo que houvesse maior abertura aos diversos continentes.

De 1973 a 1978, a Fraternidade Jesus Caritas no Brasil passou por muitas dificuldades e quase morreu. Vários membros deixaram o ministério sacerdotal e se afastaram. O número de membros foi diminuindo, ficando em redor de 60. O desânimo ameaçava tomar conta dos grupos. Felizmente, em 1978, no retiro na cidade paulista de Ubatuba, venceu a decisão de continuar e a situação foi melhorando, aos poucos, nos anos seguintes. A providência divina ajudou dando um presente valioso para a renovação: a eleição inesperada, “surpresa”, na quinta Assembleia Internacional de Argel (Argélia-1982), do representante brasileiro, o Pe. Gunther Lendbradl, para responsável geral da “Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas”, tornando-se o quarto sucessor do profeta Guy Riobé, que, sem conhecer a língua portuguesa, arriscou-se no Brasil, lançando a semente da “União Sacerdotal”.

  

Colaboração de Pe. Jaime Jongmann

 

 COMO TUDO COMEÇOU- de Tony Philpot, 2012

No início do século passado apareceu um santo, fora do comum, no coração da África. Seu nome era Carlos de Foucauld, francês. Viveu uma vida de muita luta, como militar, como explorador e, finalmente, como missionário isolado na Argélia. Foi um missionário diferente: ele não pregava aos árabes e tuaregues, no meio dos quais vivia. Tentou encarnar o Cristo no meio deles com humildade, amando-o como irmãos. 

No mundo do século XX, dominado pelo poder militar e colonial, Irmão Carlos foi diferente. Foi assassinado por um levante tribal em 1916, durante a primeira guerra mundial. Em vida realizou pouca coisa. Após sua morte, seus amigos, refletindo sobre sua vida e juntando seus escritos, entenderam que ali havia um novo jeito autêntico de viver o Evangelho. 

Várias congregações religiosas nasceram tomando como alicerce a vida e a espiritualidade dele. As duas congregações mais conhecidas são os Irmãozinhos e as Irmãzinhas de Jesus. Elas são diferentes das outras congregações religiosas porque os membros, além de serem contemplativos e de rezarem muito tempo diante do Santíssimo Sacramento, procuram trabalhar no meio dos mais pobres e mais abandonados; evitam promoções e ganham pouco dinheiro, vivendo com simplicidade, ao lado das pessoas de baixa renda e sem prestígio social. Como Carlos de Foucauld, eles não pregam: vivem segundo suas convicções e partilham o seu amor. 

Em 1951 vários padres franceses decidiram dar as costas ao carreirismo e à “prosperidade” e viver no meio do povão, muitas vezes distante da Igreja. Escolheram viver seu ministério paroquial ou de capelão, como verdadeiros irmãos do povo, recusando qualquer atitude de dominação ou manipulação. Foi um apostolado da presença. Fizeram da Eucaristia a oração central d sua vida, tornando-se contemplativos, apesar das numerosas tarefas cansativas que eles assumiam. 

Esta associação voluntária de padres diocesanos ficou conhecida como “Fraternidade Jesus Cáritas”; as palavras “Jesus Cáritas” lembram o logotipo escolhido por Carlos de Foucauld no Saara: ele escreveu estas palavras em cima de um desenho do Sagrado Coração de Jesus e colocou o conjunto na parede da casa, onde o desenho podia inspirá-lo. A Fraternidade atraiu numerosos padres em todos os cantos do mundo, a começar pela França e pela Europa. Durante o Concílio Vaticano II, um grupo de bispos de vários países ficou conhecido como “os pequenos bispos de Jesus”. 

Carlos de Foucauld, o santo homem do deserto, livre como o ar, continua, hoje, vivo nos seus discípulos. Como ele, os seus discípulos estão procurando imitar o “bem amado Senhor Jesus” e gritar o Evangelho com a  vida. Há, porém, uma diferença: Carlos de Foucauld sofreu bastante pela solidão de não ter conseguido sequer um companheiro que se juntasse a ele, embora tivesse planejado a constituição de uma congregação religiosa. A Fraternidade sacerdotal, de certo modo, foi a resposta ao sonho dele, tendo um objetivo claro: favorecer a amizade e ser uma verdadeira fraternidade entre os presbíteros, fortalecendo a doação e a comunicação sadia entre os padres.

