3º DOMINGO TC-B

3º DOMINGO COMUM-B

21/01/2024

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª leitura: Jonas 3,1-5.10

Salmo 24(25)R- Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos, vossa verdade me oriente e me conduza!

2ª leitura: 1 Coríntios 7,29-31

Evangelho de Marcos 1,14-20

 Naquele tempo, depois que João foi preso, Jesus veio para a Galiléia, proclamando a Boa Nova de Deus: 15      “Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa- Nova”. 16 Caminhando à beira do mar da Galileia, Jesus viu Simão e o irmão deste, André, lançando as redes ao mar, pois eram pescadores. 17      Então disse-lhes: “Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens”. 18 E eles, imediatamente, deixaram as redes e o seguiram. 19      Prosseguindo um pouco adiante, viu também Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão, João, consertando as redes no barco. 20          Imediatamente, Jesus os chamou. E eles, deixando o pai Zebedeu no barco com os empregados, puseram-se a seguir Jesus.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP


Mc 1,14-20

Para cada uma das três passagens deste domingo, o tempo assinala uma realidade diferente:

Jn: o tempo que falta para o castigo; o tempo que falta é espera do castigo merecido.

1Cor: o tempo oportuno abreviou-se porque está próxima a parusia: a segunda vinda de Cristo. O tempo que vivemos é o último tempo.

Mc: o tempo se cumpriu porque chegou a sua plenitude: o Reino de Deus. Acabou a espera: chegou o que esperávamos. Acabou a promessa, porque ela foi cumprida.

Nas três passagens, encontramos a urgência do tempo em que vivemos:

Urgência da conversão para escapar ao castigo

Urgência do último tempo porque chega o fim.

Urgência do tempo porque o Reino está presente e é preciso acolhê-lo. 

O tempo do profeta Jonas é tempo de conversão. O tempo de Paulo é o tempo para avaliar com sabedoria todas as coisas. O tempo do Evangelho é o tempo para crer.

“O tempo já se completou”. Vivemos um tempo de urgência. É o tempo extraordinariamente favorável para a salvação. Por isso precisamos mudar nossa concepção de tempo: mudar de “tempo é dinheiro” para “tempo é graça”. 

 “Convertei-vos e crede no Evangelho”. O Evangelho não é somente a doutrina e o ensino de Jesus. O Evangelho é a própria pessoa de Jesus. Ele é o Evangelho. 

Nas religiões de revelação o fundador da religião é menos importante do que sua doutrina. O Islão não é Maomé, mas a sua revelação sobre Deus. O budismo não é Buda, mas a sua doutrina de salvação. No cristianismo, ao contrário, a doutrina é importante, mas ela está subordinada à pessoa de Jesus. Se tirarmos Jesus, o cristianismo desaparece. A própria doutrina ensinada que Jesus ensina se refere ao mistério da sua pessoa.


A vida é feita de tempo. - Adroaldo Palaoro


3º DTComum - Mc 1,14-20 – B – 21-01-2024


“O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15)


O evangelho deste domingo é um texto de transição, pois fecha o prólogo (Mc 1,1-13) e abre a narração propriamente dita do evangelho. João Batista continua sendo pessoa de referência e servirá de contraponto histórico e teológico da história posterior. A prisão dele revela o ambiente de oposição e perseguição onde Jesus atuará, anunciando a Boa-Notícia.

“Jesus foi para a Galileia”: o espaço geográfico (e teológico) de João Batista era o deserto com o rio Jordão. O espaço de Jesus, no entanto é a Galileia. Ele não se retira ao lugar da prova, nem se instala à margem da terra prometida; também não busca um lugar de missão junto aos átrios de Jerusalém, santuário nacional. Jesus se encontra vinculado à terra e às pessoas simples da Galileia, junto a um mar simbolicamente aberto às nações vizinhas. Ele se faz “margem” e começa seu ministério junto às margens.

O evangelista Marcos quer desligar a pregação de Jesus de toda conotação oficial: longe das autoridades religiosas, longe do templo e de tudo o que isso implicava. Galileia era região fronteiriça, terra da exclusão e da violência, habitada pelos mais pobres e sofredores.

Se algo chama a atenção em Jesus é sua paixão por um projeto de sentido que Ele denominou como Reino de Deus. Toda sua pessoa está mobilizada e polarizada por esse sonho, por essa utopia carregada de esperança ativa. Jesus é consciente de que com Ele começa uma história nova. A esperança se faz realidade. A consumação do mundo está começando.

Mas, a Galileia em si mesma não basta. A novidade do Evangelho se fundamenta na mensagem de Jesus: “cumpriu-se o tempo e chegou o reino de Deus; convertei-vos e crede no evangelho”. Esta é a afirmação-chave, que consta de duas frases paralelas duplas, cada uma com duas partes, unidas por um “e”. Como é usual em Marcos, a segunda serve para precisar o sentido da primeira: cumpriu-se o tempo “e” chega o reino (o reino define e dá sentido ao tempo); convertei-vos “e” crede no evangelho (a fé dá sentido à conversão).

O progresso temático é claro: passamos do Batista (deserto/rio) à Galileia, descobrindo ali a mensagem de Jesus, aberta a todas as pessoas. Ele não se fecha nas casas, sussurrando ao ouvido um segredo de iniciados; não se instala numa escola, oferecendo cursos longos de ensinamento especializado; não oferece sua palavra à beira do templo sagrado (aos puros), nem à margem do rio/deserto (aos especialistas da penitência). 

Dirige-se à Galileia, oferecendo seu evangelho a todos; faz isso com claridade (para que seja bem entendido), em voz alta (que o escutem), como arauto ou mensageiro de boas notícias que devem se estender pelos povoados. Por isso, anúncio e chamado estão profundamente unidos; com seu anúncio, Jesus desperta o que há de mais humano em cada um e o chama a entrar no fluxo da Sua nobre missão: “farei de vós pescadores do humano”.

