O GRUPO UNIÃO- SODALÍCIO

Confraria (ou Sodalício) fundada em 1909 por São Carlos de Foucauld

No último 15 de maio, conforme participamos, estando presente ou pela televisão, tudo se passou na periferia da basílica, em praça pública, dia com muito vento: e estava lá, num dos quadros expostos, a foto do Padre de Foucauld. Não estava sozinho, estava em boa companhia: com ele foram canonizados outros nove, desde o século XVI até pouco tempo (o último, morto em 1955); quatro religiosas das quais duas italianas e uma francesa; três padres, sendo um carmelita holandês, jornalista neonazista, morto em Dachau em 1942; e finalmente um leigo (hindu, assassinado com espingarda em 1752 como Foucauld). A cerimônia foi de uma beleza sóbria e muito bem comentada, no mesmo estilo da televisão francesa.

 

Muito sóbria também a homilia do Papa Francisco, muito clara e nítida: o Deus de Jesus Cristo é um Deus de Amor: “Deus nos ama, somos amados; o amor incondicional de Deus. É isto o essencial, a verdade da vida”. Esta verdade: o amor de Jesus por nós, ”leva-nos ao amor pelos demais”, verdade que devemos viver (Jo. 13,34). Esta verdade deve nos converter em relação à ideia que temos sobre a santidade”, e nos explica o papa: “Primazia de Deus sobre minha pessoa, do Espírito sobre a carne, primazia da graça sobre as obras: todos somos amados. Insistindo muito sobre os esforços para realizar boas obras, criamos um ideal de santidade muito baseado sobre nós mesmos, sobre o heroísmo pessoal, sobre a capacidade de renúncia, sobre o sacrifício de si mesmo para ter uma recompensa. E assim fizemos da santidade um objetivo inaccessível, separando-a da vida cotidiana em vez de buscá-la e abraçá-la na vida cotidiana, na poeira da rua, nos esforços feitos na vida concreta e, como dizia santa Teresa de Ávila a suas irmãs, “em meio às caçarolas da cozinha”. Que tipo de caçarola tinha Foucauld em Tamanrasset? Em todo caso é bem esta santidade “do cotidiano” que ele praticava onde vivia, recebendo cada pessoa, sem distinção, como um irmão.

 

E agora vamos falar sobre a canonização: foi pedida ao Papa através do Cardeal encarregado pela “Causa dos Santos”; esse cardeal tem um “postulador” para cada santo que ele deve conhecer, que tem o trabalho de examinar a vida e a mensagem do “postulado” (o santo em questão; em geral a pessoa faleceu há muito ou pouco tempo e não pediu nada: é sua “família espiritual” ou “sua diocese” que, na maioria das vezes, “postulou”.

 

O cardeal então apresentou Carlos de Foucauld ao Papa Francisco.  Em poucas palavras (são 10 a serem apresentados). Eis então as palavras do cardeal Semeraro com seu postulador, o padre Ardura: “O bem-aventurado Carlos de Foucauld nasceu na França em 1858. Tendo vivido uma grande experiência espiritual de conversão, amadureceu o desejo de consagrar-se totalmente a Deus. Ordenado padre em 1901, compreendeu que sua vocação era imitar Jesus em uma vida de silêncio, isolada, vida oculta. Irmãozinho a serviço do prefeito apostólico do Saara, estabeleceu-se pobre entre os pobres, em pleno deserto e aí morreu assassinado dia 1° de dezembro de 1916. Os que ouviram o que foi apresentado, e que conheciam um pouco a vida de Carlos de Foucauld, ficaram meio surpreendidos: em poucas linhas, situações pouco exatas e outras omissas. (Felizmente não foi a foto apresentada de Foucauld que foi canonizada, mas, a pessoa de Carlos).

 

1° Seu estatuto: permaneceu, de 1901 até à morte padre secular da diocese de Viviers, França), enviado por seu bispo, conforme o desejo que tinha, à Prefeitura Apostólica do Saara. Não foi um “consagrado”, religioso, monge de alguma ordem; nem “irmãozinho” da congregação dos Irmãozinhos de Jesus. Congregação fundada pelo Padre Voillaume em 1933, bem depois de sua morte (o irmãozinho de Jesus, biógrafo oficial da Família Espiritual de Foucauld, assim acreditava e comunicava, era da congregação fundada também pelo Padre Voillaume em 1955).