Desde 1951, a Fraternidade foi reconhecida pela Igreja Católica e caminhou até hoje, acolhendo padres diocesanos de todos os continentes. Teve a alegria de acolher membros de congregações religiosas que manifestavam o desejo de fazer parte dela, achando que a pertença à Fraternidade “Jesus Cáritas” os ajudaria a ser missionários “de mão cheia”. Recentemente, alguns diáconos se juntaram também a ela. 


OS MEIOS DA FRATERNIDADE SACERDOTAL JESUS CARITAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

 NA VIDA DO PRESBÍTERO

(do boletim especial 126 de 2016)

 

Pe. Gildo Nogueira Gomes, Responsável Nacional da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas, há 22 anos vive, em seu ministério, o espírito do Irmão Carlos de Foucauld para melhor servir a Deus e aos irmãos, sobretudo aos mais necessitados. Em entrevista à equipe da Edição Especial, Pe. Gildo, além de relatar sua experiência na fraternidade sacerdotal, elencou como os Meios para uma espiritualidade presbiteral contribuem para que o clero diocesano possa, à luz da proposta foucauldiana, viver melhor o ministério.

  

Edição Especial: Como o senhor conheceu a Fraternidade Sacerdotal?

 

Pe. Gildo: Comecei a conhecer a Fraternidade Sacerdotal em 1994, no retiro anual realizado na diocese de Duque de Caxias (RJ), a convite de Pe. Edson Damian durante um curso de atualização de presbíteros em Brasília em 1993, entretanto, antes já havia sido convidado pelo Pe. Geraldo Lima.

 

Fiquei muito encantado com o que experimentei, acreditei que seria uma grande proposta de vida para todo presbítero diocesano. A partir daí participei de todos os retiros anuais que me foram possíveis. Também comecei a participar de uma Fraternidade existente em nossa diocese e continuo até hoje.

 

Com o tempo fui conhecendo um pouco mais a vida e espiritualidade do Irmão Carlos, o agora Beato Charles de Foucauld, e cada vez mais admiro sua caminhada e suas intuições e sinto que me ajudam a caminhar como presbítero.

  

EE: O “Dia da Fraternidade” e a “vivência fraternal” constituem-se, respectivamente, como a graça do encontro mensal e também uma tentativa de estabelecer relacionamentos sadios no respeito das diferenças. O que esses dois meios significam para o senhor?

 

Pe. Gildo: Os dias dos encontros da nossa Fraternidade são sempre esperados e desejados porque neles encontro meus irmãos mais próximos, que tenho alegria de encontra-los porque já fazem parte da minha vida, com quem partilho a vida, conversamos, rezamos juntos e confirmam minha caminhada. Sinto que preciso deles e creio que nós precisamos mutuamente, criamos comprometimentos, liberdade, cooperação, acolhimento. Gosto de viver junto, partilhar com outros irmãos, o dia sempre é pequeno e sempre precisamos de mais, quando termina fica com um gosto de “quero mais”. Nossos encontros têm sido muito respeitosos, mesmo quando há tensões, tornam-se prazerosos para mim.

  

EE: Para os membros da Fraternidade, o “Dia de Deserto” é uma rica experiência de abandonar-se diante de Deus e, de refletir na fé, os acontecimentos da vida cotidiana. O que este meio propicia ao seu ministério?

 

Pe. Gildo: O dia de deserto é o menos desenvolvido por mim e creio que para a maioria, faço ao longo do ano poucos dias de deserto, mas quando o faço me ajuda a olhar muito para Deus, perceber sua presença nas criaturas, e ver meus valores e minhas fraquezas, e a me comprometer ainda mais com o projeto de Deus, com o consagrar-me ao absoluto de Deus, como disse Irmão Carlos: “tenho que viver só para Ele”.

  

EE: O que significa para o senhor adorar o bem-amado Jesus?

 

Pe. Gildo: Adorar o Senhor na Eucaristia foi uma grande descoberta e, para mim, um grande achado, pois até então o fazia, mas não com o valor que percebo desde então. Estar diante do Senhor tem sido uma grande alegria e um grande amor.

 

A intuição do Irmão Carlos me ajuda a aproximar-me do Senhor, e, cada dia que consigo, procuro estar diante Dele, sempre que possível no silêncio, para falar com Ele, apresentar minha vida e a vida de muita gente. Faço um longo, demorado e diversificado colóquio. Às vezes fico sem palavras “olhando para o Senhor” no sinal do pão, aprendi com alguns irmãos e me dá um grande contentamento. Faz crescer em mim o amor a Jesus Cristo de Nazaré que doou sua vida, tornou-se um “isto”, total entrega e despojamento.

