10º DOM TC-A

DÉCIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM 

11/06/2023 


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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


Primeira Leitura: Oséias 6,3-6

Salmo Responsorial-49(50)R- A todo homem que procede retamente, eu mostrarei a salvação que vem de Deus. 

Segunda Leitura: Romanos 4,18-25

Evangelho: Mateus 9,9-13

Ao passar, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse- lhe: “Segue-me!” Ele se levantou e seguiu-o. 10Depois, enquanto estava à mesa na casa de Mateus, vieram muitos publicanos e pecadores e sentaram-se à mesa, junto com Jesus e seus discípulos. 11Alguns fariseus viram isso e disseram aos discípulos: “Por que vosso mestre come com os publicanos e pecadores?” 12 Tendo ouvido a pergunta, Jesus disse: “Não são as pessoas com saúde que precisam de médico, mas as doentes. 13 Ide, pois, aprender o que significa: ‘Misericórdia eu quero, não sacrifícios. De fato, não é a justos que vim chamar, mas a pecadores”. 


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP

Mt 9,9-13

Mateus desenvolve a sua narrativa de forma progressiva e lógica.

Em Mt 5-7, Mateus relata a autoridade de Cristo que se manifesta por sua palavra (ele “ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas”).

Em Mt 8-9, essa mesma autoridade de Jesus que se manifesta em suas obras, isto é, sobre as doenças (cura do leproso, do criado do centurião, da sogra de Pedro); sobre a natureza (a tempestade acalmada); sobre os demônios (os possessos de Gadara) e, finalmente, no texto da vocação de Mateus a sua autoridade sobre os pecadores.

Mateus era um cobrador de impostos. Como tal era desprezado pelos judeus e considerado um pecador público, por colaborar com os romanos e por manter-se em contato constante com pagãos impuros.

A sua resposta ao chamado de Cristo (Segue-me) é imediata: “e levantando-se, o seguiu”. Nada existe na pessoa de Mateus que explique tão profunda transformação. Somente a autoridade de Jesus poderia modificar tão radicalmente a vida inteira de um homem. Deve-se observar que o termo “seguir” implica uma união com a pessoa de Cristo, um seguimento para escutá-lo e servi-lo.

“Por que o vosso mestre come com os publicanos e pecadores?”. É uma pergunta que engloba uma censura e uma insídia (emboscada, estratagema, segundas intenções).

A intimidade de Jesus com pecadores quebra prescrições legais muito claras: seria ele o justo? Essa atitude de Jesus não é suspeita e estranha? Não está ele ensinando a desobediência à lei de Deus?

A resposta de Jesus: “não são os que tem saúde que tem necessidade de médico, mas os doentes. Não vim chamar os justos, mas os pecadores” é finamente irônica. Se o médico se arrisca ser contagiado para ir visitar os doentes do corpo, com mais razão ainda Jesus deveria se arriscar para ir ao encontro dos doentes do espirito.

Cristo veio chamar para o seu Reino tanto pecadores como os justos. Exemplo disso é o jovem que tinha observado todos os mandamentos desde a infância. Assim devemos entender os “justos” como aqueles que são falsos justos, ou seja, aqueles que se consideram justos. A atitude de quem confia na própria justiça é uma atitude de soberba desumana e antipedagógica. Cristo não quer os justos que creem poder justificar-se com suas próprias forças e medidas. Estabeleceu uma oposição entre uma religião reduzida à justiça do homem e uma religião construída sobre a misericórdia divina.

A conversão de Mateus nos mostra o poder de Deus na conversão dos pecadores (nós e os outros). A Palavra de Deus nos ensina a confiar mais no poder da misericórdia de Jesus do que em nossa própria justiça.


10° DomTComum-Mt 9,9-13-Ano A-11-06-2023



Olhares que destravam vidas


Adroaldo Palaoro


“Ao passar, Jesus viu um homem chamado Mateus,...”


É curioso: nossa identidade também se revela no modo de olhar; somos o que olhamos; somos como olhamos. Alguns dizem: “Dize-me como olhas e te direi quem és”. Trata-se de uma linguagem universal, para além das palavras. Diariamente vivemos de olhares, imersos neles, amando ou condenando, acolhendo ou rejeitando. Quem não experimentou alguma vez sentir-se especial diante do olhar do(a) outro(a)? Quem não provou o peso de um olhar julgador que, como um dardo venenoso, atravessou as entranhas?

O olhar diz muito mais do que pensamos. Há olhares que ocultam um poder imenso: maliciosos, sensuais, provocativos, inocentes... Há olhares intensos e penetrantes que conseguem despertar nosso lado mais selvagem e passional e que ultrapassam a barreira de nosso ser permanecendo gravadas em nossa mente. Há olhares que falam por si sós, sem necessidade de nenhuma palavra, que transmitem sentimentos, desejos e afetos. Igualmente há olhares que deixam transparecer uma personalidade venenosa, destrutiva e daninha e que, muitas vezes, nos fazem afastar dessas pessoas pelas más sensações que nos causam.

Não nos enganemos; os olhares não são neutros. Eles desvelam (tiram o veú) o mais profundo da pessoa.

A maneira com que olhamos uma pessoa, a forma com que respondemos a um olhar, muitas vezes vai determinar a diferença entre um encontro memorável e grandioso ou um encontro repulsivo e constrangedor

Corações petrificados e insensíveis se expressam nos olhares que matam, que fecham as portas e condenam àqueles que são diferentes; há olhares que delatam, que invejam e que não suportam o bem alheio; olhares de morte, impessoais e indiferentes, superficiais e interesseiros; olhares embriagados de soberba, calculistas, gélidos. Olhares sem luz e sem Deus.

Mas também sabemos que há olhares que curam e reconfortam; olhares que são oásis e sombra acolhedora, que protegem e bendizem; olhares que são bálsamos que aliviam feridas, derramam consolo e compreensão. Olhares cheios de amor para com o outro, que tornam a vida mais fácil. Olhares tolerantes, que não levam em conta o mal, mas tudo suportam e tudo esperam. Olhares que transmitem o bem e que embelezam seus destinatários, fazendo-os melhores e extraindo o melhor deles.

A Revelação vem nos ensinar que Deus “olhou” para a humanidade, e seu olhar de amor foi tal que desceu até o mais profundo da condição humana. A Encarnação do Filho foi determinada a partir de um “olhar” que saiu do coração da Trindade, que pousou sobre o mundo e que voltou ao seu coração, estremecendo-a de compaixão e movendo-a à ação redentora.

Assim também nossa presença no mundo deve ter sua origem no olhar misericordioso e compassivo, amoroso e esperançoso...

Precisamos reaprender a olhar as pessoas nos olhos para despertar em nós a consciência da bondade humana, cujas raízes foram plantadas por Deus no coração de cada uma delas.

E quando somos capazes de olhar nos olhos, com simplicidade podemos encontrar no coração do outro uma imagem do nosso próprio coração.

Quem é a referência e o modelo na arte de olhar? O Mestre da Galileia que, passando pelos lugares cotidianos, olhou a todos como ninguém nunca olhou, extraindo o melhor de cada pessoa em cada circunstância, ativando possibilidades inimagináveis, mobilizando todos os seus recursos vitais... Seu olhar transformava as pessoas em maravilhosas obras de arte.

Durante sua vida, Jesus passou entre nós com um olhar profundo e que chegou a comover muitas e diferentes pessoas: os discípulos, convidando-os a segui-lo; os pecadores, oferecendo seu perdão; os enfermos, oferecendo cura; os excluídos, oferecendo sua acolhida...

Seu olhar nos inspira a olhar o mundo e as pessoas de maneira diferente; olhar que recupera e vibra frente à novidade, que capta a verdade, a beleza e o bem presente em tudo e em todos; olhar que recolhe das margens os olhares perdidos, distraídos ou derrotados de tantos irmãos caídos que necessitam, com urgência de um “olhar cristificado” que os salve. O que salva é o olhar.

O evangelho deste domingo nos situa diante do olhar arrebatador e transformador de Jesus.

O sujeito do primeiro verbo é Jesus: “viu um homem chamado Mateus”. Jesus estava em movimento e Mateus, pelo contrário, estava parado, passivo, “sentado junto à banca”, apegado à sua condição de cobrador de impostos, preso a uma profissão que o tornava desprezível aos olhos de todos.

Mas os olhos de Jesus souberam ver além das aparências: viram no publicano um discípulo, um seguidor.

Para esse olhar ninguém está sentenciado nem qualificado definitivamente, mas tem o futuro diante de si.

Pela primeira vez, Mateus sentiu-se olhado de outra maneira: alguém acreditou nele e o chamou, e por isso ele se transformou em alguém dinâmico que deixou para trás seu passado, assumiu o protagonismo de sua própria vida e se pôs a caminho atrás d’Aquele que foi capaz de olhá-lo assim.

