3º DOM. TP-B

3º DOMINGO DA PÁSCOA-ano B

14/04/2024

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ÁUDIO DO COMENTÁRIO DESTA PÁGINA

AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO

TODOS OS VÍDEOS DE DOM JÚLIO


Primeira Leitura: Atos 3, 13-15.17-19

Salmo Responsorial: 4-R- Sobre nós fazei brilhar o esplendor de vossa face!

Segunda leitura: 1João 2,1-5a

Evangelho: Lucas 24,35-48

35      Naquele tempo, os dois discípulos contaram o que tinha acontecido no caminho, e como o tinham reconhecido ao partir o pão. 36          Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!” 37        Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um espírito. 38  Mas ele disse: “Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? 39 Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”. 40   E dizendo isso, ele mostrou-lhes as mãos e os pés. 41   Mas eles ainda não podiam acreditar, tanta era sua alegria e sua surpresa. Então Jesus disse: “Tendes aqui alguma coisa para comer?” 42   Deram-lhe um pedaço de peixe assado. 43    Ele o tomou e comeu diante deles. 44          Depois disse-lhes: “São estas as coisas que eu vos falei quando ainda estava convosco: era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. 45  Então ele abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, 46          e disse-lhes: “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, 47      e no seu nome será anunciada a conversão, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém. 48  Vós sois as testemunhas destas coisas. Pal. da Salvação.

 

DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SPLc 24,35-48


A aparição de Jesus ressuscitado entre os seus discípulos é tão inesperada que eles não conseguem acreditar: “é um fantasma”! Jesus, porém, se manifesta com sinais realíssimos: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”. O que os discípulos veem é o corpo que foi pregado na cruz, que foi atravessado pela lança. Deus, na ressurreição de Jesus, iniciou uma nova criação: a carne humana assumida feita sua na encarnação foi feita corpo espiritual na nova criação da ressurreição. O corpo glorioso do ressuscitado não é outro, é o mesmo da encarnação.

Outra afirmação importante do evangelho de hoje é: “Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras”: o próprio Jesus ressuscitado é a revelação do sentido definitivo das Escrituras. Todas as coisas que pareciam enigmáticas ou que podiam ser interpretadas de diversas maneiras, recebem o seu sentido autêntico e definitivo com a morte e a ressurreição de Jesus. Com a ressurreição de Jesus, todo o AT se revela como preparação, antecipação, profecia e promessa do mistério central da morte e ressurreição de Jesus.

Nas Escrituras, de fato, muitas coisas são figuras da paixão e da ressurreição. Naturalmente não podiam representar todo o mistério: eram uma imagem antecipada e, portanto, imperfeita. Quando Jesus ressuscitou, então aparece claro tudo aquilo que as narrações, os salmos e os relatos anunciavam do mistério de Deus: a paixão morte e ressurreição de Cristo.

Em que sentido as coisas do AT são figuras imperfeitas? São imperfeitas no sentido de que toda vez que a morte é representada de modo real, a ressurreição não se representa do mesmo modo. E vice-versa, quando a ressurreição é efetivamente figurada, então é a morte que não se representa da mesma maneira.

Explico-me com alguns exemplos. Abel assassinado pelo irmão é figura de Cristo na sua morte. Depois da sua morte, Deus diz a Caim: “O sangue do teu irmão clama a mim”. Abel morto fala ainda. Aqui o NT viu uma figura da ressurreição de Cristo, mas é uma figura muito pálida: há algo de Abel que ainda vive depois de sua morte e que clama a Deus, mas Abel mesmo não se apresenta mais vivo diante de Caim.

Outro exemplo: o sacrifício de Isaac. Aqui é a ressurreição que é prefigurada de modo real, porque depois do sacrifício, Isaac está vivo; Abraão recupera seu filho com vida. Por outro lado, a morte não aconteceu realmente. Abraão levanta o braço para sacrificar o filho, mas o não mata realmente. O sacrifício é somente simbólico.

Também a história de José é figura da morte e da ressurreição de Cristo. José vivo acolhe os seus irmãos que queriam matá-lo por inveja contra ele, como Cristo acolhe todos os seus irmãos depois da paixão sofrida pelos pecados deles. José abre aos irmãos as riquezas de um mundo novo, como Cristo abre a nós as riquezas do reino de Deus. Também neste episódio a morte não se verificou realmente. José foi morto simbolicamente, foi jogado no poço como a um morto na tumba, seu pai recebeu suas vestes manchadas de sangue, mas na realidade ele não foi morto.

Muitos símbolos ainda representam de modo preparatório o grande mistério da Páscoa: a história do povo de Deus, o templo destruído e reconstruído depois do exílio.

Depois desta milenar preparação se cumpre definitivamente em Cristo o mistério e se iluminam todas as profecias e prefigurações.

Peçamos ao Senhor Ressuscitado que nos abra a inteligência das Escrituras e possamos admirar, com gratidão e amor, o grande mistério que se realizou nele para a nossa salvação.


Viver como ressuscitados é aprender das próprias feridas - Adroaldo Palaoro


“Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo!” (Lc 24,39).


“Há feridas que em vez de abrirem nossa pele, abrem nossos olhos”, afirma o poeta chileno Pablo Neruda. Jesus, que nos desconcertou ao curar tantas feridas, na ressurreição não fechou as suas próprias feridas; Ele as mostrou para que fosse reconhecida a sua identidade, para que ficasse claro que elas são a marca da entrega e que nunca se apagarão.


Quando o Senhor se apresentou diante de seus discípulos, depois de sua morte, não tinha dinheiro, nem prestígio; não veio sentado em um trono de ouro nem desembainhou a espada para derrotar os inimigos. Simplesmente mostrou as feridas da crucifixão, as marcas da doação total. Porque “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Heb 13,8).

Para despertar a fé dos discípulos, Jesus não lhes pede que olhem Seu rosto, mas suas mãos e pés. Quer que vejam suas feridas de crucificado; que tenham sempre diante dos olhos seu amor entregue até a morte. Não é um fantasma: “Sou eu mesmo!” O mesmo que conheceram, seguiram e amaram pelos caminhos da Galileia.

Olhando as mãos de Jesus, os discípulos faziam “memória” das mãos que curavam os doentes, cuidavam dos frágeis, elevavam os caídos, abençoavam e acariciavam as crianças, acolhiam os pecadores e pobres...

Olhando os pés de Jesus, os discípulos faziam “memória” dos pés peregrinos, que rompiam distâncias, que faziam a travessia em direção à “margem”, que os aproximavam dos excluídos, que ultrapassavam fronteiras religiosas e culturais... Contemplando as mãos e pés de Jesus, os discípulos tomaram consciência que eles estavam com as mãos atrofiadas e os pés paralisados pelo medo.

A experiência do encontro com o Ressuscitado destrava as mãos e pés dos discípulos, arrancando-os do lugar fechado e lançando-os para os outros. Suas mãos e pés são o prolongamento das mãos e pés de Jesus Ressuscitado. Mãos e pés marcados com as feridas da doação, da entrega; mãos e pés carregados de vida: pés que facilitam fazer-se presentes juntos às vidas feridas, excluídas...; mãos que se fazem vida ao sustentar a vida fragilizada.


A verdadeira identidade do(a) seguidor(a) de Jesus está nas mãos e pés que se comprometem com a vida, que se humanizam e humanizam os outros. Mãos e pés que despertam as mãos e pés petrificados e atrofiados dos outros. Somos chamados a ser testemunhas das mãos e pés do Ressuscitado.


Mãos e pés ressuscitados nos fazem sair de nossos lugares fechados e estreitos, nos arrancam de nossos preconceitos e de nossos medos... e nos movem em direção a largos horizontes.

Por isso, Ressurreição é movimento e ação: é movimento, porque é saída de si; é ação porque é construção, compromisso em favor da vida.

As cicatrizes que Jesus mostrou em seu corpo depois da ressurreição, nunca desaparecerão. Trazia uma mensagem nova registrada em seu próprio corpo: que só permanecerão em nossa vida as cicatrizes deixadas pela vivência do amor e da doação. Esse é o “céu” que somos chamados a “antecipar” e a encarnar: a cultura do encontro, a presença samaritana, o cuidado amoroso, o serviço gratuito, a vida nascida do amor esculpido à imagem e semelhança d’Aquele que viveu intensamente a Paixão pelo Reino.

As “marcas” com as quais se revestiu o Filho ao vir ao mundo são aquelas que perduram, porque são próprias do Ser Divino: pobreza, transparência, simplicidade, verdade... A mesma humildade que mostrou ao vir ao mundo nos saudará às portas da vida eterna; a mesma voz que nos convocou voltará a ressoar em nossos ouvidos; o mesmo corpo, despojado e livre de artifícios, nos abraçará; Aquele mesmo que se ajoelhou para lavar os pés dos discípulos nos receberá, convidando-nos a passar adiante.

Quais costumam ser nossas credenciais quando queremos nos identificar diante dos outros? Normalmente tiramos do bolso nossa carteira de identidade. E se a coisa é mais séria, apresentamos outros documentos. Ou seja, nos identificamos com papéis.

Qual deveria ser nossa verdadeira “carteira de identidade” como seguidores(as) de Jesus? Nossas mãos abertas em sinal de acolhida; nossas mãos estendidas para levantar a quem está caído; nossas mãos calosas de partir o pão que compartilhamos, endurecidas no trabalho para ajudar nossos irmãos; nossas mãos feridas de tanto atender os demais...

Nossa carteira de identidade deveria ser os pés feridos de tanto caminhar em busca daqueles que estão longe, de tanto peregrinar saindo ao encontro do irmão solitário; pés feridos pelos constantes deslocamentos para ajudar o irmão necessitado, para encontrar nossos irmãos marginalizados nas periferias das cidades...

Mãos crucificadas; pés crucificados. Ressuscitar é despertar, levantar-se, pôr-se de pé, renascer à nova e autêntica vida no Espírito. Ressuscitar é despertar para a Vida, transformar-nos e viver para sempre...


Portanto, à luz da ressurreição, o ser humano se define pelas mãos e pés, e não pelo rosto; não adianta ter um rosto se as mãos e os pés estão petrificados. As mãos e os pés expressam aquilo que vem do coração: se o coração está cheio de medo, dúvidas, perturbações, ressentimentos, mágoas... as mãos e os pés revelam-se atrofiados; se o coração está cheio de compaixão, de acolhida, de espírito solidário... as mãos e os pés se expressam como serviço, colocando a pessoa em movimento em direção aos outros.


As mãos e os pés são os membros que nos alargam, nos ampliam para o encontro; eles nos tiram de nossa estreiteza de atitudes, de ideias... Por isso são membros que mais nos “humanizam”, ou seja, nos fazem “descer” ao “húmus” de nossa existência, ao chão da vida, abrindo-nos aos outros.


Fazer a experiência da Ressurreição é ter mãos e pés do Ressuscitado: membros a favor da vida.

- em direção de quem nos levam os pés?

- em favor de quem usamos nossas mãos? A serviço de quem?...


Sempre que pretendemos fundamentar a fé no Ressuscitado com nossas vazias reflexões, nós o transformamos num “fantasma”. Infelizmente, muitos cristãos só estão preocupados em seguir um “fantasma”, pois não se identificam com o Jesus histórico, comprometido com a causa dos mais pobres e excluídos; seguem uma “religião fantasma”, feita de ritualismos e devocionismos vazios, sem compromisso com a transformação da realidade injusta, geradora de crucificados; vivem uma “espiritualidade fantasma”, constituída de discursos moralistas e fixações legalistas que alimentam culpa e angústia.


Quem vive focado nos “fantasmas” não tem “feridas” a apresentar, não tem consistência humana e sua história desaparecerá como fumaça.


Para encontrar-nos com Jesus, temos de percorrer o relato dos Evangelhos: descobrir as mãos que abençoavam os enfermos e acariciavam as crianças, os pés cansados de caminhar ao encontro dos mais esquecidos; descobrir suas feridas e sua paixão. Esse é Jesus o que agora vive ressuscitado pelo Pai.

Os relatos das aparições do Ressuscitado são especialmente clarificadores e confirmadores sobre o que Ele viveu neste mundo e que permanecerá para sempre. Isso tem um significado fundamental, pois não podemos gastar energias com “fantasmas” que não deixam marcas em nossa vida e em nossa história. Só permanecem as feridas da doação, da entrega, do serviço...


Para meditar em oração:

Na vivência pascal tomamos consciência de que nossas “feridas”, com seus incômodos e adversidades, são a mediação através da qual Deus “entra” em nossa vida e nos conduz a um conhecimento mais real, mais vivo e profundo do sentido de nossa própria existência. É através da integração das feridas que recebemos uma iluminação nova que nos capacita a “ordenar” a Deus todas as coisas e reorientar para Ele toda nossa vida. Então, cresce a consciência que o mesmo Deus encontra mais facilidade de “entrar” em nossa vida através dos fracassos, feridas, fragilidades.

- Ser capaz de “celebrar os fracassos” e “dar graças pelas feridas” é sinal de maturidade espiritual.

- Por isso, a memória agradecida é o húmus natural de onde brota a gratidão, que ativa em cada um o ânimo e a generosidade diante do futuro de sua vida e missão.


Companheiro de caminho - José Antonio Pagola

 

Há muitas maneiras de colocar obstáculos à verdadeira fé. Há a atitude do «fanático», que se agarra a um conjunto de crenças sem nunca se deixar interrogar por Deus e sem jamais ouvir ninguém que possa questionar a sua posição. A sua é uma fé fechada, onde falta acolhimento e escuta do Mistério e onde sobra arrogância. Esta fé não liberta da rigidez mental nem ajuda a crescer, pois não se alimenta do verdadeiro Deus.

Há também a posição do «cético», que não procura nem se interroga, pois já não espera nada de Deus, nem da vida, nem de si mesmo. A sua é uma fé triste e apagada. Falta nela o dinamismo da confiança. Não vale a pena. Tudo se resume a continuar a viver, sem mais.

Há também a posição do «indiferente», que já não se interessa nem pelo sentido da vida nem pelo mistério da morte. Sua vida é pragmatismo. Só lhe interessa o que lhe pode proporcionar segurança, dinheiro ou bem-estar. Deus diz-lhe cada vez menos. Na verdade, para que pode servir acreditar nele?

Há também quem se sinta «proprietário da fé», como se esta consistisse num «capital» recebido no batismo e que está aí, não se sabe muito bem onde, sem ter que se preocupar muito. Esta fé não é fonte de vida, mas «herança» ou «costume» recebida de outros. Podia livrar-se dela sem sentir sua falta.

Há também a «fé infantil» daqueles que não acreditam em Deus, mas sim naqueles que falam dele. Nunca tiveram a experiência de dialogar sinceramente com Deus, de procurar seu rosto, ou de se abandonar no seu mistério. Basta-lhes acreditar na hierarquia ou confiar «nos que sabem dessas coisas». Sua fé não é experiência pessoal. Falam de Deus «de ouvir dizer».

Em todas estas atitudes falta o mais essencial da fé cristã: o encontro pessoal com Cristo. A experiência de caminhar pela vida acompanhados por alguém vivo com quem podemos contar e em quem podemos confiar. Só Ele nos pode fazer viver, amar e esperar apesar dos nossos erros, fracassos e pecados.

Segundo o relato do evangelho, os discípulos de Emaús contavam «o que lhes tinha acontecido no caminho». Caminhavam tristes e desesperançados, mas algo novo se despertou neles ao encontrarem-se com um Cristo próximo e cheio de vida. A verdadeira fé sempre nasce do encontro pessoal com Jesus como «companheiro de caminho».

  

Toquem-me e vejam - Ana Maria Casarotti

 

A Liturgia continua oferecendo-nos uma aparição de Jesus em meio aos discípulos. Os dois discípulos que iam a caminho de Emaús voltam para Jerusalém e narram aos outros discípulos “o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão”.

Quando eles iam a caminho do povoado e conversavam a respeito de tudo o que havia acontecido, Jesus começa a caminhar com eles. Jesus faz-lhes uma pergunta que os incomoda e eles respondem impressionados pelo seu desconhecimento do acontecido recentemente em Jerusalém. Sua resposta é uma breve descrição de tudo o que havia acontecido com Jesus, “o profeta poderoso em palavras e obras”, e narram ainda sua morte e ressurreição, mas sem acreditar nela. Para eles a história acabou e por isso ficam desolados e tristes.

Jesus fica com eles e estando à mesa toma o pão e o abençoa, parte-o e dá a eles. É nesse momento que “os olhos dos discípulos se abriram, e eles reconheceram Jesus”, mas ele desapareceu da frente deles.

Uma vez mais a comunidade está reunida e Jesus aparece no meio deles. Os evangelhos narram diferentes “aparições” de Jesus Ressuscitado. Fica claro que o motivo não é fazer uma crônica de suas aparições, porque cada evangelho narra diferentes situações considerando as pessoas para quem é escrito seu texto. No evangelho de Marcos, o primeiro evangelho escrito, é um jovem vestido de branco que diz às mulheres: “Ele não está aqui. Ele ressuscitou”. No evangelho de Mateus, Jesus aparece às mulheres que vão ao túmulo e manda-lhes anunciar aos discípulos que voltem para Galileia e aí o verão. Logo serão enviados a predicar e batizar.

O evangelho de Lucas, e mais ainda João, escrevem relatos com uma narrativa mais detalhada.

No Evangelho que foi lido hoje, Jesus aparece no meio deles, come com eles e diz: “Toquem-me e vejam: um espírito não tem carne e ossos, como vocês podem ver que eu tenho”.

O verbo usado neste texto e geralmente quando se fala das aparições é “deixar-se ver”. Apesar dos discípulos terem reconhecido o seu Mestre, eles estão com dúvidas e ficam “espantados e cheios de medo”. Uma vez mais Jesus dá-lhes sua paz. A paz do consolo, a paz que cura as feridas dos momentos da dor, da incerteza que os levou a abandoná-lo, a paz que fortalece internamente além das dificuldades externas.

A iniciativa das aparições é sempre de Jesus. A comunidade está reunida, contando o que tinha acontecido para alguns deles em diferentes situações. Podemos pensar que alguns dos que falavam mostravam uma certeza absoluta para tentar convencer aos outros. “Sim, foi assim! Eu tinha como uma certeza interior que não sabia como explicar”. Cada grupo procuraria apresentar sua “visão do Ressuscitado de forma convincente”, com certezas interiores as quais de fato não tinham.

Neste momento Jesus aparece no meio deles e todos ficam com medo. Não o reconhecem, não é tão fácil acreditar que Jesus está vivo! Pelo contrário, eles ficam espantados, cheios de medo, e todas suas certezas caem por terra! Já não servem para mais nada, parece que caducam todas num instante.

Neste momento eles não têm medo das autoridades dos judeus ou dos sacerdotes, senão de Jesus mesmo! Um olhar um pouco superficial pode pensar que no fundo eles não acreditaram no caminho de Emaús, mas os diferentes relatos das aparições nos mostram as dificuldades que cada comunidade tinha para acreditar progressivamente em Jesus Ressuscitado e mais ainda nas narrativas dos Evangelhos.

No século XXI podemos perguntar-nos onde “se deixa ver” Jesus neste momento histórico? Como comunidade reunida que escuta, somos chamados a deixar-nos questionar pela pergunta: Onde nos convida a tocar, a colocar nossas mãos nas suas feridas e ser assim testemunhas desta mensagem?

Nossas comunidades procuram ir ao encontro dos mais pobres e desprotegidos do mundo de hoje e reconhecer nas suas chagas as feridas de Jesus Crucificado?

O Papa Francisco chamou a atenção para a tentação de considerar-se alheio ao próximo em dificuldades, pensando: "Não me diz respeito, não é problema meu, é culpa da sociedade". Uma atitude que consiste em "olhar para o outro lado quando o irmão passa necessidade é mudar de canal quando um problema sério nos incomoda", e também "indignar-se com o mal, mas sem fazer nada. Deus, no entanto, não nos perguntará se sentimos justa indignação, mas se fizemos o bem". (Papa Francisco. “Os pobres são o nosso passaporte para o paraíso”)

O Brasil é um país profundamente desigual e a desigualdade gritante se dá em todos os níveis. Seja por diferentes regiões do país, por gênero - as mulheres ganham, em geral, bem menos que os homens mesmo exercendo as mesmas funções -, por raça e cor: os trabalhadores pretos ou pardos respondem pelo maior número de desempregados, têm menor escolaridade, ganham menos, moram mal e começam a trabalhar bem mais cedo exatamente por ter menor nível de escolaridade. IBGE: 50 milhões de brasileiros vivem na linha de pobreza

Jesus Ressuscitado aparece continuamente diante de nós, e nossas comunidades devem acreditar na sua presença no meio de nós.

Acreditamos que Jesus Crucificado é o Ressuscitado? O evangelho de hoje conclui com uma afirmação de Jesus: “E vocês são testemunhas disso.” Confia a seus seguidores comunicar com suas vidas e palavras que Jesus de Nazaré, morto numa cruz, foi por Deus ressuscitado, rompendo as ataduras da morte! (cfr. At,2,24).

  

Jesus fala e ceia conosco - Enzo Bianchi


Tradução Moisés Sbardelotto.

 

O Evangelho deste domingo relata outro evento, após a visita de madrugada das mulheres ao túmulo vazio (cf. Lc 24,1-11), a corrida de Pedro ao sepulcro (cf. Lc 24,12), a manifestação do Ressuscitado “como um forasteiro” (Lc 24,18) aos dois discípulos no caminho a Emaús (cf. Lc 24,13-35).

Ainda no mesmo dia, “o primeiro da semana” (Lc 24,1), o dia único da ressurreição, mas à noite, os dois discípulos que voltaram a Jerusalém estão na sala do andar de cima (cf. Lc 22,12; Mc 14,15), contando aos Onze e aos outros “como reconheceram Jesus ao partir o pão” (Lc 24,25).

E eis que, de repente, percebem que Jesus está no meio deles e faz ouvir a sua palavra: “A paz esteja convosco!”. Não lhes profere palavras de reprovação pela sua fuga no momento da sua prisão, não repreende Pedro pela negação, não diz nada sobre o fato de eles não serem mais Doze, como ele os havia chamado e constituído em comunidade (cf. Lc 6,13; 9,1), mas apenas Onze, porque o traidor foi embora.

Não, ele lhes diz: “Shalom ‘aleikhem! Paz a vocês!”, saudação habitual para os judeus, mas que, naquela noite, ressoa com uma força particular. Essa saudação, dirigida aos discípulos profundamente abalados e perturbados pelos eventos da paixão e morte de Jesus, significa sobretudo: “Não tenham medo!”.

A ressurreição transformou Jesus radicalmente, transfigurou-o, tornou-o “outro” no aspecto, porque ele já “entrou na sua glória” (cf. Lc 24,26) e só pode ser reconhecido pelos discípulos através de um ato de fé. Esse ato de fé é difícil, fatigante: os Onze custam a vivê-lo, a colocá-lo em prática...

Não por acaso Lucas anota que os discípulos “ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma”, do mesmo modo que os discípulos no caminho de Emaús acreditavam ver um peregrino.

Então, Jesus os interroga: “Por que estais preocupados, e porque tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”.

Ao dizer isso, mostrou-lhes as mãos e os pés com os sinais da crucificação. Sim, o Ressuscitado não é outro senão aquele que foi crucificado! Essa ostentação, por parte de Jesus, das suas mãos e dos seus pés transpassados pela crucificação é um gesto que pede que os seus discípulos o encontrem acima de tudo nos sinais do sofrimento, do padecimento e da morte. A carne chagada de Cristo é a carne chagada da humanidade, é a carne do pobre, do faminto, do doente, do oprimido, da vítima da injustiça da violência! Sem esse encontro muito real com a carne dos sofredores, não se encontra Cristo, e a própria ressurreição permanece um mito.

No entanto, apesar dessas palavras e desse gesto, os discípulos não chegam a crer; apesar de uma emoção alegre, não chegam à fé. É verdade, nós, seres humanos, chegamos facilmente à religião, mas dificilmente chegamos à fé; vivemos facilmente emoções “sagradas” ou religiosas, mas dificilmente aderimos a Jesus Cristo e à sua palavra.

Na comunidade dos Onze, devemos ler a história das nossas comunidades, nas quais se vive a fé e se confessa a fé, mas também se manifesta a incredulidade. No entanto, o Ressuscitado tem uma grande paciência e, por isso, oferece à sua comunidade uma segunda palavra e um segundo gesto.

Ele lhes pergunta se eles têm algo para comer, e eles lhe oferecem um pouco de peixe assado, a comida que costumavam comer juntos, quando viviam a aventura da vida comum na Galileia. Tendo-o recebido, Jesus come na frente deles! Nós ficamos até estupefatos diante desses gestos de Jesus, mas fiquemos atentos: são apenas “sinais” para dizer que a ressurreição de Jesus não é imortalidade da alma e perda total do corpo, não é “a continuação da sua causa” mesmo que ele esteja morto, não é uma memória que se conserva sem que aquele que morreu esteja verdadeiramente vivo.

Jesus dá aos discípulos esses sinais, que, na verdade, contêm verdades indizíveis, para que creiam que o Crucificado realmente venceu a morte. Seu corpo crucificado é um corpo agora vivo, “um corpo espiritual” (1Cor 15,44), isto é, vivo no Espírito, dirá o apóstolo Paulo.

O próprio Lucas escreveria no início dos Atos dos Apóstolos que Jesus “se apresentou vivo aos seus discípulos com muitas provas” (At 1,3), mas que não pareciam ser suficientes para levá-los à fé. De fato, os discípulos permanecem em silêncio, mudos!

Então, Jesus, para fazer com que finalmente cressem, retoma a sua pregação, o anúncio do Evangelho por ele feito até a morte. Ele pede para que recordem as palavras ditas enquanto estava com eles, porque aquelas palavras eram profecia e a palavra de Deus que devia se realizar, assim como devia encontrar cumprimento tudo o que tinha sido escrito sobre ele, o Messias, na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos, isto é, nas santas Escrituras da antiga aliança.

E eis que, enquanto o Ressuscitado recorda e explica a palavra de Deus contida nas santas Escrituras, ele opera o milagre verdadeiro: “Abriu-lhes a mente (diénoixen autôn tòn noûn) para compreenderem as Escrituras”.

O verbo aqui utilizado (dianoígo), nos Evangelhos, tem sempre um sentido terapêutico: designa a abertura dos ouvidos dos surdos e da boca dos mudos (cf. Mc 7,34), dos olhos aos cegos (Lc 24,31). Aqui indica a operação realizada no poder do Espírito Santo, a abertura da mente para a compreensão das Escrituras. Os discípulos, assim “abertos”, podem agora crer e, portanto, ser constituídos testemunhas da ressurreição de Jesus.

Junto deles, Jesus se faz exegeta, intérprete das profecias que lhe diziam respeito, recorda também as suas palavras proferidas durante a pregação na Galileia, mostrando a “necessitas” do cumprimento, da realização na sua vida na sua morte. Ele talvez não tinha conversado com Moisés (a Lei) e com Elias (os profetas) precisamente sobre aquele êxodo pascal que ele devia fazer para Jerusalém (Lc 9,30-31)?

A fé pascal brota da fé e do conhecimento das santas Escrituras, como ainda professamos no Credo: “Padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras (cf. 1Cor 15,3-4)” (resurrexit tertia die secundum Scripturas). Os discípulos entenderam que o desígnio salvífico de Deus se cumpriu na paixão, morte e ressurreição do Senhor, e que esse é o fundamento da fé cristã, da qual brota o anúncio do perdão dos pecados, da misericórdia de Deus para todos os povos da terra: não só para o povo de Israel, mas para todos...

Com muito esforço, Jesus fez com que aqueles discípulos que haviam desaparecido durante a sua paixão cressem novamente, tornou-os testemunhas da sua morte e ressurreição, tornou-lhes capazes de compreender o que é o perdão dos pecados que eles devem anunciar, em virtude do fato de terem sido os primeiros a receber o perdão do Ressuscitado.

Há um ditado de um Padre do deserto que me parece comentar admiravelmente essa página evangélica: “Crer na palavra do Senhor é muito mais difícil do que crer nos milagres. Aquilo que se vê apenas com os olhos do corpo ofusca; aquilo que se vê com os olhos da mente que crê, ilumina”.

  

E vocês são testemunhas disso - Thomas Hughes

 

O evangelho de hoje é a segunda parte do capítulo 24 de Lucas, que relata primeiro a história das mulheres diante do túmulo de Jesus, e agora o incidente do encontro de Jesus Ressuscitado com os dois discípulos na estrada de Emaús. Devemos recordar que Lucas estava escrevendo a sua obra em vista dos problemas da sua comunidade pelo ano 85 d.C. Já não estamos mais com a primeira geração de discípulos – já se passou mais de meio século desde os eventos pascais. A comunidade já está vacilando na sua fé – as perseguições estão no horizonte, ou até acontecendo; o primeiro entusiasmo diminuiu, os membros estão cansados da caminhada e perdendo de vista a mensagem vitoriosa da Páscoa. Parece que é mais forte a morte do que a vida, a opressão do que a libertação, o pecado do que a graça.

Neste cenário, Lucas escreve esta narrativa. Traz uma mensagem de ânimo e coragem aos desanimados e vacilantes da sua época – e da nossa! Para as mulheres, os dois anjos perguntam “por que estão procurando entre os mortos aquele que está vivo?” Afirmam: “Ele não está aqui! Ressuscitou!”

Mensagem atual para os nossos tempos – diante da péssima situação de tantas pessoas que enfrentam a dura luta pela sobrevivência, com desemprego, baixo salário, falta de terra e moradia, uma herança de décadas de descaso dos governantes com a saúde pública e a educação, é muito fácil perder a esperança e a coragem. Como a Campanha da Fraternidade deste ano quer animar os cristãos na luta para que todos tenham uma vida digna, através de uma sociedade voltada para o bem comum, vencendo a apatia e a passividade, o nosso texto quer nos lembrar que Jesus venceu o mal, não foi derrotado pela morte, e está no meio de nós!

Os dois discípulos no caminho de Emaús são imagem viva da comunidade lucana – e de muitas hoje! Já sabem do túmulo vazio, mas estão desanimados, desiludidos, sem forças – pois ainda não fizeram a experiência da presença de Jesus Ressuscitado. Pois, a nossa fé não se baseia no túmulo vazio, mas pelo contrário, a nossa experiência do Ressuscitado explica porque ele ficou vazio. Os dois só fazem esta experiência quando partilham o pão! A Escritura fez com que os seus corações “ardessem pelo caminho” (v. 32), mas não lhes abriu os olhos – para isso era necessário formar uma comunidade celebrativa de fé e partilha: “contaram… como tinham reconhecido Jesus quando ele partiu o pão” (v. 35).

Finalmente, o grupo dos discípulos reunidos em Jerusalém é símbolo das comunidades confusas e vacilantes. Tinham dificuldade em acreditar – pois a mensagem da Ressurreição é realmente espantosa! Mas, uma vez feita essa experiência, eles se transformam e se tornam testemunhas vivas do que sentiram, experimentaram e vivenciaram:

“E vocês são testemunhas disso” (v. 48). Um grupo de derrotados, desesperançados e desunidos (vv. 20-21) se transformam num grupo de missionários corajosos e convictos, assumindo a tarefa de anunciar “no seu nome a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações” (v. 47).

Nos dias de hoje, quando muitos cristãos se desanimam, ou restringem a sua fé à esfera particular, sem que tenha qualquer influência sobre a sua vivência social, a mensagem de Lucas nos convida a redescobrirmos a realidade da presença do Ressuscitado entre nós. Essa experiência não serve somente para o nosso consolo pessoal – somos enviados a imitar os dois de Emaús, que, feita a experiência do Ressuscitado, “levantaram na mesma hora e voltaram para Jerusalém” (v. 33). Pois, a nossa experiência religiosa não é algo intimista e individualista, mas algo que nos deve propulsionar para a missão, para a construção de um mundo conforme a vontade de Deus, um mundo de justiça, paz e integridade da criação, sem excluídos e marginalizados, sob qualquer pretexto que seja!

  

Jesus e um bom peixe assado - Edmilson Schinelo


Algumas correntes dos cristianismos originários espiritualizaram muito cedo a pessoa e a proposta de Jesus. Para esses grupos, as chagas do Crucificado desapareceram e passando a cultuar uma religião que negava a encarnação. Muitos afirmavam que Jesus morreu na cruz aparentemente, seu corpo era apenas um corpo aparente (docetismo). Tal negação teórica tinha uma implicação prática: para ser uma boa pessoa cristã, bastava buscar conhecer (gnose) de verdade esse espírito e a ele chegar pelo esforço intelectual/espiritual.

Por essa razão, as comunidades joaninas, já no convívio com correntes de influência gnóstica, são enfáticas em afirmar: “o Verbo se fez carne e acampou no nosso meio” (João 1,14). Se, por um lado, a fala de Tomé é expressão de sua dúvida, por outro, é sinal de que acredita em um Deus encarnado e sofredor:

“Se eu não vir nas suas mãos os sinais dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei” (João 20,25).

No texto de Lucas 24,36-49, Jesus chega desejando a paz, fazendo uso de um cumprimento que todo judeu gosta de ouvir: shalom! (24,36). O susto é grande e o grupo pensa que é um espírito. “Um espírito não tem carne e osso”, lembra Jesus, “vede minhas mãos e meus pés, sou eu” (24,39). Não há como negar, afirmam as comunidades lucanas: nosso Deus não é só um espírito, o Crucificado/Ressuscitado permanece entre nós! Erra quem prega um Deus desencarnado. Não entende a proposta quem imagina que é suficiente louvar um espírito, muitas vezes até distante, outras vezes apenas doce e virtual.

O Ressuscitado é carne, é gente de verdade e continua com mãos, pés e o lado marcados por ferimentos. Cabe a nós tratar desses ferimentos, como fez o samaritano em outro texto narrado exclusivamente por Lucas (10,29-37). Cabe a nós não fugir e testemunhar por nossos atos: o Ressuscitado é o mesmo Crucificado a contar conosco também hoje, nos pobres e necessitados, os crucificados deste mundo. A fé em Jesus é algo mais exigente: é preciso continuar reconhecendo sua pessoa sofredora, encarnada nas pessoas sofredoras de ontem e de hoje.

Primeiro comer para depois “abrir a mente”

Depois de saborear um bom peixe assado, Jesus convida o seu grupo a ler a Bíblia: “era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. E abriu-lhes a mente para que entendessem as Escrituras” (Lucas 24,44-45). Como tinha feito no caminho de Emaús(24,27), Jesus retoma a Bíblia: a Lei (a Torah, o Pentateuco), os Profetas (os Nebiin, livros históricos e proféticos) e os Salmos (que representam os Ketubin, os outros Escritos).

Nesse sentido, a experiência com Jesus ressuscitado é uma luz que ilumina todas as Escrituras. Dá um novo sabor a textos antigos. Talvez o inverso tenha sido mais decisivo: a memória de tradições de Israel ajudou as comunidades a interpretar a Cruz à luz da profecia e da esperança na vinda do libertador. A releitura de textos como Oséias 6,2 (“Depois de dois dias nos fará reviver; no terceiro dia nos levantará e nós viveremos em sua presença”) e da figura do servo em Isaías, especialmente do cântico de Isaías 52,13-53,12, ajuda o grupo que seguiu Jesus pelo caminho a reconhecer nele a realização dessa esperança popular. À luz destes textos, as comunidades passaram a compreender a Cruz, de modo que, em vez de sinal de morte, passou a ser sinal de ressurreição e de vida. É a vitória da vida sobre a morte. Nasceu uma nova esperança e, com entusiasmo e movidas pelo dinamismo do Espírito, testemunharam a Boa Nova da justiça do Reino a todas as nações.

Entretanto, parece que mais uma vez Jesus quer nos apresentar um método de evangelização: a mesa da partilha e o ato de matar a fome vêm em primeiro lugar em nossos trabalhos pastorais e sociais. Nenhuma doutrina pode ser usada como camisa de força para a Palavra, uma vez que esta não pode ser algemada por aquela (cf. 2Timóteo 2,9). Muito menos, a Bíblia e as normas das diferentes igrejas podem ser usadas para doutrinar a vida, mas para iluminá-la. Despertar a consciência é algo que não se faz com a barriga vazia! Partilhar o peixe (e o pão, e a dignidade) é algo que se faz como prioridade.

Ressurreição acontece ao redor da mesa

O tema da mesa (comensalidade) é um dos mais caros ao evangelho de Lucas. Jesus come com publicanos (Lc 5,29-32); à mesa, na casa de um fariseu, é ungido pela mulher pecadora; (7,36-50; 11,37-54); também na casa de um fariseu desmascara a hipocrisia e o legalismo de quem o acolhia (10,38-42); janta na casa de Zaqueu e o ensina a repartir; faz-se ele mesmo pão repartido (22,14-2); e se dá a conhecer, em Emaús, ao redor da mesa (Lc 24,13-35). Ao todo, por doze vezes Jesus se senta à mesa noevangelho de Lucas. E ainda convida a quem permanecer fiel a sentar-se na mesa de seu Reino (22,28-30).

No evangelho de hoje, ele pede peixe e come com os seus (22,42).

O peixe se tornou um forte símbolo do cristianismo primitivo. Era e ainda é comida de gente simples, que busca sobreviver como consegue, à margem de lagos, rios e mares. Ao mesmo tempo, um pouco de sal e algumas brasas são suficientes para que o banquete esteja pronto e apetitoso. A mesa é o chão da pesca, é a lida do dia-a-dia, a marmita do boia-fria, mas com o direito de estar quentinha, na brasa! E o Mestre come com eles, mais uma vez, um bom peixe assado!

  

A fé que vence o mundo-Enilson Vasconcelos da silva

 

Atos 3.12-19; Salmo 4; I João 3.1-7; Lucas 24.36b-48

Oremos por quem não têm vez nem voz, para que não sejam escravos de ninguém.

A nossa fé deve se basear na pessoa de Jesus Cristo, na sua encarnação, no seu Amor, no seu sacrifício, em seu sangue precioso que nos purifica. E não nas circunstâncias.

Vivendo num mundo líquido, como diz Bauman, onde não há segurança em nada. Onde impera a tecnologia e com ela a obsolescência das coisas. Compro hoje, amanhã jogo fora e compro outro, novo e atualizado. Nada do que possuímos de material nos pode garantir o amanhã, senão a providência divina. Tudo por aqui muda de uma hora para outra. Mas não o nosso Deus e a Sua Palavra.

Cristo venceu o mundo, o pecado e a morte. Nem todos o reconheceram e o aceitam. O número de fiéis em geral é sempre pequeno. Há os que querem ver o milagre e o pão. Há os que querem prosperidade materialista. Há os que querem efetivar o seu projeto de verme humano sem pensar no coletivo, sem pensar na mensagem real do Evangelho. Nossa esperança não se firma na humanidade nem em coisas passageiras, mas na pessoa que é o próprio Deus que transcende tudo.

Que o Espírito de Deus, Sopro divinal, nos conduza em meio às turbulências do século presente para chegarmos ao porto segura. Que não está lá em cima. Está lá na frente. Lá veremos nosso mestre face a face. Reconheceremos a ele nas pessoas.

“Plantaremos nossas próprias vinhas e construiremos nossas próprias casas” (Isaías 65.21).

Texto de Enilson Vasconcelos da Silva (São Paulo-SP), publicado no livro Sementes meditações diárias: Compaixão e Justiça Social. Publicado por Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e Diocese Meridional.

 

Lucas 24,35-48  - É caminhando que se faz o caminho-Thomas McGrath


Essa aparição de Jesus aos amigos acontece em Jerusalém, provavelmente pouco tempo depois da morte e ressurreição. Os onze estão reunidos, com medo dos Judeus. Mas notícias das aparições como, por exemplo, o relato dos discípulos que acabaram de chegar de volta de Emaús ainda não dispersaram a confusão, perturbação, as dúvidas ou o medo. Afinal, a maior parte deles ainda não tinha feito a experiência do encontro pessoal com Jesus ressuscitado.

O fato é que os discípulos descobrem, lentamente que Jesus ressuscitou e está no meio deles, no entanto, de forma diferente. O relato dado pelo autor do Livro dos Atos dos Apóstolos não é uma fotografia, ou reportagem, do que aconteceu. É uma forma catequética de afirmar que Cristo continua vivo e presente, acompanhando seus seguidores (de todas as épocas, de ontem e de hoje) reunidos em comunidade.  Estamos no âmbito da catequese, mais do que no âmbito da descrição pormenorizada de acontecimentos reais. Estavam reunidos os onze e mais “outros companheiros” (Lc 24,33). 

Lucas usa imagens para descrever a experiencia do encontro com Jesus vivo e ressuscitado na convivência em Comunidades. Ele procura deixar claro para todos que a ressurreição de Jesus foi um fato verdadeiro e real que os membros das Comunidades experimentaram só após um caminho longo, difícil, penoso, carregado de dúvidas e de incertezas.

O caminho da fé não é um caminho feito de provas materiais, palpáveis, com demonstrações científicas. É um caminho que a gente percorre com um coração aberto para acolher a experiência da vida nova que Jesus oferece. Foi assim que aconteceu com os discípulos. No final desse caminhar (para uns demorou mais e para outros demorou menos), eles tinham a certeza, sem nenhuma dúvida, que Jesus estava vivo, e caminhava com eles no sofrimento, na dor, na alegria e na partilha. O caminhar começou com muitas dúvidas e incertezas; mas fizeram a experiência do encontro com Cristo vivo, e chegaram à certeza da ressurreição. É essa a certeza que os relatos, usando uma linguagem muito própria, procuram transmitir.

Elementos do encontro com Jesus na catequese de Lucas 

Vale a pena reparar alguns elementos que ajudam os discípulos de ontem e de hoje a perceberem e sentirem o seu encontro com Jesus ressuscitado.

1.Jesus aparece do nada (vers. 36), e até surpreende os discípulos. É Jesus que toma a iniciativa. É sempre assim. É Ele que vem ao nosso encontro, sem hora marcada, sem anúncio, de forma imprevisível e inesperada. Sempre foi e sempre será assim que Ele aparece na vida dos discípulos que procuram caminhar com ele na história.

2. Jesus quando aparece fica “no meio deles”. O seu lugar sempre foi e sempre será no meio. A comunidade se articula e se constrói em volta de Jesus e de mais ninguém. O olhar de todos está fixo nele. A comunidade se alimenta e vive dele. A única referência para a Comunidade é Jesus, sua vida, sua morte e sua ressurreição.  

3. “Espanto” e o “medo” são, no contexto bíblico, a reação normal e habitual do homem diante do Divino (vers. 37). Jesus não é um homem reanimado para a vida que levava antes (como aconteceu com Lazaro), mas o Deus que reentrou definitivamente na esfera divina. 

Esse Jesus, vivo e ressuscitado que se apresenta “no meio” dos discípulos, é o Filho de Deus que, após caminhar com os homens, reentrou no mundo de Deus. No entanto, continua a acompanhar seus discípulos e a caminhar no meio deles.

4.As dúvidas e perturbações dos discípulos revelam a dificuldade que eles/as sentiram em percorrerem o caminho da fé. A ressurreição não foi, para eles/as (como não é para nós), um fato evidente, mas o resultado de uma caminhada mais ou menos longa de uma fé amadurecida.

5.Jesus fala em “tocar” para ter certeza de que Ele não é fantasma – verso 39-40, e em “comer peixe assado” – verso 41-43. Isto é, Lucas usa um jeito especial para ensinar que a experiência não foi uma ilusão ou um produto da imaginação, mas uma experiência forte e marcante, quase palpável. É uma forma de dizer que esse Jesus que eles encontraram, embora diferente e, para muitos no início, irreconhecível, é o mesmo Jesus que tinha andado com eles pelas estradas da Palestina, anunciando e propondo o projeto do Pai. 

6.Lucas ensina também que Jesus ressuscitado não está longe e distante, do mundo em que os discípulos vivem. Ele continua a sentar à mesa com os amigos, comendo junto com eles, partilhando os seus sonhos, suas lutas, suas esperanças, dificuldades e sofrimentos.

7.Jesus, para se identificar, mostra “as mãos e os pés” (vers. 40). O que tinha nas mãos e nos pés que servem para identificar Jesus? Precisamente as suas feridas, as marcas da sua vida dada. Os discípulos não identificam Jesus pelos traços do seu rosto, mas pelas marcas do seu amor até ao extremo. É a prova de amor que diz quem Jesus é. As chagas são a marca distintiva da sua vida. Sempre será assim, por todos os tempos. Quer dizer, quando encontramos, no meio de nós, sinais de amor e de vida dada, Jesus vivo e ressuscitado aí está.

8.Jesus ressuscitado des-vela para os discípulos o sentido profundo das Escrituras. As Escrituras não só encontram em Jesus o seu cumprimento, mas também o seu intérprete. A comunidade deve reunir-se sempre em nome de Jesus ressuscitado para escutar a Palavra que alimenta e que dá sentido à sua caminhada (vers. 44-46).

9.Finalmente, Jesus entrega aos discípulos a missão de serem suas testemunhas diante de “todas as nações, começando por Jerusalém”. O tema central do anúncio é a morte e ressurreição de Jesus, o libertador anunciado por Deus desde sempre. A missão da Igreja de Jesus é pregar a conversão e o perdão dos pecados a todos os homens e mulheres, propondo-lhes a opção pela vida nova de Deus, pela salvação, pela vida eterna (vers. 47-48). 



 TEXTO De Dom Damian Nannini, Argentina

(Traduzido pelo tradutor Google sem correção nossa)

TERCEIRO DOMINGO DO CICLO DE PÁSCOA “B”


 Primeira leitura (Hb 3,13-15.17-19):


         O texto de hoje faz parte do segundo discurso de Pedro no templo de Jerusalém (Hb 3,11-26) que acontece depois da cura do paralítico (Hb 3,1-10).


         É importante ter em mente que o público de Pedro são “os israelitas” que se reuniram no pórtico de Salomão ao ouvir a notícia do milagre: “Quando Pedro viu isto, disse ao povo: “Israelitas, por que estais maravilhados? Por que nos olham assim, como se fosse por causa do nosso poder ou da nossa santidade que fizemos este homem andar?” (Hb 3:12).


         A intenção de Pedro com seu discurso é unir o milagre da cura do paralítico com a ressurreição de Jesus, portanto nos vv. 13-15 desenvolve um “querigma cristológico”. Segundo J. Fitzmyer[1] “os elementos querigmáticos do discurso podem ser vistos nos seguintes detalhes: a era da realização chegou (3, 18); São lembrados o ministério e a morte de Jesus (3, 13,15), coroado pela sua ressurreição (3, 15), ele é o “Messias” designado por Deus (3, 20); é feito um chamado ao arrependimento (3, 19 25-26)”. Além disso, neste discurso a tripla ação negativa dos judeus em relação a Jesus (traíram-no, repudiaram-no e mataram-no) é contrastada com a ação de Deus, o único Deus de Abraão, Isaque e Moisés, que "o ressuscitou de os mortos." entre os mortos". Deste modo, a ressurreição é o sinal claro de que Jesus tinha o favor de Deus, o Deus dos pais, porque era o seu mensageiro, o “santo e justo”; e assim é também evidente o erro dos judeus que o rejeitaram, preferindo um assassino. Isto é, Deus glorificou Aquele a quem os judeus humilharam, aceitou aquele a quem os judeus rejeitaram.


         Depois do querigma, e a partir dele, explica-se o acontecimento milagroso: é fruto do poder de Jesus Ressuscitado, da fé nele (v. 16 omitido na leitura litúrgica). Os exegetas debatem se é a fé do paralítico ou a dos apóstolos. J. Roloff[2] explica que é a fé dos Apóstolos que a fé do paralítico não é apresentada como uma pré-condição para o milagre. Portanto, o poder de curar vem de Jesus através da fé dos Apóstolos que são suas testemunhas. Desta forma, o milagre deve ser entendido como mais um sinal ou testemunho a favor da ressurreição de Jesus, uma vez que os autores do prodígio não foram os Apóstolos, mas o próprio Jesus, vivo e glorificado.


         Nos v. Em 17-18 temos uma importante mudança de tom com uma profunda declaração teológica. Os judeus, o povo e seus líderes agiram por ignorância e Deus usou essa mesma coisa para cumprir o que já havia anunciado através dos profetas: que o seu Cristo/Messias deveria sofrer. Além do erro cometido pelos judeus ao rejeitarem Jesus, ainda há uma oportunidade de ser salvo, por isso Pedro exorta fortemente o arrependimento (metanoeô) e a conversão (epistrefô) para que os pecados sejam cancelados e apagados. Desta forma, a cura milagrosa torna-se também sinal do perdão dos pecados, que é o que obtemos pela fé em Cristo Ressuscitado.


 Segunda leitura (1Jo 2,1-5a):


         A vontade de Deus, e do autor da carta, com respeito aos cristãos que renasceram através do Batismo é que eles não pequem. Mas caso ocorra esta possibilidade de pecado, somos convidados a confiar na nossa “defesa” que Jesus exerce diante do Pai.


         É típico desta primeira carta de João relacionar diretamente a purificação ou santificação do cristão com a morte redentora de Jesus, porque ele é apresentado como bode expiatório dos pecados dos cristãos e do mundo inteiro.


É importante lembrar que dentro do mobiliário do “Santo dos Santos” do Templo de Jerusalém estava o propiciatório, que era uma placa de ouro colocada como cobertura sobre a arca da aliança e sobre a qual repousavam dois querubins, cobrindo-a. com suas asas., encerrando assim um espaço vazio que servia de trono à majestade divina (cf. Êx 25,17-22, Lv 16,15). O termo hebraico kapporet, propiciatório, vem da mesma raiz de kippur, expiação, e do verbo kipper, expiar. Portanto, este lugar da presença de Deus é designado como o lugar da expiação e, ao mesmo tempo, é descrito como o lugar do perdão. Há aqui um complexo jogo de significados: se o sumo sacerdote faz expiação para cobrir os pecados, é Deus quem de facto os cobre, perdoando-os. Vendo isso, o significado da frase é que Jesus Cristo realizou com sua morte a expiação-propiciação de todos os pecados, que foi significada na liturgia das expiações. Nele Deus mostrou-se bondoso com os homens, ou seja, perdoou-os. A imagem tirada do culto do AT permite-nos ver esta semelhança, mas não devemos deixar de lado a dissimilaridade: Cristo é ao mesmo tempo a vítima cujo sangue é oferecido, o lugar santo da presença de Deus entre o seu povo e o exclusivo lugar de perdão divino.


         O conhecimento de Deus em João tem caráter de comunhão progressiva com o conhecido. Portanto, conhecer a Deus equivale a “estar nele” ou “permanecer nele”. Portanto, cumprir os mandamentos é sinal de estar em Deus e com Deus, de conhecê-lo verdadeiramente. Quem não observa os mandamentos não está em Deus e com Deus; Está nas mentiras, no engano. Dado que o cumprimento dos mandamentos é a expressão da vida nova que surge da comunhão com o Pai e o Filho, para João este é um dos critérios-chave para discernir a comunhão do crente com Deus (cf. 1Jo 3,24; 5, 2).


         Em 1Jo 2,5 fala de guardar ou observar a Palavra, portanto “os mandamentos” devem ser entendidos em sentido amplo como a vontade de Deus manifestada em Cristo. E esta é uma condição para alcançar a plenitude do amor de Deus (ágape). Como bem explica J. Casabó[3]: “O ágape internalizado atinge a sua perfeição no homem, na medida em que ele guarda a palavra de Deus; ou seja, ele acredita no que Deus revelou e o expressa em suas ações. fim, não porque em si melhore de alguma forma a sua qualidade, mas na medida em que informa todas as ações humanas de docilidade à vontade de Deus.


Finalmente, esta segunda leitura, como diz L. Monloubou, “considera a extensão ética da fé pascal”, pois “acreditar em Jesus ressuscitado é mudar toda a vida”[4].


 


Evangelho (Lucas 24:35-48):


 


         Os exegetas costumam dividir este texto em duas seções: o reconhecimento (Lucas 24:36-43) e a instrução ou ensino de Jesus (Lucas 24:44-49). Esta distinção parece-nos válida.


A história do reconhecimento começa com a aparição de Jesus que saúda e oferece a paz, o que é comum a outras histórias de aparições do ressuscitado.


A primeira reação dos discípulos diante de Jesus ressuscitado é de "medo e tremor" ("espantado e cheio de medo") porque acreditam ver um espírito (πνεῦμα). Jesus interpreta esta reação como “turbulência e dúvida” e esclarece-a mostrando-lhes as mãos e os pés e convidando-os a ver e tocar, salientando que “um espírito não tem carne nem ossos”. De acordo com Assim como para nós hoje, na antiguidade bíblica os espíritos eram considerados fantasmas que podiam aparecer em forma humana, mas “não tinham carne nem ossos”.


         A reação dos discípulos é agora a descrença (ἀπιστέω), mas não como uma recusa em acreditar, mas como uma dificuldade em aceitar algo demasiado belo e surpreendente que lhes causa extrema alegria e espanto. Algo como quando dizemos “é bom demais para ser verdade”. Diante disso, Jesus realiza a ação de comer um pedaço de peixe assado na frente deles. Continuando dando-lhes algo para comer (Lucas 8:55)?


Às provas da veracidade da sua ressurreição, como vê-lo e ouvi-lo, acrescenta-se agora a de tocá-lo e vê-lo comer. É uma manifestação da benevolência de Jesus que não se cansa de oferecer sinais para o seu reconhecimento. Jesus faz tudo isto para esclarecer as dúvidas dos seus discípulos e mostrar que o Crucificado é agora o Ressuscitado.


Em resumo: “A história repete muitos temas da passagem anterior: o súbito aparecimento de Jesus, a incapacidade dos discípulos de reconhecê-lo, a reprovação do Nazareno, o estupor e a alegria pelo reconhecimento final. aqui se fala de peixe, que lembra a refeição dos 5.000, embora o tema da Eucaristia também apareça em segundo plano. Junto com as semelhanças, o texto introduz um novo tema: a corporalidade de Cristo ressuscitado"[7]. Isto é, “Lucas, nesta passagem, tentou explicar com fatos o que Paulo faz com conceitos em 1Cor 15,35-39 e 41-44”[8].


        


A segunda subsecção é a instrução de Jesus: tendo convencido os seus discípulos de que ele é realmente o crucificado que ressuscitou, ele pode agora dar-lhes o seu ensinamento final que diz respeito ao significado das Escrituras; à missão dos discípulos e ao envio da promessa do Pai (no v. 49 que não é lido neste domingo).


         Como fez anteriormente com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 26-27), Jesus ensina-lhes que tudo o que aconteceu já havia sido previsto por Ele durante a sua vida pública e que tudo aconteceu de acordo com as Escrituras, ou seja, ao designio de Deus. Então ele abriu sua inteligência para compreender as Escrituras (διήνοιξεν αὐτῶν τὸν νοῦν τοῦ συνιέναι τὰς γραφάς em 24.45), em particular a necessidade da paixão e ressurreição do Messias. Como salienta com razão R. Brown[9]: «na visão lucana, a interpretação da Escritura é um elemento essencial para a compreensão da Paixão e da ressurreição. Nisto Lucas não está longe da tradição relatada por Paulo em 1Cor 15,3- ". 5 que descreve a morte, o sepultamento e a ressurreição conforme ocorreram de acordo com as Escrituras." Portanto, somente o Jesus ressuscitado pode nos dar a chave correta para a interpretação das Escrituras. Perante Ele as mentes permaneciam fechadas, sendo isto uma apologia à incompreensão dos discípulos, ao seu abandono de Jesus durante a paixão e à sua subsequente descrença. Mas depois deste “dom da abertura mental”, eles têm a missão de ser testemunhas de que o Crucificado ressuscitou realmente segundo o plano previsto por Deus e atestado nas Escrituras.


Ao mesmo tempo, Lucas nos diz que são os apóstolos que possuem a inteligência, a compreensão autêntica e verdadeira das Escrituras. Portanto, é necessário agora ouvir os discípulos de Jesus, a Igreja. Encontramos isso primeiro no livro de Atos dos apóstolos, onde vemos como Pedro e Paulo interpretam as Escrituras em seus discursos. Até a comunidade cristã nasce em torno deste ensinamento apostólico (Hb 2,42).


A seguir, Jesus Ressuscitado diz as suas últimas palavras aos Onze Apóstolos e aos que estavam reunidos com eles: "Disse-lhes: 'Assim está escrito que o Cristo sofreu e ressuscitou dos mortos ao terceiro dia e a conversão foi pregada em seu nome. para perdão dos pecados de todas as nações, começando por Jerusalém. Vocês são testemunhas de tudo isso." (Lc 24,46-48).


Nestas últimas palavras, Jesus diz aos seus discípulos que nas profecias do Antigo Testamento (“assim está escrito”) há três coisas sobre o Messias: 1) ele deve sofrer, 2) ser ressuscitado; 3) começando por Jerusalém, em seu nome deve ser pregado a todas as nações. A novidade de Lucas é apresentar a pregação a todas as nações como algo já pré-anunciado sobre o Messias, como uma profecia; enquanto os outros evangelistas apresentam o mandamento como originário de Cristo (Mc 16,15; Mt 28,19-20). Portanto, não só a paixão e a ressurreição de Jesus fazem parte do plano salvífico do Pai revelado nas Escrituras; mas também a missão a todas as nações de anunciar o evangelho da salvação em Cristo. Por trás desta apresentação inédita podemos descobrir a tentativa de Lucas de despertar o sentido missionário na Igreja, pois este sempre foi o desígnio do Pai contido nas Escrituras. O conteúdo desta pregação apostólica é a conversão (metanoia) para o perdão dos pecados; e o mesmo será feito em “nome de Jesus”.


Desta vontade salvífica universal do Pai decorre o compromisso missionário dos Apóstolos, que aqui se descreve com a categoria das testemunhas: “Vós sois testemunhas de tudo isto”. Testemunha é quem viu e ouviu, quem fez a experiência de que Jesus ressuscitou. Com efeito, no livro dos Atos os Apóstolos são sobretudo testemunhas da ressurreição do Senhor (cf. At 1,22; 2,32; 3,15; 5,32; 10,41; 13,31).


         Sobre o alcance eclesial de toda esta história, L. Monloubou[10] diz: «Estes três pontos: a experiência eucarística, a interpretação cristológica das Escrituras e a pregação universal, aqui apresentados como prolongamentos necessários da experiência pascal, são para o companheiros de Lucas realidades devidamente verificadas, já vividas, vividas [...] Esta Igreja que se reúne para ler as Escrituras - Moisés, os Profetas, os Salmos -, para recordar as palavras de Jesus - "isto é o que ele vos disse quando esteve convosco - para celebrar a "partição do pão" e assumir as suas responsabilidades missionárias, esta Igreja tem consciência de viver uma experiência: Jesus "está pessoalmente entre eles", vivo. Esta comunidade não está isenta de dúvidas, mas " Sua fé é profunda." 



Algumas reflexões:


Estamos no tempo da Páscoa, momento de busca da presença de Jesus ressuscitado em nossas vidas, hoje. E o evangelho nos ensina a “forma” como Ele está presente e também nos mostra os “lugares” onde podemos encontrá-Lo hoje.


Em todas as histórias da aparição, Jesus entra na vida dos discípulos de forma simples e discreta, e muitas vezes eles não o reconhecem a princípio. Isto significa, antes de tudo, que Jesus está presente em nossas vidas, mesmo que a princípio não o reconheçamos. Em segundo lugar, chegar a uma verdadeira fé pascal envolve um processo de purificação do olhar através da fé. Por isso é necessário arriscar iniciar o caminho com a certeza de que o Senhor encontrará caminhos que nos ajudem a reconhecer a sua Presença, tal como fez com os apóstolos. Peçamos esta imensa graça de acreditar e ser testemunhas de Cristo Ressuscitado, como disse o Papa Francisco comentando o evangelho de hoje na sua homilia de 15 de abril de 2018: “Irmãos e irmãs, peçamos a graça de acreditar que Cristo é vivo, ha! ressuscitado! Esta é a nossa fé, e se acreditarmos nisso, outras coisas serão secundárias. Esta é a nossa vida, esta é a nossa verdadeira juventude. A vitória de Cristo sobre a morte, a vitória de Cristo sobre o pecado. Cristo está vivo. «Sim, sim, agora receberei a comunhão…». Mas quando você recebe a Comunhão, você tem certeza de que Cristo está vivo ali, ressuscitou? «Sim, é um pãozinho abençoado...». Não, é Jesus! “Cristo está vivo, ressuscitou entre nós e se não acreditarmos nisso, nunca seremos bons cristãos, não poderemos sê-lo”.


De modo particular neste domingo somos convidados a encontrar a sua Presença, a sua Palavra, no tesouro das Escrituras, intimamente ligada à Tradição Apostólica que nos explica para que as compreendamos correta e integralmente.


Está claro no evangelho de Lucas que o recurso às Escrituras é necessário para aceitar a cruz como parte do plano do Pai e para compreender tudo o que aconteceu, incluindo a ressurreição do Senhor Jesus. E ao mesmo tempo é necessário que o Ressuscitado “abra a nossa inteligência” para que possamos compreender as Escrituras. Nas Escrituras, na Bíblia, o Senhor continua a falar-nos e com a sua Palavra ilumina-nos para que possamos superar os momentos sombrios da nossa vida, os momentos da cruz. E também nos ilumina para descobrir a Presença de Jesus Ressuscitado nas nossas vidas, abrindo-nos à Esperança, mostrando-nos novas portas e novos caminhos para sair de situações obscuras e fechadas, de situações de morte. Em resumo “a Bíblia deve estar ao serviço da vida, criada por Deus, para que nos ajude a descobrir Deus presente na vida. A Bíblia ilumina a nossa vida, e a nossa vida ilumina a Bíblia; Portanto, este livro só faz sentido se o colocarmos dentro do livro da vida”[11].


Finalmente, "esta passagem evangélica caracteriza-se por três verbos muito específicos, que de certo modo reflectem a nossa vida pessoal e comunitária: olhar, tocar e comer. Três ações que podem dar a alegria de um verdadeiro encontro com Jesus vivo. 


Assistir. "Olhem para as minhas mãos e para os meus pés", diz Jesus. Olhar não é apenas ver, na verdade, implica também intenção, vontade. Por isso é um dos verbos do amor. A mãe e o pai olham para o filho, os amantes olham um para o outro; O bom médico olha com atenção para o paciente... Olhar é um primeiro passo contra a indiferença, contra a tentação de fechar os olhos para as dificuldades e sofrimentos dos outros. Assistir. E eu vejo ou olho para Jesus? 

O segundo verbo é tocar. Ao convidar os discípulos a tocá-lo, para que vejam que Ele não é um espírito, Jesus indica a eles e a nós que a relação com Ele e com nossos irmãos e irmãs não pode ser "à distância", não há cristianismo à distância, não há cristianismo apenas no nível do olhar. O amor pede para olhar e também pede proximidade, pede contato, para compartilhar a vida. O Bom Samaritano não olhou apenas para o homem que encontrou semimorto na estrada: parou, curvou-se, vestiu-lhe as feridas, tocou-o, colocou-o no monte e levou-o até a hospedaria. E assim é com Jesus: amá-lo significa entrar numa comunhão de vida, numa comunhão com Ele. 


E passamos para o terceiro verbo, comer, que expressa bem nossa humanidade em sua indigência mais natural, ou seja, a necessidade de nos nutrirmos para viver. Mas comer, quando o fazemos juntos, com a família ou com os amigos, torna-se também uma expressão de amor, uma expressão de comunhão, de celebração... Assim como o Ressuscitado, com Seus discípulos. Tanto que o banquete eucarístico tornou-se o sinal emblemático da comunidade cristã. Comer juntos o corpo de Cristo: este é o centro da vida cristã. 


Irmãos e irmãs, esta passagem evangélica diz-nos que Jesus não é um «espírito», mas uma Pessoa viva; que Jesus, quando vem até nós, nos enche de alegria, a ponto de não crer, e nos deixa maravilhados, com aquele espanto que só a presença de Deus dá, porque Jesus é uma Pessoa viva. Ser cristão não é, antes de mais, uma doutrina ou um ideal moral, é uma relação viva com Ele, com o Senhor ressuscitado: olhamos para Ele, tocamo-O, alimentamo-nos d'Ele e, transformados pelo seu amor, olhamos, tocamos e alimentamos os outros como irmãos e irmãs. Que a Virgem Maria nos ajude a viver esta experiência de graça" (Francisco, Regina Coeli, 18 de abril de 2021). 


Para a oração (ecos do evangelho em uma mulher orante): 

Esta é a Hora 

Senhor, venha agora. Entre em nossa casa e nos faça suas perguntas Em cada um de seus porquês, você nos descobre Você percebe os medos e dúvidas 

Sabemos de sua ressurreição, mas ainda assim estamos agitados, vulneráveis Precisamos de você

Venha agora. Vamos cantar os Salmos juntos Lembre-se da Antiga Lei e dos Profetas que Ouvimos 

Abrimos nossas mentes, atordoadas por sons estranhos Mostre-nos o que está escrito em você, por você e para você: O que é necessário


[1] Los Hechos de los Apóstoles I (Sígueme; Salamanca 2003) 382-383.

[2] Hechos de los Apóstoles (Cristiandad; Madrid 1984) 112. Por su parte J. Fitzmyer dice que no es posible optar con certeza por una u otra postura, cf. Los Hechos de los Apóstoles I (Sígueme; Salamanca 2003) 383.

[3] J. Casabó, La teología moral en San Juan (FAX; Madrid 1970) 454.

[4] Leer y predicar el Evangelio de Lucas (Sal Terrae; Santander 1980) 323.

[5] Resurrección de Jesús y Mensaje Pascual (Sígueme; Salamanca 1973) 233.

[6] Resurrección de Jesús y Mensaje Pascual (Sígueme; Salamanca 1973) 234.

[7] Isabel Gómez Acebo, Lucas (Verbo Divino; Estella 2008) 661.

[8] Isabel Gómez Acebo, Lucas (Verbo Divino; Estella 2008) 663.

[9] Un Cristo Resucitado en Tiempo Pascual (San Pablo; Buenos Aires 1995) 81.

[10] L. Monloubou, Leer y predicar el Evangelio de Lucas (Sal Terrae; Santander 1980) 322-323.

[11] D. Alberca G., La lectio divina. Lectura creyente y orante de la Palabra de Dios. Un abordaje latinoamericano (San Pablo; Lima 2001) 18-19.