  

EE: Como o senhor encara a “Revisão de vida” e como este meio auxilia-o no ministério presbiteral?

 

Pe. Gildo: A Revisão de Vida é um desafio, pois nos permite conhecer melhor a vida dos irmãos suas riquezas, a ação de Deus em cada um. Não é uma procura do que está errado em nós ou em cada um, mas ver como Deus age na vida de cada um. Este “meio” trata-se de um desafio, porque cada vez que tem um irmão novato dificulta aprofundar o olhar, mas cada irmão tem sido muito generoso e transparente. Esta prática nos ajuda a refazer o caminho, a olhar com mais atenção nossas atividades pastorais, nosso relacionamento com as diversas pessoas. Tem sido para mim um tempo respeitoso e de crescimento, pois conhecendo o outro eu também cresço, aprendo dele e certamente contribuo com seu crescimento.

  

EE: Num ambiente de silêncio, simplicidade, oração e compromisso com os irmãos, o “Mês de Nazaré” proporciona aos participantes uma experiência ampla e profunda da vida de fraternidade.  Para o senhor, como foi fazê-lo?

 

Pe. Gildo: Participei do Mês de Nazaré em 1997 e foi uma experiência muito rica com a orientação de Pe. Celso Pedro, homem que nos ajuda a conhecer a espiritualidade e vida do Irmão Carlos com uma grande fundamentação bíblica. Foi uma oportunidade de conviver com alguns irmãos por diversos dias, aprofundando a dimensão do trabalho manual e os meios. Ao final fiz, como os demais, o meu “Engajamento”, o que tem me alegrado em todo o tempo de pertencer a esta espiritualidade.

  

EE: Numa estrutura social que visa muitas vezes visa o lucro e o poder, de que modo o ensinamento da Fraternidade Sacerdotal contribuiu para o seu ministério e também pode ajudar os padres diocesanos na configuração pessoal a Jesus de Nazaré?

 

Pe. Gildo: O espírito de pobreza é um desafio em uma sociedade consumista, do acúmulo, do poder, do prazer, do aparecer. Mas se conhecemos, amamos, queremos seguir e imitar a Jesus de Nazaré isto vai nos questionar nosso modo de ser, de como a sociedade se inspira e vai nos ajudando a relativizar tudo quanto não é Deus. Vejo que Jesus não desprezou a criação, a natureza, pois Deus criou tudo para nós, mas viveu com o estritamente necessário. Assim tenho procurado pautar minha vida, sem acumular, viver o mais simples possível, partilhar o que tenho com quem tem necessidade, confiando na providência de Deus. Convivendo com os muito pobres em Moçambique durante três anos me ajudou a aprofundar aquela realidade e ainda mais reconsiderar todas as coisas. É uma grande proposta para nós presbíteros que, como todos, corremos o risco do clericalismo como diz agora o Papa Francisco, que é um afastamento de Jesus e de sua espiritualidade.

  

EE: Qual caminho deve percorrer os padres que se dedicam à vivência dos meios para uma espiritualidade presbiteral?

 

Pe. Gildo: O Irmão Carlos foi um grande testemunho. Após sua conversão e descoberta de Jesus de Nazaré, o Deus encarnado na pobreza, na simplicidade, procurou fazer um caminho de solidariedade e imitação de Jesus. Também nós devemos fazer um caminho de solidariedade com os pobres, sofredores e injustiçados, como Jesus nos recomenda em Mt 25,31-46. Isto leva a nos comprometermos com a causa dos pobres e suas lutas e consequências. Em minha diocese, já desde os tempos de Dom Waldyr Calheiros descobrimos o compromisso com a causa dos pobres e o envolvimento de grande número de cristãos que nos direcionam neste caminho.

  

EE: Com sua experiência na configuração ao Senhor Jesus e na imitação de seus passos, como o padre pode ser profeta?

 

Pe. Gildo: Ser profeta é ser íntimo de Deus, conhecendo seus projetos e planos, e ser íntimo dos pobres e injustiçados, e nos comprometermos no serviço do Reino de Deus e suas implicações sociais, políticas, econômicas, e religiosas.

