1º QUARESMA-A

1° DOMINGO DA QUARESMA ANO A

26/02/2023


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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: Gênesis 2,7-9;3,1-7

Salmo 50(51)-R- Piedade, ó Senhor, tende piedade, pois pecamos contra vós.

2ª Leitura: Romanos 5,12-19 

Evangelho de Mateus 4,1-11 

Naquele tempo: 1o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. 2Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome. 3Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: 'Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!' 4Mas Jesus respondeu: 'Está escrito: 'Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus'.' 5Então o diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo, 6e lhe disse: 'Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo! Porque está escrito: 'Deus dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra'.' 7Jesus lhe respondeu: 'Também está escrito: 'Não tentarás o Senhor teu Deus!'' 8Novamente, o diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e sua glória, 9e lhe disse: 'Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar.' 10Jesus lhe disse: 'Vai-te embora, Satanás, porque está escrito: 'Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a ele prestarás culto.' 11Então o diabo o deixou. E os anjos se aproximaram e serviram a Jesus. Palavra da Salvação.


Dom Júlio Endi Akamine, arcebispo de Sorocaba sp

Mt 4,1-11

Bem-vindos à Quaresma e à Campanha da Fraternidade. Jesus nos pede: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).

Neste primeiro domingo da quaresma, ouvimos a proclamação do drama vivido por Jesus logo depois do Batismo no Jordão: a tentação no deserto. 

Ao iniciar o seu ministério público, Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto. No Batismo de Jesus, o Espírito se manifestou e pousou sobre Jesus. Esse mesmo Espírito agora leva Jesus ao deserto “para ser tentado pelo diabo”. 

A tentação de Jesus não consiste em uma solicitação ao mal: Jesus nunca desejou o mal e sua vontade sempre foi a de fazer a vontade do Pai. A tentação de Jesus consiste em tentação messiânica. No deserto Jesus precisa escolher que tipo de messias ele será; deve resolver como realizará a sua missão salvadora. O diabo quer que Jesus escolha o caminho mais fácil e de melhor aceitação (mais mercadológico e de sucesso) de um messianismo triunfalista, materialista e milagreiro. Jesus, no deserto e durante toda a sua vida, desmascarou esse projeto como diabólico.

No deserto, Jesus se entrega a oração e ao jejum. Ele busca o Pai e a sua vontade, quer estar em sua presença e companhia. De fato, Jesus é o filho muito amado no qual o Pai se agrada. Depois de jejuar 40 dias, Jesus sente fome. Ele busca o Pai, mas o que Ele experimenta é a necessidade humana de comer. Nesse momento o Tentador vê a oportunidade para atacar Jesus. “Se és Filho de Deus (o filho muito amado no qual o Pai pôs o seu agrado), manda que estas pedras se tornem pães”. O Tentador é oportunista, percebeu a necessidade e se mostra como bom conselheiro: “Afinal, se tu és realmente amado pelo Pai, se o Pai não dá uma pedra quando o filho lhe pede um pão, nada mais justo que ‘transformar as pedras em pães’. O Pai precisa provar que, de fato, te ama através de um milagre”.

Jesus fez muitos milagres, mas nunca fez milagres para provar que é Filho de Deus nem para obter a prova da paternidade de Deus. Ceder à proposta do diabo seria se render ao anti-projeto dele: fazer milagres para se impor às consciências ou, pior, para comprar as pessoas.

Pelo contrário, quando, depois da multiplicação dos pães quiseram fazê-lo rei, Jesus se retirou. O pão é importante para Jesus, e ele se preocupa com os famintos, mas o pão não é tudo. Mais necessário do que o pão é a Palavra.

A resposta de Jesus torna clara essa primazia que ocupa a vontade do Pai. Se o Filho é realmente filho, ele confia no Pai, e não precisa que o Pai prove a sua paternidade por um milagre inútil. Por isso, o Filho Jesus vive não somente do pão, mas “de toda palavra que sai da boca de Deus”. Quem confia no Pai pode sempre contar com o seu socorro.

O diabo não desiste e, astuto como é, se aproveita do que Jesus lhe respondeu para voltar a atacar, agora de maneira ainda mais sutil e perigosa. Ele desafia Jesus: “Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo! Pois está escrito: ‘A seus anjos Ele dará ordens a teu respeito; e, nas mãos ter carregarão, para que não firas teu pé em alguma pedra’”. O diabo cita Sl 911s!