 

2° Sua vida: sempre foi apresentada como uma “vida de silêncio e isolada/vida oculta”. Mas sua vida no Saara foi uma vida cheia de encontros e conversas contínuas

com os habitantes do deserto, levando a mesma vida que eles; de jeito nenhum foi uma vida de eremita isolado, como descreve René Bazin.

 

3°A imitação de Jesus de Nazaré: a casa de Nazaré não era uma clausura: José não tinha uma profissão reconhecida e clientes? Maria ficava confinada na cozinha com suas panelas? (E, sem dúvida, nos dias de hoje, teria participado das manifestações das mulheres pedindo justiça para sua condição feminina e teria, junto delas, fazendo o mesmo gesto de bater panelas vazias para serem escutadas). A casa de Nazaré está em meio aos “esforços da vida concreta” como diz o papa em sua homilia e não é uma busca de perfeição inaccessível “separada da vida cotidiana”.

 

4° Quanto a Nazaré: é um lugarejo como outros, com sua vida de trabalho diário, seus relacionamentos onde todo mundo se conhece. Foucauld recebeu uma luz especial em seu coração, depois da conversão, sobre esse lugar tão humano e pobre, onde o Filho de Deus se fez homem, humildemente, “sem tomar para si um lugar que o igualava a Deus”. (São Paulo). Ele deseja ficar no “último lugar” fazendo muita penitência e vivendo pobremente buscando a santidade através do “heroísmo pessoal” (como diz o Papa Francisco). E ouviu do Padre Huvelin em um sermão: “Jesus Cristo tomou de tal maneira o último lugar que ninguém conseguiu arrebatar-se-lo”. Foucauld compreende então que se trata de estar perto de Jesus, que ocupou “o último lugar”, entregando-se aos mais abandonados entre seus irmãos que estão no último lugar.

 

Houve também, que lástima, uma palavra do Cardeal e do Postulador que chocou a todos e provocou grande tristeza: como não ter essa reação diante da expressão deles que explicava o que viveu Foucauld, “VIDA ISOLADA”? Foucauld, ele mesmo, nunca a pronunciou. Esse conceito, o Postulador da Causa de Carlos de Foucauld já havia posto em relevo logo depois do anúncio da canonização pelo Papa Francisco. Numa entrevista da Rádio Vaticana dia 26 de maio 2020, o padre Ardura perguntou sobre as características desse futuro santo da Igreja Católica conhecido por ter levado uma vida de “eremita”? (Foucauld, mais uma vez, nunca foi “eremita” no Saara, onde caminhou muito, por todo lado; e o povo do Saara o conhecia muito bem). A entrevista do postulador definia com estas características: “Pobreza, penitência e isolamento”.

 

Depois de quase cem anos, quando teve o primeiro postulador, até o último, o padre Ardura, Carlos de Foucauld viu desfilar-se, sobre o que viveu, uma meia dúzia dentre eles, mais ou menos precisos. Quem aparece com muito valor e profundidade incontestável é Dom Bernard Jacqueline, membro da Cúria, é nomeado em 1966 depois do Concílio, vice-presidente do Secretariado para o diálogo para com os não cristãos, tornando-se, ao mesmo tempo em 1970, postulador da Causa do padre de Foucauld (até 1982). Foi ele quem, doutor em letras, editou em 1973 na Nouvelle

 

Citei a edição das obras completas de Carlos de Foucauld; e em seguida foi núncio na África, Tunísia, Ruanda, Marrocos).

 

Dom Jacqueline publicou em 1993, de Carlos de Foucauld, o “Carnet de Béni Abbés” (1901 – 1905) onde, na introdução, estuda “a doutrina espiritual”, “atividades pastorais “e “atividades missionárias” de Foucauld. Como bom teólogo escreveu (pg. 21): “ Alguns, recusando a visibilidade da Igreja, diziam que ela não poderia realizar sua missão devido a esta vida escondida e isolada”. O postulador afirma então: “Estas teorias pastorais fora da normalidade não têm nada que ver com Carlos de Foucauld que não poderia nunca, pelo que viveu, ser tachado de quietismo missionário. No “Carnet de Beni Abbés, seu zelo missionário aparece claramente”. (E principalmente olhando o que viveu em Tamanrasset, nos últimos onze anos da sua vida, baseados ardentemente sobre a Evangelização, com o novo modo de evangelizar, consagrado pelo Concílio Vaticano II!)