Atento ao “tempo oportuno” Jesus pôs-se a proclamar a “boa notícia” da parte de Deus. Ele não espera, como João, que as pessoas venham ao seu encontro. Faz-se peregrino e dirige-se às pessoas, sobretudo aquelas que estavam à margem, excluídas e sem esperança. Cumpriu-se o “kairós”, ou seja, o tempo oportuno, carregado de sentido e de Presença; um tempo que se abre às surpresas de Deus e que mobiliza cada pessoa a viver de uma maneira diferenciada, rompendo com a vida rotineira e repetitiva.

A fé do povo de Israel sempre se deixou guiar pelo tempo de Deus, por suas intervenções salvíficas.

Esta fé é a que lhe conduz a uma visão histórica do tempo, enquanto se trata do “hoje eterno de Deus” apontando para a Terra Prometida, lugar do destino do povo.

Descobre-se o tempo como momento no qual acontece algo qualitativamente novo e não explicável a partir do ritmo cíclico da natureza.

A atividade profética vai significar um passo decisivo na concepção do tempo dentro de Israel.

Os profetas anunciam um novo ato salvífico de Deus que está por chegar e que será decisivo para Israel.

A partir desse momento, o povo vai viver o tempo como expectativa e espera ansiosa de um momento definitivo em sua existência: a realização da Promessa.

E Jesus inicia sua missão pública entrando no fluxo dessa expectativa do povo.

O Filho do Homem vive na espera paciente de seu momento. Sua sabedoria consiste em saber aguardar que o tempo chega à sua colheita, sem cair na tentação de forçar sua maturação.

Nessa perspectiva, não podemos viver o tempo como se este fosse algo meramente plano e indiferente. O Senhor do tempo e da História se faz presente em nossos corações, através do seu Espírito de Amor. E o tempo se faz, simultaneamente, princípio e fim, Alfa e Ômega.

Cada dia e cada momento tem seu matiz, sua cor e sua novidade. Não é o mesmo a primavera que o inverno, ou o sábado que a segunda-feira.

Para Jesus, o tempo que se recebe em graça e que se converte em missão, é que dá sentido à sua vida neste mundo. Ele acolhe de seu Pai o “dom do tempo” e o encarna na história humana de maneira iluminadora. Receber este “dom do tempo” requer uma disposição nova por parte do ser humano.

O sentido do tempo é o grande desafio na condução da nossa vida.

Inconscientemente, muitas vezes resistimos a fazer uso adequado deste bem precioso e insubstituível; outras vezes, usamos o tempo de forma mais contra do que a favor de nossos desejos e objetivos.

Ao irromper no tempo histórico como presença viva de Deus-Amor, Jesus nos convoca a nada mais esperar: “O tempo já se completou”. O apelo de Jesus deve estar encaminhado a descobrir o que estamos fazendo com nosso tempo. Podemos estar desperdiçando ou perdendo aquilo que nos foi dado para vivermos com intensidade e inspiração. Os anos vão se passando e com eles as oportunidades de dar verdadeiro sentido à nossa vida.

Só quando a pessoa recupera o sentido do transcurso do tempo, estará preparada para bem viver.

Afinal, “não temos tempo, somos tempo”. Nós não temos o tempo; o tempo é o que somos, pois quando não somos, já não há tempo que valha a pena; o tempo torna-se “normótico”, pesado, insuportável...

“S” e por maiores que sejam os avanços tecnológicos e de pensamento, isso não mudará. É o mais valioso que nós temos; é o maior presente que podemos fazer uns aos outros: nosso tempo.

O que define nossa cultura pós-moderna é o consumo do tempo. Se antes o ter deslocou o ser, agora o fazer está deslocando o ter como prioridade. Acumular ações, ter agenda cheia, ativismo... é o que está de moda. Estão sendo desenvolvidas as estratégias mais sofisticadas para que qualquer pessoa busque ocupar o tempo. Até o descanso foi despojado de sua gratuidade: os fins de semana e os tempos de férias são preenchidos com uma carga excessiva de atividade. “Os domingos estão precisando de feriados” (Bonder).

O tempo está tão medido e amordaçado que não há espaço para a duração, a gratuidade, a criatividade...

O pior, no entanto, não é ter feito do ativismo o “modus vivendi” por excelência, mas é o fato da pessoa estar perdendo a noção da temporalidade, ou seja, a perda do sentido da história.

O ritmo cronológico da vida acaba desembocando na tirania da imediatez. O “carpe diem”, está contribuindo para que o dom do tempo seja objeto de consumo e acabe, portanto, consumido, ou seja, gasto e extinto. Espera-se tudo do presente, e os dias se reduzem a uma soma de instantes sucessivos sem especial conexão. Ao dia de hoje não é necessário saber o que fizemos ontem e nem o que faremos amanhã.

Vivemos numa cultura onde preenchemos nosso tempo de “afazeres” para não nos deixarmos “fazer” pelo Espírito de Deus. “Perdemos” nosso tempo quando não nos conscientizamos, por alienação ou escapismo, de toda a densidade do momento como possibilidade e oportunidade de Vida.

Para meditar na oração:

O tempo da oração é o tempo de deixar-se afetar, cativar, entusiasmar..., pela pessoa, pela missão, pelo projeto de Jesus; é o tempo do amadurecimento e da concretização das opções e dos compromissos para segui-Lo pelos caminhos que Ele percorreu.

Mais que “preencher” o tempo, a atitude espiritualmente cristã de conversão é deixar-se “preencher” pela bondade de Deus no tempo; agora é o tempo de deixar-se conduzir, de encontrar-se...

Fé é criar, é deixar passar por nós a energia criadora-libertadora do Deus-providente, Senhor dos “tempos novos”.

Viver o tempo como oportunidade é arriscar-nos a ver o que cremos, a perceber a presença d’Aquele que se “faz tempo” e dá sentido pleno ao nosso tempo. É no tempo que expressamos o louvor, a ação de graças...


  

Grandeza e miséria da vocação -  Enzo Bianchi


Tradução Moisés Sbardelotto.

 

Cada um de nós, sobretudo se for idoso mas não acometido de demência senil, vai muitas vezes ao encontro das suas recordações do passado, em particular daquele que foi o início, o começo de uma história, de um amor que o marcou por toda a vida e que ainda o faz vibrar. O cristão também faz essa operação de buscar no passado, quase para reviver a hora da conversão; ou, melhor, para muitíssimos, a hora da vocação, quando nos tornamos conscientes com o coração de que talvez um aviso nos era dirigido, de que talvez o Senhor queria que nos envolvêssemos na sua vida mais do que até então. Nós a chamamos, justamente, de hora da vocação.

A página do Evangelho deste domingo, no qual voltamos a ouvir o Evangelho de Marcos, quer ser justamente uma história de vocação na qual quem predispõe tudo para ouvir o chamado de Jesus pode se espelhar, ou pode ser a oportunidade para o recordar como um evento do passado, que ainda pode ter ou não mais força, até mesmo significado.

Jesus volta à Galileia, a terra da sua infância, para começar a proclamar uma mensagem que ele sentia dentro de si como uma missão de Deus Pai. Ele começa essa vida de pregação e de itinerância depois que João, o seu rabi, o seu mestre, aquele que o educou na vida conforme a aliança com Deus e também o imergiu nas águas do Jordão (cf. Mc 1,9), foi posto na prisão por Herodes, foi reduzido ao silêncio, ele que era a “voz” (cf. Mc 1,3; Jo 1,23). É o fim de quem é profeta, e Jesus logo se encontra diante dessa que é uma “necessitas” humana: se ele continuar no caminho do seu mestre, mais cedo ou mais tarde conhecerá a perseguição e a morte violenta.

Jesus começa a proclamar a boa notícia, o Evangelho de Deus, na consciência de que o tempo da preparação, para Israel o tempo da espera dos profetas, que o tempo da paciência de Deus alcançou o seu cumprimento, como o tempo de uma mulher grávida. No fim da gravidez, há o parto, e assim Jesus anuncia: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!”.

Eis a síntese da sua pregação: há o início de um tempo novo em que é possível fazer Deus reinar na própria vida; para que isso ocorra, é preciso se converter, voltar para Deus e depois crer na boa notícia que é a presença e a palavra do próprio Jesus.

É apenas um breve versículo que expressa essa novidade, mas é o início de um tempo que dura até hoje e aqui: é possível que Deus reine sobre mim, sobre você, sobre nós, e é assim que o reino de Deus vem.

Agora, graças à presença de Jesus, à sua vida e à sua palavra, é possível que cada pessoa deixe que só Deus reine sobre si, e não os ídolos ou outros senhores. Mas, para que isso ocorra, é preciso a fé: “Crede, tende fé-confiança!”. Essa palavra de Jesus, capaz de sacudir os corações adormecidos hoje como então, é dirigida a nós que sempre somos tentados a confiar nas nossas obras, acabando assim por esvaziar a fé.

 

A nós que perguntamos: “O que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” (Jo 6,28), Jesus responde: “Crede!”, para nos ensinar que “esta é a obra de Deus: crer naquele que ele enviou” (Jo 6,29). Sim, que o cristão nunca se esqueça de que as muitas obras boas são sempre obras “nossas”, mas todas encontram a sua raiz vivificante e o seu sentido na única obra de Deus, a fé. “Tudo é possível para quem crê” (Mc 9,23), dirá Jesus com força...

Diante dessa alegre notícia, mas também dessa nova possibilidade oferecida pela presença de Jesus, estamos nós, homens e mulheres que ainda hoje escutamos o Evangelho. O que fazemos? Como reagimos? Talvez estejamos vivendo cotidianamente, voltados ao nosso trabalho, à nossa ocupação cotidiana para ganhar a vida, não importa qual seja; ou estamos em um momento de pausa; ou estamos conversando com outros...

Não há uma hora marcada: de repente, no nosso coração, sem que os outros se deem conta de nada, uma chama se acende. “Quem sabe? Ouço talvez uma voz? Conseguirei responder ‘sim’? Será para mim essa voz que me chama a ir? Onde? Para seguir quem? Jesus? E como faço? Será possível?”.

Tantas perguntas que se cruzam, que desaparecem e voltam em ondas. Mas, se forem ouvidas com atenção, então pode ser que nelas se escute uma voz mais profunda do que nós mesmos, "mais íntima do que o nosso íntimo” (Agostinho), uma voz que vem de um além de nós mesmos, mas através de nós mesmos: a voz do Senhor Jesus! É assim que começa uma relação entre cada um de nós e ele, sim, ele, o Senhor, presença invisível mas viva, presença que não fala de modo sonoro, mas atrai...

Aqui, no Evangelho segundo Marcos, esse processo de vocação é sintetizado e, por assim dizer, estilizado pelo autor, que narra apenas o essencial: Jesus passa, vê e chama; alguém escuta e leva a sério a sua palavra: “Segue-me!”, e se envolve na sua vida. E isso é verdade para todos e é inútil dizer mais: seria apenas uma busca de processos psicológicos...

Mas o essencial foi dito, de uma vez por todas: uma vez acolhida a vocação, abandonam-se as redes, isto é, o ofício, abandonam-se o pai e a barca, isto é, a empresa familiar, e assim nos despojamos e seguimos Jesus.

Obedecer ao chamado do Senhor coincide com um renascer a uma vida nova, com um recomeçar. E todo nascimento exige uma boa separação: só quem fez uma boa separação, de fato, será capaz de dar vida a uma nova união, com Cristo e com a comunidade dos irmãos e das irmãs.

Mas atenção: a vocação é uma aventura cheia de grandeza, mas também de miséria! Para compreender isso, é suficiente seguir nos Evangelhos a história desses quatro primeiros chamados. O primeiro, Pedro, sobre o qual Jesus depositara muita confiança, vivendo perto dele, muitas vezes não entende nada dele (cf. Mc 8,32; Mt 16,22), a ponto de Jesus ser obrigado a chamá-lo de “Satanás” (Mc 8,33; Mt 16,23); às vezes está distante de Jesus a ponto de contradizê-lo (cf. Jo 13,8); às vezes o abandona para dormir (cf. Mc 14.37-41 e par.); e enfim o renega, diz que conhece a si mesmo e que nunca conheceu Jesus (cf. Mc 14,66-72 e par.; Jo 18,17,25-27).

André, Tiago e João, em muitas situações, não compreendem Jesus, entendem-no mal e não conhecem o seu coração. Os dois filhos de Zebedeu, em particular, são duramente repreendidos por Jesus quando invocam um fogo do céu para punir quem não os acolheu (cf. Lc 9,54-55); e sempre eles, no Getsêmani, dormem junto com Pedro.

Mas há mais, e Marcos ressalta isso de modo implacável, com um contraste que não poderia ser mais claro: aqueles que aqui, “abandonando tudo, seguiram Jesus”, na hora da paixão, “abandonando Jesus, fugiram” (Mc 14,50)...


Pobre seguimento! Sim, o meu seguimento, o seu seguimento, caro leitor ou leitora. Não temos realmente muito do que nos orgulhar... Devemos apenas invocar muita misericórdia da parte de Deus e agradecer-lhe porque, apesar de tudo, ainda estamos a caminho atrás de Jesus e ainda tentamos, dia após dia, viver com ele.



E não esqueçamos: a promessa de Jesus é mais forte do que as nossas infidelidades, do que as infidelidades dos seus discípulos. É por isso que, depois da aurora da Páscoa, eles ainda serão pescadores de homens e anunciadores do Reino, capazes de transmitir a todos a boa notícia. De fato, quem ouviu a boa notícia e a ela aderiu com toda a sua vida será sempre capaz – apesar de si mesmo! – de anunciar aos outros o Evangelho do Reino que vem e que, em Jesus ressuscitado, se faz próximo de todos e de cada um.

  

Jesus anuncia a Boa Nova de Deus e chama pessoas para segui-lo - Frei Carlos Mesters e Mercedes Lopes.


1. Situando

A Boa Nova de Deus foi preparada ao longo da história (Mc 1,1-8), foi proclamada solenemente pelo pai na hora do batismo de Jesus (Mc 1,9-11), foi testada e aprovada no deserto (Mc 1,12-13). Agora aparece o resultado da longa preparação: Jesus anuncia a Boa Nova publicamente ao povo (Mc 1,14-15) e convoca outras pessoas a participar do anúncio (Mc 1,16-20). 

Nos anos 70, época em que Marcos escreveu, os cristãos, lendo essa descrição do início da Boa Nova, olhavam no espelho e viam retratado nele o início da sua própria comunidade. Aquela fonte que brotou na vida daqueles quatro primeiros discípulos podia, a qualquer momento, brotar também na vida deles.

 

2. Comentando Marcos 1, 14-20

1. Marcos 1,14: Jesus inicia o anúncio da Boa Nova de Deus

Marcos dá a entender que, enquanto Jesus se preparava no deserto, João Batista tinha sido preso pelo rei Herodes. Diz o texto: Depois que João foi presto, Jesus voltou para a Galiléia proclamando a Boa Nova de Deus. A prisão de João Batista não assustou a Jesus! Pelo contrário! Ele viu nela um sinal da chegada do Reino. Hoje, os fatos da política e da polícia também influem no anúncio que nós fazemos da Boa Nova ao povo. Marcos diz que Jesus proclamava a Boa Nova de Deus. Pois Deus é a maior Boa Notícia para a vida humana. Ele responde à aspiração mais profunda do nosso coração.


2. Marcos 1,15: O resumo da Boa Notícia de Deus

O anúncio da Boa Nova de Deus tem quatro pontos: (1) Esgotou-se o prazo! (2) O Reino de Deus chegou! (3) Mudem de vida! (4) Acreditem nesta Boa Notícia! (Mc 1,14-15). Estes quatro pontos são um resumo de toda a pregação de Jesus.

 Cada um deles tem um significado importante:

1.     Esgotou-se o prazo! Para os outros judeus, o prazo ainda não tinha se esgotado. Faltava muito para o Reino chegar. Para os fariseus, por exemplo, o Reino só chegaria quando a observância da Lei fosse perfeita. Para os essênios, quando o país fosse purificado ou quando eles tivessem o domínio sobre o país. Jesus pensa de modo diferente. Ele tem outra maneira de ler os fatos. Diz que o prazo já se esgotou.

2.      O Reino de Deus chegou! Para os fariseus e os essênios, a chegada do Reino dependia do esforço deles. Só chegaria depois que eles tivessem realizado a sua parte, a saber, observar toda a lei, purificar todo o país. Jesus diz o contrário: “O Reino chegou!” Já estava aí! Independentemente do esforço feito! Quando Jesus diz “O Reino chegou!”, ele não quer dizer que o Reino estava chegando só naquele momento, mas sim que já estava aí. Aquilo que todos esperavam já estava presente no meio do povo, e eles não o sabiam nem o percebiam (cf. Lc 17,21). Jesus o percebeu! Pois ele lia a realidade com um olhar diferente. E é esta presença escondida do Reino no meio do povo que Jesus vai revelar e anunciar aos pobres da sua terra. É esta a semente do Reino que vai receber a chuva da sua palavra e o calor do seu amor.

3.     Mudem de Vida! Alguns traduzem “Fazei Penitência”. Outros, “Convertei-vos ou Arrependei-vos”. O sentido exato é mudar o modo de pensar e de viver. Para poder perceber essa presença do Reino, a pessoa terá que começar a pensar, a viver e a agir de maneira diferente. Terá que mudar de vida e encontrar outra forma de convivência! Terá que deixar de lado o legalismo do ensino dos fariseus e permitir que a nova experiência de Deus invada sua vida e lhe dê olhos novos para ler e entender os fatos.

4.     Acreditem nesta Boa Notícia! Não era fácil aceitar a mensagem. Não é fácil você começar a pensar de forma diferente de tudo que aprendeu, desde pequeno. Isto só é possível através de um ato de fé. Quando alguém vem trazer uma notícia diferente, difícil de ser aceita, você só aceita se a pessoa que traz a notícia for de confiança. Aí, você dirá aos outros: “Pode aceitar! Eu conheço a pessoa! Ela não engana, não. É de confiança. Fala a verdade!” Jesus é de confiança!

 

3. Marcos 1,16-20: O primeiro objetivo do anúncio da Boa Nova é formar comunidade

Jesus passa, olha e chama. Os quatro escutam, largam tudo e seguem a Jesus. Parece amor à primeira vista! Conforme a narração de Marcos, tudo isto aconteceu logo no primeiro encontro com Jesus. Comparando com os outros evangelhos, a gente percebe que os quatro já conheciam a Jesus (Jo 1,39; Lc 5,1-11). Já tiveram a oportunidade de conviver com ele, de vê-lo ajudar o povo ou de escutá-lo na sinagoga. Sabiam como ele vivia e o que pensava.

O chamado não foi coisa de um só momento, mas sim de repetidos chamados e convites, de avanços e recuos. O chamado começa e recomeça sempre de novo! Na prática, coincide com a convivência dos três anos com Jesus, desde o batismo até o momento em que Jesus foi levado ao céu (At 1,21-22). Então, por que Marcos o apresenta como amor à primeira vista?

Marcos pensa no ideal: o encontro com Jesus deve provocar um mudança radical na vida da gente!


3. Alargando


O CHAMADO PARA SEGUIR JESUS

O chamado é de graça. Não custa. Mas acolher o chamado exige compromisso. É o momento de entrar na nova família de Jesus, na comunidade (Mc 3,31-35). Jesus não esconde as exigências. Quem quer segui-lo deve saber o que está fazendo: deve mudar de vida e crer na boa Nova (Mc 1,15), deve estar disposto ou disposta a abandonar tudo. Do contrário, “não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). O peso não cai na renúncia, mas sim no amor que dá sentido à renúncia. É por amor a Jesus (Lc 9,24) e ao Evangelho (Mc 8,35) que o discípulo ou a discípula deve renunciar a si mesmo, carregar sua cruz, todos os dias, e segui-lo (Mc 8,34-35; Mt 10,37-39; 16,24-26; 19,27-29).

Os discípulos são o xodó de Jesus. No Evangelho de Marcos, a primeira coisa que Jesus faz é chamar discípulos (Mc 1,16-20), e a última que faz é chamar discípulos (Mc 16,7.15). Jesus passa e chama. Eles largam tudo e seguem a Jesus. Parece que não lhes custa nada. Largam a família. Largam os barcos e as redes (Mc 1,16-20). Levi largou a coletoria, fonte da sua riqueza (Mc 2,13-14). Seguir Jesus supõe RUPTURA! Eles começam a formar um grupo, uma comunidade itinerante. É a comunidade de Jesus (Mc 3,13-14.34).

Os discípulos acompanham Jesus por todo canto. Entram com ele na sinagoga (Mc 1,21) e nas casas até dos pecadores (Mc 2,15). Passeiam com ele pelos campos, arrancando espigas (Mc 2,23). Andam com ele ao longo do mar, onde o povo os procura (Mc 3,7). Ficam a sós com ele e podem interrogá-lo (Mc 4,10.34). Vão à casa dele, convivem com ele e vão com ele até Nazaré, a terra dele (Mc 6,1). Com ele atravessam o mar e vão para o outro lado (Mc 5,1).

Participam da dureza da nova caminhada. Tanta gente os procura, que já não têm tempo para comer (Mc 3,20). Eles começam a sentir-se responsáveis pelo bem-estar de Jesus: ficam perto dele, cuidam dele e mantêm um barco pronto para ele não se esmagado pelo povo que avança (Mc 3,9; cf. 5,31). E no fim de um dia de trabalho levam a ele, exausto, para o outro lado do lago (Mc 4,36). A convivência se torna íntima e familiar. Jesus chega a dar apelidos a alguns deles. A João e Tiago chamou de Filhos do Trovão, e a Simão deu o apelido de Pedra ou Pedro (Mc 3,16-17). Ele vai a casa deles e se preocupa com os problemas da família deles. Curou a sogra de Pedro (Mc 1,29-31).

Andando com Jesus, eles seguem a nova linha e começam a perceber o que serve para a vida e o que não serve. A atitude livre e libertadora de Jesus faz com que criem coragem para transgredir normas religiosas que pouco ou nada têm a ver com a vida: arrancam espigas em dia de sábado (Mc 2,23-24), entram em casa de pecadores (Mc 2,15), comem sem lavar as mãos (Mc 7,2) e já não insistem em fazer jejum (Mc 2,18). Por isso, são envolvidos nas tensões e brigas de Jesus com as autoridades e são criticados e condenados pelos fariseus (Mc 2,16.18.24). Mas Jesus os defende (Mc 2,19.25-27; 7,6-13).


DISTANCIAM-SE DAS POSIÇÕES ANTERIORES.

O próprio Jesus os distingue dos outros e diz claramente: “A vocês é dado o ministério do Reino, mas aos de fora tudo acontece em parábolas” (Mc 4,11), pois “os de fora” têm olhos mas não enxergam, têm ouvidos e não escutam (Mc 4,12). Jesus considera os discípulos e as discípulas como seus irmãos e suas irmãs. É a sua nova família (Mc 3,33-34). Eles recebem formação. As parábolas narradas ao povo, Jesus as explica a eles quando estão sozinhos em casa (Mc 4,10s.34).

Na raiz desse grande entusiasmo está a pessoa de Jesus que chama. Está a Boa Nova do Reino que atrai! Eles seguem Jesus. Ainda não percebem todo o alcance que o contato com Jesus implica para a vida deles. Isto, por enquanto, nem importa! O que importa é poder seguir Jesus que anuncia a tão esperada Boa Nova do Reino. Até que enfim, o Reino chegou (Mc 1,15)!


Resumindo: Seguir Jesus era uma expressão que os primeiros cristãos usavam para indicar o relacionamento deles com Jesus e entre eles mesmos na comunidade. Significava três coisas:

1.     Imitar o exemplo do Mestre: Jesus era modelo a ser imitado. A convivência diária com Jesus na comunidade permitia um confronto constante. Nesta “Escola de Jesus” só se ensinava uma única matéria: o Reino! E o Reino se reconhecia na vida e na prática de Jesus.

2.     Participar do destino do Mestre: Quem seguia Jesus devia comprometer-se com ele e “estar com ele nas tentações” (Lc 22,28), inclusive na perseguição (Jo 15,20; Mt 10,24-25). Devia estar disposto até a morrer com ele (Jo 11,16).

3.     Ter a vida de Jesus dentro de si: Depois da Páscoa, acrescentou-se uma terceira dimensão: identificar-se com Jesus ressuscitado, vivo na comunidade. “Vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Participar da sua morte e ressurreição (Filipenses 3,8-11).

 

 TEXTO DE DOM DAMIAN NANNINI, DE SAN MIGUEL, ARGENTINA

(TRADUÇÃO DIRETA DO GOOGLE TRADUTOR SEM CORREÇÃO)

1

TERCEIRO DOMINGO DO ANO - CICLO B

Primeira leitura (Jn 3,1-5-10)

Este texto é o início da segunda parte do livro de Jonas. É paralelo à primeira parte em que a ordem de Deus para enviar Jonas para pregar em Nínive é repetida (cf. 1:1-2 e 3:1-2). A grande diferença é que na primeira vez Jonas não obedece e foge (1,3); enquanto aqui obedece, vai para Nínive e ali cumpre a sua missão de pregar (3,3).

Nínive, capital do império assírio naquela época, é descrita como uma cidade imensa, de dimensões lendárias (diz em 3,3 que são necessários três dias para viajar). "Na verdade, Nínive é uma cidade simbólica. É a cidade do pecado (1,1). Nínive, a Grande, é o símbolo do mundo pagão"diz V. Mora1.

A partir daqui a história torna-se muito ágil porque num versículo (3,4) somos informados da missão de Jonas, que consiste em pregar a destruição de Nínive; e em outro versículo (3,5) a reação de conversão dos ninivitas. Toda a cena é muito simples. Jonas anuncia a destruição da cidade e dá uma carência de 40 dias. Os ninivitas como um todo – do maior ao menor – acreditam em Deus, decretam jejum e vestem vestes penitenciais. Notemos então a dupla e saudável reação à palavra do profeta:eles acreditaram(verbo seguro),isto é, eles aceitaram a palavra do profeta como a Palavra de Deus; eeles fizeram penitênciamanifestado no jejum e nas roupas adequadas. Este último envolve um reconhecimento do pecado e uma busca para fazer as pazes e tornar-se agradável a Deus.

Em 3:10 temos a resposta de Deus à reação dos ninivitas: vendo essas ações penitenciais - sinais deconversãode mau comportamento -, ele se arrepende do mal que pretendia fazer e não o faz. Notemos que aqui para descrever a reação dos ninivitas é usado o verbo hebraicoderramar, que é a maneira correta de expressar oconversãocomo um retorno a Deus.

Como nota V. Mora2: "Ao se afastarem do caminho do mal, os ninivitas conseguem que Deus remova o mal que lhes foi destinado [...] Desta forma, a liturgia penitencial de Nínive termina com o triunfo da misericórdia e da graça".

Observemos também, levando em consideração a estrutura e a intenção de todo o livro de Jonas, que estefé e conversãoO exemplo de uma cidade pagã como Nínive é uma censura indireta à dureza de coração do povo de Israel. O próprio Jesus usa este contraste de atitudes: “No Dia do Juízo, os homens de Nínive se levantarão contra esta geração e a condenarão, porque foram convertidos pela pregação de Jonas, e aqui está alguém que é maior que Jonas" (Mt 12,41).

Segunda leitura (1Cor 7,29-31)

No capítulo 7 desta carta, Paulo responde a perguntas escritas que lhe foram enviadas pelos coríntios e que giram inteiramente em torno de “questões de casamento”, por assim dizer. Os versículos que lemos hoje contêm a reflexão de Paulo baseada na escatologia, desde cujo horizonte a realidade deste mundo aparece como temporária e os bens terrenos como relativos (29-31). Este horizonte escatológico para Paulo confirma a conveniência do celibato em detrimento do casamento, mas também relativiza os dois.

Evangelho (Mc 1,14-20):

  

No evangelho deste domingo podemos distinguir duas subseções: o início da pregação de Jesus (1,14-15) e o chamado dos primeiros discípulos (1,16-20).  

1Jonas(CB 36; Palavra Divina; Estella 1995) 16.

2Jonas(CB 36; Palavra Divina; Estella 1995) 18.

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O início da pregação de Jesus centra-se em dois temas fundamentais para o evangelho: a vinda do Reino de Deus e o chamado à conversão que se segue.

 “Chegou a hora: o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e creiam nas Boas Novas” (1:15).

A proximidade do Reino marca o cumprimento do tempo, o tempo estabelecido por Deus como final e definitivo (tal é o sentido do termo).Kairós-kairo.j- empregado aqui). Como uma breve definição do Reino de Deus podemos dizer com Fritzleo Lentzen-Deis3: “O “reino de Deus”, segundo o AT e o NT, consiste na realização completa da vontade de Deus neste mundo. O poder de Deus deve realizá-lo e concedê-lo. O reino de Deus liberta do pecado e das pressões, concede ao homem a comunhão com Deus e com os seus irmãos (Ex 15,17s; Sl 145)”.

Esta proximidade do Reino é expressa com um indicativo perfeito (ovo-h;giken) cuja tradução possível é tanto “já chegou” quanto “está próximo”. Esta variante tem o seu peso na interpretação do Reino como presente ou futuro; mas não devemos renunciar a nenhuma das duas categorias temporais: presente e futuro. O Reino de Deus está presente na Pessoa de Jesus Cristo, mas alcançará a sua plenitude no futuro julgamento final com a vinda do Filho do Homem em glória. Há e sempre haverá uma tensão entre o Reino futuro e o Reino atual que é resolvida, em parte, a nível pessoal, uma vez queO que falta para que o futuro Reino se torne presente é a resposta humana: fé e conversão(1,15).Assim, a conversão e a fé constituem uma única atitude exigida ao homem face à proximidade do Reino. Em Jesus, a conversão aparece como resposta do homem ao chamado de Deus para entrar no seu Reino.. Desta forma, acentua-se a iniciativa de Deus e, em continuidade, aacreditaraqui adquire com maior força a nuance deAcredite em Deus. Como aponta L. H. Rivas4“Isto indica que o reino deverá começar dentro do homem, no fundo do coração. Se o reino é a execução da vontade de Deus aqui na terra, da mesma forma que os anjos fazem no céu, então os homens devem colocar os seus corações de acordo com o de Deus. O reino começará naqueles que abandonam seus maus caminhos, renunciam a seguir suas más inclinações e buscam o bem”.

A este respeito, nota A. Rodríguez Carmona5: “Os contemporâneos de Jesus imaginaram a vinda do Reino como o surgimento do Todo-Poderoso, varrendo e destruindo os ímpios, e salvando e glorificando os membros do seu povo oprimido. Jesus concebe isso de forma diferente. O Todo-Poderoso é pai, e a sua ação consistirá em iniciar um dinamismo que tende a fazer dos homens seus filhos, num contexto adequado aos filhos de Deus, sem dor nem morte, no qual participarão plenamente na glória e na bondade de Deus. Diante deste anúncio do Arauto, o homem deve dar uma resposta adequada, pois o Kairós não é apenas um momento de oferta divina, mas também de decisão humana.”.

Em seguida, São Marcos nos mostra Jesus caminhando às margens do Mar da Galiléia (1:16). É um lago bastante grande que os evangelhos chamam de mar, como talvez o fizessem naquela época. Mas acima de tudo "eO lago é o lugar onde vive e onde trabalha o povo da Galileia: Jesus procura e encontra o povo na sua situação. Marcos nos apresenta Jesus, que percorre as estradas do mundo procurando as pessoas onde elas estão.", comenta C. M. Martini6.

O ""Galiléia dos Gentios", como também era conhecido, era o território de Israel mais aberto aos pagãos devido à sua história e composição cultural. A região da Galileia será o lugar da primeira actuação de Jesus que inclui a primeira parte do Evangelho de Marcos (cf. Mc 1,1-8,29).

A seguir, Marcos relata que Jesus “olha” e depois “chama” quatro pescadores para segui-lo, abandonando as redes sem levar em conta o menor preparo psicológico deles, pois é o primeiro encontro que têm. Essa certa falta de lógica literária por parte de Marcos seria justificada pela sua intenção deacentuar a iniciativa de Jesus no chamado. Jesus os vê trabalhando e os chama. Primeiro o olhar, depois a ligação. e ambos  

3Comentário ao Evangelho de Marcos(Verbo Divino, Estella 1998), 44.

4Jesus fala ao seu povo. Ciclo B(CEA; Buenos Aires 2002) 16

5O Evangelho de Marcos(DDB; Sevilha 2006) 32

6O chamado de Jesus. Ore com o evangelho de Marcos(Narcea; Madri 1987) 40.

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muito pessoal, fruto de um amor livre que escolhe. Como diz J. Bartolomé7: "Para segui-lo era preciso ser convidado; Não era quem queria ser discípulo, mas sim alguém que era amado: ser discípulo é um dom antes de uma ordem.".

Quanto às características deste apelo podemos dizer, seguindo as meditações do Card. martini8, que asituação de chamadaÉ o próprio local de trabalho, onde estão; que amodo de chamadaÉ uma palavra pessoal de Jesus; e essaconteúdo de chamadaÉ um convite a segui-lo, a ligar-se à sua Pessoa como Ele te diz”venha atrásde mim"sem outra precisão senão um horizonte missionário difuso:"e farei de vocês pescadores de homens" (1,17). "Confiança total, doação total à pessoa de Jesus e não a uma causa. Porque Jesus não diz “venha fazer isto ou aquilo”, mas sim tenha confiança em mim.", comenta Martini9.

A resposta dos discípulos, que nos surpreende pela sua prontidão e nos lembra a de Abrão (cf. Gn 12, 1-4), acentua também o carácter pessoal porque o Evangelho diz que “isto eles seguiram"(1,18) e isso"eles foram atrásele" (1,20). Esta acentuação da dimensão pessoal do vínculo com Jesus no início do discipulado também pode ser vista no fato de que somente em Marcos 2,15 o termo "discípulos" é usado para se referir aos muitos que seguiram até Jesus. Até então eram chamados pelos seus nomes próprios: Simão, André, Tiago, João e Levi, ou são chamados de Simão “e os que estavam com ele”.

Se levarmos em conta as duas subseções do evangelho de hoje, podemos ver queHá uma estreita ligação entre o anúncio da chegada do Reino de Deus e a criação do discipulado. Com efeito, o Reino de Deus é essencialmente comunitário e refere-se a um povo específico a quem se destina e que é chamado a acolhê-lo e a torná-lo visível.10. Isto é, porque o Reino de Deus éa comunidade com Deus na comunidade dos homens que se uniram a Jesus, a primeira ação de Jesus depois de anunciar a proximidade do Reino é formar a comunidade dos seus discípulos. Portanto, o discipulado é o primeiro fruto da missão de Jesus, é a primeira semente do Reino de Deus.

Temos aqui também a primeira característica fundamental do discípulo de Cristo:É um chamado para continuar fazendo parte de seu grupo,da sua comunidade,do Reino de Deus.

Algumas reflexões:

Jesus começa a trabalhar, começa a cumprir a sua missão. E o que faz? Em primeiro lugar, anuncie as Boas Novas –o Evangelho– da chegada do Reino de Deus aos homens. Ao passar o tempo programado, Deus, por meio de Jesus, começa a trabalhar em favor dos homens; e espera por uma resposta deles. Sem dúvida Ele tem o primado e a iniciativa, mas nos envolve; pergunte e aguarde nossa resposta:fé e conversão.

Primeiro devemos acreditar em Jesus, aceitar que Ele nos comunica a autêntica Palavra de Deus. E a Palavra de Deus é o único caminho para o conhecimento pessoal do Senhor: Ele se dá a conhecer a nós através da sua Palavra. Deus falou-nos, além disso, fez-se homem para entrar em diálogo e em comunhão connosco. Nossa resposta a esta revelação PESSOAL de Deus é a FÉ. Sobre isso, de forma breve e concisa, R. Latourelle diz: “A Revelação inaugura entre Deus e os homens um diálogo que atravessa os séculos. Através da palavra é como se inaugura a visão: da escuta ao crer e depois ao ver.".

  

7J. J. Bartolomé,O Discipulado de Jesus em Marcos,EstBib51 (1993) 519.

8Cf. C. M. Martini,Evangelho e Comunidade Cristã, Bogotá 1985, 43.

9O chamado de Jesus. Ore com o evangelho de Marcos(Narcea; Madri 1987) 42.

10Cf. R. Aguirre,Do movimento de Jesus à Igreja Cristã. Ensaio sobre exegese sociológica do cristianismo primitivo,Estela 1998, 57.

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Ao mesmo tempo, a fé como acolhimento da Palavra de Deus, do “pensar” de Deus, do seu modo de ver a realidade, de a valorizar, de a julgar e de a transformar, exige de nós uma autêntica conversão entendida precisamente aqui como uma “mudança de mentalidade" (metanoia). É uma abertura à dimensão do mistério que alarga o horizonte da nossa compreensão e da nossa vivência; nossa maneira de “ver” a vida e vivê-la. Fica clara aqui a concepção bíblica de fé, que é, acima de tudo, acreditar que Deus age na nossa vida e na nossa história. É a Palavra de Deus que nos converte e transforma.

Hoje celebramos o “Domingo da Palavra de Deus”, por isso é bom lembrar que “Quando a Sagrada Escritura é lida com o mesmo Espírito com que foi escrita, permanece sempre nova. O Antigo Testamento nunca é velho, pois faz parte do Novo, porque tudo é transformado pelo único Espírito que o inspira. Todo o texto sagrado tem uma função profética: não se refere ao futuro, mas ao presente de quem se alimenta desta Palavra. O próprio Jesus afirma-o claramente no início do seu ministério: «Hoje se cumpriu esta Escritura que acabais de ouvir» (Lc 4,21). Quem se alimenta todos os dias da Palavra de Deus torna-se, como Jesus, contemporâneo das pessoas que encontra; Não há tentação de cair na nostalgia estéril do passado, nem em utopias desencarnadas para o futuro..” .” (Papa Francisco, Carta Apostólica em forma de «Motu Proprio»Ele abriu para elescom o qual é instituído o Domingo da Palavra de Deus, 12).

A este respeito, o Papa Francisco também nos disse na homilia de 24 de janeiro de 2021: “Não renunciemos à Palavra de Deus. É a carta de amor que nos foi escrita por Aquele que nos conhece como ninguém. Ao lê-lo, sentimos novamente a sua voz, vislumbramos o seu rosto, recebemos o seu Espírito. A Palavra nos aproxima de Deus; não vamos mantê-lo longe. Vamos carregá-lo sempre conosco, no bolso, no celular; Vamos dar-lhe um lugar digno em nossas casas. Coloquemos o Evangelho num lugar onde nos lembremos de abri-lo todos os dias, se possível no início e no final do dia, para que entre tantas palavras que chegam aos nossos ouvidos, algum versículo da Palavra de Deus chegue. nossos corações. Para podermos fazer isto, peçamos ao Senhor a força para desligar a televisão e abrir a Bíblia; desligar o celular e abrir o Evangelho. Neste Ano litúrgico lemos o Evangelho de Marcos, o mais simples e breve. Por que não lê-lo sozinho, mesmo que seja uma pequena passagem por dia? Fará com que sintamos a proximidade do Senhor e nos dará coragem no caminho da

vida.”

A primeira leitura de hoje convidou-nos a centrar a atenção na primeira parte do Evangelho com a qual partilha o tema dafé e conversão. Mas devemos também salientar, com a segunda parte do evangelho de hoje, quefé e conversãoeles continuam nodiscipulado, noseguindo Jesus. No domingo passado vimos que o início de ser cristão é sempre o encontro pessoal com Jesus. Hoje isso se reafirma e outros elementos desse caminho se somam. Em efeito,O caminho do discipulado começa com um encontro pessoal com Jesus que nos chama a segui-lo. A iniciativa é toda de Jesus que irrompe na vida do homem na sua situação quotidiana, com o seu trabalho e os seus vínculos familiares. O chamado implica uma escolha radical: deixar tudo e segui-lo. A demanda e sua resposta são aqui narradas como afetivas e eficazes: vão atrás de Jesus, deixando tudo.

A segunda parte do evangelho de hoje abre-nos também ao sentido comunitário da fé. Com efeito, a chamada dos apóstolos apresenta-nos a dimensão comunitária do Reino de Deus, na qual se entra pela porta da fé. EmO evangelho da alegriaNº 180, o Papa Francisco convidou-nos a recuperar e meditar sobre a imagem do Reino de Deus que ilumina a relação do cristão com o mundo e realça a dimensão social do Evangelho:“Lendo as Escrituras fica muito claro que a proposta do Evangelho não é apenas a de um relacionamento pessoal com Deus. Nem deve a nossa resposta de amor ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais dirigidos a algumas pessoas necessitadas, que poderiam constituem uma "caridade à la carte", uma série de ações destinadas apenas a acalmar a própria consciência.É o Reino de Deus(cf.Lc4,43); Trata-se de amar a Deus que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será espaço de fraternidade, justiça, paz e dignidade para todos. Assim, tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais. Buscamos o seu Reino: “Buscai antes de tudo o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais virá em acréscimo” (Monte6,33). O projecto de Jesus é estabelecer o Reino do seu Pai; Ele pede aos seus discípulos: “Proclamai que o Reino dos céus está chegando!” (Monte10,7)”.

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PARA ORAÇÃO (RESSON NCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):

Deixe tudo 

Senhor, 

Pescador dos belos mares 

Céu azul em seus altares, 

Liga para mim 

deixar tudo 

Dê-me a força do seu braço 

E eu remo para o mar, 

Liga para mim 

Onde você está, 

Nessa profundidade eu te encontro 

Para sempre, 

Liga para mim 

Melhor que ninguém 

Você sabe meu nome e minha fome 

Eu te dou isso, 

Liga para mim 

Recebi isso de você… 

E como o santo em sua oração 

Eu vou devolvê-lo para você, 

Liga para mim 

Seu tempo: este momento. 

O amor nos impele 

E agora vocês, rainhas, 

Liga para mim. 

Amém