CORPUS CHRISTI-A


SOLENIDADE DO CORPO E DO SANGUE DE CRISTO -A

08/06/2023


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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


Primeira Leitura: Deuteronômio 8,2-3;14b-16a

Salmo Responsorial: 

 147(147B)- Glorifica o Senhor, Jerusalém; celebra o teu Deus, ó Sião!

2ª. Leitura – 1 Coríntios 10,16-17

Evangelho: João 6,51-58

“Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, entregue pela vida do mundo”. 52 Os judeus discutiam entre si: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” 53 Jesus disse: “Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. 54 Quem se alimenta com a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. 55 Pois minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida. 56 Quem se alimenta com a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele. 57 Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por meio do Pai, assim aquele que de mim se alimenta viverá por meio de mim. 58 Este é o pão que desceu do céu. Não é como aquele que os vossos pais comeram – e, no entanto, morreram. Quem se alimenta com este pão viverá para sempre”.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, Arcebispo de Sorocaba SP


Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente.

Com esta afirmação, Jesus deixou as pessoas que estavam na Sinagoga de Cafarnaum atônitas e confusas: Como é que ele pode dar a sua carne a comer? 

Em vez de voltar atrás, Jesus confirma: a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida.

Jesus não é somente aquele que dá o pão da vida. Isso pode ser aceito: Ele dá o ensinamento que, se for aceito na fé, conduzirá à vida eterna. Mas Jesus não somente dá o alimento que dá a vida. Ele próprio é o alimento, descido do céu, ou seja, vindo do Pai. Aqui não se trata só de aceitar, de aderir com a mente e o coração, de acreditar em Jesus. É muito mais: trata-se de se alimentar de Jesus, de viver dele, de comer e beber.

De novo pode surgir entre nós a pergunta: Como é que ele pode dar a sua carne a comer? Nós sabemos que a expressão “comer a carne de alguém, beber o seu sangue” tem um sentido pejorativo de vingança. Mas na boca de Jesus, comer a sua carne e beber o seu sangue não tem nenhum sentido canibal nem de vingança. Por que? Porque aqui se trata da eucaristia. Jesus está falando aqui da eucaristia. Se assim não fosse, de fato, poderíamos pensar em comer a carne e beber o sangue em sentido unicamente material (canibalismo e vingança). Jesus não está falando somente em senso simbólico e figurado, pois se trata sim de comer e beber de verdade. Mas comer e beber da eucaristia, o pão e o vinho consagrados. Se Jesus não tivesse isso em mente, de fato, a afirmação de Jesus poderia ser um convite à vingança ou ao canibalismo.

O pão e o vinho que nós oferecemos como fruto da terra e do trabalho humano, como expressão do oferecimento de nós mesmos a Deus, é consagrado e devolvido a nós como sacramento do dom de Cristo para nós. Na eucaristia, Jesus se dá a nós todo inteiro, para que vivamos dele, para que tenhamos em nós a sua vida, da mesma forma que ele tem a vida do Pai e vive da vida do Pai.

Esse mistério da doação de Cristo a nós se oferece a nós no sinal e na realidade. No sinal do pão e do vinho, no sinal do alimento e da bebida. Prestem atenção, para acolher esse sinal da doação de Cristo a nós no pão e no vinho, no sinal do alimento e da bebida é preciso comer e beber. O alimento e a bebida reclamam o comer e o beber. Jesus se oferece como alimento e como bebida; ele se doa totalmente a nós no sinal do pão e do vinho, e a essa oferta corresponde a nossa aceitação que se realiza no nosso comer e no beber. O alimento está para o comer, e a bebida está para o beber.

O mistério de doação de Cristo a nós se oferece a nós no sinal e na realidade. Na realidade porque o pão e o vinho consagrados não são mais pão e vinho, mas corpo e sangue de Cristo. A realidade do pão, pela consagração, é a realidade do corpo de Cristo. A realidade do vinho, pela consagração, é a realidade do sangue de Cristo. Ao comer e beber, comungamos do corpo e do sangue de Cristo, recebemos o Cristo que se doa realmente a nós.

Cristo continua se doando total e integralmente no amor, ele se oferece a nós no aqui e no agora da eucaristia. E nós o recebemos na fé comendo e bebendo. Para comer e beber Cristo é preciso ter fé; mas ao comer e beber a fé se exprime de maneira ainda mais luminosa. Ao comer e beber a fé se reforça e se aprofunda: cremos que realmente Cristo está presente a eucaristia.

É essa realidade da doação de Cristo no pão e no vinho e do nosso acolhimento ao comer e beber crendo que celebramos na eucaristia e nesta solenidade de Corpus Christi.


Eucaristia, lugar da manifestação plena do amor de Deus - Pe. Nelito Dornelas

 

A Eucaristia é o sacramento da Aliança selada entre Deus e a humanidade. Em cada Eucaristia celebrada, renova-se esta aliança, tornando a comunidade eclesial fonte fecunda de vida divina que se transborda para a criação divina. 

O amor esponsal vivenciado na Eucaristia é um amor que tem o seu ponto culminante na cruz, expressão das núpcias de Jesus com a humanidade, assumindo-a plenamente a partir de suas mais violentas derrotas, transformando-as e redimindo-as. 

Ao exprimir a irreversibilidade do amor de Cristo pela humanidade, compreende-se que tanto na Eucaristia quanto na Igreja estão presentes aquela indissolubilidade a que todo amor verdadeiro é chamado a expressar.

Há, portanto, uma íntima ligação entre a vida de oração (lex orandi) e a vida de fé (lex credendi). A relação entre o mistério acreditado e o mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da adoração. 

Ninguém pode comer dessa carne e beber desse sangue, sem antes os adorar. Adorar é o maior gesto de amor. Quem se ajoelha diante do Santíssimo, somente o poderá fazer para expressar seu infinito amor por Jesus, pois Ele mesmo nos advertiu de que não quer ser seguido e adorado, mas amado. Adorá-lo ou segui-lo sem amá-lo é cometer uma heresia, pois seria transformá-lo em um ídolo. Não se pode adorar a um ídolo, mas somente a Deus. 

Não os chamo de servos e servas ou escravos e escravas, mas de amigos e amigas, pois tudo o que conheci do coração do meu Pai vos dei a conhecer. O servo não sabe o que pensa o seu senhor (cf João 14).

Portanto, a adoração é o prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de expressão de fé da Igreja. Alimentar-se da Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração diante d'Aquele que comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só com Ele e, de algum modo, saboreamos antecipadamente a beleza da liturgia celeste, manifestando-lhe nosso amor. 

O ato de adoração fora da celebração eucarística prolonga e intensifica o que se faz na própria celebração eucarística, portanto, é uma ação litúrgica e uma celebração do amor.

É por isso que na festa de Corpus Christi, as comunidades manifestam sua fé em Jesus Eucarístico, fazendo-se ornamento e embelezando praças e avenidas, como uma grande expressão de amor e de renovada esperança, reencantando a vida e atualizando as palavras de Jesus: Façam tudo em minha memória!

 

Festa de Corpus Christi-- José Antonio Pagola.

 

Não precisamos nos enganar. Não poderemos olhar para o outro lado. Em nosso redor mais ou menos próximo iremos encontrando famílias obrigadas a viver da caridade, pessoas ameaçadas de expulsão, vizinhos lutando pelo desemprego, doentes sem saber como resolver os seus problemas de saúde ou medicação.

Ninguém sabe muito bem como a sociedade irá reagir. Sem dúvida, irão crescer a impotência, a raiva e a desmoralização de muitos. É previsível que aumentem os conflitos e a delinquência. É fácil que cresçam o egoísmo e a obsessão pela própria segurança.

Também é possível que a solidariedade cresça, por outro lado. A crise pode-nos fazer mais humanos. Pode-nos ensinar a partilhar mais o que temos e o que necessitamos. Podem-se estreitar os laços e a mútua ajuda dentro das famílias. Pode crescer a nossa sensibilidade para com os mais necessitados. Seremos mais pobres, mas podemos ser mais humanos.

No meio da crise, também as nossas comunidades cristãs podem crescer em amor fraterno. É o momento de descobrir que não é possível seguir Jesus e colaborar no projeto humanizador do Pai sem trabalhar por uma sociedade mais justa e menos corrupta, mais solidária e menos egoísta, mais responsável e menos frívola e consumista.

É igualmente o momento de recuperar a força humanizadora que se encerra na eucaristia, quando é vivida como uma experiência de amor confessado e partilhado. O encontro dos cristãos, reunidos cada domingo em torno de Jesus, há de converter-se em lugar de consciencialização e de impulso de solidariedade prática.

A crise pode sacudir a nossa rotina e mediocridade. Não podemos comungar com Cristo na intimidade do nosso coração sem comungar com os irmãos que sofrem. Não podemos partilhar o pão eucarístico ignorando a fome de milhões de seres humanos privados de pão e de justiça. É uma piada darmos a paz uns aos outros esquecendo os que ficam excluídos socialmente.

A celebração da eucaristia vai nos ajudar a abrir os olhos para descobrir a quem temos de defender, apoiar e ajudar em momentos como estes. Há de nos despertar da “ilusão da inocência” que nos permite viver tranquilos, para nos movermos e lutar apenas quando vemos em perigo os nossos interesses. Viver cada domingo com fé pode nos fazer mais humanos e melhores seguidores de Jesus. Pode-nos ajudar a viver a crise com lucidez cristã sem perder a dignidade nem a esperança.


Corpus Christi a semente na Terra

 

Na festa de Corpus Christi a liturgia nos apresenta o evangelho da multiplicação dos pães. O texto vem logo em seguida ao regresso dos Doze que foram em missão para anunciar a Palavra. Jesus acolhe as multidões, cura seus males e lhes ensina a Palavra. Sacia os corpos famintos dando-lhe o pão. Ao mesmo tempo Jesus torna-se também o pão da vida que alimenta a vida espiritual do Povo de Deus.

Jesus acolheu as multidões: a iniciativa exclusiva de Jesus que sente compaixão diante da situação do povo que veio ao seu encontro. Vendo as multidões, Jesus se comove não fica somente com boas e belas intenções e sentimentos. Só quem vê, pode se compadecer e então agir para solucionar o problema.

A tarde vinha chegando Lucas entrega aqui as mesmas palavras do relato de Emaús (Lc 24,13-35), onde os dois discípulos pedem: “Fica conosco”. Aqui também o longo do dia está chegando ao fim, só que os discípulos pedem para Jesus mandar embora multidão. Nos dois episódios, Jesus permanece responde abençoando e repartindo o pão.

Despede a multidão, para que vá procurar hospedagem e comida: Os discípulos possuem a mesma mentalidade do sistema: deixar que as multidões se danem: afastá-las, mandá-las para longe, com isso também se afasta o problema e Jesus pode ficar só com eles. Para os discípulos a fome do povo se resolve em comprar e vender. Para Jesus, será o dar e partilhar.

Estamos num lugar deserto: os discípulos não sabem onde buscar pão. No deserto só existe areia e pedras. Esquecem que é do meio deles que deve vir a solução. São aqueles sete pães e dois peixinhos que se transformam em abundância, em fartura que sacia a todos e ainda vai gerar sobras.

Dai-lhes vós mesmos de comer: A solução dos problemas não vem de fora, lá de cima, mas de dentro da comunidade. Jesus envolve os discípulos a participarem da solução do problema.

Só temos cinco pães e dois peixes: Jesus não se impressiona com a quantidade, mas com o que é possível fazer. A soma dos números 5 + 2 produz o número perfeito, que é 7.

Estavam ali mais ou menos cinco mil homens: Este número é também o número da comunidade dos cristãos de AT 4,4. Mas é também a multiplicação de mil para cada pão recebido e partilhado.

Mandai o povo sentar-se em grupos de cinquenta: O gesto da idéia de sentar-se à mesa, de acordo com os costumes judaicos. Assim, Jesus não é só quem realiza grandes sinais, mas é quem preside a mesa que reúne a todos. É a mesa comum onde todos cabem. É a mesa circular onde todos podem se ver e escutar a fome dos outros.

Então Jesus abençoou-os, partiu-os e os deu: São gestos que Jesus vai cumprir também na Última Ceia (Lc 22,19), por isso este relato prefigura e anuncia o relato da Eucaristia. Jesus não distribui o pão às multidões, mas o dá aos seus discípulos. Eles devem repartir, partilhar. Aquilo que a multidão ofertou retorna em abundância, em forma de partilha.

Todos comeram e ficaram satisfeitos: foram recolhidos doze cestos, um cesto para cada um dos doze. As sobras dão o sentido de saciedade, mas também podem ser vistas em contraste com o Maná no deserto, que não podia ser armazenado. Este pão que Jesus oferece é maior e é alimento que não se perde, ou seja, feito para a vida eterna.

Jesus nos ensina que devemos estar atentos a fome das multidões e buscar respostas para o problema. A fome não pode esperar. Exige solução, partilha, ações concretas e eficazes. Quando partilhamos, o pouco se torna muito.  E quando há partilha, sempre há sobras também, ao contrário, a concentração de alimentos o mundo hoje é um escândalo e por isso tantas pessoas passam fome. Ao mesmo tempo o Evangelho nos mostra que Jesus que se fez Palavra, também se faz pão. Por isso, seu primeiro lugar foi a manjedoura dos animais (Lc 2,7). Ele é a Mesa da Palavra e a Mesa do Pão que alimentam e sustentam a vida da Igreja (DV21).