 

Creio que ser profeta é testemunhar o amor de Deus aos irmãos com nosso estilo de vida e nosso envolvimento com a causa de Deus em relação aos pobres, ao planeta e a toda vida. É fortalecer o mais fraco, e ajudar a reconstruir a dignidade de cada pessoa e de todo povo.

  

EE: À luz de sua experiência com a Fraternidade Jesus Caritas, que mensagem do Irmão Carlos o senhor leva para a vida?

 

Pe. Gildo: O Irmão Carlos procurou meditar os Evangelhos em toda sua caminhada após a conversão, deixou muitos escritos no período de sua vivência em Nazaré, junto às irmãs Clarissas e recomenda a necessidade sempre de “Retornar ao Evangelho” para conhecer Jesus. Para mim isto é fundamental, veio ao encontro da minha compreensão sobre Jesus Cristo que, desde meus estudos de Teologia, me comprometi. Rever sempre os Evangelhos, valorizar sobremaneira os mesmos para minha vida, para toda a igreja é fundamental. Tenho grande alegria de fazê-lo e, sobretudo na liturgia diária. Seguir Jesus, como discípulo-missionário deve ser nosso desejo, confirmado pelo Documento de Aparecida.

  

MEIOS DE COMUNICAÇÃO E DE DIVULGAÇÃO DA ESPIRITUALIDADE PRESBITERAL

 

Descrição: Imagem relacionada. A Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas, em suas poucas décadas de existência no Brasil, tem se esforçado para publicar uma literatura sobre a vida do Irmão Carlos e dos membros das fraternidades da família espiritual, em três aspectos: a) Online: através de diferentes Sites e de Redes Sociais. b) Áudios-visuais: CDs e DVDs, e c) Impressa: 1) publicação de livros de autores brasileiros e traduzindo obras importantes publicadas em diferentes partes do mundo; 2) e a publicação anual de três edições do Boletim das Fraternidades com artigos, testemunhos e o conteúdo dos retiros anuais.

 

A ligação entre as fraternidades se faz por meio de boletins nacionais e internacionais. Estes periódicos, além de ser um serviço às fraternidades, divulgam a espiritualidade, incentivam à formação de novas fraternidades, e também constituem-se elos entre os diferentes ramos da família foucauldiana.

Descrição: http://d3vdsoeghm4gc3.cloudfront.net/Custom/Content/Products/14/59/145953_charles-de-foucauld-41702_M2.jpg  As fraternidades tem se esforçado para divulgar o testemunho do Irmão Carlos, e todos os aspectos característicos da espiritualidade que ele inspira: o amor a Jesus, ouvido no Evangelho e adorado na Eucaristia; a fraternidade universal; o desejo de proximidade com os que estão nas periferias existenciais; a preocupação com os mais afastados e o trabalho manual com meios pobres. Este também é o ensinamento do Papa Francisco em relação aos descartados da sociedade hoje. Portanto, a mensagem do Evangelho é sempre atualizada e desempenha um papel muito importante na fraternidade.

Descrição: Resultado de imagem para livros sobre Carlos de Foucauld. Através de suas publicações, a Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas procura ser e se esforça para que “a irradiação da personalidade humana e evangélica do irmão Carlos (...) continue hoje como inspiração de uma forma evangélica de viver a vida e o ministério presbiteral”, como evidencia no livro Meios para uma espiritualidade presbiteral.

 

Descrição: https://www.paulinas.org.br/pub/produtos/516368.jpgDescrição: Resultado de imagem para livros sobre Carlos de Foucauld. Ao final deste boletim especial, na página 61, o elencamos a bibliografia produzida pela Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas, mas o leitor poderá certificar-se melhor sobre a história e a vida da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas através dos diferentes sites e das redes sociais existentes, das diversas fraternidades, assim como por meio das publicações impressas tanto nacionais como internacionais.


A PERTENÇA À FRATERNIDADE

Tirada do site www.iesuscaritas.org/pt

Fraternidade é grupo de irmãos. Quando nos sentimos e somos irmãos, somos fraternidade.

A Fraternidade Sacerdotal Iesus Caritas, no âmbito das Famílias de Carlos de FOUCAULD tem uma dinâmica própria, de sacerdotes diocesanos, que cada fraternidade estabelece e que todas as fraternidades adotam desde o Diretório.