Na apresentação do Cardeal e do Postulador, no dia 15 de maio, durante a canonização, as palavras “Missionário e Evangelização”, finalidades essenciais da vida e da mensagem de Carlos de Foucauld não apareceram, que lástima!

 

No entanto, para os que tentam seguir o caminho deixado por Foucauld, “EVANGELHO, EUCARISTIA, EVANGELIZAÇÃO” são os três eixos principais que ele propôs ardentemente e não aparecem nas poucas linhas que o definem. Dia 19 de março, seis semanas antes, o Papa Francisco tinha publicado a Constituição Apostólica Predicate Evangelium onde criou um dicastério para a Evangelização, presidido pelo próprio papa, que vem antes do texto da Congregação para a doutrina da fé. Para o papa, “evangelizar” começa pela escuta e levando a sério o que se passa no mundo, através de diálogo com o mundo onde está soprando o Espírito. Foucauld assim viveu intensamente: ao jovem estudioso do Islã, convertido, que era Massignon, o qual pensou viver com ele um tempo entre os Tuaregues do Hogar. Foucauld lhe propôs “vir conhecer primeiro a população”; e lhe tinha indicado o que esperava dele:” estar junto deles não como eremita, nem ficando só calado e se isolando, mas tinha dito: “a esta população você não vai falar primeiro sobre os dogmas, mas que possam amá-lo e que você seja o amigo de todos”. (19 de setembro de 1911).

 

A UNIÃO, sua Confraria missionária fundada em Tamanrasset a partir da sua experiência saariana, destinada não só a religiosos ou consagrados, mas a todo batizado, “padre, leigo, casado, solteiro”, propõe a cada um alimentar-se sempre da Palavra e do Pão, do EVANGELHO e da EUCARISTIA para exercer o papel primordial de todo batizado: a EVANGELIZAÇÃO (o papa Bento VI deu como fórmula para terminar a missa, esse convite urgente para todos os batizados: “Vão todos pregar o Evangelho do Senhor!”. Foucauld, por onde andava, só tinha um pensamento: dar um passo, outro passo mais e outro para levar mais longe ainda Jesus e seu Evangelho.

 

Com quem parece Charles de Foucauld? Certamente com São Paulo que disse “Infeliz sou se não evangelizo” e que percorreu o mundo pagão para dar a conhecer Jesus.

 

A noção de “isolamento” da qual Dom Jacqueline fez um diagnóstico definitivo como algo mal, muito grave, que atinge a Igreja já faz um século, anestesiando depois como um ópio, tanto os padres, leigos, religiosos em seu papel batismal de evangelização, esta expressão, nossa UNIÃO, com o postulador Dom Jacqueline, não pode, não quer ouvir falar como estando no centro da mensagem de Carlos de Foucauld. E se alguns, que são proclamados seus primeiros discípulos, pregaram esta palavra “isolamento” como sendo seu pensamento, com muita lástima não podemos reconhecê-lo e pedir-lhe com todas nossas forças para não continuar semeando esse joio no campo da Evangelização própria a Foucauld.

 

No princípio de 1903 ele é padre em Beni Abbés, bem perto fica o Marrocos onde viveu 20 anos antes como explorador e deseja intensamente voltar aí de novo; antes, não acreditava em nada; agora deseja entrar nesse país para levar o Evangelho e a Eucaristia. Dia 15 de fevereiro, o prefeito apostólico do Saara escreve a Foucauld na Argélia, e comenta sobre o imenso território de missão que deve ocupar-se “ao Sul”. “Sei muito bem que para dar a conhecer o Evangelho o senhor não hesitará a caminhar muito”. E Foucauld respondeu logo: dia 27 “: “O senhor me pergunta se estou disposto a ir a outra parte pela extensão do Evangelho: para isto estou pronto para ir até o fim do mundo e aí viver até o juízo final”.