No olhar de Jesus não há, nesse primeiro momento, nem exigência, nem correção, nem sequer chamado à conversão; tão somente um apelo para entrar em outro nível de relação com Ele.

Com seu olhar provocativo Jesus arrancou Mateus de sua mesa (mesa que o distanciava dos outros, mesa da traição do seu povo e que o fazia colaborador do império romano, mesa que o fazia sentir-se inimigo do povo, mesa da exploração, da solidão, da acomodação, da fixação... mesa da morte).

Em casa de Mateus, Jesus funda uma outra mesa: mesa da comunhão, da partilha, da festa, mesa da fraternidade onde todos se sentem iguais... Mesa da vida.

Trata-se de uma mesa provocativa, questionadora, incômoda... que requer mudança de lugar, de mentalidade, de atitude... transformação interior. “Virar a mesa”, eis a questão!

Porém, a aventura de “troca de mesa” requer uma troca de “senhor”.

Para Mateus, a troca de mesa só foi possível a partir da troca de “senhor”: deixou a mesa da dependência ao imperador romano e abriu espaço interior para a presença de Jesus e dos outros. Ele correu o risco de assumir a mesa da liberdade e da comunhão.

Mateus não tem mais mesa fixa (deixa de ficar sentado e põe-se em movimento). Tal como Jesus, ele é chamado a transitar por outras mesas (a mesa dos encontros, da criatividade, do novo, do diferente...)

Todo autêntico seguimento começa por uma troca de olhares; o olhar d’Aquele que chama é mobilizador e move a dar o primeiro passo. E para isso é imprescindível pôr-se de pé, tomar consciência de si mesmo, da presença e da potencialidade da própria dignidade e identidade. O ouvido se abre, o olhar se aclara, a mente se expande, o coração compreende, o corpo se ergue e a vida se reinicia. Vida que se abre em movimento, pronta para acolher e viver as surpresas.

Fazer caminho com Jesus exige abandonar a espera passiva, colocar-nos de pé e entrarmos em sintonia com a liberdade que nos move por dentro. Nada há mais revolucionário que levantar-nos e proclamar que o Reino está em meio a nós porque o trazemos dentro.


Para meditar na oração:

Contemple o olhar de Jesus e se sinta como Mateus. Deixe-se olhar pelos olhos d’Aquele que o vê mais por dentro do que os outros ou você mesmo. Ele não se fixa em seus defeitos nem em suas limitações; não se preocupa com o que você é, mas vê todas as possibilidades escondidas que Deus mesmo pôs em você e que talvez você desconheça.

- Confie mais nos olhos d’Ele que nos seus; creia que Seu olhar e Seu chamado podem fazer de você um(a) discípulo(a).

- Peça-o que o ensine a olhar assim os outros: um olhar límpido, sem segundas intenções e livres de todo julgamento; um olhar capaz de vislumbrar o “melhor” que está oculto nas profundezas de cada um.


Quero misericórdia e não sacrifícios

A salvação é para todos Mateus (9, 9-13)


Tomé


Situando o texto

a. O texto fala que Mateus (ou Levi) era um homem que trabalhava na coletoria de impostos. O nome Mateus significa Dom de Deus ou Dado por Deus. Tanto o Império Romano como os governos locais cobravam impostos, e daí a grande miséria dos pequenos. A cobrança era feita usando o sistema de arrendamento - os governos terceirizavam essa atividade, arrendando o serviço por um ou mais anos a pessoas que pagassem antecipadamente um valor mais alto pelo conjunto de tributos e taxas que seriam cobrados em determinada região ou cidade. Assim, esses arrendatários eram pessoas ricas que, durante o período da coleta, recuperavam o capital investido, e também o seu lucro, usando, muitas vezes, artimanhas e trapaças. 

b. Mas quem executavam o serviço, os coletores, eram funcionários, um “quarteirizado” que muitas vezes não conseguiam nenhum outro emprego e eram pessoas rejeitadas e, as vezes, podiam facilmente ser corrompidas. Por isso, o coletor constava na lista das profissões desprezadas, juntamente com cuidadores de porcos, curtidores de couro, vendedores de alho, barqueiros, carreteiros, servidores de mesa, serventes, enfim todos trabalhos mal remunerados, executados por pessoas pobres. 