Para pertencer a uma fraternidade, os elos de amizade, conhecimento mútuo, as motivações para a confiança e a sinceridade, as atitudes de fé e de escuta, têm que se ir consolidando, pelo contrário não seria mais que uma pertença a um grupo de bons amigos, ou a um grupo de socorros mútuos, quando não algo de caráter sectário, elitista ou espiritualista.

Isto se vê em atitudes fundamentais próprias de qualquer grupo humano sério.

Estas atitudes poderiam ser as seguintes:

EMPATIA. 

Pôr-me na pele do outro, pôr-me no seu lugar. Isto me permitirá compreender e aceitar os outros. Esta atitude descentra-nos dos nós pessoais que nos encerram em nossas opiniões, ideias fixas, etc.

ESCUTA.

 Abrir os ouvidos do coração para escutar a voz do Senhor nos irmãos, para que se sintam pela sua vez escutados e cada um seja atendido.

TRANSPARÊNCIA.

 Se não me deixo ver por dentro, também não saberei ver os outros. A sinceridade, a honradez na comunicação, não julgar nunca, são sinais de transparência nas pessoas.

RESPEITO.

 Sinônimo de amor e de amizade, de preocupação pelo outro, de aceitação como ele é. Quando existe o respeito, no se trata só de boa educação, mas de flexibilidade nas relações e bom entendimento. Quando se perde o respeito, perde-se a verdadeira amizade, o amor, o espírito de trabalho em equipe e as relações deterioram-se mortalmente.

ENTREGA. 

Dar-mo-nos gratuitamente aos outros, oferecer o melhor de si mesmo, sem esperar prêmios, sem passar fatura depois por tudo o que fizemos. Amor gratuito e desinteressado.

Até aqui poderíamos falar de um grupo humano compacto e ao mesmo tempo aberto. Compacto em suas convicções e aberto a melhorar, a admitir as críticas e inovações, aberto a novos membros e a novas ideias.

A Fraternidade Iesus Caritas tem características e atitudes que todos conhecemos bem, encaixadas no carisma do irmão Carlos e na espiritualidade do evangelho: a vida fraternal, o deserto, a revisão de vida, a adoração, o Mês de Nazaré, a opção pelos últimos, a contemplação na vida, a vida de Nazaré como forma de vida e convívio e, por sua vez, como estilo pastoral.

Sabemo-lo todos muito bem. Mas seria necessário fazer uma boa reflexão sobre o empenhamento pessoal, que está vinculado á vocação recebida, e o comunitário – no âmbito local ou nacional – do que é específico de nossa Fraternidade e que passa por um compromisso desde o coração com os irmãos, seres humanos, não só com o Senhor em quanto sacerdotes ou homens consagrados.

Perante isto, sugiro os seguintes apartados:

FRATERNIDADE E COMPROMISSO EVANGÉLICO.

 A Fraternidade aproxima-me do Evangelho? Ajuda-me a estender o Reino? Partimos de nossa vocação cristã de seguir Jesus desde o nosso batismo, que se renova com a confirmação e se torna sólida na ordenação, não como uma profissionalização, mas como serviço ao Povo de Deus e á sociedade. É a minha fraternidade um sinal do evangelho na minha diocese, na minha igreja local? Não nos situamos á margem como uma elite.

FRATERNIDADE COMO MEIO DE EVANGELIZAÇÃO.

 Sinto-me evangelizado desde a Fraternidade, desde cada irmão? Sinto-me chamado não só a viver o Evangelho, mas também a anunciá-lo com a vida – ponto chave no carisma do irmão Carlos? Como sacerdotes estamos chamados a anunciar Jesus, a dar a conhecer a Boa Nova aos pobres, a liberdade aos cativos… Não somos profissionais da sacramentalização nem da pregação, no estilo de animadores mediáticos, somos enviados no nome de Jesus. Creio e espero no estilo de Nazaré para evangelizar? Nazaré não é utopia, é o dia a dia no pequeno.

FRATERNIDADE E ESPIRITUALIDADE. 

É a nossa pertença á Fraternidade um dos meios de cultivo do espírito? A Fraternidade, o carisma do irmão Carlos, é para nós escola de oração, recurso para a vida interior? Temos como Fraternidade uma riqueza de meios invejável no caminho espiritual para outros sacerdotes. Os nossos retiros, encontros, gostam aos que se abeiram de nós por primeira vez. Somos valorados nas nossas dioceses como homens de oração, mas será que isto corresponde á realidade? Não se trata de dar lições, mas de partilhar uma maneira de amar Deus e deixar-se amar por ele.

FRATERNIDADE E AMOR FRATERNO. 

Sou amigo dos irmãos de fraternidade? Preocupo-me por eles? Sofro com seus sofrimentos e alegro-me com suas alegrias? A Fraternidade não é nenhuma etiqueta eclesial. Não escolhemos o lugar onde estar, põem-nos. Não escolhemos os irmãos, são-nos dados. Ver em tudo isto a voz de Deus, ás vezes custa. Idealizar a minha fraternidade como estado perfeito de compreensão mútua, amizade, é um erro. As pessoas, todas diferentes, tem seus valores e contra valores. Amar os irmãos como eles são é respeitá-los. Isto facilita deixar-se ajudar, escutar, contemplar suas vidas com os olhos do coração, sem julgar atitudes nem acontecimentos, mas interpelando quando for necessário e deixando que nos interpelem. Temos medo que os outros entrem em nossas vidas? A nossa psicologia de homens muitas vezes mascara-nos e geramos defesas.

FRATERNIDADE E LUGAR TEOLÓGICO.

 É a fraternidade para nós o último lugar? Pode ser tudo isso sinônimo de falsa humildade? Deus é Amor também no seio de minha fraternidade? Os encontros com o Senhor acontecem em muito diversos meios, momentos, acontecimentos. Ás vezes tentamos orar e não podemos; outras vezes é o Senhor quem sai ao encontro y fala ao teu coração. Como é que a minha fraternidade me ajuda e como ajudo eu a encontrar Deus nas pessoas e na vida? É claro para mim que seguir o carisma do irmão Carlos é procura de Deus e aceitação do último lugar? A Fraternidade, os irmãos, muito mais que as estruturas, ou é uma prioridade em nosso tempo e dedicação ou não deixa de ser uma bonita forma de complemento espiritual o de autoajuda.

Pertencer á Fraternidade não é um êxito, é um dom. Comprometermo-nos com ela é continuar comprometendo-nos no trabalho da extensão do Reino.

Todos nós fugimos das etiquetas, tanto as sociais, como as pastorais; não gostamos de ser assinalados no âmbito do clero diocesano como personagens curiosas.

A convicção de sermos chamados por Jesus a servi-lo nos outros, a fazer de nossa vida um anúncio e uma denúncia, compromete-nos a sermos coerentes, a não jogar com dois baralhos.

Consideramos a Fraternidade uma ajuda mais dentro do amplo leque de possibilidades ou ofertas para viver uma espiritualidade séria?

Como me preocupa o andamento de minha fraternidade e das outras fraternidades?

Valorizo e leio as diversas comunicações? Se tiver a possibilidade, acedo desde Internet aos sites das fraternidades? (www.iesuscaritas.org ou outras)

Quanto tempo dedico semanal ou mensalmente á minha fraternidade? Utilizo frequentemente o telefone para saber como estão os outros? Visito-os? Deixo-me amar quando se preocupam também por mim?

Considero minha fraternidade local um pequeno território feudal á margem dos outros grupos ou do resto das fraternidades? Tal vez um reino “taifa” (que ninguém se meta)? Estamos abertos ás críticas, ás inovações no espírito do carisma?

Estou em minha fraternidade como poderia estar em qualquer outro grupo de sacerdotes ou de laicos? Por quê? Que espaços posso compartilhar?

Tenho reparo em falar de fraternidade no âmbito do clero diocesano, em reuniões ou encontros ou celebrações por medo de ser considerado diferente, etiquetado? Por que “aqui si e lá não”?

Para um caso que vos sirva, eis uma reflexão destes dias sobre a pertença á Fraternidade.

Questiono-me eu em primeiro lugar e ofereço esta questão a quem, desta ou de outra forma, quiser refletir.

Para sermos felizes devemos amar o que somos e o que temos, como dom e amor de Deus, como parte de sua herança.

Obrigado.Aurelio SANZ BAEZA, irmão responsável


USAR MEIOS POBRES


Jesus usou meios pobres para evangelizar?

Em primeiro lugar, ele escolheu uma casa, um lar pobre (mas não miserável). Mãe pobre, simples, humilde (mas de linhagem real). Nasceu numa cocheira, foi colocado num cocho de capim a que chamamos de manjedoura para ficar mais chique. Os primeiros a visitá-lo foram os pastores, tão odiados e marginalizados naquele tempo.

Jesus nasceu numa família de migrantes: Lucas 2,4: José veio “de Belém da Judeia para a Galileia, em busca de melhores condições de vida” (Frei Carlos Mesters, “Com Jesus na Contramão”, pág 17)

Trabalhou como agricultor e carpinteiro, aprendendo, assim a profissão de seu pai: Mateus 13,55; Marcos 6,3.

Jesus viveu pobre, por opção de vida: Lucas 9,58.

“Ao que Jesus respondeu: As raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”.

Em Filipenses 2,6-7, vemos como Jesus se humilhou com a encarnação e mais ainda ao se fazer pobre entre os pobres.

Em Mateus 6,24, manda-nos escolher entre Deus e o dinheiro: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.

Em Lucas 19,45, Jesus dispensa certos meios usados hoje para a evangelização (cf. Aparecida SP) ao expulsar os vendedores do templo.

Vemos também que Jesus não possuía dinheiro nem para pagar o imposto anual e pessoal para cobrir as necessidades do templo, a didracma. Nem a caixa comum foi usada para Jesus pagar a sua parte. Ele usou a Providência Divina como fazem os pobres: Mateus 17, 24.27: “Vai ao mar, lança o anzol, e ao primeiro peixe que pegares abrirás a boca e encontrarás um estatere. Toma-o e dá-o por mim e por ti”.

Ademais, Jesus caminhava por toda a região sem usar nenhum tipo de montaria. Às vezes encurtava caminho com a barca, mas era emprestada, e usada comumente pelos pescadores (devia ter cheiro forte de peixe!). Quando usou um jumento, ao entrar em Jerusalém, o fez apenas uma vez na vida, e de modo simbólico (João 12,14-16).

Quando Jesus parou, com os discípulos, para conversar com a samaritana, já tinham andado mais ou menos 50 quilômetros! Acho que isso era usar meios pobres!

Também não consta que ele tenha saído daquelas regiões da Palestina. Vivia entre a Judeia e a Galileia. Nada além disso.  Isso nos ensina a usarmos meios pobres para a evangelização, talvez num sistema de “ondas” como a água: eu instruo um grupo, que instrui outros grupos, e assim sucessivamente, sem precisar grandes meios ou grandes somas de dinheiro.

Jesus não usava os poderosos da época; quando se achegava a eles era para convertê-los, como aconteceu com Zaqueu, em Lucas 19,1-10.

Não podemos dizer que o uso dos milagres não são meios pobres, pois hoje eles existem, como no tempo de Jesus. Ademais, o milagre ou as graças são dádivas do céu. Não são meios humanos “poderosos”, mas graça pura e, como o nome já diz, gratuita de Deus, de que qualquer pessoa, por mais pobre que seja, pode usufruir.

A santidade de Jesus pode ser considerada um meio pobre, pois qualquer um de nós pode ser santo! (Mateus 5,48; 1ª Pedro 1,16; Tiago 1,4).

Jesus usava muito o templo, que nós também podemos usar (Lucas 4,26-27; Mateus 9,35).

“Jesus percorria todas as cidades e aldeias. Ensinava nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo mal e toda enfermidade”.

EXEMPLOS

Temos muitos exemplos, na Igreja atual, de pessoas que procuram evangelizar como Jesus nos ensinou, ou seja, com meios pobres, e não com sofisticações que só mostram o orgulho, a vaidade e a autossuficiência de pregadores que se acham poderosos e “irresistíveis”. E temos também exemplos desta última forma de evangelização. São pessoas que usam apenas as próprias forças, caindo numa tremenda ineficácia, que causa a queda imediata de todo o aparato montado, tão logo aquele pregador deixa o cenário, ou por morte ou outro motivo.

A sociedade sacerdotal Jesus-Cáritas, fraternidade inspirada na vida do Beato Carlos de Foucauld, busca sempre os meios pobres de evangelização. Como o nosso irmão Carlos. Ele utilizava os meios pobres: viver pobre com os pobres. Mesmo que não se consiga muitas coisas, muito resultado, a evangelização acontece, cria raízes, tem maior eficácia, e isso por vários fatores. O| principal é a ajuda abundante e generosa de Deus, que guia os passos e a ação dos que nele confiam, dos que nele se apoiam.

Dizia Santo Tomás de Aquino:

“È melhor andar mancando no caminho certo do que correr no caminho errado, pois andando no caminho certo, mesmo mancando, chegaremos ao objetivo, o que não acontece se estivermos correndo no caminho errado”.

