2º DOM. TP-B: DIVINA MISERICÓRDIA

2º DOMINGO DA PÁSCOA-ANO B

DOMINGO DA DIVINA MISERICÓRDIA

07/04/2024

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: Atos 4,32-35

Salmo Responsorial 117 (118) - R- Dai graças ao Senhor porque ele é bom! Eterna é a sua misericórdia!

2ª Leitura: 1João 5,1-6

Evangelho: João 20,19-31

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da sema2º DOMINGO DA PÁSCOA-ANO B

DOMINGO DA DIVINA MISERICÓRDIA

07/04/2024

(Sábado dia 6 completaremos esta página)

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: Atos 4,32-35

Salmo Responsorial 117 (118) - R- Dai graças ao Senhor porque ele é bom! Eterna é a sua misericórdia!

2ª Leitura: 1João 5,1-6

Evangelho: João 20,19-31

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos, com as portas fechadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio deles. Disse: “A paz esteja convosco”. 20      Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos, então, se alegraram por verem o Senhor. 21   Jesus disse, de novo: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou também eu vos envio”. 22    Então, soprou sobre eles e falou: “Recebei o Espírito Santo. 23  A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos”. 24 Tomé, chamado Gêmeo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25 Os outros discípulos contaram-lhe: “Nós vimos o Senhor!” Mas Tomé disse: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. 26         Oito dias depois, os discípulos encontravam-se reunidos na casa, e Tomé estava com eles. Estando as portas fechadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27     Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!” 28       Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Creste porque me viste? Bem-aventurados os que não viram, e creram!” 30 Jesus fez diante dos discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro. 31 Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP


Jo 20,19-31

Tomé exigiu ver, tocar, pôr o dedo nas marcas dos pregos, pôr a mão no lado aberto de Jesus para acreditar. Ele não confia na palavra dos outros. Não é suficiente que os seus dez companheiros, que ele já conhecia há tempos, lhe tenham dito: “vimos o Senhor”. Ele quer verificar pessoalmente, ver e tocar diretamente. Chegou até mesmo a impor a condição: “se eu não vir, se eu não tocar, não acreditarei”. 

Sentimos que, nesse aspecto, Tomé exprime também o nosso desejo: quem é que de nós não deseja ver, tocar pessoalmente? Sobretudo nos momentos difíceis da vida, quando nos sentimos desorientados e na escuridão, quando perdemos a evidência da presença de Deus em nossa vida e no nosso coração, gostaríamos que o Senhor nos desse uma prova palpável, de que Ele está presente, de que Ele nos ama, de que Ele vive!

Jesus foi ao encontro do desejo de Tomé. Aceitou o seu desafio. Oito dias depois, apareceu aos discípulos, quando Tomé também estava presente. Dá até a impressão de que Jesus tenha aparecido exclusivamente a Tomé. Com efeito, Jesus tinha ensinado uma vez que o pastor, se tem cem ovelhas e perde uma, deixa as 99 nas colinas, sai em busca desta única até encontrá-la. Essa parábola descreve o comportamento escandaloso do pastor que julga uma só ovelha tão preciosa quanto 99 ovelhas. É um cálculo de amor que arrebenta a nossa lógica matemática. Jesus é esse pastor que vai em busca de uma única ovelha e não se dá sossego até recuperá-la, que se alegra com essa única da mesma forma como se alegra com as 99. Por isso, Jesus aceita o desafio de Tomé, se “dobra” às suas pretensões e se apresenta diante dele.

Este encontro levou Tomé à fé. Tomé tinha uma fé imatura, cheia de dúvidas e uma série de condições impostas para poder crer. Trata-se de uma fé tão imatura que nem mereceria esse nome. Parece mais um contrato cheio de cláusulas condicionantes: se não puder ver, não puder tocar, não puser o dedo... não vou acreditar que Jesus está vivo, que ressuscitou.

Depois do encontro com o Ressuscitado, Tomé confessa: “Meus Senhor, meu Deus”. Confessa “meu” não por egoísmo, mas porque experimentou o amor personalíssimo do bom pastor que procura, até encontrar, a única ovelha que não acreditou. Ele entendeu que aquela única ovelha da parábola era ele. Entendeu que Jesus não ama geralmente, não ama a massa, mas cada pessoa como única. Jesus cuida de cada um. Só quando experimenta esse amor personalíssimo a fé pode surgir. Só quando se dá conta de ser amado como único, Tomé pode chegar à plenitude da fé.

O amor de Jesus é indivisível. Não pode ser feito em pedacinhos para que cada um possua uma parte. O milagre do amor de Jesus é capaz de amar cada um de nós como único. Cada um de nós recebe de Jesus todo o seu amor. O amor de Jesus se multiplica em relação a todos sem diminuir nem se dividir em partes. É como a eucaristia: o pão e o vinho consagrados no corpo e sangue de Cristo se dá a todos sem diminuir nem se dividir. Ao receber a eucaristia, recebo o dom total de Jesus: corpo e alma, humanidade e divindade.

A experiência de Tomé é também a nossa. Na eucaristia, Jesus se apresenta a nós com os sinais de sua paixão, morte e ressurreição. Podemos não só “ver e tocar Jesus”: nós nos alimentamos dele! Experimentamos que recebemos todo amor personalíssimo de Jesus. Possamos, como Tomé, confessar: “Meu Senhor e meu Deus”.


Ressuscitar é abrir portas para a vida. - Adroaldo Palaoro


“...estando fechadas as portas do lugar onde os discípulos se encontravam...” (Jo 20,19)

O contexto do evangelho deste domingo é de obscuridade (“ao anoitecer”) e de medo (“com as portas fechadas”). Os discípulos têm a sensação de estarem sufocados, como numa prisão, na qual a inquietude, a insegurança, a confusão, o vazio, a ansiedade e a tristeza são inevitáveis. É nesse ambiente de morte que o Ressuscitado se faz presente e tudo se transforma: chega a paz e, com ela, a alegria e o consolo.

A ressurreição de Jesus é também uma vitória solidária. Ele vai ressuscitando seus amigos e amigas, reconstruindo vidas feridas pelo fracasso e pela dor, abrindo novo horizonte de sentido e impulsionando-os a prolongarem a Sua missão.

Neste relato catequético de João, que se prolonga com a cena de Tomé, há referência a alguns dados significativos. As duas aparições acontecem “no primeiro dia da semana”; o relato está simplesmente dizendo ao leitor duas coisas: que a ressurreição é uma “nova Criação”, e que as aparições “acontecem” no domingo, na celebração comunitária da eucaristia ou “fração do pão”.

Com isso, o relato está nos convidando a descobrir o Ressuscitado na refeição comunitária compartilhada, onde é feita a memória das palavras e atos do Jesus histórico. De fato, Tomé não “vê o Senhor” porque estava ausente, fora da comunidade.

Por outra parte, o Ressuscitado, ao se colocar no meio dos seus amigos, os convoca à missão e os envia para que prolonguem seu modo original de se fazer presente entre as pessoas, durante a vida pública: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. O centro da missão é a de comunicar e favorecer a vida, já que Ele veio “para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). A missão confiada não tem nada a ver com fazer proselitismo ou comunicar uma nova religião. É algo muito mais profundo, gratuito e descentrado. Sentir-se “enviado” é, simplesmente, reconhecer-se como “canal” através do qual a Vida flui e se expressa; é possibilitar que todos possam viver já como ressuscitados.


Mas Jesus sabe que seus discípulos são frágeis. Mais de uma vez ficou surpreso com a fé tão pequena deles. Precisam de seu próprio Espírito para cumprir a missão. O leitor do evangelho já sabe que uma das grandes promessas de Jesus foi o dom do Espírito. Por isso, Ele se dispõe a fazer com os discípulos um gesto muito especial. Não lhes impõe suas mãos nem os abençoa, como fazia com os enfermos e os pequenos; “sopra sobre eles” e lhes diz: “recebei o Espírito Santo”.

O gesto de Jesus tem uma força que nem sempre conseguimos captar. O verbo “soprar”, usado por João, é o mesmo que encontramos em Gen 2,7. Segundo a tradição bíblica, Deus modelou o ser humano de barro e logo soprou sobre ele seu “alento de vida”; e aquele “barro” se tornou um ser “vivente”.

Isso é o ser humano: um pouco de barro, mas, ao mesmo tempo, portador da “Ruah de Deus” (Espírito). Agora Jesus lhes comunica o Espírito da verdadeira Vida. Trata-se da nova criação do ser humano. Essa nova Vida é a capacidade de amar como Jesus ama. O Espírito é o critério para discernir as atitudes que brotam dessa Vida. Jesus “desperta” seus discípulos para que se façam conscientes do dinamismo e da força do Espírito que os re-cria. É este Espírito que “rompe” o que está fechado, que derruba o que aprisiona, que mobiliza quem está paralisado.

Assim somos todos, seguidores(as) de Jesus: frágeis e de fé pequena, cristãos de barro, comunidades de argila... Só o Espírito de Deus nos converte em comunidade viva. Onde este Espírito não é acolhido, tudo permanece morto e causa danos a todos, pois impede atualizar sua presença viva entre nós.

Atualizando este texto, podemos dizer que o Espírito Santo hoje está “fechando muitas portas” de um tipo de sociedade, de economia, de política, de templos... que não geram vida, mas discriminação, violência, ódio e intolerância. O contexto tecnocrático pós-moderno e o sistema político-econômico vigente provocam mortes e vítimas. Não nos parece estranho que o Espírito feche portas e que isto gera em nós uma sensação de fracasso, de incertezas sobre o futuro, de caos e confusão.

Mas o Espírito, soprado pelo Ressuscitado, está “abrindo para nós outras portas”: um outro mundo possível, com uma economia solidária, com prioridade dos pobres e descartados da sociedade, um mundo mais ecológico, mais simples e participativo, que não invista em armas, mas em saúde e trabalho, um mundo mais interconectado e pacífico, mais próximo do projeto do Reino de Deus.

Para nós cristãos, o Espírito também nos abre uma porta para uma Igreja menos clerical e mais sinodal, a uma vida cristã com maior participação comunitária de todo o Povo de Deus, não fechado nos templos cumprindo práticas religiosas alienadas, mas formando uma “Igreja em saída”, mais fermento que cimento. Não tentemos abrir as portas que o Espírito já fechou!

Assim, a Páscoa se torna Pentecostes. Mas isto não é algo mágico pois pede a nossa colaboração, nossa criatividade, iniciativa e conversão para construir entre todos um mundo diferente, solidário e justo, para transfigurar esta realidade e abri-la à nova Terra, a uma Vida sem fim, o Reinado de Deus.

Seremos capazes de discernir hoje, nestas portas que se fecham e se abrem, um novo sinal dos tempos, uma sempre nova e surpreendente ação do Espírito do Ressuscitado?

O mundo, aparentemente, continua igual, parece que não aconteceu nada relevante. A Ressurreição é também gestada na simplicidade do cotidiano e no extraordinário do ordinário. As mesmas “marcas” da Encarnação de Jesus, como as que estiveram presentes em sua vida e em sua paixão, continuam no acontecimento último de sua ressurreição gloriosa: o grão de trigo, o fermento na massa, a semente de mostarda, a moeda perdida e encontrada, a ovelha nos ombros, o semeador, a pequena esmola da viúva, os lírios do campo...; aí está a força do Vivente que não obriga, não se impõe, nem quebra, nem rompe; continua em meio a nós, na casa, na família, no povo, nos caminhos, lagos, esquinas da vida... As contas estão claras, na simplicidade e na humildade extrema, a tumba não pode reter nem acabar com o amor de Deus que se manifestou em Jesus de Nazaré. Já nada poderá nos separar desse amor, nem mesmo a morte que foi vencida e ultimada em uma vida que nunca acaba porque está cheia de plenitude, vida gloriosa e eterna.

Esta experiência de graça pascal pertence a toda comunidade cristã; não está reservada aos “doze” ou a alguns “iniciados”; todos com a mesma experiência; todos com a mesma missão. Falamos da grande comunidade de seguidores(as) que escutam a Palavra e recebem o “sopro” de Jesus. A Igreja inteira, a partir do dom pascal de Cristo, é sinal e princípio de paz, de perdão e de consolo sobre a terra. Ali onde a paz e o perdão se expressam e se “fazem carne” numa comunidade, está presente e se faz visível o Senhor Ressuscitado.

Para meditar na oração:

Aguce seus sentidos, abra o coração; há tantos que não podem mais esperar, pois ansiosos aguardam uma presença que acolha e uma palavra que os anime.

- Seja presença pacificadora e consoladora junto a tantos que vivem nos “túmulos” do fracasso e da dor.

- Ative seus impulsos de vida para que a Ressurreição seja um permanente “modo de viver”.



Eu vos dou a minha paz - Ana Maria Cassarroti


No domingo de Páscoa, o texto nos situava antes do amanhecer "quando ainda estava escuro". Este domingo, que culmina a oitava da Páscoa, nos coloca no primeiro dia da semana, mas ao anoitecer. O relato disse que os discípulos estão em um determinado lugar com as portas fechadas porque tinham medo “das autoridades judaicas". O medo é um sentimento que permeia as histórias da Páscoa. Tudo o que eles haviam vivenciado com Jesus, suas últimas palavras, sua capacidade de servir e, portanto, cada um dos momentos que haviam compartilhado com ele estaria apinhado na sua memória, com sentimentos diferentes em cada um deles. E podemos pensar que Maria também estava lá, junto com toda a comunidade que, em silêncio, meditava mais uma vez sobre as experiências, as palavras e as atitudes de Jesus em seus últimos dias.

Apesar de sua própria experiência de correr para o sepulcro e não ver o corpo de Jesus, apesar das palavras de Maria Madalena quando ela compartilha sua experiência de ver o Senhor, os discípulos ainda estão trancados no medo. Eles ainda estão no escuro porque o medo é forte, mas estão juntos. Dessa forma, aprendemos que, para a comunidade que deseja seguir Jesus, acreditar que ele está vivo e que está em nosso meio não é algo mágico, não é algo que acontece em um instante, mas é progressivo, é uma adesão que se constrói ao longo da vida.

Jesus aparece no meio deles e lhes dá paz. Jesus traz algo que é a coisa mais valiosa que ele pode dar a esse grupo que está trancado, com as portas fechadas, porque têm medo do que pode acontecer com eles. Ele lhes dá paz! Uma paz que somente Ele pode dar, uma nova paz que nasce da morte e da ressurreição e que cura e conforta suas feridas. Uma paz que conforta porque é gestada na cruz e na confiança em Deus. Não é a paz dos cemitérios, onde a morte se esconde sob as duras pedras de concreto. Não é uma paz que ignora a realidade ou foge dela. Pelo contrário, é uma paz que tem suas raízes na cruz e, a partir dela, tem o poder de curar feridas, de gerar esperança onde a noite parece cobrir o horizonte.

