1º QUARESMA-B

1° DOMINGO DA QUARESMA ANO B

18/02/2024

 LINS AUXILIAR:

AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: Gênesis 9,8-15

Salmo 24(25)-R- Verdade e amor, são os caminhos do Senhor.

2ª Leitura: 1 Pedro 3,18-22

Evangelho de Marcos1,12-15

Logo depois, o Espírito o fez sair para o deserto. 13 Lá, durante quarenta dias, foi posto à prova por Satanás. E ele convivia com as feras, e os anjos o serviam.  14 Depois que João foi preso, Jesus veio para a Galiléia, proclamando a Boa Nova de Deus: 15 “Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa- Nova”.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP 

Mc 1,12-15

Iniciamos a Quaresma com a narrativa da tentação de Jesus. 

Jesus vai ao deserto, ou melhor, Ele é levado para do deserto pelo Espírito. É quase como se o Espírito Santo entregasse Jesus nas mãos do Tentador.

Marcos não fala de três tentações, mas que “O Espírito levou Jesus para o deserto. E ele ficou no deserto durante quarenta dias e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre os animais selvagens e os anjos o serviam” (Mc 1,12-13).

No deserto, acontecem duas coisas: Jesus é tentado por Satanás e vive entre aos animais selvagens. 

Jesus não é um super-homem. Ele também se sujeitou à tentação. Jesus, sem deixar de ser Deus, se submeteu à tentação satânica. A tentação não vem de Deus, mas é obra de Satanás. A sua tentação consiste em fazer Jesus desistir ou se desviar da vontade do Pai. A proposta de Deus deve ser acolhida com abertura total.

A companhia dos animais selvagens e dos anjos indicam tanto o perigo do deserto da vida, quanto da reconciliação universal realizada por Deus: “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará ao lado do cabrito; o bezerro e o leão pastarão juntos, e um menino pequeno os guiará. Ninguém fará mal, ninguém matará, em todo o meu santo monte, pois a terra estará cheia do conhecimento do Senhor, como as águas recobrem o mar” (Is 11,6.9). Jesus vai ao deserto para ser tentado, mas também para dar início a este novo mundo predito por Isaías.

O numero 40 está a dizer “completo”, isto é, toda sua vida. Ser tentado e vencer foi para Cristo, a demonstração de sua entrega total ao Pai, em tudo e por tudo. Santo Agostinho explica: Cristo assumiu em si nossas tentações e nós vencemos com Ele. Falta agora ir distribuindo essa vitória em todos os atos nos quais devemos optar. Não há tentação invencível.

Conversão é tanto um processo de arrependimento permanente, quanto uma capacidade de sempre escolher melhor. Consiste no chorar o pecado e em nos tomar sempre mais o que somos. A conversão inclui sair do mal e um ir adiante. Por isso Jesus inicia sua pregação convidando a ir em diante.

No primeiro domingo da Quaresma ouvimos a narrativa da tentação de Jesus. Ele foi tentado e nós somos tentados. A tentação não vem de Deus. Vem da abertura que Deus dá para escolhermos entre o bem e o mal. Cristo já venceu a tentação. Suportou por nós a tentação e nós a vencemos nele.

Conversão é o caminho das escolhas. Não só converter-se para sair de um mal, mas para crescer sempre mais nas opções pelo bem.


Quando o espírito nos arrasta


Adroaldo Palaoro

“E imediatamente o Espírito impeliu Jesus para o deserto...” (Mc 1,12).

É um privilégio iniciar este tempo litúrgico, intenso e forte, chamado “tempo quaresmal”, deixando-nos “arrastar” pelo mesmo Espírito de Jesus; tempo único que nos oferece a possibilidade de fazer uma estratégica parada, de buscar o deserto em meio ao cotidiano, de plantar os pés na terra firme do evangelho e assim viver um compromisso transformador em nossa realidade. Nesse espaço e nesse tempo de maior despojamento, podemos sair de nossas inércias, podemos deixar de lado nossas seguranças e comodidades para transitar por novas paisagens. Há muitos modos de fazer isso: assumir com seriedade esse momento, investir no cuidado interior, abster-nos do rotineiro para abrir-nos ao inesperado e surpreendente...

Enfim, Quaresma sempre indica um tempo especial, de crise-crescimento; hoje diríamos, de discernimento. E o que devemos discernir? Qual é o crescimento-maturação que o tempo quaresmal nos propõe?

O discernimento implica, em primeiro lugar, uma escuta atenta e uma profunda sintonia com o mesmo Espírito que atuava em Jesus, para fazermos opções mais evangélicas, a serviço da vida. É o Espírito, força de vida e amor, que nos conduz ao deserto para “desintoxicar-nos” de um modo de viver atrofiado, imposto por um contexto social centrado na busca de poder e prestígio, com seus inimigos mortais da competição, do consumismo, do preconceito e que, lentamente, envenenam nossa vida, instigando-nos a romper as relações de comunhão e compromisso. É preciso, de tempos em tempos, sair de nossos espaços rotineiros e “normóticos”, deslocar-nos para os amplos espaços do deserto, lugar despojado de tudo, para ali viver de novo o encontro com a Voz e a Força que nos devolvem à vida, com outra inspiração. Ali, guiados pelo Espírito, teremos a oportunidade de aprofundar nossa relação com a Fonte do Amor que, depois, se expandirá numa nova relação com os outros e com a natureza.

Neste ano, a CF está centrada no tema do “diálogo”; e o deserto quaresmal ajuda a limpar os canais de comunicação que estão obstruídos pelo excesso de gordura do nosso “ego”: auto-centramento, busca dos próprios interesses, vaidades... Sabemos que o diálogo implica um des-centramento, uma saída de si, para escutar e acolher o outro na sua diferença. O diálogo entre diferentes nos humaniza. Aqui não há mais lugar para o julgamento, a suspeita, o fanatismo, a intolerância..., nas diferentes situações da vida: religiosa, social, política, cultural, racial... Dialogar é abrir-nos ao outro diferente, sair do nosso próprio mundo, criar vínculos com outras pessoas, conhecer seu modo de ser e pensar..., multiplicando assim os pontos de vista, para enriquecer-nos humanamente, dilatar os horizontes, crescer pessoalmente.

Todo primeiro domingo da quaresma a liturgia nos conduz até o deserto, onde Jesus foi “tentado”.

Tradicionalmente, as tentações de Jesus foram interpretadas num sentido moralizante; costumava-se dizer que Jesus nos queria dar o exemplo de fortaleza para nos ajudar a superar nossas tentações cotidianas.

Tal interpretação não capta em toda sua profundidade o sentido das “tentações de Jesus”.

As tentações não são tanto uma “prova” a superar quanto um projeto que deve ser discernido.

O que parece certo, teológica e historicamente, é afirmar que Jesus, depois do batismo, buscou o deserto para um tempo de discernimento, em oração, em solidão, diante do Pai que o proclamou seu Filho, sob o impulso do Espírito; de algum modo teve de refletir e discernir sobre qual seria seu estilo de messianismo que deveria assumir para sua missão, em sua vida pública. É um tempo de confronto interior, de crise.

A “crise” põe à prova sua atitude frente a Deus: como viver sua missão e a partir de quê lugar? buscando seu próprio interesse ou escutando fielmente Palavra do Pai? Como deverá atuar? dominando os outros ou pondo-se a seu serviço? buscando poder e sua própria glória ou a vontade de Deus?...

As tentações são, pois, expressão da oferta de dois tipos de messianismos, dois projetos, duas lógicas que se opõem.

* Por um lado, está a lógica da autossuficiência, da segurança, a partir do centro, a partir de cima, um messianismo triunfalista, evitando conflitos com o poder político e religioso, alheio ao sofrimento do povo; uma lógica que supõe adaptação ao “sistema”, ser servido antes que servir.

* E, por outro lado, aparece a lógica da solidariedade, a partir da margem e da periferia da sociedade política e religiosa, a partir do povo, a partir de baixo, vivendo a filiação e a confiança no Pai, em gratuidade, num estilo de simplicidade e pobreza alternativo ao “sistema”, optando por servir antes que ser servido; uma lógica de inclusão e de vulnerabilidade frente o sofrimento do povo, na linha do Servo de Javé e dos grandes profetas de Israel.

Fruto da experiência batismal de sentir-se Filho e do discernimento do deserto, Jesus elege a lógica da solidariedade e do serviço, a partir dos últimos. Assim como foi “impelido” pelo Espírito ao deserto, Jesus se deixa conduzir pelo mesmo Espírito em direção às margens excluídas, às “periferias existenciais”.

A partir deste discernimento e opção, o messianismo de Jesus se manifesta como “diferente” daquilo que muitos esperavam em Israel. O fato surpreendente é que Jesus começa a falar e a agir a partir da margem geográfica, cultural, religiosa e econômica da Palestina: a Galileia.

Jesus rompeu com a família, afastou-se da vida normal que levava, iniciou uma vida itinerante e passou a viver a partir de um sonho: a utopia do Reino.

Vivendo no meio de uma realidade conflituosa, de exploração, de desintegração das instituições, de injustiças... Jesus, unido ao Pai, torna-se aluno dos fatos, descobre dentro deles a chegada da hora de Deus e anuncia ao povo: “O tempo já se completou e o REINO de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!” (Mc 1,15).

Ele vem realizar as esperanças do povo, despertadas e alimentadas ao longo dos séculos, pelos profetas.

Com sua vida e sua palavra, Jesus interrompe o discurso dos especialistas sobre Deus. Ele não tinha uma instituição em que pudesse se apoiar; tudo brotava de dentro.

Enquanto todos tinham os olhos voltados para o centro (sobretudo para o templo de Jerusalém onde era elaborado o saber que ia se expandindo até chegar à menor das sinagogas), Jesus revela sua presença nas “periferias” do mundo. A partir daí, todos nós também devemos dirigir constantemente o olhar para as “novas periferias”, lugar onde Ele continua nos convocando.

“O discípulo-missionário é um descentrado: o centro é Jesus Cristo que convoca e envia. O discípulo é enviado para as periferias existenciais. A posição do discípulo-missionário não é a de centro, mas de periferias: vive em tensão para as periferias” (Papa Francisco)

Que significa “fronteiras geográficas e existenciais”? É preciso sair dos limites conhecidos; sair de nossas seguranças para adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis; sair do inquestionável para enfrentarmos o novo...

É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e situações, novos encontros, novas experiências... Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode nos enriquecer...

A vida está cheia de possibilidades e surpresas; inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; encontros, diálogos, aprendizagens, motivos para celebrar, lições que aprenderemos e nos farão um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...

A periferia passa a ser terra privilegiada onde nasce o “novo”, por obra do Espírito. Ali aparece o broto original do “nunca visto”, que em sua pequenez de fermento profético torna-se um desafio ao imobilismo petrificado e um questionamento à ordem estabelecida.

 

Para meditar na oração:

Quaresma é tempo para desintoxicação existencial: feridas mal curadas, fracassos, modos fechados de viver, intolerâncias, legalismos e moralismos, ...

- De que você precisa se desintoxicar? De que você precisa se alimentar ao longo deste tempo quaresmal?

 

 A Conversão faz-nos bem

José Antônio Pagola

 

A chamada à conversão evoca quase sempre em nós a memória do esforço exigente, próprio de todo o trabalho de renovação e purificação. No entanto, as palavras de Jesus, «Convertei-vos e acreditai na Boa Nova», convidam-nos a descobrir a conversão como um passo para uma vida mais completa e gratificante.

O Evangelho de Jesus vem dizer-nos algo que nunca devemos esquecer: «É bom converter-se. Faz-nos bem. Permite-nos experimentar um modo novo de viver, mais saudável e alegre. Dispõem-nos a entrar no projeto de Deus para construir um mundo mais humano». Alguém se perguntará: mas, como viver essa experiência? Que passos dar?

O primeiro é parar. Não termos medo de ficar sozinhos conosco mesmos para nos fazermos as perguntas importantes da vida: quem sou eu? O que estou fazendo com a minha vida? É isto o único que quero viver?

Este encontro consigo mesmo requer sinceridade. O importante é não continuarmos a enganar-nos por mais tempo. Procurar a verdade do que estamos vivendo. Não nos empenharmos em ocultar o que somos e parecer o que não somos. É possível que experimentemos então o vazio e a mediocridade. Apresentam-se diante de nós atuações e posturas que estão arruinando nossa vida. Não é isto o que teríamos querido. No fundo desejamos viver algo melhor e mais alegre.

Descobrir como estamos prejudicando nossa vida não tem que nos afundar no pessimismo ou no desespero. Esta consciência de pecado é saudável. Dignifica-nos e ajuda-nos a recuperar a autoestima. Nem tudo é mau e ruim em nós. Dentro de cada um atua sempre uma força que nos atrai e empurra para o bem, o amor e a bondade. É Deus que quer uma vida mais digna para todos.

A conversão exige-nos sem dúvida introduzir mudanças concretas na nossa forma de atuar. Mas a conversão não consiste nessas mudanças. Ela própria é a mudança. Converter-se é mudar o coração, adotar uma nova postura na vida, tomar uma direção mais saudável. Colaborar no projeto de Deus.

Todos, crentes e menos crentes, podem dar os passos mencionados até aqui. A sorte do crente é poder viver esta experiência abrindo-se confiadamente a Deus. Um Deus que se interessa por mim mais do que eu próprio, para resolver não os meus problemas, mas «o problema», essa minha vida medíocre e fracassada que parece não ter solução. Um Deus que me entende, me espera, me perdoa e que me quer ver viver de forma mais plena, alegre e gratificante.

Por isso o crente vive a sua conversão invocando Deus com as palavras do salmista: «Tem misericórdia de mim, Ó Deus, segundo a tua bondade. Lava-me completamente da minha culpa, limpa o meu pecado. Cria em mim um coração limpo. Renova-me por dentro. Devolve-me a alegria da tua salvação» (Sal 51).

  

Chamados a ser profetas hoje

Ana Maria Casarotti

No primeiro capítulo do Evangelho de Marcos se apresenta a pessoa de Jesus. Quem foi, qual a sua missão e sua relação com o Pai. Dentro da breve descrição que oferece o Evangelho de Marcos neste domingo, lemos que Jesus foi impelido para o deserto durante quarenta dias e foi tentado por Satanás.

Este trecho está carregado de simbolismos e é preciso se aprofundar em cada um deles para melhor compreender o sentido desta ida de Jesus ao deserto.

Ele é empurrado pelo Espírito como foram movidos tantos profetas ao longo da história de salvação que atuam impulsionados pelo Espírito seguindo sua Palavra. Jesus é impelido para o deserto, que é um lugar árido e difícil para viver.

O Povo de Israel tinha a memória da travessia pelo deserto quando saiu do Egito guiado por Moisés. É o tempo da caminhada do Povo de Israel desde que deixa a escravidão até entrar na Terra Prometida (Ex 16,35). Foi um período de prova, com muitas dificuldades e em várias oportunidades eles reagem contra Moisés pelos contratempos, seja pela falta de água, de pão e outras contrariedades por que tinham que passar! «Será que não havia sepulturas lá no Egito? Você nos trouxe ao deserto para morrermos! Por que nos tratou assim, tirando-nos do Egito?[...] O que é melhor para nós? Servir aos egípcios ou morrer no deserto?»(Ex 14, 11-12).

Também é o tempo que Moisés ficou na montanha (Ex 24,18). Lembram também os quarenta dias do dilúvio (Gn 7,17). Depois da Ressurreição até a Ascensão, os Atos dos Apóstolos narram que “durante quarenta dias apareceu a eles (os Apóstolos), e falou-lhes do Reino de Deus”. É um número que simboliza plenitude.

No trecho que lemos hoje, Jesus passa quarenta dias no deserto e é tentado por Satanás. Este é o símbolo daquele que quer apartá-lo de sua missão, o adversário que oferece propostas que se contrapõem ao Projeto de Deus. Satanás busca que Jesus esqueça os planos de Deus e faça escolhas que não contribuam na sua missão.

Neste momento Jesus está se preparando para sua missão e é chamado para o deserto para se preparar, se fortalecer e ficar com uma firme resolução e compreensão interior da sua missão.

O monge italiano Enzo Bianchi disse que “O deserto, pela sua natureza, predispõe tudo para que, na vida de quem o habita, não haja nenhum Deus além do Senhor, nenhuma outra realidade objeto de adoração e de culto. Esse desejo de servir a um único Senhor é acompanhado por uma rejeição da mentalidade mundana, do modo de pensar, de agir, de julgar próprio de quem serve a vários mestres, de quem adapta os próprios comportamentos não à conformidade com o Evangelho, mas sim ao seu grau de oportunidade e conveniência, ao sucesso, ao dinheiro ou, mais simplesmente, à vida tranquila que eles asseguram”. (Texto completo: Conservar o “deserto”. Artigo de Enzo Bianchi)

A Liturgia oferece-nos este trecho do Evangelho no início da Quaresma para nos preparar para nossa missão, para nos fortalecer internamente.

Somos convidados e convidadas a acompanhar Jesus neste tempo para reconhecer quais são as tentações que nos apartam do Projeto do Pai e, como Jesus, ser fortalecidos para não nos alijar da missão que nos é confiada.

Fazendo referência ao texto das tentações de Jesus no deserto, comenta Adroaldo Palaoro que “antes de começar uma missão libertadora, é necessário enfrentar-se com os próprios “demônios interiores” que é “tudo aquilo que nos divide, que alimentam nosso egocentrismo, rompendo a comunhão com os outros, com Deus e com suas criaturas; são forças que permanecem ocultas, mas bem ativas em nós, conduzindo-nos aonde não queríamos ir”.

Se formos capazes de descobrir aquelas forças que há no nosso interior e que nos dividem, teremos a capacidade de perceber as diferentes situações no nosso mundo impulsadas pelo egoísmo, a violência, a morte que geram agressividade, injustiça e desigualdade.

Jesus é conduzido pelo Espírito que, como aos profetas, o levará também a denunciar tudo aquilo que oprime o ser humano pelo caminho do orgulho, da soberba, da vaidade, do poder, do individualismo.

Por isso este tempo nos prepara para fortalecer-nos e adotar assim uma atitude ativa na denúncia da gravidade dos crimes contra a ética, a liberdade, as injustiças como: a gravidez de meninas abusadas sexualmente, a crise humanitária em países como Guatemala, Venezuela, Síria, Líbia, onde os moradores são levados a abandonar o país pela escassez de alimentos, medicamentos e todo tipo de recursos humanitários, a morte de milhares na busca de uma terra habitável. Mais de 100 mil imigrantes chegaram à Europa pelo Mediterrâneo em 2017


A falta de liberdade leva a uma escravidão que na nossa época tal vez seja pior que nos séculos 18 e 19 

O Presidente da Cáritas Italiana, cardeal Francesco Montenegro, arcebispo de Agrigento, disse que “Devemos começar a viver a cultura da acolhida, que é a capacidade de olhar o outro nos olhos, e o outro fica contente porque vê reconhecida a sua dignidade como pessoa." (Texto completo: Diante de 366 caixões em Lampedusa tive uma crise de fé e escrevi ao papa, afirma cardeal)

Desta maneira, a Igreja nos convoca novamente a reavivar nossa vocação profética para que a utopia do reino de justiça e paz se concretize em nosso país. Reino que Jesus abre para nós na sua encarnação, com sua Morte e Ressurreição, meta para a qual caminhamos nesta Quaresma.

 

 

A boa-nova do Reino - Marcos 1,12-15.

Testada no deserto e anunciada publicamente

 

Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

Situando

1.1 Marcos 1,12-13 mostra como a Boa-nova foi testada na hora da tentação de Jesus no deserto (Marcos 1,12-13). Jesus, com a força do Espírito do Deus da vida, recebida no Batismo (Marcos 1,9-11), começa a derrotar as forças de Satanás, as forças da morte.

1.2 Agora, aparece o resultado da longa preparação: Jesus anuncia a Boa-nova publicamente ao povo (Marcos 1,14-15).

Comentando

2.1 Marcos 1,12-13: A Boa-nova é testada e provada no deserto

Depois do batismo, o Espírito de Deus toma conta de Jesus e o empurra para o deserto, onde ele se prepara para a missão (Marcos 1,12-13). Marcos diz que Jesus esteve no deserto 40 dias e que foi tentado por Satanás. Em Mateus 4,1-11 se explicita a tentação: tentação do pão, tentação do prestígio, tentação do poder. Foram as três tentações que derrubaram o povo no deserto, depois da saída do Egito (Deuteronômio 8,3; 6,16; 6,13). Tentação é tudo aquilo que afasta alguém do caminho de Deus. Orientando-se pela Palavra de Deus, Jesus enfrentava as tentações e não se deixava desviar (Mateus 4,4.7.10). Ele é igual a nós em tudo, até nas tentações, menos no pecado (Hebreus 4,15). Inserido no meio dos pobres e unido ao Pai pela oração, fiel a ambos, ele resistia e seguia pelo caminho do Messias-Servidor, o caminho do serviço a Deus e ao povo (Mateus 20,28).

2.2 Marcos 1,14: Jesus inicia o anúncio da Boa-nova de Deus

Marcos dá a entender que, enquanto Jesus se preparava no deserto, João Batista havia sido preso pelo rei Herodes. Diz o texto: Depois que João foi preso, Jesus voltou para a Galileia proclamando a Boa-nova de Deus. A prisão de João Batista não assustou Jesus! Pelo contrário! Ele viu nela um sinal da chegada do Reino. Hoje, os fatos da política e da polícia também influem no anúncio que nós fazemos da Boa-nova ao povo.

Marcos diz que Jesus proclamava a Boa-nova de Deus. Pois Deus é a maior Boa Notícia para a vida humana. Ele responde à aspiração mais profunda do nosso coração.

2.3 Marcos 1,15: O resumo da Boa Notícia de Deus

O anúncio da Boa-nova de Deus tem quatro pontos: (a) Esgotou-se o prazo! (b) O Reino de Deus chegou! (c) Mudem de vida! (d) Acreditem nessa Boa Notícia! (Marcos 1,14-15). Esses quatro pontos são um resumo de toda a pregação de Jesus. Cada um deles tem um significado importante:

1.      Esgotou-se o prazo! Para os outros judeus, o prazo ainda não tinha se esgotado. Faltava muito para o Reino chegar. Para os fariseus, por exemplo, o Reino só chegaria quando a observância da Lei fosse perfeita. Para os essênios, quando o país fosse purificado ou quando eles tivessem o domínio sobre o país. Jesus pensa de modo diferente. Ele tem outra maneira de ler os fatos. Diz que o prazo já se esgotou.

2.      O Reino de Deus chegou! Para os fariseus e os essênios, a chegada do Reino dependia do esforço deles. Só chegaria depois que eles tivessem rea-lizado a sua parte, a saber, observar toda a lei, purificar todo o país. Jesus diz o contrário: “O Reino chegou!” Já estava aí! Independentemente do esforço feito! Quando Jesus diz “O Reino chegou!”, ele não quer dizer que o Reino estava chegando só naquele momento, mas sim que já estava aí. Aquilo que todos esperavam já estava presente no meio do povo, e eles não o sabiam nem o percebiam (cf. Lucas 17,21). Jesus o percebeu! Pois ele lia a realidade com um olhar diferente. E é esta presença escondida do Reino no meio do povo que Jesus vai revelar e anunciar aos pobres da sua terra. É esta a semente do Reino que vai receber a chuva da sua palavra e o calor do seu amor.

3.      Mudem de vida! Alguns traduzem Fazei penitência. Outros, Convertei-vos ou Arrependei-vos. O sentido exato é mudar o modo de pensar e de viver. Para poder perceber essa presença do Reino, a pessoa terá que começar a pensar, a viver e a agir de maneira diferente. Terá que mudar de vida e encontrar outra forma de convivência! Terá que deixar de lado o legalismo do ensino dos fariseus e permitir que a nova experiência de Deus invada sua vida e lhe dê olhos novos para ler e entender os fatos.

4.      Acreditem nessa Boa Notícia! Não era fácil aceitar a mensagem. Não é fácil você começar a pensar de forma diferente de tudo que aprendeu, desde pequeno. Isto só é possível através de um ato de fé. Quando alguém traz uma notícia diferente, difícil de ser aceita, você só aceita se a pessoa que traz a notícia for de confiança. Aí, você dirá aos outros: “Pode aceitar! Eu conheço a pessoa! Ela não engana, não. É de confiança. Fala a verdade!” Jesus é de confiança!


TEXTO De Dom Damian Nannini, Argentina.

PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA

 (Tradução do espanhol pelo Google sem correção)

TENTAÇÃO E CONVERSÃO: JESUS ​​VENCE A TENTAÇÃO E NOS CONVIDA À CONVERSÃO.

 

Primeira leitura (Gn 9,8-15):

 

           O foco da narrativa do dilúvio está em Deus que se arrepende de ter criado o homem e, indignado, decide destruir a humanidade. Nesse sentido, a história é apresentada como uma espécie de julgamento de Deus sobre a humanidade pecadora, enfatizando que o homem é um ser responsável e que sua responsabilidade tem alcance social, cósmico e até ecológico. Numa situação má a única possibilidade de salvação para o homem é arrepender-se, mas ao não o fazer, Deus arrepende-se de tê-lo criado. Mas ao mesmo tempo a história ensina que as sanções de Deus são ao mesmo tempo purificação e salvação porque a destruição é necessária para apontar o mal, mas ao mesmo tempo é necessário mostrar que Deus é mais forte que o mal.

Após o dilúvio, Deus estabelece um compromisso ou aliança unilateral (berît) com Noé e com todos os seres vivos para nunca mais repetir este cataclismo. Portanto, a misericórdia triunfa sobre o julgamento e depois do castigo Deus oferece a sua aliança. Se apesar do dilúvio o coração humano não mudou, isto significa que a esperança não pode vir do homem, mas apenas de Deus. Agora Deus aproxima-se do homem com paciência ilimitada e o seu compromisso é duradouro. Portanto, Deus é apresentado como capaz de ameaçar e de se irar perigosamente, mas no final o seu amor é mais forte do que a sua raiva e o seu compromisso permanece apesar das infidelidades do seu povo. Nesse sentido, o arco-íris surge como um sinal universal para que Deus se lembre desta aliança e não destrua novamente a humanidade.

A este respeito, Laudato Sii 70-71 diz: “Quando todas estas relações são negligenciadas, quando a justiça já não habita na terra, a Bíblia diz-nos que toda a vida está em perigo. É o que nos ensina a história de Noé, quando Deus ameaça exterminar a humanidade pela sua constante incapacidade de viver à altura das exigências da justiça e da paz: "Decidi exterminar todos os seres humanos, porque por causa deles a terra é cheio de violência” (Gênesis 6:13). En estos relatos tan antiguos, cargados de profundo simbolismo, ya estaba contenida una convicción actual: que todo está relacionado, y que el auténtico cuidado de nuestra propia vida y de nuestras relaciones con la naturaleza es inseparable de la fraternidad, la justicia y la fidelidad Aos demais. Embora “o mal tenha se espalhado pela face da terra” (Gn 6,5) e Deus “se arrependesse de ter criado o homem na terra” (Gn 6,6), no entanto, através de Noé, que ainda permaneceu íntegro e justo, ele decidiu abrir um caminho de salvação. Assim, ele deu à humanidade a possibilidade de um novo começo. Basta um homem bom para que haja esperança! A tradição bíblica estabelece claramente que esta reabilitação envolve a redescoberta e o respeito dos ritmos inscritos na natureza pela mão do Criador.

 

 

Segunda leitura (1Pe 3,18-22)

 

         Estes versículos estão intimamente relacionados com os anteriores (cf. 3, 9-117) e, também, com um dos temas principais de toda a carta: o significado do sofrimento dos justos ou inocentes, dos cristãos, e o fundamento da sua esperança. A iluminação que a carta oferece a esta difícil questão é cristológica. Assim, a perícope de hoje começa com uma referência à paixão de Cristo, o justo que morre pelos injustos; continuar com a sua descida aos “infernos” e terminar com o anúncio da sua ressurreição e glorificação à direita de Deus.

Do ponto de vista exegético, a referência ao dilúvio, a Noé e ao batismo não tem especial relevância no argumento[1]. Porém, do ponto de vista litúrgico eles o possuem e, por isso, foi escolhido como leitura complementar à primeira. O texto de 1Pe dá-nos o sentido pleno da história do dilúvio ao dizer que “tudo isto é figura de batismo”.

Segundo 1Pe, “os poucos – oito no total – que foram salvos” do dilúvio se atualizam na pequena comunidade cristã que vive no meio de um mundo que não crê. A arca é também figura da Igreja, lugar de salvação, imagem muito presente na antiga tradição cristã. A água, elemento através do qual ocorre a salvação, simboliza a água batismal.

Em síntese, podemos muito bem aplicar neste caso o esquema de relações que nos ensina o documento da Pontifícia Comissão Bíblica: “Esta plenitude de sentido estabelece entre o Novo Testamento e o Antigo, uma tripla relação: continuidade, descontinuidade e progresso”[ 2].

         A continuidade está na ideia do julgamento de Deus como purificação pela água com a salvação de um remanescente fiel. A descontinuidade e o progresso residem no facto de a salvação realizada pelo baptismo cristão já não ser externa, mas interna (“o compromisso com Deus de uma consciência pura”); e é alcançado através da morte e ressurreição de Cristo (“do justo que morre pelos injustos”).

 

Evangelho (Mc 1,12-15):

 

         O evangelho deste domingo inclui duas subunidades literárias: a tentação de Jesus no deserto (vv. 12-13) e o início de sua pregação na Galiléia (vv. 14-15).

         A narração das tentações em Marcos é particularmente breve e está intimamente ligada à narrativa do Batismo de Jesus, da qual é uma continuação.

         Marcos omite a referência ao jejum por parte de Jesus e refere-se apenas a Jesus sendo tentado por Satanás, sem especificar mais (como farão Mt e Lucas). Desta forma, a mensagem central é a luta de Jesus com Satanás, uma luta na qual ele é impulsionado pelo Espírito, o mesmo Espírito Santo que acaba de descer sobre ele em forma de pomba (Mc 2,9). E é justamente com a força do Espírito de Deus que ele sai vitorioso da luta.

A vitória de Jesus é apresentada como um regresso ao paraíso, ao estado original de paz. Isto se deduz da referência à convivência com os animais selvagens e com os anjos que o serviam, o que seria uma alusão a motivos bíblicos como Is 11,6-9 e Sl 90,11s. Também como pano de fundo poderia haver alguns textos paralelos da literatura judaica intertestamentária que contam como Adão, após o pecado original, retirou-se para o deserto para fazer penitência jejuando por 40 dias e todas as criaturas se juntaram a ele em seu lamento. E ali mesmo o tentador aparece novamente e desta vez Adão ora a Deus pedindo ajuda e Deus responde enviando doze anjos para servi-lo[3].

Por tudo isto podemos afirmar que Satanás tentou Jesus da mesma forma que fez com Adão, convidando-o a abandonar o caminho da obediência ao Pai para seguir o seu próprio caminho nas costas de Deus. Marcos então apresenta Jesus tanto como o Messias que derrota Satanás e estabelece o tempo escatológico quanto como o novo Adão que inaugura a humanidade reconciliada com Deus e a criação. Neste sentido, a luta e a vitória de Jesus são o oposto da derrota de Adão nas origens da humanidade (cf. Gn 3). Como bem observa A. Rodríguez Carmona[4]: “Jesus foi tentado na medida em que era um homem livre. Esta é uma realidade presente em todo o seu ministério, mas a tradição evangélica realça a tentação inicial na medida em que implica uma opção clara que determinou toda a sua vida e pela qual morreu e ressuscitou. Por ello, este presupuesto presenta al lector de forma global otra clave importante, relacionada con la motivación y el resultado de su obra: desde el primer momento optó por la Voluntad de Dios, lo que implica que ha tomado el camino justo y que llegará a a meta".

J. Gnilka diz-nos também que pela sua ligação com a narrativa do baptismo, pode-se atribuir um propósito parenético à história das tentações, uma vez que o cristão que baptiza, o catecúmeno, deve ter em conta que será tentado por Satanás que tentará desviá-lo do caminho que tomou[5].

O início da pregação de Jesus é importante para nós porque introduz o tema da conversão: “Chegou a hora: o Reino de Deus está próximo. Conviértanse y crean en la Buena Noticia” (e dizendo que o tempo está cumprido e o reino de Deus chegou; arrependei-vos e crede no evangelho Mc 1,15). O “programa de Jesus” se expressa em um único verso com quatro fórmulas curtas:

 

1. Chegou a hora;

2. O reino de Deus está próximo; 

3. É preciso converter;

4. Você deve acreditar no evangelho.

 

As duas primeiras fórmulas, no indicativo, constituem revelação de Deus. Os outros dois, em caráter imperativo, são um forte apelo à decisão e à resposta do homem face à intervenção de Deus que se expressa em duas exigências: a conversão e a fé.

Jesus anuncia que se cumpriu o tempo estabelecido por Deus como final e definitivo, chegou o tempo decisivo e de decisão (tal é o significado do termo kairós aqui usado) em que o Reino de Deus é oferecido aos homens, que devem recebê-lo . deixando de lado os próprios critérios de julgamento e ação para retornar à Aliança com Deus (conversão como mudança de mentalidade) e aceitar com confiança, acreditando, a boa notícia (evangelho) da ação de Deus que a Nova Aliança oferece ao novo povo de Deus . Portanto, o que falta para que o Reino de Deus, que se aproxima, que está próximo, se torne presente é a resposta humana: fé e conversão.

 

 

Meditação:

 

         Os 40 dias da Quaresma surgem como um paralelo aos 40 dias de Jesus no deserto. O prefácio deste domingo diz-o explicitamente: “Ele mesmo, abstendo-se dos alimentos terrenos durante quarenta dias, consagrou a prática da Quaresma com o seu jejum”.

O Espírito Santo conduziu, empurrou (ἐκβάλλει) Jesus para o deserto antes de iniciar sua missão, seu ministério público. Porque? No deserto, Jesus se prepara para sua missão. Recordo-nos Aparecida: «Jesus, no início da sua vida pública, depois do baptismo, foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto para se preparar para a sua missão (cf. Mc 1, 12-13) e, com oração e jejuando, discerniu a vontade do Pai e venceu as tentações de seguir outros caminhos” (DC nº 149).

 

O tempo da Quaresma prepara-nos para a nossa missão e convida-nos a confrontar uma realidade das nossas vidas que não gostamos de reconhecer que está presente: o mal. Acima de tudo, a presença daquele mal que afecta a nossa relação com Deus, com os outros e connosco próprios; o que chamamos de pecado. O próprio Espírito Santo, como Jesus, é quem nos conduz ao deserto quaresmal, ou seja, a uma situação onde a solidão e o silêncio nos levam necessariamente ao encontro com nós mesmos e a sentir a presença do pecado em nossas vidas. E uma vez lá, o Espírito Santo – seguindo os passos de Jesus – nos impulsiona a lutar contra o mal com a esperança da vitória. Na verdade, é uma verdadeira luta ou combate espiritual, como diz com razão E. Bianchi[6]: “A luta contra as tentações é terrível, mas sem ela o cristão rende-se à mentalidade mundana, cede ao mal; Começa por nos levar a legitimar atitudes religiosas juntamente com alienações idólatras, numa espécie de esquizofrenia espiritual, para terminar com um esvaziamento total da fé. Porque quando você começa a não viver como pensa, acaba pensando como vive. A luta espiritual contra o diabo, por outro lado, visa alcançar a liberdade dos filhos a que o Evangelho nos chama (cf. Jo 8, 34-36), e o cristão enfrenta tal luta convencido de que é Jesus ele mesmo quem luta com ele, para que a vitória seja também um dom e uma graça”.

A realidade do mal, do pecado, sempre presente na nossa vida, estará também presente ao longo do caminho quaresmal e será abordada a partir de diferentes perspectivas. Por enquanto, nesta primeira etapa da Quaresma somos convidados a aceitar a sua presença em nós; descobrir a sua raiz nas tentações e começar a combatê-las com a intenção de voltar ao que é verdadeiramente bom, que é a harmonia da vida cristã. Com palavras da nossa experiência diária podemos dizer que há coisas que gosto e pelas quais me sinto atraído, mas que definitivamente me fazem sentir mal. Esta é a tentação a nível moral que deve ser discernida. A este propósito, J. Leclerq[7] diz: «As tentações manifestam a nossa imperfeição; bem tomadas, mantêm-nos humildes. em nossa guarda."

 

Agora, tenhamos presente, como assinala A. Cencini[8], o processo de integração do mal não pode parar na primeira fase, que é o reconhecimento e a aceitação do próprio pecado, mas deve continuar até a transformação interior que obras. O perdão de Deus.  

 

Discernindo as tentações que nos levam a nos separar do Senhor; Temos que reagir seguindo o caminho oposto ao sugerido por eles, o caminho de volta a Deus, o caminho da conversão, que é o outro tema central do evangelho. Trata-se de voltar a Ele, à aliança com Ele em que estamos desde o nosso Batismo. Mais especificamente, verifiquemos se Jesus está presente na nossa vida, se é Alguém real que partilha a nossa vida quotidiana. Porque é evidente que o ritmo quotidiano muitas vezes ofusca esta presença do Senhor na nossa vida e acabamos por viver sem Ele. Vivemos apenas de nós mesmos e para nós mesmos. A vida de aliança é viver Dele, com Ele e para Ele, descobrindo nisto uma maior plenitude de vida que vem do Seu amor. Sim, porque o egoísmo, o isolamento, a procura exclusiva do próprio bem empobrece-nos, tira-nos a alegria de viver. Por outro lado, experimentar que vivemos para o Seu Amor, que nos criou e fez aliança connosco, alarga o horizonte da nossa vida, enchendo-a de sentido e de alegria.

 

Tendo visto tudo isto, creio que agora podemos compreender o que o Senhor nos pede, através da sua Palavra, neste primeiro domingo da Quaresma.

Trata-se de reconhecer que esta vida em Aliança com o Senhor está sujeita à tentação e à possível infidelidade, a ser quebrada pelo pecado ou a esfriar pela rotina. Jesus nos convida a renovar a Aliança, morrendo para a corrupção do pecado e renascendo para a graça. Mas para isso o primeiro e necessário passo é assumir a nossa fraqueza e o nosso pecado.

A segunda é olhar para Deus, sempre fiel e cheio de ternura, que em Jesus se aproxima de nós com o seu perdão.

O terceiro passo será trabalhar com a ascese cristã, com a luta contra as tentações.

 

Em resumo, devemos assumir a nossa condição permanente de “pecadores em conversão”, como diz A. Louf[9]: “estar em conversão é passar continuamente para o mistério do pecado e da graça. Isto significa o abandono de toda justificação, de toda justiça própria, e o reconhecimento do nosso pecado para nos abrirmos à graça de Deus”.

 

Por fim, recordemos o convite do Papa Francisco na sua mensagem quaresmal para este ano: “Cada etapa da vida é um tempo de acreditar, de esperar e de amar. Este apelo a viver a Quaresma como caminho de conversão e de oração, e a partilhar os nossos bens, ajuda-nos a reconsiderar, na nossa memória comunitária e pessoal, a fé que vem de Cristo vivo, a esperança animada pelo sopro do Espírito e amor, cuja fonte inesgotável é o coração misericordioso do Pai”.

PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):

 

O deserto

 

Espírito Santo Deus

Leve-nos para o deserto,

Conhecer o Senhor nos enche de alegria,

Ele nos espera, sai ao nosso encontro.

 

Vamos definir o coração

Para percorrer o caminho da sede

O calor do dia e as noites frias

Atentos.

 

Palavra do Pai, a Palavra,

Eloquência na tentação,

Nos mostrará o verdadeiro caminho

Para retornar números inteiros.

 

E enfrentando a verdade

Com os olhos bem abertos

Reconhecer a vontade paterna

Vocação de santidade para o seu povo.

 

O modelo está no Filho

Dá-nos penetrar no seu mistério

Ele nos encoraja e nos ensina

O valor certo do tempo.

 

Quaresma, presente e presente

Viver com o Senhor

Sua dedicação com paixão

E a chegada do seu Reino. Amém.



[1] Cf. N. Brox, A primeira carta de Pedro (Siga-me; Salamanca 1994) 228-236.

[2] O povo judeu e suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã (Cidade do Vaticano 2002) 151.

[3] Os textos podem ser vistos em J. Gnilka, O evangelho segundo São Marcos I, Salamanca 1992, 66-67; e uma síntese em L. Monloubou, Lendo e Pregando o Evangelho de Marcos (Sal Terrae; Santander 1981) 24-25.

[4] Evangelho de Marcos (DDB; Sevilha 2006) 24.

[5] O evangelho segundo São Marcos I, 67-68.  

[6] Escutai o Filho amado, nele se cumpre a Escritura (Segue-me; Salamanca 2011) 48-49.

[7] "A tentação", em B. Haering e outros, Pastoral del Pecado (Palavra Divina; Estella 1965) 74.

[8] Viver reconciliado (Paulinas; Buenos Aires 1997) 55.

[9] À mercê de sua graça (Narcea, Madrid 1996) 20. 22.