Comentando

V. 9-10 – O cobrador de impostos em questão aqui, Mateus, morava na mesma cidade de Jesus e certamente já tinha ouvido falar dele. Jesus chamou ele e ele atendeu prontamente. O versículo 10 menciona uma refeição que acontece na casa de Mateus, que recebeu Jesus e seus discípulos, além de muitos publicanos e pecadores - um grupo de pessoas marcado pela desqualificação religiosa, manchados, na visão dos legalistas, pelo pecado. Pessoas que, muitas vezes, se dedicavam a profissões “desonestas” e ligadas a trapaças. Jesus, seus discípulos, e outros publicanos e pecadores estavam à mesa. 

V. 11 – Os fariseus seguiam rigorosamente a lei de Moisés, as tradições e os costumes dos antepassados. Seguiam tão à risca a lei, que faziam clara distinção entre “justos” e “pecadores”. Os grupo dos fariseus vendo Jesus comer com publicanos e pecadores, questionam os discípulos, perguntando por que Jesus afronta a lei, juntando-se (sentando à mesa!) para comer com pessoas indignas. Para eles era proibido a comunhão de mesa com publicanos ou pagãos, mas Jesus confraterniza com eles.

V. 12 – Quem responde a pergunta dos fariseus não são os discípulos, e sim o próprio Jesus. Ele usou um provérbio bem conhecido da época – “os que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes”. Os que tem saúde são as pessoas justas ou, aquelas que se consideram justas, como os fariseus, enquanto os doentes são os publicanos e pecadores. O médico vai ao encontro das pessoas doentes, que o acolhem porque precisam dele. Jesus se considera um médico. 

V. 13 – A frase “vão e procurem entender” era bastante usada pelos rabinos quando queriam frisar algum preceito seu. No caso, Jesus lembra-os do texto do profeta Oséias – “quero que vocês me amem e não que me ofereçam sacrifícios” -, que chama a atenção para que a vontade de Deus seja feita e não apenas um ritual. Deus quer que as pessoas tenham atos misericordiosos e confiem nele e não em cerimônias religiosas desprovidas de sentido e que nada têm a ver com a prática misericordiosa diária.

Alargando

Conforme o ensinamento da época, quem comia com uma pessoa impura, também ficava impura e contaminava os outros ao redor. “Eu quero que as pessoas sejam bondosas e não que me ofereçam sacrifícios de animais.”. Para Jesus a misericórdia é mais importante do que a pureza legal (Os 6,6; Is 1, 10-17).

Jesus chama Mateus para o seguir. “Seguir”, um termo usado para indicar o relacionamento entre o discípulo e o mestre. Para os primeiros cristãos Seguir Jesus significava três coisas importantes:

1. Imitar o exemplo do mestre. Isto é, Jesus é o modelo a ser imitado e recriado na vida do/a discípulo/discípula. A convivência na “Escola de Jesus” ensinava somente uma coisa: o Reino! E este Reino se reconhecia na vida e na pratica de Jesus.

2. Participar do destino do Mestre. Quem seguia Jesus devia se comprometer com ele e “estar com ele nas tentações - “Vocês têm estado sempre comigo nos meus sofrimentos” – (Lc 22,28); inclusive na perseguição “o aluno deve ficar satisfeito em ser como o seu professor, e o empregado, em ser como o seu patrão” Mt 10, 24-25); e até estar disposto a morrer com ele “Vamos nós também a fim de morrer com o Mestre”, disse Tomé (Jn 11,16).

3. Ter a vida de Jesus dentro de si. Com a condenação, morte e Ressurreição de Jesus, essa nova dimensão entrou. Como dizia Paulo “vivo, já não sou eu, é Cristo que vive em mim (Gl 2,20). Os Cristãos procuravam refazer o caminho de Jesus, que morreu para defender a vida, e por isso mesmo, foi ressuscitado pelo Pai. Aqui temos a dimensão mística do seguimento de Jesus, que é fruto da ação do Espírito.

Concluindo

Como pessoas batizadas, seguidoras de Jesus Cristo, somos chamados a ser este tipo de discípulos e discípulas - imitar o seu exemplo, participar do seu destino, e ter a vida dele em nós. Dom Pedro Casalgaglia disse, “em caso de dúvida, fiquem com os pobres”. Isto é, defender a sua dignidade, partilhar com eles/as, viver em comunhão com os excluídos, enfim viver a misericórdia.



Viver a compaixão em nosso seguimento cotidiano


Iralda Cassol Pereira

religiosa da Congregação das Irmãs Escolares de Nossa Senhora / IENS.


"Jesus, no caminho da Justiça e da misericórdia, vivencia alguns encontros com pessoas, que possuem uma história, um lugar concreto: coletoria de impostos, onde se arrecadavam taxas, tributos e impostos... eram malvistos. Jesus tem uma outra ótica de olhar o ser humano, lança o convite: “Siga-me” (Mt. 9,9). Ao olhar Mateus Ele vê o coração. O convite é desafiador, Jesus olha profundamente, o olhar diz muito do que somos. Há olhares reveladores, outros que ocultam e outros que transformam vidas. A vida de Mateus foi transformada a partir do olhar transparente, eloquente, capaz de comunicar o amor incondicional. Envolvido pelo convite e acolhimento Mateus segue Jesus. O seguimento implica na mudança do olhar misericordioso, compassivo, amoroso de Jesus que desperta em nós a consciência do chamado e o compromisso com a missão."


Leituras do dia

1ª leitura - Os 6,3-6

Salmo - Sl 49(50),1.8.12-13.14-15 (R. 23b)

2ª leitura - Rm 4,18-25

Evangelho - Mt 9,9-13


Jesus, no caminho da Justiça e da misericórdia, vivencia alguns encontros com pessoas, que possuem uma história, um lugar concreto: coletoria de impostos, onde se arrecadavam taxas, tributos e impostos... eram malvistos. Jesus tem uma outra ótica de olhar o ser humano, lança o convite: “Siga-me” (Mt. 9,9). Ao olhar Mateus Ele vê o coração. O convite é desafiador, Jesus olha profundamente, o olhar diz muito do que somos. Há olhares reveladores, outros que ocultam e outros que transformam vidas. A vida de Mateus foi transformada a partir do olhar transparente, eloquente, capaz de comunicar o amor incondicional. Envolvido pelo convite e acolhimento Mateus segue Jesus. O seguimento implica na mudança do olhar misericordioso, compassivo, amoroso de Jesus que desperta em nós a consciência do chamado e o compromisso com a missão.

A atitude de Jesus de comer com os pecadores, os invisíveis do mundo e descartados por uma sociedade consumista e preconceituosa foi é questionada pelos fariseus. Ao ouvir que questionavam sua proposta, Ele afirma: “as pessoas que têm saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes”, aprendam, pois, o que significa: “Eu quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt. 9 12-13). A lógica apresentada por Jesus, rompe com uma visão opressora/ excludente, apresenta a lógica do amor incondicional, da humanitude e gratuidade.


A presença de Jesus na comunidade, liberta a pessoa da escravidão de tudo o que possa escravizar o ser humano. Diz a que veio: “eu não vim para chamar os justos, e sim os pecadores.” Veio para os que se encontram a margem, esquecidos.

De acordo com seu Evangelho, a compaixão é um sentimento divino. Apenas Deus sente essa comoção em relação ao outro. Embora sejamos convidados a sermos imagem e semelhança de Deus, estamos no processo do ser-ao-vir-a-ser que dura a vida inteira. O que nos torna semelhantes a Deus é a prática da compaixão.

Jesus propõe um amor revolucionário, conforme descrito por Valarie Kaur:

“Ver nenhum desconhecido tornou-se uma prática que define as minhas relações... Ver nenhum desconhecido começa em maravilha. É olhar para o rosto de qualquer pessoa e escolher dizer: “És uma parte de mim que ainda não conheço.” A maravilha é a fonte do Amor” ( KAUR, 2020) .


Seguir Jesus significa reconhecê-lo na vida daqueles que são ignorados, desprovidos de privilégios. Precisamos identificar esta realidade como um lugar teológico do encontro e do chamado. Espaço para que a pessoa consiga se reconhecer no outro que caminha lado a lado, que partilha da mesma dor, que sofre as mesmas mazelas, solidários na dor. Ouvir o chamado “siga-me” exige mudança de lugar social, exige olhos que veem o mundo a partir de uma outra perspectiva, que requer conversão, no modo de ver, pensar e agir. Abre teu coração e teu olhar, alarga a tua tenda, expande a consciência para a compreensão de que o chamado de Jesus é continuo, processual, imprevisível e surpreendente.

O convite de Jesus chama-nos a ser corajosos na nossa luta pela dignidade da vida, compreendendo a dimensão cosmológica, onde tudo está interligado em uma perfeita comunhão, onde não há espaço para a dicotomia.

Oséias ressalta a fragilidade do amor (Os 6,3-6), quando este não desce as raízes e as entranhas. É necessário estar embebido e deixar-se embeber por este amor que toca a essência da vida.


"Esforcemo-nos para conhecer a Javé; sua chegada é certa como a aurora, ele Virá e a nós como a chuva, como o aguaceiro que ensopa a terra” (OSEIAS, 6,3)

Para o Senhor o que tem sentido é estar absorvido, envolvido por este amor, não o sacrifício, mas perceber que o amor tem o poder de transformar as pessoas, seus sinais são instigantes. Para seguir Jesus a experiencia do amor torna-se imprescindível.

Para ser como Jesus, é preciso carregar em si o sentimento de Deus e exercer compaixão em nosso seguimento cotidiano, não basta reconhecer que Ele nos chama, necessitamos olhar para Jesus a fim de entender a sua proposta de vida.


Para refletir

1. Para seguir Jesus quais implicações são prioritárias?

2. Quais riscos estamos dispostos a enfrentar para sermos fiéis ao seguimento de Jesus?

3. Somos chamados, na vida comum, a estarmos atentos aos sinais de Deus, como estou percebendo estas manifestações de Deus e seu chamado, siga-me?


VEIO PARA OS PECADORES

(Do Missal Dominical)

Há algumas categorias de pessoas, no evangelho, pelas quais parece que Jesus tinha verdadeira aversão, instintiva incompatibilidade de caráter: são os que se consideravam “justos”. Diante deles, Jesus se sente desarmado e quase inútil. Não pode entrar em diálogo com eles, porque são autossuficientes, não têm necessidade de salvação nem de perdão. São pessoas rígidas, incapazes de ir além da justiça; sua religião é a do “dou para que dês”. Jesus descreveu a atitude deles na parábola dos operários da vinha (Mt 20,1-16), que se queixam da generosidade do patrão para com os que chegaram por último. Na parábola do filho pródigo, eles estão figurados no filho mais velho, ciumento da bondade do pai para com o mais novo que volta para casa (Lc 15,11-32). Seu retrato é o do fariseu que “paga” a Deus até o mínimo imposto, mas despreza intimamente e julga, do alto de sua “justiça”, o publicano que invoca misericórdia (Lc 18,9-14). 


DEUS BUSCA O HOMEM

A uma religião reduzida à justiça do homem, jesus opõe uma religião baseada na misericórdia divina (evangelho). Citando Oséias (1ª leitura), lembra que os profetas já negaram o valor dos ritos, ainda que perfeitamente executados, e a observância meticulosa, mas exterior da Lei, a favor de uma religião de amor e misericórdia. 

As simpatias de Jesus são, ao contrário, pelos pecadores, os desprezados, os “excomungados” do seu tempo, aqueles a quem as pessoas de bem nem ousavam frequentar, para não se contaminarem. Acusam-no de amigo dos publicanos e das pecadoras. Mas Jesus responde-lhes dizendo que publicanos e prostitutas os precederão no Reino dos céus, e frequenta suas casas sem se preocupar com as reações escandalizadas que suscita nos que se julgam bons. Participando da mesa dos pecadores, Jesus não só se põe o seu nível, mas começa a realizar o que prometera em Mt 8,11-12: “Muitos virão do oriente e do ocidente e se sentarão à mesa com Abraão, Isaac e Jacó no reino dos céus, enquanto os filhos do Reino serão lançados fora, nas trevas”.

 

JESUS TEM PREDILEÇÃO PELOS MARGINALIZADOS E REJEITADOS

Toda vez que, no evangelho, Cristo assume o papel daquele que congrega, dirige sua convocação especialmente às categorias eliminadas das assembleias judaicas. “Sai imediatamente pelas praças e estradas e estradas da cidade e traze aqui os pobres, estropiados, cegos e coxos... para que se encha a minha casa” (Lc 14,21.23). A assembleia judaica excluía essas pessoas: “O cego e o coxo não entrarão na casa“ (2Sm 5,8), como excluía os publicanos e  os pecadores. No entanto, parece serem esses os convidados prediletos de Jesus. 

Esta abertura de Cristo a toda a humanidade pecadora, no desejo de levar todos à salvação, encontra resistência e suscita escândalo ainda hoje. De fato, em nossos dias ainda existe a tendência a fechar-se em pequenos oásis de fervor religioso, a considerar ou a desejar uma Igreja feita de “puros”, de uma elite, de empenhados. O sinal da própria fé não se realiza separando ou dividindo os homens em “justos” e “injustos”, em “bons” e “maus”, em “próximos” e “afastados”. Sem acrescentar que muitas vezes o termo de comparação para estabelecer estas divisões é somente a prática exterior, a pertença sociológica, isto é, a identificação da vida de fé com o culto, a prática, a observância. Esta atitude provém de certa mentalidade farisaica, que Jesus repeliu. 


NÃO SE PODE RACIONAR A MISERICÓRDIA

Certa mentalidade farisaica pode também se imiscuir (pelo menos como tentação) numa práxis da pastoral muito exigente no plano da administração dos sacramentos, pronta a negar com muita facilidade um sacramento quando não vê disposições totalmente positivas, como se os sacramentos não fossem gestos de amor e de misericórdia de Jesus, que jamais extingue a mecha que ainda fumega, nem parte o caniço rachado. 

A celebração eucarística também deve superar toda tentação isolacionista. Quando se põe como elemento de divisão entre os de “dentro” e os de “fora”, não corresponde à sua realidade de sinal da assembleia escatológica e messiânica que reúne todos os povos. Não é mais sinal de comunhão, mas de separação... Por isto, os primeiros cristãos viram na eucaristia não só o sacramento do corpo e do sangue de Cristo: viam também um sacramento de perdão, porque a assembleia não é composta só de sadios, mas principalmente de enfermos; não só de justos, mas especialmente de pecadores. 


PRIMEIRA LEITURA: OSEIAS 6,3-6

Quero amor e não sacrifícios.

Este trecho é continuação da descrição dos erros sociais e religiosos, que grassam em Israel (5,10-15). Em 6,1-3 é expresso o arrependimento, no desejo de recuperar o favor divino perdido. A este propósito do povo corresponde um oráculo do profeta (vv. 4-6) que, em nome de Deus, fala das condições requeridas para uma sincera volta: 

1-Reconhecer que tudo o que Deus ameaçou pelos profetas e depois realizou foi um castigo pedagógico (v. 5), devido à falta de amor perseverante (v. 4b);

2- Lembrar que Deus repudia o formalismo religioso (ver também (s 1,1-20; Jr 6,20) não acompanhado do amor (em hebraico hesed), isto  é, de atitude fiel e obsequiosa para com Deus e o próximo e pelo conhecimento de Deus, isto é, por uma adesão integral ao valor divino expresso na aliança. 


SEGUNDA LEITURA: Romanos 4,18-25

REVIGOROU-SE NA FÉ E DEU GLÓRIA A DEUS

Depois de ter afirmado que o homem é justificado só pela fé (3,28), Paulo delineia, numa releitura da vida de Abraão, as características da fé que justifica. Abraão creu, contra toda esperança (5,18-19: corpo amortecido), que Deus seria para ele doador de vida, proporcionando-lhe uma descendência. Esta fé é inconcebível sem a esperança (Hb 11,1-19) e sem a confiança em Deus e o amor total por ele. Assim também é a fé cristã. De fato, nós cremos que Deus é doador de vida: ressuscitou Jesus e nos justificou na vida dele (vv.24-25;5,18). Esta fé implica esperança na nossa ressurreição (8,22-25) e é motivada pelo amor de Deus que está em nós (5,5). 


EVANGELHO: Mateus 9,9-13

NÃO VIM PARA CHAMAR OS JUSTOS, MAS OS PECADORES

Esta pequena composição literária e catequética caracteriza-se por uma grande coerência. De fato:

1- O que é chamado é um publicano, portanto um pecador, no sentido dos vv. 10 e 13b, um doente no sentido do v. 12, que só a misericórdia de Deus pode salvar (9,13a; Os 6,6);

2- O chamado de Jesus a Mateus se transforma num dom de comunhão, expresso no banquete em casa do pecador (9,10-11);

3- No contexto dos capítulos 8-9, os doentes são mais do que paralíticos (9,1-8), do que leprosos (8,1-4), mortos (9,18-25) ou cegos (9,27-29): são os que têm necessidade do perdão de deus (9,2-6), que Jesus confirma com a ceia. 

(Texto extraído do Missal Dominical da Paulus, 10ª edição, 2011).