Eu diria, parafraseando: “É melhor caminhar devagar com a ajuda e a orientação de um Deus que nem sempre percebemos, do que correr tentando fazer tudo sozinho, pois com Deus não precisamos temer coisa alguma, mesmo que não cheguemos a resultados palpáveis”.

Há muitos missionários nesse Brasil afora que não contam com nada, com nenhuma ajuda financeira ou poderosa, mas que fazem milagres na evangelização do povo.

Em contrapartida, poderíamos, em sã consciência, garantir que os meios poderosos estariam evangelizando realmente?

Um pequeno grupo de oração e reflexão que se reúne semanalmente numa casa, por exemplo, evangeliza muito mais do que a frequência anual a grandes santuários mas sem compromissos comunitários. Se esses pequenos grupos se multiplicarem, a evangelização decerto estará garantida!

Muitos meios dispendiosos de evangelização não evangelizam realmente. Limitam-se a incentivar a pé do povo em curas e benefícios pessoais, mas não a uma evangelização verdadeira, que o levaria a crer de um modo mais eclesial, mais comunitário, do que simplesmente a praticar a busca desesperada por curas e manifestações pessoais do sagrado.

Na minha opinião, por exemplo, toda a evangelização de algumas emissoras de televisão é como que anulada pelo tipo de propaganda comercial que fazem. Será que os fins justificam os meios?

Há também o risco da propaganda enganosa ou ato enganoso quando um padre abençoa a água, mas não é ao vivo, e não avisam os telespectadores. Quem na verdade está benzendo aquela água é um vídeo, uma gravação, e não o padre que gravou aquilo em outra hora. É a mesma coisa que eu benzer a minha água com um cd do Pe. Vítor Coelho de Almeida, ou receber a bênção de um vídeo do papa João Paulo II!

Uma sociedade apostólica atual deu de presente ao papa Bento XVI um terço feito de contas de rubi (as ave-marias) e de diamantes (os pais-nossos). Ao recebê-lo, o papa, admirado, respondeu: “precioso, precioso”! Não é esquisito o papa rezar pelos pobres desfiando rubis e diamantes nos dedos?

São João Crisóstomo (of. leit. da 21ª semana comum) diz: “Que proveito haveria se a mesa de Cristo (o altar )está coberta de taças de ouro e ele próprio morre de fome (na pessoa do pobre)? Sacia primeiro o faminto e, depois, do que sobrar, adorna a sua mesa. Fazes um cálice de ouro e não dás um copo de água”? E vai ainda nesse assunto até o fim da leitura. Termina  dizendo: “Por conseguinte, enquanto adornas a casa (de Deus) não desprezes o irmão aflito, pois ele é mais precioso que o templo”.

Nós sempre conseguimos grandes quantias para a construção e reformas de templos, mas que miséria para combater a fome e a desnutrição!

São Paulo diz a Timóteo em 1ª Timóteo 6,7-11:

“Nada trouxemos para este mundo, e é certo que nada podemos levar dele. Tendo, porém, com que nos sustentarmos e nos vestirmos estejamos satisfeitos com isso. (...) O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e causaram a si mesmos muitas dores. Mas tu, homem de Deus, foge destas coisas, e segue ajustiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência e a mansidão”!

Se Deus nos convida a uma vida simples, não nos abandonará. Vai nos ajudar, vai nos prover do necessário para a vida. Leia estes textos na bíblia:

Provérbios 23,26; Isaías 44,21; Lucas 12,32-34; Apoc 2,10 (“Não temas diante do que hás de sofrer”!); 1ª Pedro 5,7


Procuremos seriamente abandonar em nossa vida os gastos supérfluos!


Que as autoridades da religião, tanto Católica como as demais, não gastassem também tanto tempo com o cuidado das obras de arte. A Igreja Católica já foi guardiã das artes no passado, mas agora isso não é mais preciso! Há pessoas até mais competentes que têm como profissão (e muito lucrativa) cuidar das artes. Hoje em dia, mais do que a “arte pela arte”, ela tornou-se um investimento alto na economia mundial. Deixou de ser uma tarefa da Igreja. “Deixe que os mortos enterrem seus mortos”! Deixem que os organismos artísticos cuidem da arte! Não gastemos tempo nisso, e dinheiro, já que a arte sustentada pela Igreja é despesa e não entrada.