A paz que Jesus nos dá neste domingo é uma paz em que a dor, as feridas, as chagas e a vida nova se unem de uma forma inexplicável. É a boa notícia que somente o Jesus ressuscitado pode nos dar! A paz é comumente associada à serenidade, quietude, silêncio, ausência de barulho... e assim aparece em algumas definições: "definida em um sentido positivo, a paz é um estado em um nível social ou pessoal, no qual todas as partes de uma unidade estão em equilíbrio e estabilidade. Também se refere à tranquilidade mental de uma pessoa ou sociedade; definida em um sentido negativo, é a ausência de guerra, agitação ou violência".

Fala-se de paz interior como aquela que está no fundo do coração e contribui para a tomada de decisões sábias em vez de impulsivas. Uma paz que é calma e que brota das profundezas de cada pessoa, como um certo espaço de abrigo interior. Nós nos perguntamos: é essa a paz que Jesus ressuscitado oferece quando aparece no meio dos discípulos? Ou também podemos nos perguntar: qual foi a paz experimentada por Tomé depois de ver e ouvir Jesus lhe dizer: “ponha sua mão aqui e toque minhas feridas?

É difícil imaginar uma paz como tranquilidade ou calma interior em meio à perplexidade de Tomé quando Jesus aparece para ele e lhe diz para colocar as mãos sobre suas feridas. E, no entanto, ele também recebe a paz que Jesus lhe oferece. Dessa forma, nós nos abrimos para pensar em uma paz que não responde à nossa lógica ou à nossa cultura. Uma paz que não pode ser humanamente construída a partir da quietude ou da ausência de conflito, porque ela nasce exatamente aí! É uma paz que está intrinsecamente ligada ao Ressuscitado que rompe as portas do lugar que estavam fechadas e que se apresenta em meio a uma comunidade temerosa com suas feridas e chagas para que possam senti-lo.

Não é a paz de uma unidade superficial em que as diferenças são subjugadas pelo poder do momento. Tampouco é a paz de uma igualdade que anula a originalidade da criação de Deus em cada pessoa com um projeto único e originário de Deus para cada pessoa. Tampouco é a paz de uma calma apaziguadora que ignora a dor e o sofrimento, muitas vezes incompreensíveis, pelos quais milhares de pessoas passam desde o momento de sua concepção. Tampouco é a paz tranquila que elimina a luta, o debate, a busca incansável por melhores condições de vida para tantas pessoas, pois a necessidade de justiça perturba e desorganiza essa aparente quietude.

É uma paz nova, que só pode nos ser dada por Jesus Ressuscitado se abrirmos as portas de nossas vidas e de nossas comunidades para ele e expormos diante dele nossas feridas, nossas dúvidas, para que ele possa curá-las e ressuscitá-las com sua Paz.

Na celebração da Eucaristia, nós, cristãos, dizemos: "Nós proclamamos sua morte, nós proclamamos sua ressurreição" e concluímos essa oração pedindo: "Venha, Senhor Jesus". Dessa forma, somos convidados a proclamar sua morte, que abrange toda a morte e dor do mundo! Todo sofrimento está sob seu abrigo, é abraçado por sua cruz, todas as feridas e chagas de nosso mundo estão lá... e somos convidados a proclamar Sua morte, mas intrinsecamente ligados à proclamação de Sua ressurreição. Não é suficiente dizer que Jesus se tornou um conosco e que em sua dor está contida toda a morte se não juntarmos a esse anúncio a proclamação de uma nova vida: a ressurreição! A proclamação de sua morte é a proclamação de um amor extremo, que experimentou a morte até as profundezas do ser humano, e a proclamação da ressurreição é o canto de uma esperança que dá origem a uma nova vida que não tem limites, que é dada a cada um de nós e em todas as situações de maneira misteriosa. É a vida que pode ser cantada em meio à dor, é a alegria que brota mesmo em situações em que humanamente só pode haver angústia e dor. E aqui está a novidade da paz que Jesus Ressuscitado traz: é a Sua Paz. Aquela paz que alimenta o nosso caminho e o caminho de toda a humanidade que, em meio a tantas injustiças, continua acreditando e lutando pela verdade e pela igualdade.

Neste domingo, também chamado Domingo da Misericórdia, pedimos a Deus que nos conceda Sua paz, que nos faça semeadores do anúncio de Sua morte e do anúncio da Ressurreição.

Façamos nossa a oração de Pedro Casaldáliga

Dá-nos, Senhor aquela Paz inquieta que denuncia

a Paz dos cemitérios e a Paz dos lucros fartos.

Dá-nos a Paz que luta pela Paz!

A Paz que nos sacode com a urgência do Reino.

A Paz que nos invade, com o vento do Espírito,

a rotina e o medo, o sossego das praias

e a oração de refúgio.

A Paz das armas rotas na derrota das armas.

A Paz da fome de Justiça,

a paz da Liberdade conquistada,

a Paz que se faz “nossa” sem cercas nem fronteiras,

Que tanto é “Shalom” como “Salam”, perdão, retorno, abraço...

Dá-nos a tua Paz, essa Paz marginal que soletra

Em Belém e agoniza na Cruz e triunfa na Páscoa.

Dá-nos, Senhor, aquela Paz inquieta,

que não nos deixa em paz!

Pedro Casaldáliga


A paz esteja com vocês - Mesters e Orofino


PENSANDO O TEMA

Olhar de perto as coisas da nossa vida

Vamos meditar sobre a aparição de Jesus aos discípulos e a missão que eles receberam. Eles estavam reunidos com as portas fechadas porque tinham medo dos judeus. De repente, Jesus se coloca no meio deles e diz: “A paz esteja com vocês!” Depois de mostrar as mãos e o lado, ele disse novamente:

“A paz esteja com vocês! Como o Pai me enviou, eu envio vocês!”

Em seguida, lhes dá o Espírito para que possam perdoar e reconciliar. A paz! Reconciliar e construir a paz! Esta é a missão que recebem. Hoje, o que mais faz falta é a paz: refazer os pedaços da vida, reconstruir as relações quebradas entre as pessoas. Relações quebradas por causa da injustiça e por tantos outros motivos. Jesus insiste na paz. Repete várias vezes! As pessoas que lutam pela paz são declaradas felizes e são chamados filhos e filhas de Deus (Mt 5,9).

 Situando

Na conclusão do capítulo 20 (Jo 20,30-31), o autor diz que Jesus fez “muitos outros sinais que não estão neste livro. Estes, porém, foram escritos (a saber os sete sinais relatados nos capítulos 2 a 11) para que vocês possam crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, acreditando, ter a vida no nome dele” (Jo 20,31). Isto significa que, inicialmente, esta conclusão era o final do Livro dos Sinais. Mais tarde, foi acrescentado o Livro da Glorificação que descreve a hora de Jesus, a sua morte e ressurreição. Assim, o que era o final do Livro dos Sinais passou a ser conclusão também do Livro da Glorificação. 


COMENTANDO

João 20,19-20: A experiência da ressurreição

Jesus se faz presente na comunidade. As portas fechadas não podem impedir que ele esteja no meio dos que nele acreditam. Até hoje é assim. Quando estamos reunidos, mesmo com todas as portas fechadas, Jesus está no meio de nós. E até hoje, a primeira palavra de Jesus é e será sempre: “A paz esteja com vocês!” Ele mostrou os sinais da paixão nas mãos e no lado. O ressuscitado é o crucificado!

O Jesus que está conosco na comunidade não é um Jesus glorioso que não tem mais nada em comum com a vida da gente. Mas é o mesmo Jesus que viveu na terra e traz as marcas da sua paixão. As marcas da paixão estão hoje no sofrimento do povo, na fome, nas marcas de tortura, de injustiça. É nas pessoas que reagem, lutam pela vida e não se deixam abater que Jesus ressuscita e se faz presente no meio de nós.

 João 20,21: O envio: “Como o Pai me enviou, eu envio vocês”

É deste Jesus, ao mesmo tempo crucificado e ressuscitado, que recebemos a missão, a mesma que ele recebeu do Pai. E ele repete: “A paz esteja com vocês!” Esta dupla repetição acentua a importância da paz. Construir a paz faz parte da missão. Paz significa muito mais do que só a ausência de guerra. Significa construir uma convivência humana harmoniosa, em que as pessoas possam ser elas mesmas, tendo todas o necessário para viver, convivendo felizes e em paz. Esta foi a missão de Jesus, e é também a nossa missão. Numa palavra, é criar comunidade a exemplo da comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

João 20,22: Jesus comunica o dom do Espírito

Jesus soprou e disse: “Recebei o Espírito Santo”. É só mesmo com a ajuda do Espírito de Jesus que seremos capazes de realizar a missão que ele nos dá. Para as comunidades do Discípulo Amado, Páscoa (ressurreição) e Pentecostes (efusão do Espírito) são a mesma coisa. Tudo acontece no mesmo momento.

 João 20,23: Jesus comunica o poder de perdoar os pecados

O ponto central da missão de paz está na reconciliação, na tentativa de superar as barreiras que nos separam: “Aqueles a quem vocês perdoarem os pecados serão perdoados e aqueles a quem retiverdes serão retidos!” Este poder de reconciliar e de perdoar é dado à comunidade (Jo 20,23; Mt 18,18). No evangelho de Mateus é dado também a Pedro (Mt 16,19). Aqui, percebe-se a enorme responsabilidade da comunidade. O texto deixa claro que uma comunidade sem perdão, sem reconciliação já não é comunidade cristã.

João 20,24-25: A dúvida de Tomé

Tomé, um dos doze, não estava presente. E ele não crê no testemunho dos outros. Tomé é exigente: quer colocar o dedo nas feridas da mão e do pé de Jesus. Quer ver para poder crer. Não é que ele queria ver milagre para poder crer. Não.

Tomé queria ver os sinais das mãos e no lado. Ele não crê num Jesus glorioso, desligado do Jesus humano que sofreu na cruz. Sinal de que havia pessoas que não aceitavam a encarnação (2Jo 7; 1Jo 4,2-3; 2,22). A dúvida de Tomé também deixa transparecer como era difícil crer na ressurreição.

 João 20,26-29: Felizes os que não viram e creram

O texto começa dizendo: “Uma semana depois”. Tomé foi capaz de sustentar sua opinião durante uma semana inteira. Cabeçudo mesmo! Graças a Deus, para nós! Novamente, durante a reunião da comunidade, eles têm uma experiência profunda da presença de Jesus ressuscitado no meio deles. E novamente recebem a missão de paz: “A paz esteja com vocês!” O que chama a atenção é a bondade de Jesus. Ele não critica nem fala mal da incredulidade de Tomé, mas aceita o desafio e diz: “Tomé, venha cá colocar seu dedo nas feridas!”.

Jesus confirma a convicção de Tomé, que era a profissão de fé das comunidades do Discípulo Amado, a saber: o ressuscitado glorioso é o crucificado torturado! É neste Cristo que Tomé acredita, e nós também! Como ele digamos: “Meu Senhor e meu Deus!” Esta entrega de Tomé é a atitude ideal da fé. E Jesus completa com a mensagem final: “Você acreditou porque viu! Felizes os que não viram e no entanto creram!”.

Com esta frase, Jesus declara felizes a todos nós que estamos nesta condição: sem termos visto acreditamos que o Jesus que está no nosso meio é o mesmo que morreu crucificado!

João 20,30-31: Objetivo do evangelho: levar a crer para ter vida

Assim termina o Evangelho, lembrando que a preocupação maior de João é a Vida. É o que Jesus diz: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).


ALARGANDO

Shalom: a construção da paz  

O primeiro encontro entre Jesus ressuscitado e seus discípulos é marcado pela saudação feita por ele: “A paz esteja com vocês!” No primeiro encontro, por duas vezes, Jesus deseja a paz a seus amigos (vv. 19.21). E, mais uma vez, oito dias depois (v. 26). Esta saudação é muito comum entre os judeus e na Bíblia. Ela aparece quando surge um mensageiro da parte de Deus (Jz 6,23; Tb 12,17).

Logo em seguida, Jesus os envia em missão, soprando sobre eles o Espírito. Paz, Missão e Espírito. Os três estão juntos. Afinal, construir a paz é a missão dos discípulos e das discípulas de Jesus (Mt 10,13; Lc 10,5). O Reino de Deus, pregado e realizado por Jesus e continuado pelas comunidades animadas pelo Espírito, manifesta-se na paz (Lc 1,79; 2,14). O Evangelho de João mostra que a paz, para ser verdadeira, deve ser a paz trazida por Jesus (Jo 14,27). Uma paz diferente da paz construída pelo império romano.

Paz

Paz na Bíblia (em hebraico é shalom) é uma palavra muito rica, significando uma série de atitudes e desejos do ser humano. Paz significa integridade da pessoa diante de Deus e dos outros. Significa também uma vida plena, feliz, abundante (Jo 10,10). A paz é sinal da presença de Deus, porque o nosso Deus é um “Deus da paz” (Jz 6,24; Rm 15,33). Por isso mesmo, a proposta da paz trazida por Jesus também é sinal de “espada” (Mt 10,34), ou seja, as perseguições para as comunidades.

O próprio Jesus faz este alerta sobre as tribulações promovidas pelo império tentando matar a paz de Deus (Jo 16,33). É preciso confiar, lutar, trabalhar, perseverar no Espírito para que um dia a paz de Deus triunfe. Neste dia, “amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam” (Sl 85,11). “O fruto da justiça será a paz” (Is 32,17). Então, como ensina Paulo, o “Reino será justiça, paz e alegria como fruto do Espírito Santo” (Rm 14,17) e “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28).


Novo início - José Antonio Pagola


Aterrorizados com a execução de Jesus, os discípulos refugiam-se numa casa conhecida. De novo estão reunidos, mas Jesus já não está com eles. Na comunidade há um vazio que ninguém pode preencher. Falta-lhes Jesus. Não podem escutar as suas palavras cheias de fogo. Não podem vê-Lo abençoando com ternura os desgraçados. A quem seguirão agora?

Está anoitecendo em Jerusalém e também no seu coração. Ninguém os pode consolar da sua tristeza. Pouco a pouco, o medo vai-se apoderando de todos, mas não têm a Jesus para que fortaleça o seu ânimo. A única coisa que lhes dá alguma segurança é «fechar as portas». Já ninguém pensa em sair pelos caminhos a anunciar o reino de Deus e curar a vida. Sem Jesus, como vão espalhar sua Boa Nova?

O Evangelista João descreve de forma insuperável a transformação que se produz nos discípulos quando Jesus, cheio de vida, se torna presente no meio deles. O Ressuscitado está de novo no centro da sua comunidade. Assim deve ser para sempre. Com Ele tudo é possível: libertarmo-nos do medo, abrir as portas e pôr em marcha a evangelização.

Segundo o relato, a primeira coisa que Jesus infunde na sua comunidade é a sua paz. Nenhuma censura por O terem abandonado, nenhuma queixa ou reprovação. Só paz e alegria. Os discípulos sentem o seu alento criador. Tudo começa de novo. Impulsionados pelo seu Espírito, continuarão a colaborar ao longo dos séculos no mesmo projeto salvador que o Pai confiou a Jesus.

O que a Igreja necessita hoje não são apenas reformas religiosas e apelos à comunhão. Necessitamos de experimentar nas nossas comunidades um «novo início» a partir da presença viva de Jesus no meio de nós. Só Ele deve ocupar o centro da Igreja. Só ele pode impulsionar a comunhão. Só ele pode renovar os nossos corações.

Não bastam os nossos esforços e trabalhos. É Jesus quem pode desencadear a mudança de horizonte, a libertação do medo e dos receios, o novo clima de paz e serenidade de que tanto necessitamos para abrir as portas e ser capazes de partilhar o evangelho com os homens e mulheres do nosso tempo.

Mas temos de aprender a acolher com fé sua presença entre nós. Quando Jesus volta a apresentar-se depois de oito dias, o narrador diz-nos que, todavia, as portas continuam fechadas. Não é somente Tomé que tem de aprender a acreditar com confiança no Ressuscitado. Também os outros discípulos devem ir superando pouco a pouco as dúvidas e medos que ainda os fazem viver com as portas fechadas à evangelização.


A paz que vence o medo - Sandra Maira Pires


"Tomé é o símbolo da nossa fragilidade diante dos medos que vivemos no cotidiano. Ele é a personificação do nosso ceticismo, do nosso olhar crítico e desconfiado diante da vida. Ele coloca às claras a fragilidade da nossa fé. Por outro lado, como ele, somos convidad@s, hoje, nesse tempo marcado por dores, por perda de referenciais humanos e evangélicos importantes, por horizontes ofuscados, a também acolher o convite tão cheio de amor de Jesus: “não seja incrédul@, mas crente, fiel..."


Referências bíblicas

1ª Leitura – At 4,32-35

Salmo 117 (118)

2ª Leitura – 1 Jo 5,1-6

Evangelho – Jo 20,19-31

A liturgia deste segundo domingo da Páscoa nos convoca, como igreja, como discípulas e discípulos de Jesus Ressuscitado, a renovar a fé no Senhor presente em nossa vida.

O Evangelho de hoje (Jo 20,19-31) é expressão real da nossa humanidade, do que somos e vivemos no caminho do discipulado: o desafio, permanente, de enfrentarmos nossos medos a partir da fé e confiança no Ressuscitado, O nosso “Senhor e Deus”.

Num primeiro momento nos voltemos para esse grupo de homens, seguidores de Jesus, que, por medo, estão trancados dentro de casa, com as portas chaveadas, no anoitecer. A noite ou o escuro é uma boa metáfora para o medo, pois ele é o oposto da luz, da clareza, da capacidade de vermos e discernirmos bem as coisas. O medo trava, paralisa e nos reclusa... Esse medo que os discípulos sentiam é compreensível. Eles haviam “perdido”, de uma forma brutalmente violenta e sangrenta, Aquele que era sua referência. E, sinceramente, eles não queriam ter o mesmo destino: serem torturados e pregados numa cruz.

Como esse grupo, nós também temos os nossos medos. Sentir medo tornou-se algo “quase” natural em nossos dias. Temos medo da violência que cresce assustadoramente em nossas cidades, bairros, periferias, morros; temos medo de morrer, de adoecer e não termos o tratamento adequado; temos medo de perder pessoas que amamos ou de sermos abandonadas ou abandonados por elas; temos medo de não darmos conta, por “n” razões, dos compromissos assumidos; de perdermos o emprego; de não sermos aceitas ou aceitos em nossos círculos de convivência; temos medo das dívidas, da solidão, e de dizer, muitas vezes, o que pensamos e sentimos, e tantos outros medos... O medo vem e se instaura em nossas mentes, nos tirando a capacidade de pensar, de discernir, de corrermos atrás dos nossos objetivos, de sermos resilientes e proativos frente aos desafios e dificuldades do cotidiano. O medo nos tira a paz! Não é por nada que uma das doenças do nosso tempo seja a “síndrome do pânico”.

Ao nos darmos conta desses e outros tantos medos que vivemos hoje, podemos facilmente nos colocar na pele daquele grupo de discípulos trancados e escondidos por medo, logo após a prisão e morte do seu Mestre, do seu líder.

Mas, agora voltemos nosso olhar para Jesus... Ele não os julga seus discípulos pelo medo que sentem. Pelo contrário, vai ao encontro deles, faz-se presente lá onde o medo se instalou. Não existe portas trancadas que O impeça de chegar aos seus... Põe-se no meio deles e oferece a Paz que repele o medo; sopra sobre eles o seu Espírito que os torna corajosos, confiantes e conscientes de quem são e da missão que lhes compete. Jesus os acolhe e lembra que assumir o seu projeto e discipulado significa abrir as portas fechadas, sair para fora das estruturas e concepções fixas e concluídas, significa acolher as pessoas, ser espaço aberto, partilhar o que se tem e o que se é, se solidarizar com quem precisa, a tal ponto que todas as pessoas tenham o necessário para viver com dignidade, que não aja entre nós ninguém com necessidade, seja qual for ela, como nos sugere São Paulo, na primeira leitura.

Jesus “sopra” o Seu Espírito de vida, de força, de coragem, de confiança... e eles sentem a sua presença e o seu amor. É seu Espírito que faz com que creiamos na sua Ressurreição, hoje, para além do que nossos olhos podem ver, nossas mãos tocar e nossa inteligência explicar. Jesus entra no espaço de vida d@s discípul@s e lhes dá a sua paz. Sua paz afasta o medo, devolve a alegria, a esperança e o compromisso com o projeto assumido. O mundo hoje carece tanto dessa paz, e talvez até nós mesm@s, nossas comunidades, as famílias brasileiras, as nossas igrejas, as nossas cidades. Nesse domingo, Jesus nos convida a acolher o dom da sua paz, mas também a sermos construtor@s da cultura da paz lá onde vivemos e estamos engajad@s.

Por fim, nos voltemos, especificamente, para Tomé, o discípulo em destaque no evangelho de hoje. Este viveu uma crise de fé tão profunda, que nem o testemunho dos seus amigos mais próximos foi suficiente para devolver-lhe o sentido da vida e o ajudar a interpretar e entender os fatos que aconteceram. Tamanha era a sua desolação... Tomé é o símbolo da nossa fragilidade diante dos medos que vivemos no cotidiano. Ele é a personificação do nosso ceticismo, do nosso olhar crítico e desconfiado diante da vida. Ele coloca às claras a fragilidade da nossa fé. Por outro lado, como ele, somos convidad@s, hoje, nesse tempo marcado por dores, por perda de referenciais humanos e evangélicos importantes, por horizontes ofuscados, a também acolher o convite tão cheio de amor de Jesus: “não seja incrédul@, mas crente, fiel... veja... toque... sou eu!”. Precisamos, também nós, nos deixar tocar e transformar pela presença e amor do Ressuscitado. Nossa fé diz que Ele está vivo e que está no meio de nós, ressignificando nossos medos e nos sustentando em nossas crises e sofrimentos.

Mas, só podemos fazer essa experiência de reconhecer Jesus como “meu Senhor e meu Deus”, como fez Tomé, se sairmos para fora dos nossos condicionamentos, confortos e seguranças; se abrirmos mão dos nossos medos e preconceitos; se formos, às pressas, ao encontro das pessoas; se acolhermos, de fato, o Ressuscitado. Como afirma a segunda leitura de hoje, é a nossa fé que nos dá a vitória, que nos faz vencer os desafios e medos diante da vida.

Diz a tradição que Tomé morreu mártir pela fé no seu “Senhor e Deus”. Viveu sua vida a serviço dessa fé, até a morte. Conhecemos homens e mulheres que, no passado e no atual momento, também receberam o martírio como preço dos seus gestos, posicionamentos e posturas radicais em defesa da vida e dos direitos humanos. Nós sabemos que a fé sem obras é vazia e sem sentido. Então, humildemente, professemos, hoje: “Creio, Senhor, mas aumenta a minha fé”.

E que essa fé nos comprometa na luta pela justiça, pela verdade, pela dignidade humana, tão ausentes nas pautas políticas, eclesiais e sociais de nosso tempo.

Então, com o Salmista, neste segundo domingo da Páscoa, renovemos nossa confiança no “Senhor que é bom e no seu amor que é para sempre”. É essa certeza de fé que nos faz vencer os medos e abraçar a vida nossa e de outros com coragem e ousadia.

Concluo citando uma canção brasileira que diz: “Hei medo, eu não te escuto mais. Você não me leva nada... E se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha SOL, é pra lá que eu vou”.

Caminhemos, irmãs e irmãos, mirando o horizonte, lá onde está o Sol, que é o Senhor Ressuscitado, mas com sensibilidade suficiente para O reconhecer aqui do nosso lado, caminhando conosco no nosso cotidiano, na nossa realidade; sendo luz dos nossos passos.


TEXTO DE D. Damian Nannini, Argentina

(traduzido pelo  Google, sem correção nossa)


SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA CICLO "B" 

Breve introdução ao quinquagésimo da Páscoa:

É bom, no início do tempo pascal, ter uma visão global das leituras dominicais. Para isso recorremos ao documento “Ordem das leituras da Missa” nº 100:"Até o terceiro domingo da Páscoa, as leituras do Evangelho relatam as aparições de Cristo ressuscitado. As leituras do Bom Pastor são atribuídas ao quarto domingo da Páscoa. No quinto, sexto e sétimo domingos da Páscoa, passagens selecionadas do discurso e do Pai Nosso depois da Última Ceia. A primeira leitura é retirada dos Atos dos Apóstolos, no ciclo de três anos, de forma paralela e progressiva; desta forma, a cada ano, algumas manifestações de vida, testemunho e progresso da Igreja primitiva ... Para a leitura apostólica, no ano A lê-se a primeira carta de Pedro, no ano B a primeira carta de João, no ano C o Apocalipse; estes textos estão muito de acordo com o espírito de uma fé alegre e firme. esperança, típica desta época".

Seria necessário especificar que na Argentina o sétimo domingo coincide com a Ascensão do Senhor; e que o oitavo domingo é o de Pentecostes, solenidades com as quais o mistério pascal atinge a sua plenitude.

Quanto ao espírito deste tempo pascal, insiste-se no seu carácter unitário e festivo. Em efeito "O tempo pascal deve ser vivido unido até à noite do dia de Pentecostes. Nesse dia, e não no dia da Ascensão, apaga-se o círio pascal, que foi o sinal externo da celebração da Vida Nova do Senhor."1. O tom festivo e alegre também deve refletir-se nas pregações, pois pode ser verdade que "É sempre mais fácil pregar para que as pessoas se “convertam” do que pregar para que experimentem a alegria da salvação"2. Portanto, trata-se de insistir na Presença de Jesus Ressuscitado na vida da Igreja e na nossa própria vida para que a descubramos e desfrutemos.

Primeira leitura (Hb 4,32-35):

Em três resumos, o livro de Atos (2:42-47; 4:32-35; 5:11-16) descreve as características essenciais da Igreja Mãe de Jerusalém. Justamente por serem sumários, têm a função de generalizar e tipificar os constituintes essenciais da vida da comunidade:o ensinamento dos Apóstolos, a vida em comum (koinonia), a fração do pão e a oração.

Especificamente, neste resumo são desenvolvidos dois destes quatro elementos essenciais, a saber, oensinamento dos Apóstolos e da comunidade de vida, com especial atenção para este último. O resumo começa (v. 32) descrevendo precisamente o vínculo estreito que unia os membros da nascente comunidade cristã de Jerusalém. Como nos informa L. Rivas: “O autor do livro dos Atos, para apresentar o modo de vida da primeira comunidade cristã, recorreu a uma fórmula com a qual os gregos descreviam a amizade. Esta afirmação de que todos tinham bens em comum forma uma frase única com outra que também se refere à amizade e que diz: “a multidão dos fiéis tinha um só coração e uma só alma”.”(Nenhum 4,32)“Portanto, é uma comunhãoafetivoque se expressa numa comunhãoeficaz,a comunhão de bens. Ora, partilhar os bens materiais é sinal e efeito de comunhão espiritual, de fé e de caridade.

Após (v. 33) esta descrição, destaca-se o corajoso testemunho dos Apóstolos sobre a Ressurreição do Senhor. Desta forma, os dois elementos estão ligados:a pregação apostólica e o testemunho de vida nova da comunidade unida.

Os versículos finais (vv. 34-35) voltam ao efeito da comunidade de bens: ninguém tinha necessidade; e o papel dos apóstolos na distribuição dos bens. De acordo com J. Roloff3Desta forma se cumpriria a promessa de Dt 15,4: “Além disso, não haverá nenhum pobre perto de você, porque o Senhor o abençoará abundantemente na terra que ele lhe dá como herança.".

Segunda leitura (1Jo 5,1-6):

Este texto nos apresenta claramente o fruto da fé em Cristo:nascido de Deus, do Pai. A fé teológica é acolhimento e apropriação da vida nova que surge da Ressurreição de Cristo, portantoÉ nascer de Deus, ser filhos de Deus(cf. Jo 1,12-13). E por isso mesmo ser irmão de todos os outros que também nasceram de Deus, aos quais estamos unidos pelo mesmo amor.

É importante lembrar que o autor já havia escrito em 1Jn 4,7: “Queridos, amemos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e quem ama nasceu de Deus e conhece a Deus.." Portanto, existe uma estreita ligação entre fé e amor. Pela fé nascemos de Deus e pelo amor recebido de Deus (ágape) amamos nossos irmãos e assim demonstramos a veracidade do nosso nascimento, da nossa condição de filhos de Deus. Como comenta J. Casabó4, estes versículos destacam sobretudo a origem divina doágape para com os irmãos, diferente de meras simpatias; e que, portanto, a autêntica caridade fraterna só é possível no amor de Deus, que deve encarnar-se no comportamento ético, no cumprimento dos mandamentos.

Portanto, o ensinamento constante desta carta é que o amor ao Pai e o amor aos filhos de Deus (os irmãos)”São duas formas de amar, não só inseparáveis, mas também simultâneas. Somente nesta profundidade de amor a Deus e aos seus filhos é que os seus mandamentos são guardados de forma eficaz e prática."5.

Além do amor fraterno, que é a principal manifestação ou sinal deágape divino, há outras duas realidades que verificam a nova condição do cristão:o cumprimento dos mandamentos e a vitória sobre o mundo. Com relação a este último, é necessário lembrar que no evangelho e nas cartas de João o conceito “mundo” (cósmico) tem um significado triplo. Em primeiro lugar, refere-se à totalidade da criação, dos homens e da natureza. Depois, para toda a humanidade. E em terceiro lugar para "conjunto de forças opostas e hostis a Deus, o"“lugar espiritual” da rejeição de Deus e do seu amor, que se configura na rejeição de Cristo"6. A fé do crente triunfa sobre este mundo, participando da mesma vitória de Cristo. Em efeito, "O crente é “não mundano” e as suas ações como tais não serão movidas pelo impulso da luxúria, mas pela verdade que o santifica. E isto o moverá cada vez mais para a relação com Cristo e com o Pai sob a iluminação do Espírito que ele tem nele, porque lhe foi dado, e para que o amor de Deus, que é a força total e motivo da ação divina, também está nele e informa todas as suas ações [...] Notemos também aqui que a situação do crente continua a ser de luta. Não está fora do alcance da ação do mundo e do seu príncipe. Nem a imunidade contra o pecado está assegurada na sua ação humana como tal. Ele vive numa tensão entre a sua abertura ao que já foi realizado por Cristo e a total consumação e manifestação que deve ter no mundo definitivo..."7

Evangelho (Jo 20,19-31):

Encontramos nesta história duas aparições do Senhor Ressuscitado: uma no mesmo dia da ressurreição com a presença dos apóstolos e a ausência de Tomé, um dos Onze; e a segunda, oito dias depois, com a presença de todo o grupo, agora incluindo Tomás.

Essas aparições acontecem "o primeiro dia da semana", que é o nosso domingo, dia do Senhor, e que desde os tempos apostólicos é então o dia da reunião dos cristãos. Ocorre a primeira aparição"ao pôr do sol desse mesmo dia, o primeiro da semana" (20,19), e desta forma se relaciona com a história anterior da aparição às mulheres ocorrida naquele mesmo dia, mas pela manhã. O local onde estavam reunidos não é especificado, mas é anotado que as portas foram fechadas por medo dos judeus. O medo e o confinamento são sinais da falta de fé da primeira comunidade, ainda atingida pelos acontecimentos vividos nos últimos dias.

Na sua primeira aparição, Jesus Ressuscitado saúda os discípulos dizendo:"Paz para você!”. Mais do que um presságio ou desejo, trata-se dodoação eficaz da paz, de uma presença real de paz como dom escatológico, como Jesus havia indicado no seu discurso de despedida: “Deixo-te a paz, dou-te a minha paz, mas não como o mundo dá”(Jo 14:27). Esta paz, de acordo com o pano de fundo do Antigo Testamento (Shalom), inclui todos os bens necessários à vida presente e a plenitude dos bens na vida futura. Mas o que era uma promessa no Antigo Testamento torna-se realidade através da morte e ressurreição de Cristo. Precisamente no AT a presença de Deus entre o seu povo é considerada o bem supremo da paz (cf. Lv 26,12; Ez 37,26). Assim, para o evangelista João, a presença de Jesus ressuscitado entre o seu povo é a fonte e a realidade da paz que está presente. E esta paz não está ligada à sua presença corporal, mas à sua realidade de ser ressuscitado, vitorioso sobre a morte, e é por isso que ele lhes dá, junto com a sua paz, o Espírito Santo e o poder de perdoar pecados (20:22-23 ).8 

F. Moloney afirma que como na expressão hymin eirên(“a paz esteja convosco”) está faltando o verbo, deveria ser traduzido como “a paz esteja convosco” no sentido em que Jesus declara que a paz já está presente entre os discípulos. E isto acontece precisamente porque Jesus ressuscitado está presente entre eles.

Em suma, agora Jesus ressuscitado, com a plenitude de vida que recebeu do Pai, pode dar ao seu povo a paz que vem do Pai e que lhe permite viver em comunhão com Deus e com os irmãos.

Então, Jesus mostra-lhes as suas feridas para lhes provar queEle é o Crucificado que ressuscitou;que é ele mesmo, mas em um estado diferente.

Depois, dê-lhes paz novamente e diga as palavras de envio enquanto faz o gesto de soprar sobre eles. O tema domissão, com formulações diversas, aparece como uma constante nas histórias da aparição de Jesus nos evangelhos. Na formulação joanina destaca-se que se trata de uma única e mesma missão, que tem origem no Pai que envia o seu Filho Jesus, que agora faz com que os seus discípulos participem dela. Também é comum nos evangelhos unir a missão ao dom do Espírito Santo; mas em San Juan a doação é feita pessoalmente através do gesto de soprar sobre eles10. A respeito deste gesto, alguns estudiosos vêem aqui uma referência ao gesto primordial de Deus na criação do homem (cf. Gn 2,7).11. Assim, o sopro de Jesus é o sinal da nova criação:Jesus glorificado comunica o Espírito que faz renascer o homem(cf. Jo 3, 3-8), permitindo-lhe partilhar a comunhão divina. Além disso, segundo X. León Dufour12, aqui está o cumprimento do que foi anunciado por João Batista que Jesus "tive que batizar no Espírito Santo" (Jo 1,32-33); e também da aliança definitiva anunciada pelos profetas e caracterizada pela efusão do Espírito (cfr. Jr 31,33; Ez 36,26s).

Com este dom do Espírito Santo aos Apóstolos é-lhes também comunicado o poder de perdoar ou reter os pecados e, desta forma, são agora transmissores de vida nova. Além disso, este seria o objetivo da missão: o perdão dos pecados, a misericórdia. A este respeito, comenta I. de la Potterie13: “O trabalho que os discípulos terão de realizar será uma continuação do seu próprio. Pois bem, Ele é “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (1,29), o Filho de Deus que com o seu sangue “nos purifica de todo pecado” (1Jo 1,7). Agora compreende-se ainda melhor a alusão explícita à cruz na nossa perícope: a palavra de Jesus sobre o poder de perdoar os pecados acompanha o gesto com que Ele mostrou as chagas da sua paixão. É como se quisesse fazer compreender aos discípulos que o seu ministério de perdão será a actualização do sacrifício de Cristo e do seu significado soteriológico, uma vez que Jesus, o bom Pastor, “dá a sua vida pelas ovelhas” (cf. 10,15). ).”.

Eleclímax da narrativaEncontra-se na segunda cena onde Tomé, o discípulo ausente da primeira vez, é convidado a acreditar no testemunho da comunidade que viu o Ressuscitado. No entanto, Tomás recusa-se a acreditar se não consegue ver.

Os outros apóstolos viram o Senhor e creram; Thomas também quer ver o Senhor. Tomé quer verificar a afirmação dos seus companheiros, verificando com os seus próprios olhos que Aquele que lhes apareceu é verdadeiramente o Crucificado. Aplica rigorosamente as categorias do pensamento judaico sobre a ressurreição dos mortos. Ele quer uma continuidade estrita entre os dois mundos, para poder verificar concretamente que Aquele que aparece é o mesmo ser de antes. Há algum tempo, Filipe queria ver o Pai (cf. Jo 14, 8), e agora Tomé quer ver, no sentido básico do termo, o Filho glorificado.

Então Jesus Ressuscitado aparece-lhe com os mesmos sinais da sua crucificação e repreende Tomé pela sua descrença. A resposta de Tomé é ótima porque ele pronuncia a mais alta profissão de fé no Evangelho de João (e no Novo Testamento), pois aplica a Jesus os nomes que o Antigo Testamento reservava para Deus:Yahweh-Senhor e Elohim. Na verdade, Tomé chama Jesus de "Meu Senhor e meu Deus"(meu senhor e meu deus) que é a manifestação da fé cristã suprema de todo o evangelho14. Além disso, o possessivo “meu” indica seu apego pessoal de fé e amor a Jesus.

As últimas palavras de Jesus (20,29) são uma bem-aventurança onde ele declarabem-aventurados os que crêem sem ter visto(μὴ ἰδόντες καὶ πιστεύσαντες). Estas palavras seriam dirigidas aos discípulos da segunda geração cristã que não tinham sido testemunhas oculares da ressurreição de Jesus e tinham apenas a palavra pregada. Eles são declarados bem-aventurados se, pelo poder do Espírito Santo, chegam a acreditar que Jesus está vivo, mesmo que não tenham tido uma aparência sensata como a dos Apóstolos.15. Esta é uma definição do crente cristão de todos os tempos, começando com a ressurreição de Jesus. Como diz G. Zevini com razão16: “Crente é aquele que, superando dúvidas e pretensões de ver, aceita o testemunho autorizado de quem viu. No tempo de Jesus a visão e a fé combinavam-se, mas agora, no tempo da Igreja, os discípulos não devem ter pretensões de ver: basta-lhes o testemunho apostólico. Foi transformadosinalque conduz à fé: aquele sinal já não é objeto de visão direta, mas de testemunho. Isto não significa que qualquer experiência pessoal do Cristo ressuscitado esteja atualmente fechada aos crentes. O oposto. Agora é oferecida aos crentes a experiência de alegria, paz, perdão dos pecados e a presença do Espírito Santo. Mas a “história” de Jesus tem que ser aceita através do testemunho”.

Algumas reflexões:

A Quaresma impulsionou-nos ao exercício, por vezes árduo e difícil, de olhar para nós mesmos para reconhecer pecados ou desordens e iniciar um caminho de conversão. O tempo pascal convida-nos, antes, a exercer um olhar de fé sobre a nossa realidade para descobrir nela a presença viva do Ressuscitado. É por isso que o grande tema desta vez éfé, isto é, acreditar em sua Presença invisível.E fique feliz em acreditar sem ver.Santo Agostinho diz isso, comentando a frase de Jesus a Tomé.“De quem ele estava falando, irmãos, senão de nós? E não só de nós, mas também daqueles que virão depois de nós. Na verdade, pouco depois de terem sido afastados dos olhos mortais, para que a fé pudesse ser fortalecida nos corações, todos aqueles que acreditaram o fizeram sem ver, e a sua fé teve grande mérito. Para ter esta fé limitaram-se a trazer um coração cheio de piedade a Deus, mas não a mão para tocar.”(Sermão 88,2). Sem dúvida, a fé é um dom de Deus para nós. Mas é também o dom que Jesus nos pede; É o “dom da razão” (DV n. 5) que devemos oferecer, dar ao Senhor e pelo qual“Precisamos da graça de Deus que previne e ajuda, e da ajuda interna do Espírito Santo, que move o coração e o converte a Deus, abre os olhos da mente e dá a todos a suavidade para aceitar e acreditar na verdade”." (DV nº 5). Devemos pedir ao Senhor o dom da fé.

Agora, não se trata de acreditar no ar ou no vácuo; mas somos chamados a fazer uma experiência, na fé, da Presença de Jesus Ressuscitado na nossa vida, análoga à que fizeram os Apóstolos.

Esta Presença de Jesus escapa aos sentidos porque não podemos vê-lo nem tocá-lo como Tomé; mas simpodemos sentir os efeitos da sua Presença, da sua passagem pela nossa vida. O evangelho de hoje fala-nos sobretudo dopaz que o Senhor dá ao seu povo. Próximo aopaz nós temos ofelicidade, que também se refere ao evangelho de hoje. Intimamente ligado a estas experiências está o tema daperdão dos pecadosconfiado à Igreja (misericórdia). E finalmente, a raiz ou causa de tudo:o dom do Espírito Santo.

Além da fé, a outra condição indispensável para esta experiência de Jesus Ressuscitado éinserção ou pertencimento comunitário. Também nisto o exemplo de Tomé é claro. Somente quando ingressou na comunidade apostólica pôde encontrar o Senhor. O Senhor está presente na comunidade dos crentes e ali poderemos “vê-lo” com os olhos da fé.

Ora, para que a Igreja torne visível aos homens a Presença de Jesus Ressuscitado, deve viver as notas características que a primeira leitura nos descreveu. Isto é: uma Igreja onde os crentes têm “um só coração e uma só alma” e por isso vivem a comunhão até ao nível dos bens materiais para que ninguém passe necessidade.

O fruto desta experiência de encontro com Cristo é tornar-se nova criatura. Sim, porque ressuscitamos com Cristo no Batismo e a vida nova da Graça nos foi comunicada, em germe. E esta vida de fé deve crescer e manifestar-se na caridade fraterna e no cumprimento dos mandamentos; derrotando assim o mundo que constantemente nos convida ao egoísmo e à devassidão.

Como resumo das leituras, A. Nocent diz17: "Se examinarmos a missa deste segundo domingo como um todo, encontraremos nela um tema muito rico de conteúdo: a ressurreição de Cristo criou uma comunidade que é um só coração, uma comunidade persuadida a possuir a vitória sobre o mundo pela crença em pessoa de Cristo e iluminado pelo Espírito Santo que dá à revelação a sua plenitude".

Completaríamos isto recordando a centralidade da fé nas três leituras. Uma fé vivida em comunhão; uma fé que nos faz renascer para uma vida nova que se expressa no amor fraternal, no cumprimento dos mandamentos e na vitória sobre o mundo; Em suma, uma fé feliz pela presença do Ressuscitado entre nós, mesmo que não o vejamos.

Podemos muito bem dizer que o tema que une este domingo éfé em Cristo Ressuscitado e sua dimensão comunitária. A este respeito podemos citar o discurso de Bento XVI na inauguração da Conferência de Aparecida:"O que nos dá a fé neste Deus? A primeira resposta é: dá-nos uma família, a família universal de Deus na Igreja Católica. A fé liberta-nos do isolamento de nós mesmos, porque nos leva à comunhão: o encontro com “Deus é, em si mesmo e como tal, um encontro com os irmãos, um ato de convocação, de unificação, de responsabilidade para com o outro e para com os outros”.

O evangelho também nos fala do “envio” dos discípulos, e neles toda a Igreja recebe a responsabilidade de prolongar a missão de Jesus no tempo; missão que se resume no “perdão dos pecados”, no exercício da misericórdia de Deus. Ao tema da fé e da comunidade, acrescentamos então o tema damisericórdiao que é típico deste segundo domingo de Páscoa, que agora também é denominado domingo “da divina misericórdia”, com a intenção de educar os fiéis para que compreendam esta devoção à luz das celebrações litúrgicas destes dias pascais. O objetivo é mostrar como a misericórdia divina é comunicada por Cristo morto e ressuscitado, fonte do Espírito que perdoa os pecados e restaura a alegria da salvação.18.Em suma, a revelação da misericórdia divina tem o seu ápice no mistério pascal.

Neste encontro com o Senhor Ressuscitado os discípulos fazem uma experiência da Misericórdia de Deus, descobrem Jesus Misericordioso no Ressuscitado que os convida a ser misericordioso com os outros, como também nos propõe o Papa Francisco na homilia de 11 de abril de 2021: “O Jesus ressuscitado aparece várias vezes aos discípulos. Conforte pacientemente seus corações desanimados. Desta forma, ele realiza, depois da sua ressurreição, a “ressurreição dos discípulos”. E eles, reanimados por Jesus, mudam de vida. Antes, tantas palavras e tantos exemplos do Senhor não conseguiram transformá-los. Agora, na Páscoa, algo novo acontece. E isso se realiza em sinal de misericórdia. Jesus os ressuscita com misericórdia – ele os ressuscita com misericórdia – e eles,misericordiados, eles virammisericordiosos. É muito difícil ser misericordioso se percebemos que estamos sendo misericordiosos [...] Não vivamosmeia fé, que recebe mas não dá, que acolhe o presente mas não se torna presente. Fomos misericordiosos, sejamos misericordiosos. Porque se o amor termina em nós mesmos, a fé seca numa intimidade estéril. Sem outros ela se torna desencarnada. Sem obras de misericórdia ele morre (cf.Santo2,17). Irmãos, irmãs, deixemo-nos ressuscitar pela paz, pelo perdão e pelas chagas de Jesus misericordioso. E peçamos a graça de nos tornarmostestemunhas de misericórdia. Só então a fé estará viva. E a vida será unificada. Só assim anunciaremos o Evangelho de Deus, que é o Evangelho da misericórdia”.

PARA ORAÇÃO (ressonâncias do Evangelho em uma pessoa que ora):

O Noivo está chegando!

Você fez sinais para que todos acreditassem

No Único Pai do Rei dos reis

Nós sabíamos que você estava morto, em um túmulo

E agora ressuscitado, você retorna.

Estamos juntos com medo

Inseguro e atordoado

Sua paixão escureceu o caminho

Apesar do seu ensinamento, não entendemos.

Alguns desanimados, outros incrédulos

A oração nos deu força

Para queimar as tristezas e tristezas

Em uma casa ignorada

Estávamos escondidos, protegidos de tudo

E esperando pelo desconhecido

você é sempre o mesmo

Surpreendente, próximo e glorioso

Transformando tudo em lindo e novo

Somente em Espírito.

Que alegria ver você novamente

O olhar de todos ficou tão puro

Como crianças: maravilhadas

Recebemos a paz desejada.

A fé foi repentinamente renovada

As feridas e a desgraça são deixadas para trás

Prepare sua luminária minha irmã!

O Noivo já está chegando. Amém


1J. Aldazábal, “A quinquagésima Páscoa, época forte, centro de todo o ano” emA Páscoa Cinquenta(CPL; Barcelona 1984) 7.

2J.Gomis/J. LLigadas, "Pastoral da celebração", enA Páscoa Cinquenta(CPL; Barcelona 1984) 12.3Atos dos Apóstolos(Cristianismo; Madrid 1984) 128.

4Teologia moral em San Juan(FAX; Madri 1970) 385-386.

5R. Fabris,As três cartas de Juan. Comentário exegético e espiritual(Ágape; Bs. As. 2010) 147. 6J.Casbó,Teologia moral em San Juan(FAX; Madri 1970) 165.

7J.Casbó,Teologia moral em San Juan(FAX; Madri 1970) 202-203.

8Cf. X.LEON-DUFOUR, "Paz" em X. LEON-DUFOUR,Vocabulário de Teologia Bíblica, Barcelona, ​​1978; 659.9Cf. FMOLONEY,O Evangelho de João, Estella, Verbo Divino 2005; 516.

10Cf. G. Zevini,Evangelho segundo São João(Siga-me; Salamanca 1995) 490.

11Cf. L. H. Rivas,O evangelho de João. Introdução. Teologia. Comente(Buenos Aires 2005) 530.12Cf.Leitura do Evangelho de João. Jo 18-21. Voo. 4, Salamanca, Siga-me 1998; 193.13Gênesis da fé pascal segundo João20, 206; citado em G. Zevini,Evangelho segundo São João,491.

14Cf. L. H. Rivas,O evangelho de João,535.

15Cf. L. H. Rivas,O Evangelho de João, 536.

16Evangelho segundo São João(Siga-me; Salamanca 1995) 495.

17Celebrar Jesus Cristo IV. Semana Santa e Tempo de Páscoa(Sal da Terra; Santander 1986) 190.18Cf. Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,Diretório sobre piedade popular e liturgia. Princípios e diretrizes(CEA; Buenos Aires 2002) nº 154.

na, os discípulos estavam reunidos, com as portas fechadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio deles. Disse: “A paz esteja convosco”. 20      Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos, então, se alegraram por verem o Senhor. 21   Jesus disse, de novo: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou também eu vos envio”. 22    Então, soprou sobre eles e falou: “Recebei o Espírito Santo. 23  A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos”. 24 Tomé, chamado Gêmeo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25 Os outros discípulos contaram-lhe: “Nós vimos o Senhor!” Mas Tomé disse: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. 26         Oito dias depois, os discípulos encontravam-se reunidos na casa, e Tomé estava com eles. Estando as portas fechadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27     Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!” 28       Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Creste porque me viste? Bem-aventurados os que não viram, e creram!” 30 Jesus fez diante dos discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro. 31 Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP


Jo 20,19-31

Tomé exigiu ver, tocar, pôr o dedo nas marcas dos pregos, pôr a mão no lado aberto de Jesus para acreditar. Ele não confia na palavra dos outros. Não é suficiente que os seus dez companheiros, que ele já conhecia há tempos, lhe tenham dito: “vimos o Senhor”. Ele quer verificar pessoalmente, ver e tocar diretamente. Chegou até mesmo a impor a condição: “se eu não vir, se eu não tocar, não acreditarei”. 

Sentimos que, nesse aspecto, Tomé exprime também o nosso desejo: quem é que de nós não deseja ver, tocar pessoalmente? Sobretudo nos momentos difíceis da vida, quando nos sentimos desorientados e na escuridão, quando perdemos a evidência da presença de Deus em nossa vida e no nosso coração, gostaríamos que o Senhor nos desse uma prova palpável, de que Ele está presente, de que Ele nos ama, de que Ele vive!

Jesus foi ao encontro do desejo de Tomé. Aceitou o seu desafio. Oito dias depois, apareceu aos discípulos, quando Tomé também estava presente. Dá até a impressão de que Jesus tenha aparecido exclusivamente a Tomé. Com efeito, Jesus tinha ensinado uma vez que o pastor, se tem cem ovelhas e perde uma, deixa as 99 nas colinas, sai em busca desta única até encontrá-la. Essa parábola descreve o comportamento escandaloso do pastor que julga uma só ovelha tão preciosa quanto 99 ovelhas. É um cálculo de amor que arrebenta a nossa lógica matemática. Jesus é esse pastor que vai em busca de uma única ovelha e não se dá sossego até recuperá-la, que se alegra com essa única da mesma forma como se alegra com as 99. Por isso, Jesus aceita o desafio de Tomé, se “dobra” às suas pretensões e se apresenta diante dele.

Este encontro levou Tomé à fé. Tomé tinha uma fé imatura, cheia de dúvidas e uma série de condições impostas para poder crer. Trata-se de uma fé tão imatura que nem mereceria esse nome. Parece mais um contrato cheio de cláusulas condicionantes: se não puder ver, não puder tocar, não puser o dedo... não vou acreditar que Jesus está vivo, que ressuscitou.

Depois do encontro com o Ressuscitado, Tomé confessa: “Meus Senhor, meu Deus”. Confessa “meu” não por egoísmo, mas porque experimentou o amor personalíssimo do bom pastor que procura, até encontrar, a única ovelha que não acreditou. Ele entendeu que aquela única ovelha da parábola era ele. Entendeu que Jesus não ama geralmente, não ama a massa, mas cada pessoa como única. Jesus cuida de cada um. Só quando experimenta esse amor personalíssimo a fé pode surgir. Só quando se dá conta de ser amado como único, Tomé pode chegar à plenitude da fé.

O amor de Jesus é indivisível. Não pode ser feito em pedacinhos para que cada um possua uma parte. O milagre do amor de Jesus é capaz de amar cada um de nós como único. Cada um de nós recebe de Jesus todo o seu amor. O amor de Jesus se multiplica em relação a todos sem diminuir nem se dividir em partes. É como a eucaristia: o pão e o vinho consagrados no corpo e sangue de Cristo se dá a todos sem diminuir nem se dividir. Ao receber a eucaristia, recebo o dom total de Jesus: corpo e alma, humanidade e divindade.

A experiência de Tomé é também a nossa. Na eucaristia, Jesus se apresenta a nós com os sinais de sua paixão, morte e ressurreição. Podemos não só “ver e tocar Jesus”: nós nos alimentamos dele! Experimentamos que recebemos todo amor personalíssimo de Jesus. Possamos, como Tomé, confessar: “Meu Senhor e meu Deus”.


Diálogos que ressuscitam - Adroaldo Palaoro


“Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: ‘a paz esteja convosco’” (Jo 20,19)

Os relatos das Aparições unem a experiência do encontro com o Ressuscitado e os dons que são específicos e fundamentais para a vida cristã: a comunidade, a paz, a missão, o perdão, o Espírito Santo e a fé.

“Olhar o ofício de consolar que Cristo nosso Senhor exerce”. S. Inácio utiliza esta expressão quando apresenta, na 4ª Semana dos Exercícios, a contemplação das aparições do Ressuscitado.

No diálogo amoroso com seus amigos e amigas, Jesus Ressuscitado vai exercendo “o ofício do consolar”.

Não se trata de um ato pontual senão de um “ofício” que definirá para sempre a atividade de seu Espírito no mundo. O “ofício de consolar” é a marca do Ressuscitado, é força re-criadora e reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus ressuscita e se encontra com cada um dos seus amigos e amigas, ativando neles(as) o sentido da vida, reconstruindo os laços comunitários rompidos, e sobretudo, oferecendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção... Consolar é o que define a ação do Ressuscitado transformando a situação dos seus amigos e amigas: a tristeza se converte numa alegria contagiosa, o medo em valentia e audácia, o fracasso em impulso para a missão...

O evangelista João descreve de maneira insuperável a transformação que se deu nos discípulos quando Jesus, cheio de vida, se faz presente em meio a eles. O Ressuscitado está de novo no centro de sua comunidade de seguidores; eles sentem Seu alento criador. Tudo começa de novo. Tal presença os liberta do medo e da dúvida, os faz escancarar as portas e dar início ao processo de evangelização.

O Ressuscitado se aproxima como Presença viva que dá Vida: deixa-se ver, fala, interpela, corrige, anima, comunica paz e alegria. Em uma palavra, presenteia seu Espírito.

Outra vez Jesus re-cria a comunidade que depois da Paixão estava se desintegrando; e seus discípulos experimentam novamente o chamado e o envio, a serem testemunhas e cúmplices do Espírito, porque vivem a certeza existencial de que o Crucificado é o Ressuscitado, que a morte foi vencida, que Deus é o Senhor da Vida. Impulsionados pela força do Espírito, seguirão colaborando, ao longo dos séculos, no mesmo projeto salvador que o Pai confiou a Jesus.

Para o evangelista João, o diálogo do Ressuscitado com seus amigos e amigas tem um tom de profundidade e trato, de familiaridade e intimidade. Diálogo dinâmico e reconstrutor, que destrava as pessoas de seu fracasso e abre para elas um novo futuro de sentido.

Neste diálogo, tanto os conteúdos expressos como os aspectos relacionais ganham uma grande importância: as palavras, os gestos (mostrar as mãos e o lado), o olhar, a maneira de falar, o tom da voz, os silêncios, o contexto onde acontece o diálogo...; tudo isso forma parte da diversidade e riqueza da revelação do Ressuscitado aos seus discípulos. Diálogo personalizado, comunitário, mobilizador de vidas...

O diálogo é uma experiência profundamente humana de proximidade, de conhecimento, de intercâmbio, de ternura... um encontro entre pessoas que vão compartilhando histórias de vida, esperanças e frustrações, vontade de construir e sonhar... O diálogo é o lugar privilegiado de encontro e descoberta misteriosa do Outro (Deus).

Dialogar é um caminho pedagógico, um processo gradual que requer uma capacidade de escuta, de acolhida e de deixar-se tocar pelo que o outro é, não só pelo que diz; uma capacidade de olhar com profundidade para reconhecer uma história santa, um caminho de salvação. É reconhecer no outro o que há de verdadeiro, bom e belo, e descobrir como o dinamismo de Deus atua no seu coração.

O diálogo constitui uma das experiências humanas mais antigas e reveladoras de nosso ser profundo. Ele não se reduz a um mero intercâmbio de palavras; é um processo essencialmente ativo, inerente à nossa natureza relacional, cuja finalidade última é viver a experiência do encontro.

Dialogo é uma das aprendizagens vitais que não tem data de vencimento.

Há diálogo e “diálogo”. Há “diálogo” superficial que gasta palavras à toa e revela o vazio das pessoas. E há diálogo que tem ressonâncias profundas, toca o coração e fica registrada memória.

Todos nós, com certeza, já passamos por experiências de ressurreição, que dilataram o nosso coração e se revelaram como força na hora das dificuldades. Ajudaram a ativar confiança e a vencer o medo.

O diálogo nos ressuscita, nos liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência. As inúmeras possibilidades de dialogar são encontros que nos reconciliam com a vida, nos movem a crescer e a sair de nosso egocentrismo. Ele nos permite sentir que formamos parte da vida de outros e nos ajuda a levantar-nos quando as perdas, os fracassos, as enfermidades... tornam difícil nosso caminhar.

Dialogar é uma das vias privilegiadas que temos para nos fazer sentir que nossa vida é habitada por outros, que grande parte de nossa felicidade está no fato de sermos capazes de nos fazer presentes na vida dos outros e, ao mesmo tempo, deixar que estes se aninhem em nosso interior.

Reconhecimento, pertença, celebração da vida, sentir-nos capazes de pensar e agir autonomamente, de ativar nossa própria identidade, de mobilizar nossos recursos originais, de reforçar vínculos comunitários, de investirmos os dons num sonho mobilizador...: tudo isso são expressões de uma vida ressuscitada.

Se quisermos que a nossa vida cristã tenha a marca da Ressurreição, o convite é este: “sair do próprio túmulo” para viver “diálogos mobilizadores de vida”. É preciso remover as pedras da indiferença que foram soterrando a vida dentro de nós e romper os muros que cercam nosso coração; é necessário compreender que somos chamados a um compromisso diferente e mais profundo: destravar portas e janelas, sair da reclusão de nossas casas para entrar na grande “casa” de Deus; romper com o tradicional para acolher a surpresa; deixar a “margem conhecida” para vislumbrar o “outro lado”; afastar a “pedra” da entrada do coração para poder viver os diálogos com mais criatividade.

Ressurreição, plenitude do mistério da comunhão através dos gestos, da proximidade, do abraço...

“Estende a tua mão e coloca-a no meu lado” (Jo. 20,27).

A cada abraço sentido, uma ressurreição também vivida!

Deixemo-nos alcançar pela Ressurreição de Cristo permitindo que o nosso corpo seja um corpo de ressuscitado.


Para meditar na oração:

Páscoa se estende no “tempo” e no “espaço” porque, como a vida, ela está cheia de surpresas e energias vitalizadoras; trata-se de uma experiência que é vivida com calma e bem devagar, enquanto a luz e a força que contém vai transformando e configurando nosso “húmus” interior. À diferença do “coronavírus”, a experiência pascal não invade, não arrasa, não aniquila... Ela oxigena, ilumina, fortalece, injeta em nós a Vida do Deus-Amor.

Pelo diálogo a pessoa manifesta quem ela é. “Onde está seu diálogo, aí está seu coração”.

- Seus diálogos ressuscitam, animam os outros, eleva-os, “aquecem seus corações?...

- Sinta este tempo de Páscoa como um convite a ser presença consoladora para as pessoas e para o planeta Terra.



A paz esteja com vocês - Mesters e Orofino


PENSANDO O TEMA

Olhar de perto as coisas da nossa vida

Vamos meditar sobre a aparição de Jesus aos discípulos e a missão que eles receberam. Eles estavam reunidos com as portas fechadas porque tinham medo dos judeus. De repente, Jesus se coloca no meio deles e diz: “A paz esteja com vocês!” Depois de mostrar as mãos e o lado, ele disse novamente:

“A paz esteja com vocês! Como o Pai me enviou, eu envio vocês!”

Em seguida, lhes dá o Espírito para que possam perdoar e reconciliar. A paz! Reconciliar e construir a paz! Esta é a missão que recebem. Hoje, o que mais faz falta é a paz: refazer os pedaços da vida, reconstruir as relações quebradas entre as pessoas. Relações quebradas por causa da injustiça e por tantos outros motivos. Jesus insiste na paz. Repete várias vezes! As pessoas que lutam pela paz são declaradas felizes e são chamados filhos e filhas de Deus (Mt 5,9).

 Situando

Na conclusão do capítulo 20 (Jo 20,30-31), o autor diz que Jesus fez “muitos outros sinais que não estão neste livro. Estes, porém, foram escritos (a saber os sete sinais relatados nos capítulos 2 a 11) para que vocês possam crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, acreditando, ter a vida no nome dele” (Jo 20,31). Isto significa que, inicialmente, esta conclusão era o final do Livro dos Sinais. Mais tarde, foi acrescentado o Livro da Glorificação que descreve a hora de Jesus, a sua morte e ressurreição. Assim, o que era o final do Livro dos Sinais passou a ser conclusão também do Livro da Glorificação. 


COMENTANDO

João 20,19-20: A experiência da ressurreição

Jesus se faz presente na comunidade. As portas fechadas não podem impedir que ele esteja no meio dos que nele acreditam. Até hoje é assim. Quando estamos reunidos, mesmo com todas as portas fechadas, Jesus está no meio de nós. E até hoje, a primeira palavra de Jesus é e será sempre: “A paz esteja com vocês!” Ele mostrou os sinais da paixão nas mãos e no lado. O ressuscitado é o crucificado!

O Jesus que está conosco na comunidade não é um Jesus glorioso que não tem mais nada em comum com a vida da gente. Mas é o mesmo Jesus que viveu na terra e traz as marcas da sua paixão. As marcas da paixão estão hoje no sofrimento do povo, na fome, nas marcas de tortura, de injustiça. É nas pessoas que reagem, lutam pela vida e não se deixam abater que Jesus ressuscita e se faz presente no meio de nós.

 João 20,21: O envio: “Como o Pai me enviou, eu envio vocês”

É deste Jesus, ao mesmo tempo crucificado e ressuscitado, que recebemos a missão, a mesma que ele recebeu do Pai. E ele repete: “A paz esteja com vocês!” Esta dupla repetição acentua a importância da paz. Construir a paz faz parte da missão. Paz significa muito mais do que só a ausência de guerra. Significa construir uma convivência humana harmoniosa, em que as pessoas possam ser elas mesmas, tendo todas o necessário para viver, convivendo felizes e em paz. Esta foi a missão de Jesus, e é também a nossa missão. Numa palavra, é criar comunidade a exemplo da comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

João 20,22: Jesus comunica o dom do Espírito

Jesus soprou e disse: “Recebei o Espírito Santo”. É só mesmo com a ajuda do Espírito de Jesus que seremos capazes de realizar a missão que ele nos dá. Para as comunidades do Discípulo Amado, Páscoa (ressurreição) e Pentecostes (efusão do Espírito) são a mesma coisa. Tudo acontece no mesmo momento.

 João 20,23: Jesus comunica o poder de perdoar os pecados

O ponto central da missão de paz está na reconciliação, na tentativa de superar as barreiras que nos separam: “Aqueles a quem vocês perdoarem os pecados serão perdoados e aqueles a quem retiverdes serão retidos!” Este poder de reconciliar e de perdoar é dado à comunidade (Jo 20,23; Mt 18,18). No evangelho de Mateus é dado também a Pedro (Mt 16,19). Aqui, percebe-se a enorme responsabilidade da comunidade. O texto deixa claro que uma comunidade sem perdão, sem reconciliação já não é comunidade cristã.

João 20,24-25: A dúvida de Tomé

Tomé, um dos doze, não estava presente. E ele não crê no testemunho dos outros. Tomé é exigente: quer colocar o dedo nas feridas da mão e do pé de Jesus. Quer ver para poder crer. Não é que ele queria ver milagre para poder crer. Não.

Tomé queria ver os sinais das mãos e no lado. Ele não crê num Jesus glorioso, desligado do Jesus humano que sofreu na cruz. Sinal de que havia pessoas que não aceitavam a encarnação (2Jo 7; 1Jo 4,2-3; 2,22). A dúvida de Tomé também deixa transparecer como era difícil crer na ressurreição.

 João 20,26-29: Felizes os que não viram e creram

O texto começa dizendo: “Uma semana depois”. Tomé foi capaz de sustentar sua opinião durante uma semana inteira. Cabeçudo mesmo! Graças a Deus, para nós! Novamente, durante a reunião da comunidade, eles têm uma experiência profunda da presença de Jesus ressuscitado no meio deles. E novamente recebem a missão de paz: “A paz esteja com vocês!” O que chama a atenção é a bondade de Jesus. Ele não critica nem fala mal da incredulidade de Tomé, mas aceita o desafio e diz: “Tomé, venha cá colocar seu dedo nas feridas!”.

Jesus confirma a convicção de Tomé, que era a profissão de fé das comunidades do Discípulo Amado, a saber: o ressuscitado glorioso é o crucificado torturado! É neste Cristo que Tomé acredita, e nós também! Como ele digamos: “Meu Senhor e meu Deus!” Esta entrega de Tomé é a atitude ideal da fé. E Jesus completa com a mensagem final: “Você acreditou porque viu! Felizes os que não viram e no entanto creram!”.

Com esta frase, Jesus declara felizes a todos nós que estamos nesta condição: sem termos visto acreditamos que o Jesus que está no nosso meio é o mesmo que morreu crucificado!

João 20,30-31: Objetivo do evangelho: levar a crer para ter vida

Assim termina o Evangelho, lembrando que a preocupação maior de João é a Vida. É o que Jesus diz: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).


ALARGANDO

Shalom: a construção da paz  

O primeiro encontro entre Jesus ressuscitado e seus discípulos é marcado pela saudação feita por ele: “A paz esteja com vocês!” No primeiro encontro, por duas vezes, Jesus deseja a paz a seus amigos (vv. 19.21). E, mais uma vez, oito dias depois (v. 26). Esta saudação é muito comum entre os judeus e na Bíblia. Ela aparece quando surge um mensageiro da parte de Deus (Jz 6,23; Tb 12,17).

Logo em seguida, Jesus os envia em missão, soprando sobre eles o Espírito. Paz, Missão e Espírito. Os três estão juntos. Afinal, construir a paz é a missão dos discípulos e das discípulas de Jesus (Mt 10,13; Lc 10,5). O Reino de Deus, pregado e realizado por Jesus e continuado pelas comunidades animadas pelo Espírito, manifesta-se na paz (Lc 1,79; 2,14). O Evangelho de João mostra que a paz, para ser verdadeira, deve ser a paz trazida por Jesus (Jo 14,27). Uma paz diferente da paz construída pelo império romano.

Paz

Paz na Bíblia (em hebraico é shalom) é uma palavra muito rica, significando uma série de atitudes e desejos do ser humano. Paz significa integridade da pessoa diante de Deus e dos outros. Significa também uma vida plena, feliz, abundante (Jo 10,10). A paz é sinal da presença de Deus, porque o nosso Deus é um “Deus da paz” (Jz 6,24; Rm 15,33). Por isso mesmo, a proposta da paz trazida por Jesus também é sinal de “espada” (Mt 10,34), ou seja, as perseguições para as comunidades.

O próprio Jesus faz este alerta sobre as tribulações promovidas pelo império tentando matar a paz de Deus (Jo 16,33). É preciso confiar, lutar, trabalhar, perseverar no Espírito para que um dia a paz de Deus triunfe. Neste dia, “amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam” (Sl 85,11). “O fruto da justiça será a paz” (Is 32,17). Então, como ensina Paulo, o “Reino será justiça, paz e alegria como fruto do Espírito Santo” (Rm 14,17) e “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28).


Novo início - José Antonio Pagola


Aterrorizados com a execução de Jesus, os discípulos refugiam-se numa casa conhecida. De novo estão reunidos, mas Jesus já não está com eles. Na comunidade há um vazio que ninguém pode preencher. Falta-lhes Jesus. Não podem escutar as suas palavras cheias de fogo. Não podem vê-Lo abençoando com ternura os desgraçados. A quem seguirão agora?

Está anoitecendo em Jerusalém e também no seu coração. Ninguém os pode consolar da sua tristeza. Pouco a pouco, o medo vai-se apoderando de todos, mas não têm a Jesus para que fortaleça o seu ânimo. A única coisa que lhes dá alguma segurança é «fechar as portas». Já ninguém pensa em sair pelos caminhos a anunciar o reino de Deus e curar a vida. Sem Jesus, como vão espalhar sua Boa Nova?

O Evangelista João descreve de forma insuperável a transformação que se produz nos discípulos quando Jesus, cheio de vida, se torna presente no meio deles. O Ressuscitado está de novo no centro da sua comunidade. Assim deve ser para sempre. Com Ele tudo é possível: libertarmo-nos do medo, abrir as portas e pôr em marcha a evangelização.

Segundo o relato, a primeira coisa que Jesus infunde na sua comunidade é a sua paz. Nenhuma censura por O terem abandonado, nenhuma queixa ou reprovação. Só paz e alegria. Os discípulos sentem o seu alento criador. Tudo começa de novo. Impulsionados pelo seu Espírito, continuarão a colaborar ao longo dos séculos no mesmo projeto salvador que o Pai confiou a Jesus.

O que a Igreja necessita hoje não são apenas reformas religiosas e apelos à comunhão. Necessitamos de experimentar nas nossas comunidades um «novo início» a partir da presença viva de Jesus no meio de nós. Só Ele deve ocupar o centro da Igreja. Só ele pode impulsionar a comunhão. Só ele pode renovar os nossos corações.

Não bastam os nossos esforços e trabalhos. É Jesus quem pode desencadear a mudança de horizonte, a libertação do medo e dos receios, o novo clima de paz e serenidade de que tanto necessitamos para abrir as portas e ser capazes de partilhar o evangelho com os homens e mulheres do nosso tempo.

Mas temos de aprender a acolher com fé sua presença entre nós. Quando Jesus volta a apresentar-se depois de oito dias, o narrador diz-nos que, todavia, as portas continuam fechadas. Não é somente Tomé que tem de aprender a acreditar com confiança no Ressuscitado. Também os outros discípulos devem ir superando pouco a pouco as dúvidas e medos que ainda os fazem viver com as portas fechadas à evangelização.


A paz que vence o medo - Sandra Maira Pires


"Tomé é o símbolo da nossa fragilidade diante dos medos que vivemos no cotidiano. Ele é a personificação do nosso ceticismo, do nosso olhar crítico e desconfiado diante da vida. Ele coloca às claras a fragilidade da nossa fé. Por outro lado, como ele, somos convidad@s, hoje, nesse tempo marcado por dores, por perda de referenciais humanos e evangélicos importantes, por horizontes ofuscados, a também acolher o convite tão cheio de amor de Jesus: “não seja incrédul@, mas crente, fiel..."


Referências bíblicas

1ª Leitura – At 4,32-35

Salmo 117 (118)

2ª Leitura – 1 Jo 5,1-6

Evangelho – Jo 20,19-31

A liturgia deste segundo domingo da Páscoa nos convoca, como igreja, como discípulas e discípulos de Jesus Ressuscitado, a renovar a fé no Senhor presente em nossa vida.

O Evangelho de hoje (Jo 20,19-31) é expressão real da nossa humanidade, do que somos e vivemos no caminho do discipulado: o desafio, permanente, de enfrentarmos nossos medos a partir da fé e confiança no Ressuscitado, O nosso “Senhor e Deus”.

Num primeiro momento nos voltemos para esse grupo de homens, seguidores de Jesus, que, por medo, estão trancados dentro de casa, com as portas chaveadas, no anoitecer. A noite ou o escuro é uma boa metáfora para o medo, pois ele é o oposto da luz, da clareza, da capacidade de vermos e discernirmos bem as coisas. O medo trava, paralisa e nos reclusa... Esse medo que os discípulos sentiam é compreensível. Eles haviam “perdido”, de uma forma brutalmente violenta e sangrenta, Aquele que era sua referência. E, sinceramente, eles não queriam ter o mesmo destino: serem torturados e pregados numa cruz.

Como esse grupo, nós também temos os nossos medos. Sentir medo tornou-se algo “quase” natural em nossos dias. Temos medo da violência que cresce assustadoramente em nossas cidades, bairros, periferias, morros; temos medo de morrer, de adoecer e não termos o tratamento adequado; temos medo de perder pessoas que amamos ou de sermos abandonadas ou abandonados por elas; temos medo de não darmos conta, por “n” razões, dos compromissos assumidos; de perdermos o emprego; de não sermos aceitas ou aceitos em nossos círculos de convivência; temos medo das dívidas, da solidão, e de dizer, muitas vezes, o que pensamos e sentimos, e tantos outros medos... O medo vem e se instaura em nossas mentes, nos tirando a capacidade de pensar, de discernir, de corrermos atrás dos nossos objetivos, de sermos resilientes e proativos frente aos desafios e dificuldades do cotidiano. O medo nos tira a paz! Não é por nada que uma das doenças do nosso tempo seja a “síndrome do pânico”.

Ao nos darmos conta desses e outros tantos medos que vivemos hoje, podemos facilmente nos colocar na pele daquele grupo de discípulos trancados e escondidos por medo, logo após a prisão e morte do seu Mestre, do seu líder.

Mas, agora voltemos nosso olhar para Jesus... Ele não os julga seus discípulos pelo medo que sentem. Pelo contrário, vai ao encontro deles, faz-se presente lá onde o medo se instalou. Não existe portas trancadas que O impeça de chegar aos seus... Põe-se no meio deles e oferece a Paz que repele o medo; sopra sobre eles o seu Espírito que os torna corajosos, confiantes e conscientes de quem são e da missão que lhes compete. Jesus os acolhe e lembra que assumir o seu projeto e discipulado significa abrir as portas fechadas, sair para fora das estruturas e concepções fixas e concluídas, significa acolher as pessoas, ser espaço aberto, partilhar o que se tem e o que se é, se solidarizar com quem precisa, a tal ponto que todas as pessoas tenham o necessário para viver com dignidade, que não aja entre nós ninguém com necessidade, seja qual for ela, como nos sugere São Paulo, na primeira leitura.

Jesus “sopra” o Seu Espírito de vida, de força, de coragem, de confiança... e eles sentem a sua presença e o seu amor. É seu Espírito que faz com que creiamos na sua Ressurreição, hoje, para além do que nossos olhos podem ver, nossas mãos tocar e nossa inteligência explicar. Jesus entra no espaço de vida d@s discípul@s e lhes dá a sua paz. Sua paz afasta o medo, devolve a alegria, a esperança e o compromisso com o projeto assumido. O mundo hoje carece tanto dessa paz, e talvez até nós mesm@s, nossas comunidades, as famílias brasileiras, as nossas igrejas, as nossas cidades. Nesse domingo, Jesus nos convida a acolher o dom da sua paz, mas também a sermos construtor@s da cultura da paz lá onde vivemos e estamos engajad@s.

Por fim, nos voltemos, especificamente, para Tomé, o discípulo em destaque no evangelho de hoje. Este viveu uma crise de fé tão profunda, que nem o testemunho dos seus amigos mais próximos foi suficiente para devolver-lhe o sentido da vida e o ajudar a interpretar e entender os fatos que aconteceram. Tamanha era a sua desolação... Tomé é o símbolo da nossa fragilidade diante dos medos que vivemos no cotidiano. Ele é a personificação do nosso ceticismo, do nosso olhar crítico e desconfiado diante da vida. Ele coloca às claras a fragilidade da nossa fé. Por outro lado, como ele, somos convidad@s, hoje, nesse tempo marcado por dores, por perda de referenciais humanos e evangélicos importantes, por horizontes ofuscados, a também acolher o convite tão cheio de amor de Jesus: “não seja incrédul@, mas crente, fiel... veja... toque... sou eu!”. Precisamos, também nós, nos deixar tocar e transformar pela presença e amor do Ressuscitado. Nossa fé diz que Ele está vivo e que está no meio de nós, ressignificando nossos medos e nos sustentando em nossas crises e sofrimentos.

Mas, só podemos fazer essa experiência de reconhecer Jesus como “meu Senhor e meu Deus”, como fez Tomé, se sairmos para fora dos nossos condicionamentos, confortos e seguranças; se abrirmos mão dos nossos medos e preconceitos; se formos, às pressas, ao encontro das pessoas; se acolhermos, de fato, o Ressuscitado. Como afirma a segunda leitura de hoje, é a nossa fé que nos dá a vitória, que nos faz vencer os desafios e medos diante da vida.

Diz a tradição que Tomé morreu mártir pela fé no seu “Senhor e Deus”. Viveu sua vida a serviço dessa fé, até a morte. Conhecemos homens e mulheres que, no passado e no atual momento, também receberam o martírio como preço dos seus gestos, posicionamentos e posturas radicais em defesa da vida e dos direitos humanos. Nós sabemos que a fé sem obras é vazia e sem sentido. Então, humildemente, professemos, hoje: “Creio, Senhor, mas aumenta a minha fé”.

E que essa fé nos comprometa na luta pela justiça, pela verdade, pela dignidade humana, tão ausentes nas pautas políticas, eclesiais e sociais de nosso tempo.

Então, com o Salmista, neste segundo domingo da Páscoa, renovemos nossa confiança no “Senhor que é bom e no seu amor que é para sempre”. É essa certeza de fé que nos faz vencer os medos e abraçar a vida nossa e de outros com coragem e ousadia.

Concluo citando uma canção brasileira que diz: “Hei medo, eu não te escuto mais. Você não me leva nada... E se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha SOL, é pra lá que eu vou”.

Caminhemos, irmãs e irmãos, mirando o horizonte, lá onde está o Sol, que é o Senhor Ressuscitado, mas com sensibilidade suficiente para O reconhecer aqui do nosso lado, caminhando conosco no nosso cotidiano, na nossa realidade; sendo luz dos nossos passos.


TEXTO DE D. Damian Nannini, Argentina

(traduzido pelo  Google, sem correção nossa). 


SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA CICLO "B"

 

Breve introdução ao quinquagésimo da Páscoa:

 

         É bom, no início do tempo pascal, ter uma visão global das leituras dominicais. Para isso recorremos ao documento “Ordenação das leituras da Missa” nº 100: “Até o terceiro domingo da Páscoa, as leituras evangélicas relatam as aparições de Cristo ressuscitado. Domingo de Páscoa. No quinto, sexto e sétimo domingos de Páscoa, após a Última Ceia, são lidos trechos selecionados do discurso e da oração do Senhor. A primeira leitura é retirada dos Atos dos Apóstolos, no ciclo de três anos, paralelamente e progressivamente; desta forma, a cada ano são oferecidas algumas manifestações da vida, do testemunho e do progresso da Igreja primitiva. Para a leitura apostólica, no ano A é lida a primeira carta de Pedro, no ano B a primeira carta de Pedro. João, no ano C do Apocalipse; estes textos estão muito de acordo com o espírito de uma fé alegre e de uma esperança firme, típica deste tempo”.

         Seria necessário especificar que o sétimo domingo coincide com a Ascensão do Senhor e que o oitavo domingo é o de Pentecostes, solenidades com as quais o mistério pascal atinge a sua plenitude.

         Quanto ao espírito deste tempo pascal, insiste-se no seu carácter unitário e festivo. Com efeito, «o tempo pascal deve ser vivido em unidade até à tarde do dia de Pentecostes. Nesse dia, e não no dia da Ascensão, acende-se o círio pascal, que tem sido o sinal externo da celebração da Vida Nova. do Senhor"[1]. O tom festivo e alegre também deve refletir-se na pregação, porque pode ser verdade que «é sempre mais fácil pregar para que as pessoas se “convertam” do que pregar para que experimentem a alegria da salvação”[2]. Portanto, trata-se de insistir na Presença de Jesus Ressuscitado na vida da Igreja e na nossa própria vida; para descobrirmos e desfrutarmos.

 

Primeira leitura (Hb 4,32-35):

 

         Em três resumos, o livro de Atos (2:42-47; 4:32-35; 5:11-16) descreve as características essenciais da Igreja Mãe de Jerusalém. Precisamente porque são sumários, têm a função de generalizar e tipificar os constituintes essenciais da vida da comunidade: o ensinamento dos Apóstolos, a vida em comum (koinonia), a fração do pão e a oração.

Especificamente, neste resumo são desenvolvidos dois destes quatro elementos essenciais, a saber, o ensinamento dos Apóstolos e a comunidade de vida, com especial atenção a esta última. O resumo começa (v. 32) descrevendo precisamente o vínculo estreito que unia os membros da nascente comunidade cristã de Jerusalém. Como nos informa L. Rivas: “O autor do livro dos Atos, para apresentar o modo de vida da primeira comunidade cristã, recorreu a uma fórmula com a qual os gregos descreviam a amizade. frase com outra que também se refere à amizade e que diz: “a multidão dos fiéis tinha um só coração e uma só alma” (Atos 4:32)”. Portanto, é uma comunhão afetiva que se expressa numa comunhão eficaz, a comunhão de bens.

         Após (v. 33) esta descrição, destaca-se o corajoso testemunho dos Apóstolos sobre a Ressurreição do Senhor. Desta forma estão ligados os dois elementos: a pregação apostólica e o testemunho de vida nova da comunidade unida.

         Os versículos finais (vv. 34-35) voltam ao efeito da comunidade de bens: ninguém tinha necessidade; e o papel dos apóstolos na distribuição dos bens. Segundo J. Roloff[3], desta forma se cumpriria a promessa de Dt 15,4: “Além disso, não haverá nenhum pobre ao seu lado, porque o Senhor o abençoará abundantemente na terra que ele lhe dá como uma herança." ".

 

Segunda leitura (1Jo 5,1-6):

 

         Este texto apresenta-nos claramente o fruto da fé em Cristo: nascer de Deus, do Pai. A fé teológica é acolhimento e apropriação da vida nova que surge da Ressurreição de Cristo, portanto é nascimento de Deus, ser filhos de Deus (cf. Jo 1, 12-13). E por isso mesmo ser irmão de todos os outros que também nasceram de Deus, aos quais estamos unidos pelo mesmo amor. É importante lembrar que o autor já havia escrito em 1Jo 4:7: “Meus queridos amigos, amemos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e quem ama é nascido de Deus e conhece a Deus”. Portanto, existe uma estreita ligação entre fé e amor. Pela fé nascemos de Deus e pelo amor recebido de Deus (ágape) amamos nossos irmãos e assim demonstramos a veracidade do nosso nascimento, da nossa condição de filhos de Deus. Como bem comenta J. Casabó[4], estes versos destacam sobretudo a origem divina do ágape para com os irmãos, diferente de meras simpatias; e que, portanto, a autêntica caridade fraterna só é possível no amor de Deus, que deve encarnar-se no comportamento ético, no cumprimento dos mandamentos.

         Portanto, o ensinamento constante desta carta é que o amor ao Pai e o amor aos filhos de Deus (os irmãos) “são duas formas de amar, não apenas inseparáveis, mas também simultâneas. os filhos guardam os seus mandamentos de maneira eficaz e prática»[5].

         Além do amor fraternal, que é a principal manifestação ou sinal do ágape divino, existem outras duas realidades que verificam a nova condição do cristão: o cumprimento dos mandamentos e a vitória sobre o mundo. A respeito deste último, é necessário recordar que no Evangelho e nas cartas de João o conceito “mundo” (kosmos) tem um triplo significado. Em primeiro lugar, refere-se à totalidade da criação, dos homens e da natureza. Depois, para toda a humanidade. E em terceiro lugar, «o conjunto de forças opostas e hostis a Deus, o “lugar” espiritual da rejeição de Deus e do seu amor, que se configura na rejeição de Cristo”[6]. A fé do crente triunfa sobre este mundo, participando da mesma vitória de Cristo. Com efeito, «o crente torna-se “além do mundo” e as suas acções como tais não serão movidas pelo impulso da luxúria, mas pela verdade que o santifica. iluminação do Espírito que ele tem nele, porque lhe foi dada, e para que o amor de Deus, que é a força total e o motivo da ação divina, possa também estar nele e informar todas as suas ações [...] Notemos também aqui que a situação do crente continua a ser de luta. Ele não está fora do alcance da ação do mundo e do seu príncipe. Nem lhe é assegurada, na sua ação humana como tal, a imunidade do pecado. Ele vive. numa tensão entre a sua abertura ao que já foi realizado por Cristo e a total consumação e manifestação que isso deve ter no mundo definitivo..."[7].

 

Evangelho (Jo 20,19-31):

 

Encontramos nesta história duas aparições do Senhor Ressuscitado: uma no mesmo dia da ressurreição com a presença dos apóstolos e a ausência de Tomé, um dos Onze; e a segunda, oito dias depois, com a presença de todo o grupo, agora incluindo Tomás.

Estas aparições acontecem “no primeiro dia da semana”, que é o nosso domingo, dia do Senhor, e que desde os tempos apostólicos é o dia de reunião dos cristãos.

         La primera aparición tiene lugar "al atardecer de ese mismo día, el primero de la semana" (20,19), y de este modo se relaciona con el relato precedente de la aparición a las mujeres que tuvo lugar ese mismo día, pero de Manhã. O local onde se reuniram não é especificado, mas nota-se que as portas foram fechadas por medo dos judeus. O medo e o confinamento são sinais da falta de fé da primeira comunidade, ainda atingida pelos acontecimentos vividos nos últimos dias.

Na sua primeira aparição, Jesus Ressuscitado saúda os discípulos dizendo: “A paz esteja convosco!” Mais do que um presságio ou um desejo, trata-se da doação efetiva da paz, de uma presença real da paz como dom escatológico, tal como Jesus havia indicado no seu discurso de despedida: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz, mas não como o mundo o dá” (Jo 14,27). Esta paz, segundo o pano de fundo do Antigo Testamento (Shalom), inclui todos os bens necessários para a vida presente e a plenitude dos bens na vida futura. Mas o que era uma promessa no Antigo Testamento torna-se realidade através da morte e ressurreição de Cristo. Precisamente no AT a presença de Deus entre o seu povo é considerada o bem supremo da paz (cf. Lv 26,12; Ez 37,26). Assim, para o evangelista João, a presença de Jesus ressuscitado entre o seu povo é a fonte e a realidade da paz que está presente. E esta paz não está ligada à sua presença corporal, mas à sua realidade de ser ressuscitado, vitorioso sobre a morte, e é por isso que ele lhes dá, junto com a sua paz, o Espírito Santo e o poder de perdoar pecados (20:22-23 ).[8]

 F. Moloney sustenta que, como falta o verbo na expressão eirênê hymin (“a paz esteja convosco”), ele deveria ser traduzido como “a paz esteja convosco” no sentido em que Jesus declara que a paz já está presente entre os discípulos. [9] ] E isto acontece precisamente porque Jesus ressuscitado está presente entre eles.

Em suma, agora Jesus ressuscitado, com a plenitude de vida que recebeu do Pai, pode dar ao seu povo a paz que vem do Pai e que lhe permite viver em comunhão com Deus e com os irmãos.

Depois, Jesus mostra-lhes as suas chagas para lhes provar que é o Crucificado que ressuscitou; que é ele mesmo, mas em um estado diferente.

Em seguida, dê-lhes paz novamente e diga as palavras de envio enquanto faz o gesto de soprar sobre eles. O tema da missão, com diferentes formulações, aparece como constante nas histórias da aparição de Jesus nos evangelhos. Na formulação joanina destaca-se que se trata de uma única e mesma missão, que tem origem no Pai que envia o seu Filho Jesus, que agora faz com que os seus discípulos participem dela. Também é comum nos evangelhos unir a missão ao dom do Espírito Santo; mas em São João a doação é feita pessoalmente através do gesto de soprar sobre eles[10]. A propósito deste gesto, alguns estudiosos vêem aqui uma referência ao gesto primordial de Deus na criação do homem (cf. Gn 2, 7)[11]. Então o sopro de Jesus é o sinal da nova criação: Jesus glorificado comunica o Espírito que faz renascer o homem (cf. Jo 3, 3-8), permitindo-lhe partilhar a comunhão divina. Além disso, segundo X. León Dufour[12], aqui está o cumprimento do que foi anunciado por João Batista de que Jesus “devia batizar no Espírito Santo” (Jo 1,32-33); e também da aliança definitiva anunciada pelos profetas e caracterizada pela efusão do Espírito (cf. Jr 31,33; Ez 36,26s).

Com este dom do Espírito Santo aos Apóstolos é-lhes também comunicado o poder de perdoar ou reter os pecados e, desta forma, são agora transmissores de vida nova. Além disso, este seria o objetivo da missão: o perdão dos pecados, a misericórdia. A este respeito, I. de la Potterie[13] comenta: «O trabalho que os discípulos deverão realizar será uma continuação do seu próprio. Pois bem, Ele é “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (1,29), o Filho de Deus que com o seu sangue “nos purifica de todo pecado” (1Jo 1,7). Agora compreende-se ainda melhor a alusão explícita à cruz na nossa perícope: a palavra de Jesus sobre o poder de perdoar os pecados acompanha o gesto com que Ele mostrou as chagas da sua paixão. É como se quisesse fazer compreender aos discípulos que o seu ministério de perdão será a actualização do sacrifício de Cristo e do seu significado soteriológico, uma vez que Jesus, o bom Pastor, “dá a sua vida pelas ovelhas” (cf. 10,15). ).”.

         O clímax da narrativa encontra-se na segunda cena onde Tomé, o discípulo ausente da primeira vez, é convidado a acreditar no testemunho da comunidade que viu o Ressuscitado. No entanto, Tomás recusa-se a acreditar se não consegue ver.

Os outros apóstolos viram o Senhor e creram; Thomas também quer ver o Senhor. Tomé quer verificar a afirmação dos seus companheiros, verificando com os seus próprios olhos que Aquele que lhes apareceu é verdadeiramente o Crucificado. Aplica rigorosamente as categorias do pensamento judaico sobre a ressurreição dos mortos. Quer uma continuidade estrita entre os dois mundos, para poder verificar concretamente que aquele que aparece é o mesmo ser de antes. Há algum tempo, Filipe queria ver o Pai (cf. Jo 14, 8), e agora Tomé quer ver, no sentido básico do termo, o Filho glorificado.

Então Jesus Ressuscitado aparece-lhe com os mesmos sinais da sua crucificação e repreende Tomé pela sua descrença. A resposta de Tomé é grande porque ele pronuncia a mais alta profissão de fé no Evangelho de João (e no Novo Testamento), pois aplica a Jesus os nomes que o Antigo Testamento reservava para Deus: Javé-Senhor e Elohim. Na verdade, Tomé chama Jesus de “Meu Senhor e meu Deus”, o que é a manifestação suprema da fé cristológica de todo o evangelho[14]. Além disso, o possessivo “meu” indica seu apego pessoal de fé e amor a Jesus.

         As últimas palavras de Jesus (20,29) são uma bem-aventurança onde declara bem-aventurados aqueles que acreditam sem ter visto (μὴ ἰδόντες καὶ πιστεύσαντες). Estas palavras seriam dirigidas aos discípulos da segunda geração cristã que não tinham sido testemunhas oculares da ressurreição de Jesus e tinham apenas a palavra pregada. Eles são declarados bem-aventurados se, pelo poder do Espírito Santo, chegam a acreditar que Jesus está vivo, mesmo que não tenham uma aparência sensata como a dos Apóstolos[15]. Esta é uma definição do crente cristão de todos os tempos, começando com a ressurreição de Jesus. Como diz com razão G. Zevini[16]: “É um crente quem, superando as dúvidas e as pretensões de ver, aceita o testemunho autorizado de quem viu. No tempo de Jesus a visão e a fé combinavam-se, mas agora, no tempo da Igreja, os discípulos não devem ter pretensões de ver: basta-lhes o testemunho apostólico. O sinal que conduz à fé transformou-se: aquele sinal já não é objeto de visão direta, mas de testemunho. Isto não significa que qualquer experiência pessoal do Cristo ressuscitado esteja atualmente fechada aos crentes. O oposto. Aos crentes é agora oferecida a experiência da alegria da paz, do perdão dos pecados, da presença do Espírito Santo. Mas a “história” de Jesus deve ser aceita através do testemunho”.

        

Algumas reflexões:

 

         A Quaresma impulsionou-nos ao exercício, por vezes árduo e difícil, de olhar para nós mesmos para reconhecer pecados ou desordens e iniciar um caminho de conversão.

         O tempo pascal convida-nos, antes, a exercer um olhar de fé sobre a nossa realidade para descobrir nela a presença viva do Ressuscitado. Por isso o grande tema deste tempo é a fé, ou seja, acreditar na sua Presença invisível. E fique feliz em acreditar sem ver.

Santo Agostinho diz isso, comentando a frase de Jesus a Tomé. “De quem ele estava falando, irmãos, senão de nós? E não só de nós, mas também daqueles que virão depois de nós. De facto, pouco depois de terem sido afastados dos olhos mortais, para que a fé pudesse ser fortalecida nos corações, todos aqueles que acreditaram o fizeram sem ver, e a sua fé teve grande mérito. Para ter esta fé limitaram-se a levar a Deus um coração cheio de piedade, mas não a mão para tocar” (Sermão 88,2).

         Sem dúvida, a fé é um dom de Deus para nós. Mas é também o dom que Jesus nos pede; É o “dom da razão” (DV n. 5) que devemos oferecer, dar ao Senhor e para o qual “precisamos da graça de Deus que previne e ajuda, e da ajuda interna do Espírito Santo, que move o coração e isso o converte a Deus, abre os olhos da mente e dá “a todos suavidade na aceitação e na crença na verdade” (DV n. 5). Devemos pedir ao Senhor o dom da Fé.

Agora, não se trata de acreditar no ar ou no vácuo; mas somos chamados a fazer uma experiência, na fé, da Presença de Jesus Ressuscitado na nossa vida, análoga à que fizeram os Apóstolos.

         Esta Presença de Jesus escapa aos sentidos porque não podemos vê-lo nem tocá-lo como Tomé; Mas podemos sentir os efeitos da sua Presença, da sua passagem pela nossa vida. O evangelho de hoje fala-nos sobretudo da paz que o Senhor dá ao seu povo. Junto com a paz temos a alegria, à qual também se refere o evangelho de hoje. Intimamente ligado a estas experiências está o tema do perdão dos pecados confiado à Igreja (misericórdia). E, finalmente, a raiz ou causa de tudo: o dom do Espírito Santo.

         Além da fé, a outra condição indispensável para esta experiência de Jesus Ressuscitado é a inserção ou pertença comunitária. Também nisto o exemplo de Tomé é claro. Somente quando ingressou na comunidade apostólica pôde encontrar o Senhor. O Senhor está presente na comunidade dos crentes e ali poderemos “vê-lo” com os olhos da fé.

Ora, para que a Igreja torne visível aos homens a Presença de Jesus Ressuscitado, deve viver as notas características que a primeira leitura nos descreveu. Isto é: uma Igreja onde os crentes têm “um só coração e uma só alma” e por isso vivem a comunhão até ao nível dos bens materiais para que ninguém passe necessidade.

O fruto desta experiência de encontro com Cristo é tornar-se nova criatura. Sim, porque ressuscitamos com Cristo no Batismo e a vida nova da Graça nos foi comunicada, em germe. E esta vida de fé deve crescer e manifestar-se na caridade fraterna e no cumprimento dos mandamentos; derrotando assim o mundo que constantemente nos convida ao egoísmo e à devassidão.

Como resumo das leituras, A. Nocent[17] diz: «Se examinarmos a missa deste segundo domingo como um todo, encontraremos nela um tema muito rico de conteúdo: a ressurreição de Cristo criou uma comunidade que é um só coração, uma comunidade persuadida a conquistar a vitória sobre o mundo pela crença na pessoa de Cristo e iluminada pelo Espírito Santo que dá à revelação a sua plenitude.

         Completaríamos isto recordando a centralidade da fé nas três leituras. Uma fé vivida em comunhão; uma fé que nos faz renascer para uma vida nova que se expressa no amor fraternal, no cumprimento dos mandamentos e na vitória sobre o mundo; Em suma, uma fé feliz pela presença do Ressuscitado entre nós, mesmo que não o vejamos.

         Bem podemos dizer que o tema que une este domingo é a fé em Cristo Ressuscitado e a sua dimensão comunitária. A este respeito podemos citar o discurso de Bento XVI na inauguração da Conferência de Aparecida: “O que nos dá a fé neste Deus? A primeira resposta é: dá-nos uma família, a família universal de Deus na Igreja Católica. nos Liberta do isolamento de nós mesmos, porque nos leva à comunhão: o encontro com Deus é, em si e como tal, um encontro com os irmãos, um ato de convocação, de unificação, de responsabilidade para com o outro e em relação aos outros.”

        

O evangelho também nos fala do “envio” dos discípulos, e neles toda a Igreja recebe a responsabilidade de prolongar a missão de Jesus no tempo; missão que se resume no “perdão dos pecados”, no exercício da misericórdia de Deus. Ao tema da fé e da comunidade, acrescentamos então o tema da misericórdia que é típico deste segundo domingo de Páscoa, que agora também é denominado domingo “da divina misericórdia”, com o intuito de educar os fiéis para que compreendam esta devoção. à luz das celebrações litúrgicas destes dias pascais. O objetivo é mostrar como a misericórdia divina é comunicada por Cristo morto e ressuscitado, fonte do Espírito que perdoa os pecados e restaura a alegria da salvação[18]. Em suma, a revelação da misericórdia divina tem o seu ápice no mistério pascal.

Neste sentido, unindo missão e misericórdia, a fé pascal leva-nos a olhar e a tocar as chagas de Jesus nos nossos irmãos, como nos propôs o Papa Francisco no Regina Coeli de 28 de abril de 2019: “Tocar as chagas de Jesus, que são os muitos problemas, as dificuldades, as perseguições, as doenças de tantas pessoas que sofrem. Você não está em paz? Vá, vá visitar alguém que é símbolo da ferida de Jesus, toque na ferida de Jesus. A misericórdia brota dessas feridas. É por isso que hoje é o Domingo da Misericórdia. Um santo disse que o corpo de Jesus crucificado é como um saco de misericórdia, que através das feridas chega a todos nós. Todos nós precisamos de misericórdia, sabemos disso. Aproximemo-nos de Jesus e toquemos as suas feridas, nos nossos irmãos que sofrem. As chagas de Jesus são um tesouro: delas brota misericórdia. Sejamos corajosos e toquemos as feridas de Jesus. Com estas feridas ele se coloca diante do Pai e as mostra a ele, como se dissesse: “Pai, este é o preço, estas feridas são o que paguei pelos meus irmãos”. Com as suas chagas Jesus intercede diante do Pai. Ele nos dá misericórdia se nos aproximamos dele e intercedemos por nós. “Não se esqueça das feridas de Jesus.”

         Na atual situação de pandemia, vale a pena o que o Papa Francisco disse na sua mensagem de Páscoa de 2020: “O Ressuscitado não é outro senão o Crucificado. Ele carrega em seu corpo glorioso feridas indeléveis, feridas que se tornam luzes de esperança. “Dirigimos nosso olhar para Ele para curar as feridas da humanidade desolada”.

 

 

PARA ORAÇÃO (ressonâncias do Evangelho em uma pessoa que ora):


O Noivo está chegando!

 

Você fez sinais para que todos acreditassem

No Único Pai do Rei dos reis

Nós sabíamos que você estava morto, em um túmulo

E agora ressuscitado, você retorna.

 

Estamos juntos com medo

Inseguro e atordoado

Sua paixão escureceu o caminho

Apesar do seu ensinamento, não entendemos.

 

Alguns desanimados, outros incrédulos

A oração nos deu força

Para queimar as tristezas e tristezas

 

Em uma casa ignorada

Estávamos escondidos, protegidos de tudo

E esperando pelo desconhecido

 

você é sempre o mesmo

Surpreendente, próximo e glorioso

Transformando tudo em lindo e novo

Somente em Espírito.

 

Que alegria ver você novamente

O olhar de todos ficou tão puro

Como crianças: maravilhadas

Recebemos a paz desejada.

 

A fé foi repentinamente renovada

As feridas e a desgraça são deixadas para trás

Prepare sua luminária minha irmã!

O Noivo já está chegando. Amém



[1] J. Aldazábal, "La cincuentena pascual, tiempo fuerte, centro de todo el año" en La Cincuentena Pascual (CPL; Barcelona 1984) 7.

[2] J. Gomis/J. LLigadas, "Pastoral de la celebración", en La Cincuentena Pascual (CPL; Barcelona 1984) 12.

[3] Hechos de los Apóstoles (Cristiandad; Madrid 1984) 128.

[4] La teología moral en San Juan (FAX; Madrid 1970) 385-386.

[5] R. Fabris, Las tres cartas de Juan. Comentario exegético y espiritual (Ágape; Bs. As. 2010) 147.

[6] J. Casabó, La teología moral en San Juan (FAX; Madrid 1970) 165.

[7] J. Casabó, La teología moral en San Juan (FAX; Madrid 1970) 202-203.

[8] Cf. X. León-Dufour, "Paz" en X. León-Dufour, Vocabulario de Teología Bíblica, Barcelona, 1978; 659.

[9] Cf. F. Moloney, El evangelio de Juan, Estella, Verbo Divino 2005; 516.

[10] Cf. G. Zevini, Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 490.

[11] Cf. L. H. Rivas, El evangelio de Juan. Introducción. Teología. Comentario (Buenos Aires 2005) 530.

[12] Cf. Lectura del evangelio de Juan. Jn 18-21. Vol. IV, Salamanca, Sígueme 1998; 193.

[13] Genesi della fede pasquale secondo Giovanni 20, 206; citado en G. Zevini, Evangelio según san Juan, 491.

[14] Cf. L. H. Rivas, El evangelio de Juan, 535.

[15] Cf. L. H. Rivas, El evangelio de Juan, 536.

[16] Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 495.

[17] Celebrar a Jesucristo IV. Semana Santa y Tiempo Pascual (Sal Terrae; Santander 1986) 190.

[18] Cf. Congregación para el Culto Divino y la Disciplina de los Sacramentos, Directorio sobre piedad popular y liturgia. Principios y orientaciones (CEA; Buenos Aires 2002