 

Como não fazer escutar seu grito místico e missionário dia 15 de maio de 2022 em Roma, apresentando seu grito primordial: “a Evangelização? Do qual ele fez e - permaneceu sempre antes de tudo – através de seus encontros e conversas, sua bondade e amizade com todos, -“um Evangelho vivo? ” Como então apresentá-lo como um “eremita” ou vivendo “isolado”? Por que não foi revelado nesse dia, cheio de luz e particularmente aos jovens que estavam na Praça de São Pedro, o dinamismo extraordinário, tão alegre de Foucauld e sua aventura tão humana tão santa de “criar um novo caminho para espalhar o Evangelho” como o definem? Ao contrário de isolamento, Foucauld lança um caminho novo para mais Vida.

 

Antes e depois da canonização, foram escritos artigos, livros, muita coisa impressa; com notícias falsas, algumas contra a verdade e outras verdadeiras pérolas. Nosso santo, que sabia ter muito humor, deve ter podido rir um bocado.

 

Houveram também várias faltas: por exemplo, ninguém comentou sobre o primeiro acontecimento que viveu Foucauld logo que chegou à Argélia, em Beni Abbés, no fim de 1901, um acontecimento muito importante. Ele se encontrou diante da realidade da escravidão. Reagiu logo: alertou seu amigo Castries; este lhe propõe para “colocar esta situação entre as mãos do barão Cochin, antiescravista e defensor fervoroso. Foucauld se comunica logo com Dom Guérin que se encontra na França e lhe pede para ver o senhor Cochin. É preciso se lembrar que a escravidão estava presente com muita força na Argélia, e, diante disso, as autoridades civis e militares fechavam os olhos; e a população muçulmana tinha muita confiança em seus chefes que tinham também escravos. Foucauld correu muito risco enfrentando essa realidade. Denunciou esta “injustiça, monstruosa imoralidade”: “Não temos o direito de ser cães que não ladram e sentinelas mudas”, invocando o Evangelho e a divisa da República como os Direitos humanos. Mas os superiores de Dom Guérin decidiram não fazer nada; as autoridades eclesiásticas vão impedir Foucauld de “gritar o Evangelho em toda parte”.

 

Que fez então Foucauld? Não ficou calado e nem se isolou: agiu contra a escravidão até o fim.

 

Chegou a Tamanrasset dia 13 de agosto de 1905, onde vai morar agora até sua morte: 11 anos.

 

No dia 15 de agosto, festa da Assunção, compõe uma oração. Não é mais aquela oração atormentada, dirigida ao Deus Altíssimo, que tinha feito em 1897: “Fazei de mim o que quiserdes”. Mas uma oração amorosa a uma mulher muito boa, Maria, que teve um filho, Jesus; (é bom lembrar aqui que ficou órfão de pai e mãe aos seis anos); pede a Maria para acolhê-lo com um de seus filhos e ser formado por ela, para tornar-se um pouco semelhante ao primeiro: “um verdadeiro irmãozinho de Jesus. E concluiu: “eu vos dou e vos confio, Mãe muito amada, minha vida e minha morte. ”

 

Ser semelhante a seu irmão mais velho (que o chama muitas vezes de “Bem-amado Irmão e Senhor Jesus”), é o que deseja, viver e empenhar-se para ser, em Tamanrasset, um novo e verdadeiro Jesus em sua própria vida com as circunstâncias daquela época, entre os Tuaregues, como Jesus, um “Evangelho vivo”.

 

 O grupo UNIÃO, que fundou em 1909, foi aprovado por dois bispos. Foucauld foi três vezes à França (1909, 1911, 1913) trabalhando por essa aprovação; pensava voltar, quando a paz se instalasse, para fazê-lo frutificar.

 

Sua Confraria sempre existiu, viva como as flores do campo do Evangelho, discreta, mas de jeito nenhum isolada, por menor que seja. Seus membros, espalhados, dispersos por toda parte, todos com a única finalidade, lá onde estão, de serem “Evangelhos vivos” e desejando, como seu irmão mais velho “o irmão universal” Carlos de Foucauld, que exista pelo mundo afora, a referência constante a “JESUS de NAZARÉ”.

 

[1] Textos encaminhados por Dom Eugênio Rixen, bispo emérito de Goiás e membro da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas.