2º QUARESMA-B

2° DOMINGO DA QUARESMA ANO B

25/02/2024 

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: Gênesis 22,1-2.9a.10-13.15-18

Salmo 115(116b)-R- Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos. 

2ª Leitura: Romanos 8,31b-34

Evangelho de Marcos 9,2-10

Seis dias depois, Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João e os fez subir a um lugar retirado, no alto de uma montanha, a sós. Lá, ele foi transfigurado diante deles. 3       Sua roupa ficou muito brilhante, tão branca como nenhuma lavadeira na terra conseguiria torná-la assim. 4          Apareceram-lhes Elias e Moisés, conversando com Jesus. 5         Pedro então tomou a palavra e disse a Jesus: “Rabi, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. 6 Na realidade, não sabia o que devia falar, pois eles estavam tomados de medo. 7    Desceu, então, uma nuvem, cobrindo-os com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho amado. Escutai-o!” 8         E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém: só Jesus estava com eles. 9   Ao descerem da montanha, Jesus ordenou- lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem ressuscitasse dos mortos. 10     Eles ficaram pensando nesta palavra e discutiam entre si o que significaria esse “ressuscitar dos mortos”. 


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP


 Mc 9,2-10

A caminho de Jerusalém, Jesus faz o primeiro anúncio da Paixão. Disse que iria sofrer e padecer em Jerusalém, e que morreria nas mãos dos sumos sacerdotes, dos anciãos e escribas. Os apóstolos tinham ficado aflitos com essa notícia: não era o que eles esperavam de Jesus!

Para preparar o ânimo dos discípulos, Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João e leva-os para rezar num lugar à parte no alto da montanha. É nesse contexto da oração que Jesus revela aos apóstolos a glória de sua divindade. “Enquanto orava, o seu rosto transformou-se e as suas vestes tornaram-se resplandecentes”. 

A transfiguração de Jesus não é uma transformação de Jesus. É sim a revelação do que Ele é: homem Deus. Pela transfiguração o véu da humilde humanidade de Jesus como que se levanta para manifestar por um momento em todo o seu esplendo a glória de Filho de Deus. 

A transfiguração revela que uma vida vivida como dom nunca é fracassada, mesmo que termine na cruz. Por isso, o Pai declara do meio da nuvem pela voz: “Este é o meu Filho amado! Escutai o que ele diz!” Escutai o que Ele diz não somente com a boca, mas também o que ele diz com o testemunho de sua vida. 

A transfiguração é uma antecipação da Ressurreição. Ressurreição que está ligada a uma vida de doação e do sacrifício da cruz. Não é qualquer vida que ressuscita! A vida doada de Cristo é a que ressuscita! É isso o que a transfiguração antecipa para nós.

Por isso a transfiguração antecipa a nossa divinização. A mesma glória que se manifesta no dom da vida doado de Cristo é a que resplandecerá em nós por nossa união com Cristo. Vivendo como Ele, experimentamos na transfiguração o dom de plenitude que esperamos receber. 

A transfiguração nos ensina que o mais importante não é estar no monte, mas o estar com Jesus onde se encontra. Pedro tinha exclamado extasiado: Como é bom estar aqui! Vamos fazer três tendas! Pedro não sábia o que estava dizendo. O bom mesmo é estar com Jesus em todas as circunstâncias da vida, não somente nos momentos de glória.

A transfiguração atrai a nossa atenção para o céu. Estar com Jesus é no céu e é isso que nos anima em meio a todas as adversidades. Sabemos que nosso lugar é o céu, mas isso não nos faz menosprezar a tarefa diária e a responsabilidade do cotidiano. Pelo contrário, em tudo que fazemos, agimos para “ganhar o céu”. A transfiguração intensifica a nossa nostalgia e desejo do céu. A visão e o desejo da glória divina nos animam na luta diária. 


Uma subida desconcertante que nos transfigura


Pe Adroaldo Palaoro


“Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte sobre uma alta montanha” (Mc 9,2)


Os bons montanhistas sabem que, para chegar ao cume, é necessário muito esforço e sacrifício. Subir vai contra à nossa natureza humana; a gravidade nos arrasta para a comodidade de uma poltrona.

A subida requer programar o caminho, buscar uma rota acessível, usar calçado e uma roupa adequada, exige uma preparação física, levar só o essencial; é imprescindível ter bons companheiros de aventura para reativar o ânimo, ajudar-se mutuamente diante dos perigos dos precipícios, dos escorregões, do mau tempo.

Mas, quando chegam no alto, não sentem mais as bolhas, os cansaços e os arranhões; o ar é como um frio punhal que enche seus pulmões, a luz é sua vestimenta, as nuvens são sua almofada, o céu é tão azul como nunca sonharam, e todos os problemas do seu pequeno mundo que ficaram para trás se tornam insignificantes como formigas. Nas alturas sentem-se mais eles mesmos, como se sua alma pudesse voar.

E assim também aconteceu com Jesus e seus amigos Pedro, Tiago e João: Ele subiu o monte Tabor, para que, a partir do mais alto pudesse revelar sua verdadeira identidade, cheia de Luz e de Paz. O carpinteiro se revela como Panto-crator, custodiado por Moisés e Elias.

A compreensão do relato de Marcos nos revela que a realidade “transfigurada” de Jesus é uma realidade compartilhada: todos somos seres transfigurados.

Transfiguração: tempo de interioridade, desejo de contemplar-nos a partir de nosso “eu profundo”, “lugar” dos nossos recursos mais nobres, dos dinamismos de vida, da criatividade, da intuição e dos sonhos, das forças que nos impulsionam a viver em contínuas buscas... 

Todo ser humano possui dentro de si uma profundidade que é o seu mistério íntimo e pessoal; trata-se do “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside o que é mais nobre em cada pessoa, que só uma experiência de transfiguração é capaz de desvelar.

É aqui, onde a pessoa encontra a sua identidade pessoal; trata-se do coração, da dimensão mais verdadeira de si, da sede das decisões vitais, lugar das riquezas pessoais, onde ela vive o melhor de si mesma, onde se encontram os dinamismos do seu crescimento, de onde partem as suas aspirações e desejos fundamentais, onde percebe as dimensões do Absoluto e do Infinito da sua vida.

Uma das características do mundo pós-moderno é a transformação, a evolução, a mudança. O Evangelho deste segundo domingo da Quaresma nos revela que é possível “transfigurar-nos” se formos capazes de descobrir a Presença transformadora de Jesus em nós no caminho que nos cabe viver, na subida ao monte (Sinai, Hermón ou Tabor), símbolo do divino. É a subida da consciência, do conhecimento interior, dos sentimentos elevados, dos desejos mais nobres... que brotam do mais profundo de nós mesmos.

Diz o texto de Marcos que Pedro, Tiago e João acompanharam Jesus. Que foi que viram? Algo tão natural como cair na conta, em um momento concreto da existência, de uma faísca, uma sensação que vai mais além dos sinais superficiais: a percepção da presença do divino em si mesmos e a fonte da qual experimentaram um antes e um depois. Poderíamos chamar isso de experiência fundante, prazerosa, plenificante, quase nunca espetacular, mas que deixa uma profunda ressonância interior. Nessa situação, pode surgir uma expressão tão humana como a de Pedro: “é bom ficarmos aqui”.

Aqui, a pessoa experimenta algo essencial em sua vida: sente-se como filho(a) amado(a). Já paramos para pensar o que realmente significa ser “filho/a amado/a”?

Deus conhece nossas necessidades, nossos desejos, nos oferece a oportunidade de re-nascer, de transfigurar-nos. Em todo momento nos comunica sua Vida, a única. Somos portadores do divino. No mais íntimo de nosso ser ouvimos sua voz: “Escutai o que Ele diz!”. Uma voz que mobiliza o há de melhor em nós. É preciso distingui-la daquelas vozes que nos atordoam, confundem ou violentam, das palavras falsas, vazias, carregadas de promessas e mentiras que, lamentavelmente, são pronunciadas sem pudor.

Somos vida transfigurada na qual todos estamos implicados.

Diante de um contexto mundial tão obscuro faz-se urgente despertar em nós os atributos mais humanos e divinos para sermos pessoas de luz, pessoas que, através dos estilos de vida sintonizados com a natureza, brilham com luz própria. Somos, na essência, “seres translúcidos”, que deixam passar a Luz divina presente em nós. A Luz existe desde o princípio e a nós cabe sermos testemunhas dessa Luz e, portanto, seres que deveríamos transluzir essa Luz eterna em nosso agir cotidiano.

Seres translúcidos existiram e existem sempre; mesmo no escondimento, são tantos e tantas que deixaram e deixam passar a Luz em suas vidas e que deixam marcas impagáveis em nós.

De fato, “ser translúcido” é nossa essência pois fomos criados por Amor, que é Luz, embora tantas vezes podemos ficar opacos quando impera em nosso interior o egocentrismo, o ódio, a intolerância, o medo, que nos atormenta e nos bloqueia.

Seguramente que não podemos ser translúcidos sempre e em todo momento; assim como o sol, um astro que brilha sempre, mas só chega a nós algumas horas do dia. 

Mas, podemos ser translúcidos a maior parte do tempo, levar a Luz que brilha desde toda a eternidade e fazê-la brilhar na obscuridade que nos rodeia.  Sejamos translúcidos, mostremos a Luz!

A Transfiguração não é algo externo, uma mudança de disfarces como no carnaval, mas é um abrir-se à realidade cotidiana e cair na conta de que a vida e a história estão cheias de sentido, de vida. 

A realidade é uma linguagem que nos fala de algo mais que a mera materialidade.

Há pessoas que, no ambiente em que se encontram, transfiguram a vida e os problemas, criando um clima de paz e serenidade na vida familiar, comunitária, eclesial, laboral, etc...

Há pessoas que transfiguram a guerra em paz, o pecado em graça, o ódio em respeito e amor, a enfermidade em fonte de reflexão e aceitação da própria finitude, o desespero em esperança...

Isso acontece também no campo da arte, da estética: no fundo, é uma transfiguração do ferro, da madeira, da pedra, da linguagem, dos sons e nos transportam a um “mais além”.

Um entardecer, um encontro, uma oração, podem transfigurar nosso ser, nossa existência para a verdade, a bondade ou a beleza.

Quando participamos de uma celebração de exéquias, evocando a morte dos seres queridos, somos transportados, transfigurados e isso nos leva a outras realidades de esperança, casa do Pai etc.

O mundo de hoje pede pessoas capazes de transformar, de transfigurar, de proclamar uma Palavra de verdade, de bondade, de estética, de ideais, valores, caminhos...

Viver é transfigurar a existência, transcendê-la. A experiência, o encontro com Cristo transformam, transfigura nossa vida e a enche de paz, de luz, de sentido.


Texto bíblico:  Mc 9,2-10


Na oração: Transfigura tua existência, eis a questão!

                      Desapega-te de teus problemas, suba, mesmo que te custe. Busque companheiros que te ajudem a situar-te a partir de uma perspectiva de pássaro, onde o ar seja mais puro e a Luz mais clara. Encontra teu Tabor, onde possas sentir a presença do Amor mais puro, onde possas descansar, onde possas descobrir tua verdadeira identidade e o que é essencial para tua vida. Desapega-te do celular, esquece tua agenda, silencia tantos toques. Abandona tua pesada bagagem de preocupações e coisas que não precisas. É teu Tabor.

De tempos em tempos é preciso subir teu Tabor, mesmo que custe desprender-te do passado e do pesado.

- Você é uma pessoa que transfigura um nascimento na família, um sofrimento, que transforma o trabalho, a convivência? Está aberto(a) à transfiguração da grande noite da vida?



 Uma experiência antecipada da ressurreição

 

1º texto: José Antônio Pagola

 

Para ser cristão, a coisa mais decisiva não são as coisas que uma pessoa acredita, mas que relação vive com Jesus. As crenças geralmente não mudam as nossas vidas. Pode-se acreditar que Deus existe, que Jesus ressuscitou e muitas outras coisas, mas não ser um bom cristão. É a adesão a Jesus e o contato com ele que nos pode transformar.

 

Nos evangelhos pode ler-se uma cena que tradicionalmente passou a ser chamada de «transfiguração» de Jesus. Já não é possível reconstruir a experiência histórica que deu origem ao relato. Só sabemos que era um texto muito querido entre os primeiros cristãos, pois, entre outras coisas, os encorajava a acreditar apenas em Jesus.

 

A cena situa-se numa «montanha alta». Jesus está acompanhado por dois personagens lendários da história judaica: Moisés, representante da Lei, e Elias, o profeta mais querido da Galileia. Só Jesus aparece com o rosto transfigurado. Desde o interior de uma nuvem, ouve-se uma voz: «Este é o meu filho querido. Escutai-O».

 

O importante não é acreditar em Moisés ou Elias, mas sim escutar Jesus e ouvir a sua voz, a do Filho amado. O mais decisivo não é acreditar na tradição ou nas instituições, mas sim centrar as nossas vidas em Jesus. Viver uma relação consciente e cada vez mais comprometida com Jesus Cristo. Só então se pode ouvir a sua voz no meio da vida, na tradição cristã e na Igreja.

 

Só esta comunhão crescente com Jesus vai transformando a nossa identidade e os nossos critérios, vai curando a nossa forma de ver a vida, libertando-nos de escravidões, vai fazendo crescer a nossa responsabilidade evangélica.

 

Desde Jesus podemos viver de forma diferente. As pessoas já não são simplesmente atraentes ou desagradáveis, interessantes ou sem interesses. Os problemas não são assuntos de cada um. O mundo não é um campo de batalha onde cada um se defende como pode. Começa a doer-nos o sofrimento dos mais indefesos. Atrevemo-nos a trabalhar por um mundo um pouco mais humano. Podemos parecer-nos mais com Jesus.

  

Uma experiência antecipada da ressurreição

 

2º texto: Ana Maria Casarotti

 

No domingo passado, no primeiro domingo da Quaresma, lemos sobre as tentações de Jesus no deserto que estão no começo do Evangelho de Marcos. Neste domingo a Palavra de Deus, que a Igreja nos oferece para refletir e viver, é um texto central que está na segunda parte do evangelho.

Lembremos que podemos dividir este evangelho em duas partes. Uma primeira parte que aponta para o mistério da pessoa de Jesus. Gera a pergunta sobre identidade, quem é este homem que liberta da opressão e da escravidão tantas pessoas que o procuram na busca de uma vida nova. Ele se dirige às multidões através de sinais e signos que manifestam seu poder curativo e transparecem o amor misericordioso do Pai, mas não é acusado de blasfemo, de estar possuído pelos demônios, de ser louco e considerado impuro pelos fariseus e sacerdotes.

Na segunda parte do evangelho Jesus anuncia sua paixão e morte. O triunfo do Messias esperado não é como o povo aguarda: um Messias glorioso que os libertará do Império Romano pela luta e sua destruição. Seu triunfo será pela doação de sua própria vida, entregando-a na cruz por amor a cada um e cada uma de nós.

O texto começa “seis dias depois” e mostra assim a continuidade com o narrado antes. Jesus tinha começado a ensinar os discípulos e a todas as pessoas que o escutavam que “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e ressuscitar depois de três dias”.

Ele apresenta um caminho de renúncia a si mesmo e de “perder a vida por causa de mim e da Boa Notícia”. Possivelmente isto gerou nos discípulos muita incompreensão. Será que Jesus não se dá conta de que ele é capaz de vencer os romanos? Por isso Pedrotentou repreendê-lo e recebeu a reprovação e a advertência por parte de Jesus: “Fique longe de mim, satanás!”. “Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens.”  Eles não compreendem Jesus (8,21).

O episódio da Transfiguração é inserido neste contexto de dificuldade e de crise, por parte dos discípulos, e possivelmente também para Jesus era um tempo especial. Ele dirige-se ao encontro do Pai e do seu conforto, e leva ao seu lado três discípulos: Pedro, Tiago e João. Aquele que Jesus batizou com um novo nome e que neste momento quer fazer partícipe da sua intimidade com o Pai e receber, também, o consolo da presença de Deus.

Diante do anúncio da Paixão e da sua morte na Cruz, é preciso que eles recebam a esperança da Vida nova do Céu, desse Amor que há no Pai e que abraça tudo e todos. Sejam partícipes de uma semente da Ressurreição. Jesus é realmente o Filho amado de Deus e isto gera neles confiança e a fé no seu seguimento e nas suas palavras. São reconfortados, e sua tristeza, desânimo e até desesperança se transformam numa confiança total em Jesus e no sofrimento que eles passam no seu seguimento.

Os discípulos convidados por Jesus subiram ao monte com Ele e são partícipes da nova manifestação de Jesus.

Neste tempo somos também convidados/as a estar numa maior intimidade com Jesus. Podemos perguntar-nos onde está esse monte que Jesus nos convida a ir com ele porque deseja, como o fez com os discípulos, fazer-nos partícipes de sua intimidade com o Pai.

Marcos continua: “Apareceram-lhes Elias e Moisés, que conversavam com Jesus” (4). Qual é o significado deste encontro?

Moisés e Elias representam, respectivamente, a Lei e os Profetas, isto é, todo o Primeiro (Antigo) Testamento pelo qual poderíamos afirmar que Jesus veio para levar a cumprimento total o Projeto de Deus, por meio da entrega de sua vida.

Finalmente desceu uma nuvem e os cobriu com sua sombra. Os discípulos conheciam a tradição do povo de Israel. Sabiam que a nuvem tinha se tornado um testemunho da presença divina descendo maternalmente sobre a fragilidade do povo no caminho da libertação, na dureza do êxodo, em pleno deserto, no meio de perigos e tentações.

Era sinal da presença do próprio Deus na tenda dos peregrinos, sinal de orientação, de socorro, de defesa e de ânimo para o povo.

Dessa maneira, entendemos o que o evangelista nos quer dizer: tanto Jesus como seus discípulos são envolvidos pela presença de Deus, pelo seu Espírito, que lhes permite escutar as mesmas palavras que só Jesus tinha escutado no Jordão: “Este é meu Filho muito amado”. Uma vez mais, Deus declarava sua paternidade, o filho de Maria é o filho de Deus, no qual Ele confia plenamente.

Vemos assim que o texto apresenta os sinais característicos das manifestações de Deus do Antigo Testamento: o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem, uma luz resplandecente.

Jesus é o Filho de Deus e os discípulos recebem a exortação de escutá-lo!

Hoje também nós recebemos este imperativo do Pai que nos chama a escutar seu Filho, e receber assim dele a força necessária no seu seguimento. Sua Palavra gera em nós a esperança que precisamos para levar adiante no seguimento de Jesus e a fidelidade para construir um mundo mais justo e mais fraterno!

Nós também somos filhos e filhas amados do Pai e estamos chamados a abrir os ouvidos para que sua mensagem se traduza em estruturas novas onde não habite a exclusão e a opressão das pessoas. Ser partícipes da missão de Jesus gerando esperança onde há desesperança.

Oração

Rezemos junto com São Francisco esta oração

Fazei-me instrumento de vossa paz

Onde houver ódio que eu leve o amor

Onde houver ofensa que eu leve o perdão

Onde houver discórdia que eu leve a união

Onde houver dúvidas que eu leve a fé

Onde houver erro que eu leve a verdade

Onde houver desespero que eu leve a esperança

Onde houver tristeza que eu leve a alegria

Onde houver trevas que eu leve a luz

Oh, Mestre!

Fazei que eu procure mais

Consolar, que ser consolado

Compreender, que ser compreendido

Amar, que ser amado

Pois é dando, que se recebe

É perdoando, que se é perdoado

E é morrendo, que se vive

Para a vida Eterna.

  

A Transfiguração - Nova maneira de realizar as profecias Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

O texto de hoje descreve a Transfiguração de Jesus na presença de Pedro, Tiago a João. Há momentos na vida em que o sofrimento é tanto, que a gente chega a pensar: “Deus me abandonou! Não está mais comigo!” E de repente a gente descobre que Ele nunca tinha ido embora, mas que a gente mesma estava com os olhos vendados, sem enxergar a presença dele. Aí, tudo muda e fica transfigurado. É a Transfiguração!

Situando

Jesus fez um levantamento e percebeu que ninguém tinha entendido a sua proposta. O povo o imaginava como João Batista, Elias ou um dos antigos profetas. Os discípulos o aceitavam como Messias, mas como Messias glorioso, bem de acordo com a propaganda da religião oficial do Templo. Jesus tentava muitas vezes explicar aos discípulos que o caminho previsto pelos profetas era o caminho do sofrimento, como consequência do compromisso assumido com os excluídos, e que o discípulo só poderia ser discípulo se carregasse a cruz atrás dele. Mas ele não conseguiu convencer eles ou mudar a cabeça deles. É neste contexto de crise que acontece a Transfiguração.

Comentando

Várias vezes, Jesus já tinha entrado em conflito com as autoridades. Ele sabia que não iriam deixá-lo fazer o que estava fazendo. Mais cedo ou mais tarde, iriam prendê-lo. Pois, dentro daquela sociedade, o anúncio do Reino, do jeito que era feito por Jesus, não seria tolerado. Ou ele voltava atrás, ou seria morto! Não havia outra alternativa. Jesus não voltaria atrás. Por isso, Jesus sabia que a única saída era a cruz, já não como uma possibilidade, mas sim como uma certeza. Junto com a cruz aparece a tentação de seguir pelo caminho do Messias Glorioso e não pelo caminho do Servo Crucificado. Nesta hora difícil, Jesus sobe a montanha para rezar, levando consigo Pedro, Tiago e João.

Enquanto reza, Jesus muda de aspecto e diante dos discípulos aparece glorioso, do jeito que eles o imaginavam. E junto com Jesus na mesma glória aparecem Moisés e Elias, os dois maiores do AT, que representavam a Lei e os Profetas. Eles conversam com Jesus. 

Assim, diante dos discípulos, a Lei e os Profetas confirmam que Jesus é realmente o Messias Glorioso, prometido no AT e esperado pelo povo. Mas confirmam também que o caminho para a glória passa pela travessia dolorosa do “Êxodo”. O êxodo de Jesus é a sua paixão, morte e ressurreição. Pelo seu êxodo, ele vai quebrar o domínio da propaganda das autoridades civis e da religião oficial, que só falavam em um Messias glorioso e nacionalista. 

Mesmo 40 anos depois da morte de Jesus, quando os Evangelhos foram escritos, o caminho da cruz continua não agradando, nem as autoridades nem a religião oficial e nem o povo. Está querendo demais. Eles querem é segurar o momento da glória no alto do Monte e se oferecem para construir três tendas.

Pedro, Tiago e João conseguiram ver um restinho da glória de Jesus, mas não escutaram a conversa de Jesus Moises e Elias. Como acontece conosco tantas vezes, eles escutaram só aquilo que lhes imaginavam e interessavam. O resto escapou da atenção deles! E agora ficam com medo e não querem mais descer. Querem construir capelas. Gostam mais da glória do que da cruz. Parece que a fala da cruz não agrada. Eles querem é segurar o momento da glória no alto do Monte e se oferecem para construir três tendas.

A voz do Pai

A voz do Pai sai da nuvem e diz: “Este é o meu Filho querido. Escutem o que ele diz!”. Com esta mesma frase o profeta Isaías tinha anunciado o Messias-Servo (Is 42,1). Depois de Moisés e Elias, agora é o próprio Pai que apresenta Jesus como Messias-Servo que chega a glória através da cruz. No fim da visão, Moisés e Elias desaparecem e só fica Jesus. Isto significa que, daqui para frente, quem interpreta a Escritura e a Vontade de Deus para o povo será Jesus, só ele! Ele é a Palavra de Deus para os discípulos: ‘Ouçam-no!’

Alargando

A Transfiguração é narrada em três Evangelhos: Mateus 17,1-8, Marcos 9,2-9 e Lucas 9,28-36. Sinal de que este episódio tinha uma mensagem importante para as primeiras comunidades. Ela foi uma ajuda para superar a crise que a cruz e o sofrimento provocaram nos discípulos e discípulas. A Transfiguração continua sendo ajuda para superar a crise que o sofrimento e a cruz provocam hoje. Os três discípulos são o espelho de todos nós. A voz do Pai diz a eles e a nós: “Este é o meu Filho querido. Escutem o que ele diz!!” 



 

TEXTO DE Dom Damian Nannini, Argentina 


SEGUNDO DOMINGO: “PELA CRUZ PARA A LUZ"


Primeira leitura (Gn 22,1-2.9-13.15-18):

O texto começa por dar uma chave ao “leitor” dizendo que se trata de um “teste”, algo que os protagonistas desconhecem e que serve para evitar a reação escandalosa ao que Deus vai pedir a Abraão: “Deus testou Abraão”(22,1). O verbo usado aqui,nasah,que se traduz como tentador ou teste, tem antes o sentido de colocar alguém numa situação de escolha ou opção de demonstrar se a fidelidade é autêntica; se a capacidade de confiar ou acreditar em Deus é total1.

Em Gênesis 22:2 há grande insistência na pessoa de Isaque e no que ele significa para Abraão:seu filho, aquele que você tanto ama, Isaac2.

A ordem de partir para a região de Moria recorda a vocação de Abraão em Gn 12,1; mas aqui o significado é oposto:deve ir destruir a promessa alcançada, seu filho e descendente. Enquanto em 12:1 Abraão teve que abandonar seu passado, agora ele deve entregar seu futuro a Deus.

A atitude de Abraão éobediência total à Palavra de Deuse recebe como recompensa a confirmação da promessa de numerosos descendentes. Em seu coração, não em ações, ele entregou seu único filho a Deus. Agora Deus lhe promete tantos filhos “como as estrelas do céu e como a areia da praia”.

Abraão deve acreditar, confiar na palavra de Deus, mesmo que ela pareça contradizer-se, porque Deus não pode ficar preso aos nossos esquemas. Abraão continua a acreditar na bondade de Deus, embora as aparências digam o contrário: “Deus verá o que não consigo ver”(Gn 22,8). E assim Deus se mostra fiel às suas promessas e fornece o cordeiro para o sacrifício.

Segunda Leitura (Rm 8,31-34):

Neste texto, São Paulo relê o sacrifício de Isaac em chave cristã. Além da continuidade ou paralelo, há uma mudança substancial (descontinuidade e progresso):É o Pai quem oferece o seu Filho em nosso favor e assim nos torna “merecedores imerecidos” da Aliança..

O Pai deu seu Filho,Ele não o preservou, ele não o poupou3. Há no texto paulino uma alusão ao amor e à dor de Abraão quando entregou o filho que ilumina o gesto do Pai. A intenção de Paulo seria notar o amor-dor do Pai ao dar ou, se preferir, ao permitir a morte de seu Filho para nossa redenção. Superada a distância infinita entre um pai humano e Deus como Pai, a perda de um filho representa um sofrimento tremendo para o verdadeiro amor paterno. Quando falamos de Deus, movemo-nos sempre num mistério que nos transcende, mas se levamos a sério o amor do Pai, não podemos deixar de afirmar a sua participação no sofrimento do Filho. A este respeito, B. Forte diz4:“Com efeito, a Cruz não é apenas a história do Filho: Ele é entregue à morte por Deus, seu Pai. É Ele quem segura o madeiro da vergonha em Seus braços; a árvore do abandono. Deus não está imperturbável. Ele sofre por nosso amor. É o Deus que João Paulo II na EncíclicaEles dominam e dão vida,mostra como o Pai é capaz de exercer um amor infinito, justamente porque é capaz de ter dores infinitas.”.

Evangelho (Mc 9,2-10):

A história da transfiguração é colocada nos três sinópticos depois do primeiro anúncio da paixão e da exigência de renúncia total para seguir Jesus, ocorrido seis dias antes (cf. Mc 8, 31-38). Relacionando, portanto, a transfiguração com o primeiro anúncio da paixão, podemos dizer que ela foi necessária pelo menos para alguns de seus discípulos (Pedro, Tiago e João, considerados colunas em Gal 2,9), teriam uma experiência que dissiparia o medo e a angústia gerados por tal anúncio e, para isso, lhes concederia uma visão antecipada da glória prometida após o sofrimento. Estes três discípulos também aparecem ao lado de Jesus no Jardim das Oliveiras (cf. Marcos 14,33). Portanto, estes três discípulos estão associados à agonia e glória de Jesus. Esta associação dos três discípulos ao mistério pascal é paradigmática para todos os discípulos de Jesus.

O relato de Marcos vê a transfiguração de Jesus como a manifestação antecipada do Filho do Homem transcendente, anunciando a transfiguração definitiva que ocorrerá na manhã de Páscoa e se manifestará plenamente na Parousia. Se somarmos a isso a estreita relação com o primeiro anúncio da paixão que antecede esta história, é viável afirmar queA mensagem do evangelho é que não devemos separar a paixão da ressurreição, de alguma forma antecipada na transfiguração.

No alto monte, ao lado de Jesus, aparecem Moisés e Elias. É interessante porque além de representarem a Lei e os Profetas, são dois homens de oração que jejuaram durante 40 dias e subiram ao Sinai para encontrar Deus face a face, para ver o seu rosto (cf. Ex 33,8; 1Rs). 19,17). De certa forma, pode-se dizer que eles alcançaram a meta do seu caminho “quaresmal” ao encontrarem o Cristo glorioso.

Perante esta cena, Pedro reage com uma autêntica exclamação: “Senhor, que lindo (ladrão) é estar aqui". A transfiguração é um mistério da beleza divina, do esplendor da verdade e do bem do próprio Deus. Pedro sente-se "preso" a esta visão e quer fazer três tendas para ali ficar. Segundo Santo Agostinho, Pedro provou a alegria de contemplação e não quer mais voltar às preocupações e ao cansaço do dia a dia, por isso quer, de certa forma, “eternizar” aquele momento.

A nuvem é um sinal da presença de Deus. E daí vem a voz do Pai que ordenaouvir Jesus, ou seja, obedecer-lhe e segui-lo. A afirmação da voz celeste tem um carácter revelador da identidade de Jesus, tema em que se centrou o diálogo com os seus discípulos nos versículos anteriores (cf. Mc 8, 27-29). Os discípulosEles olharam em volta e não viram ninguém além de Jesus sozinho com eles.”. Isto significa que as vozes anteriores de Deus na história, Moisés e Elias, a Lei e os Profetas, desapareceram; Agora temos que ouvir a Palavra do Filho Amado, Jesus Cristo.

Meditação:

“A liturgia da Palavra de hoje propõe à nossa contemplação a luz que irradia da pessoa de Jesus Transfigurado […] Através de todas as leituras podemos seguir um fio de ouro: o do dom de si como condição de verdadeira comunhão com Deus”5.Verifiquemos esta proposta de sentido.

OPrimeira leituraapresenta-nos o exemplo de Abraão que, por suaobediência à Palavra de Deusestá disposto a sacrificar até o que há de mais precioso que possui: Isaque, o filho da promessa. Este sacrifício da sua própria vontade torna Abraão digno da renovação da Promessa e da Aliança por parte de Deus.

Agora, esta leitura revela-nos também o dinamismo da vida crente, da vida em Aliança com Deus.Somente aqueles que estão dispostos a dar tudo a Deus podem receber tudo de Deus.. “Deus não se entrega completamente a nós, até que nós nos entreguemos completamente”, diz São João da Cruz. Somente aqueles que estão dispostos adesistirpode alcançarpossuir; apenas aqueles que estão dispostos amorrer, poderessuscitar.É o mistério pascal de Cristo e do mistério cristão.

Esse mesmoprocesso de morte e vidareaparece noSegunda palestracom a atuação dos principais protagonistas do drama da redenção humana: o Pai, o Filho e nós. O Pai desapega-se do seu próprio Filho que aceita entregar-se à morte por nós e assim somos justificados. Como diz Kierkegaard: “O que Deus não queria que Abraão fizesse, ele mesmo fez"Seu amor por nós foi ainda mais longe.

Como observa A. Vanhoye6: “As duas primeiras leituras de hoje mostram-nos o aspecto positivo do sacrifício de Jesus”.

EleEvangelho da TransfiguraçãoApresenta também os temas fundamentais já mencionados. Em primeiro lugar, notemos que Jesus é transfigurado pelo amor do Pai: a consciência da sua filiação divina e do amor eterno do Pai por Ele o transfigura. Padre Cantalamessa explica muito bem:“Jesus, naquele dia, em sua humanidade, entrou em êxtase! Esta é talvez a categoria menos inadequada que temos para descrever o que então aconteceu com Jesus [...] Ele estava feliz. A torrente de alegria que flui entre o Pai e o Filho, que é o próprio Espírito Santo, naquela ocasião “transbordou” o vaso da humanidade de Cristo”.7.

Em resposta a esta revelação de Jesus, o Pai nos convida aouvirao Filho amado, Palavra definitiva de Deus.Viver em Aliança é viver na escuta da Sua Palavra. E sabemos que na Bíbliaouviré praticamente sinônimo deobedecer. Portanto, como Abraão, somos chamados aobediência da fé, ouvir Jesus, acreditar nele e segui-lo no caminho da cruz até a Páscoa.

No contexto litúrgico da Quaresma, estes textos têm um valor pedagógico excepcional, pois nos lembram as exigências e as consequências da vida em Aliança com Deus e nos ajudam a compreender quepaixão é um passo ou caminho para a glória. Ele nos indica isso no prefácio da Missa deste dia:"Ele mesmo, depois de anunciar a sua morte aos discípulos, revelou-lhes o esplendor da sua glória no monte santo, para mostrar, com o testemunho da Lei e dos Profetas, que através da paixão deve alcançar a glória da ressurreição.".

Para moraraliança com Deusdevemos seguir Cristo pelo mesmo caminhopor ondeEle caminhou, que é o caminho da renúncia e da cruz. Não podemos amar a cruz por ela mesma; nem podemos ter prazer em morrer para nós mesmos através da mortificação. MasSim, podemos amar e até desejar chegar até onde nos levam a cruz e a mortificação, passo necessário rumo à glória.. Como bem aponta E. Bianchi8: “A transfiguração de Jesus indica a meta para a qual nos encaminha este itinerário quaresmal, ou seja, a ressurreição, pois o acontecimento da Páscoa tem a sua antecipação e profecia nesta cena da transfiguração.”.

Esta é a pedagogia da Quaresma, que expressa a mesma pedagogia de Deus: “Assim que o caminho da cruz começa na Quaresma, já nos é proposto o destino último deste caminho: a sua glória e a nossa. Depois de ter lido no domingo passado a luta contra as tentações e o mal, hoje temos a certeza de que o processo termina com a vitória e a glorificação de Cristo, e que a luta contra o mal nos conduz também à vida.”9.

Em conclusão, fomos criados para a luz. Sentimo-nos seguros quando andamos na luz e não gostamos de andar no escuro. Mas a escuridão existe e muitas vezes está presente em nossas vidas de diversas maneiras. Para dar alguns exemplos: más notícias que chegam até nós; Eles descobrem uma doença que não esperávamos; Percebemos que a realização dos nossos projetos exigirá muito mais esforço do que pensávamos; um infortúnio que nos acontece ou um mal que alguém nos faz...

Precisamente no primeiro domingo da Quaresma fomos convidados a aceitar a presença do mal, das trevas nas nossas vidas. Hoje somos informados de que a luz vence as trevas; Somos ensinados a não nos desesperarmos nem abaixarmos os braços diante do mal, das trevas; porque no final do caminho a luz nos espera. A transfiguração é um mistério luminoso que dissipa as trevas e nos permite contemplar a glória de Jesus, é uma antecipação da sua ressurreição. Tal como para Jesus, também para nós o amor do Pai que por mim entregou o seu Filho é a verdade que pode “transfigurar” a nossa existência, enchê-la de sentido. Tudo o que temos e somos, recebemos Dele; e agora nós o devolvemos a ele para recuperá-lo transformado pelo seu amor, em particular o nosso próprio eu pecaminoso, o nosso velho homem. Com esta experiência do amor de Deus, devemos descer do monte e seguir Jesus no caminho de Jerusalém, rumo à sua paixão.

Portanto, quando sentirmos a angústia das trevas, não nos desesperemos. Às vezes é só acender a luz; ou melhor, focar a luz na realidade para percebê-la de forma diferente. A oração e a contemplação não mudam a realidade, que permanece a mesma. Mas eles nos mudam para que, ao descermos do Monte Tabor, encontremos a mesma realidade que deixamos quando subimos, a aceitamos, assumimos e tentamos enfrentá-la e tentamos mudá-la. Ou seja, o caminho da cruz ainda existe, para Cristo e seus discípulos. Mas quando descemos da montanha assumimos essa realidade de uma forma diferente porque sabemos o que nos espera no final: a glória, a ressurreição, o triunfo do amor.

A este respeito, o Papa Francisco disse no Angelus de 28 de fevereiro de 2021:“Como exclamou o apóstolo Pedro (cf. v. 5), é bom estar com o Senhor na montanha, para experimentar esta “antecipação” de luz no coração da Quaresma. É um convite para nos lembrar, especialmente quando passamos por uma provação difícil – e muitos de vocês sabem o que é passar por uma provação difícil – que o Senhor ressuscitou e não permite que as trevas tenham a última palavra. Às vezes passamos por momentos de escuridão na nossa vida pessoal, familiar ou social e tememos que não haja saída. Ficamos assustados diante de grandes enigmas como a doença, a dor inocente ou o mistério da morte. No mesmo caminho da fé, muitas vezes tropeçamos quando nos deparamos com o escândalo da cruz e as exigências do Evangelho, que nos pede para dedicar a vida ao serviço e perdê-la no amor, em vez de guardá-la para nós e defendê-la. Precisamos, então, de um outro olhar, de uma luz que ilumine em profundidade o mistério da vida e nos ajude a ir além dos nossos esquemas e dos critérios deste mundo. Também nós somos chamados a subir a montanha, a contemplar a beleza do Senhor Ressuscitado que ilumina cada fragmento da nossa vida e nos ajuda a interpretar a história a partir da vitória pascal”.

Em síntese, as leituras deste domingo nos lembrampara ondeEste caminho quaresmal nos leva:ser transfigurado com Cristo, participar da sua Glória, da Aliança definitiva. A rendição custa e dói, assim como custou e feriu Abraão e o próprio Pai. Mas deve ser total, sem reservar nada, para que dela brote um fruto maravilhoso de conversão e de transformação.

No âmbito do itinerário quaresmal, este segundo domingo convida-nos fortemente a dedicar tempo à escuta da Palavra de Deus e à contemplação. Devemos perder o medo do silêncio e da contemplação, que são parte essencial da vida do cristão. O Papa Francisco também nos convida a fazer o mesmo na sua mensagem quaresmal deste ano: “É hora de agir, e em

Quaresma para agir é também parar. Pare em oração, para acolher a Palavra de Deus, e pare como o samaritano, diante do irmão ferido […] Portanto, diminua o ritmo e pare. A dimensão contemplativa da vida, que a Quaresma nos fará redescobrir, mobilizará novas energias. Na presença de Deus tornamo-nos irmãs e irmãos, percebemos os outros com nova intensidade; Em vez de ameaças e inimigos encontramos companheiros e companheiros de viagem. Este é o sonho de Deus, a terra prometida para a qual marchamos quando

saímos da escravidão”.


Para oração (ressonâncias do evangelho em uma pessoa que ora):

Transfigure-me em você

Senhor,

Leve-me com você para aquela montanha

Levante minha alma da poeira em que ela rasteja

Tenho medo de desaparecer na multidão

Enraíze-me na esperança

Ilumine-me com sua luz,

me ilumine com sua palavra e me faça saber o depois

Temo ficar desanimado entre os rostos vazios

Enraíze-me na fé

Deixe-me estar ao seu lado

Segure-me em seu Espírito e em seu calor

Tenho medo da rejeição em meio a tanto desamparo

Enraíze-me no amor

Descobrir meus próprios desejos...

Deixe a terra, busque o céu... eu te imploro

Crucificado e ressuscitado,

Faça-me descobrir você por trás do véu.

Eu quero morrer também

Para saborear a sua paz e penetrar nos seus mistérios,

Caminhe pelo caminho marcado pelos seus passos

Transfigure-me em você, Potter. Amém


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1Isto foi muito bem notado por Santo Agostinho que disse a este respeito que Deus tenta para que o homem se descubra (que o próprio homem possa encontrar-se); Portanto, a tentação é uma forma de questionamento e ensino que leva o homem à descoberta do seu verdadeiro eu. É por isso que ele insiste que se Deus parasse de tentar, o professor pararia de ensinar (Se Deus deixa de testar, o professor deixa de ensinar). Véase G. Rouiller, “Agustín de Hipona lee Génesis 22: 1-19”, em F. Bovon - G. Rouiller (dir.),Exegese. Problemas de método e exercícios de leitura(La Aurora; Bs. As. 1978) 283-288.

2A tradição judaica percebeu muito bem que nesta ordem de Yhwh reside o cerne do drama de Abraão como um pai que deve sacrificar seu filho e parafraseou-o num diálogo: “Deus lhe havia dito: ‘leva seu filho’. Abraão respondeu: 'Tenho dois filhos, Ismael e Isaque.' Deus repetiu: 'Para o seu único.' Abraham: 'Ambos são únicos.' Deus: 'Aquele que você ama.' Abraham: 'Eu amo os dois.' Finalmente Deus disse: 'Isaque'. E Abraão não tinha mais nada a responder.”; extraído de J.-L. Ska, “Gn 22,1-19. Essai sur les níveis de palestra”, 330. Também pode ser visto em M. Pérez Fernández,Os Capítulos do Rabino Eliezer(Valência 1984) 216-217.

3O significado do verbofeídomaiestá mais próximo da tradução do Livro do Povo de Deus (não poupou) do que o da Bíblia de Jerusalém (eu não perdoo) porque o próprio Paulo a utiliza no sentido de salvar, preservar ou abster-se em 1Cor 7,28; 2Cor 1,23; 12,6; 13.2.

4B. Forte, Intervenção em teleconferência editado em clerus.org.

5G. Zevini - P. G. Cabra (eds.), Lectio Divina para todos os dias do ano. Volume 3(Palavra Divina; Estella 2001) 121.

6Leituras bíblicas aos domingos e feriados. Ciclo B(Mensageiro; Bilbao 2008) 71.

7R. Cantalamessa,O mistério da Transfiguração. Ou a imagem de Cristo para o homem do Terceiro Milénio(Monte Carmelo; Burgos 2003) 32.

8Ouça o Filho Amado, Nele se cumpre a Escritura(Siga-me; Salamanca 2011) 50.

9J. Aldazabal,Ensine-me seus caminhos 9, 120.