A resposta de Jesus, novamente revela a manipulação que o diabo faz da Escritura: “Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás’”. Com a citação de Dt 6,16, Jesus mostra que se atirar do pináculo do templo não é expressão de confiança em Deus, mas uma chantagem que ofende Deus. Não devemos exigir o milagre a Deus: não devemos nos servir de Deus, nós devemos servi-lo. Exigir de Deus um milagre é tentar Deus. O messianismo de Jesus não é, como desejava o diabo, um show de milagres para conquistar maior audiência (mais ibope, mais curtidas, mais prosélitos). Jesus não é um milagreiro e não revela o Pai como quebra-galho do qual nos servimos. 

A terceira tentação é a mais perigosa e terrível. O diabo mostra a Jesus, num só relance, “todos os reinos e a sua riqueza”. “Todos os reinos e a sua riqueza!” É difícil imaginar como deve ter sido essa visão! Jesus teve uma visão! É uma visão totalizante, uma visão clara, uma visão que abre a inteligência para um mundo de oportunidades e possibilidades inimagináveis. Essa visão que se dirige à inteligência de Jesus está vinculada um desejo que se dirige à vontade! É a visão do diabo sobre o mundo: “todos os reinos e sua riqueza”! Mas há um preço a ser pago para poder possuir tudo isso. O diabo diz qual é o preço para possuir “todos os reinos e a sua riqueza”: “tudo isso te darei, se te prostrares para me adorar”. O diabo exige ser adorado no lugar de Deus. 

A resposta de Jesus corta na sua raiz a tentação de querer se substituir a Deus. Sim, é próprio do Diabo querer ocupar o lugar de Deus e de fazer os seus servidores pensarem que podem ser Deus sem Deus e em oposição a Ele. “Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a Ele prestarás culto”. Só Deus pode ser adorado! E além disso, se Deus não for adorado, acabaremos por nos prostrarmos para adorar o diabo.

Neste tempo da Campanha da Fraternidade queremos ir com Jesus para o deserto, para com e por Ele lutar contra as tentações.

A fome ceifa ainda inúmeras vítimas entre os muitos Lázaros, a quem não é permitido sentar-se à mesa do rico avarento. Dar de comer aos famintos (cf. Mt 25, 35.37.42) é um imperativo ético para toda a Igreja, que é resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do Senhor Jesus. Além disso, eliminar a fome no mundo tornou-se também um objetivo a alcançar para preservar a paz e a subsistência da terra.


A nossa grande tentação - José Antonio Pagola


A cena “das tentações de Jesus” é um relato que não devemos interpretar com ligeireza. As tentações que se nos são descritas não são propriamente de natureza moral. O relato adverte-nos de que podemos arruinar a nossa vida, se nos desviamos do caminho que segue Jesus.

A primeira tentação é de importância decisiva, pois pode perverter e corromper nossa vida de base. Aparentemente, é oferecido a Jesus algo bem inocente e bom: colocar Deus ao serviço da Sua fome. “Se és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães”.

No entanto, Jesus reagiu de forma rápida e surpreendente: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Não fará do seu próprio pão, um absoluto. Não colocará Deus ao serviço do seu próprio interesse, esquecendo o projeto do Pai. Sempre procurará primeiro o reino de Deus e a sua justiça. Em todos os momentos escutará a Sua Palavra.

As nossas necessidades não ficam satisfeitas apenas com assegurar o nosso pão. O ser humano necessita e aspira a muito mais. Inclusive, para resgatar da fome e da miséria a quem não tem pão, temos de escutar a Deus, o nosso Pai, e despertar na nossa consciência a fome de justiça, a compaixão e a solidariedade.

A nossa grande tentação é hoje converter tudo a pão. Reduzir cada vez mais o horizonte da nossa vida à mera satisfação dos nossos desejos; fazer da obsessão por um bem-estar, sempre maior, o do consumismo indiscriminado e sem limites o ideal quase único das nossas vidas.

Enganamo-nos se pensamos que esse é o caminho a seguir em direção ao progresso e à libertação. Será que não estamos a ver que uma sociedade que arrasta as pessoas para o consumismo sem limites e para a autossatisfação, não faz senão gerar vazio e sem sentido nas pessoas, e egoísmo, falta de solidariedade e irresponsabilidade na convivência?

Por que estremecemos que aumente de forma trágica o número de pessoas que se suicidam cada dia? Por que continuamos encerrados no nosso falso bem-estar, levantando barreiras cada vez mais desumanas para que os famintos não entrem nos nossos países, não cheguem até às nossas residências nem chamem à nossa porta?

A chamada de Jesus pode-nos ajudar a tomar mais consciência de que não só de bem-estar vive o homem. O ser humano necessita também de cultivar o espírito, conhecer o amor e a amizade, desenvolver a solidariedade para com os que sofrem, escutar a sua consciência com responsabilidade, abrir-se ao Mistério último da vida com esperança.  


Quaresma: De que temos fome?- Pe Adroaldo Paloro


“Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.” (Mt 4,4)


O primeiro domingo da Quaresma nos desloca até o “deserto das tentações”; ali Jesus se deparou com as grandes “fomes que desumanizam”: “pão do ego”, “poder autocentrado”, “vaidade estéril”.

Jesus foi conduzido ao deserto imediatamente depois do seu batismo, com a palavra do Pai ressoando em seu coração: “Tu és meu filho amado...”; mas agora, no deserto, vai escutar outras palavras que “tentam” convencê-lo para que não ponha o centro de sua vida nesse amor, mas no poder, na vida fácil, na fama, nas posses... O relato das tentações resume simbolicamente outros momentos da vida de Jesus nos quais esteve submetido à alternativa entre “a maneira de pensar de Deus” ou “a maneira humana”.

As tentações foram uma ocasião privilegiada para Jesus ativar as “grandes fomes que humanizam”: fome de vida doada, fome do Reino, fome de comunhão, de pão partilhado, de compromisso solidário...

Conduzido pela força do Espírito, Ele viveu uma integração a partir de seu coração e não se deixou levar pelas aparências enganosas.

Sua vocação à messianidade ficou clara no batismo; agora, tratava-se de buscar os meios para viver sua missão. No seu discernimento, Jesus sentiu que o poder, a riqueza, o prestígio não são “meios” para realizar a Vontade do Pai; pelo contrário, inspirado pelo Espírito, elegeu o caminho do  esvaziamento, da pobreza e do compromisso solidário com os mais pobres e excluídos. Sua missão como Messias devia começar nas periferias, junto aos abandonados pelo poder religioso e civil da época.

À luz do discernimento de Jesus, também nós, durante esta Quaresma, seremos conduzidos pelo Espírito ao deserto interior para o despertar das “fomes” que nos tornam mais sensíveis, abertos à realidade, comprometidos na partilha do “pão”, que é dom e deve chegar a todos.

A Campanha da Fraternidade (CF) deste ano nos alerta para o drama da fome, escândalo e incoerência na vivência do seguimento de Jesus.

Sabemos que a fome e a sede são mecanismos fundamentais dos seres vivos. Todo ser vivente necessita nutrição e hidratação, mas, nos seres humanos, estas necessidades biológicas têm caráter social. Em muitas culturas humanas, compartilhar o alimento e a bebida revela-se como gesto de socialização e de integração.

Na experiência cristã, esta necessidade vital é transladada ao campo da fé: o alimento é dom do Criador para todos. O problema crônico da atualidade não é unicamente a satisfação das necessidades básicas, mas também o despertar de uma consciência que exija a justa distribuição dos recursos naturais, para que a humanidade cultive o melhor de si mesma e viva a solidariedade e a justiça como um projeto social alternativo frente às políticas egoístas e concentradoras de bens.

A CF nos revela que a fome tem várias raízes (escassez de recursos, alterações climáticas, subdesenvolvimento de alguns povos...); no entanto, em sentido mais profundo, ela provém de duas causas principais: a) o egoísmo de grupos e indivíduos, que se apropriam dos recursos de todos e não partilham seus produtos; b) a injustiça de um sistema político e econômico que não se preocupa com o bem comum. Ter alimento faz parte dos direitos fundamentais de toda pessoa, um direito que deve ser garantido pelo Estado.

A pedagogia quaresmal, portanto, nos sacode e nos desnuda, porque desmascara nossas falsas seguranças, centradas na riqueza, no poder, na vaidade. Inspirados pelo “discernimento” de Jesus no deserto, somos também movidos a buscar nossas raízes mais profundas. Quando esse percurso é vivido de maneira intensa, o Espírito nos conduzirá ao fundo estável e sereno, nos conduzirá à “casa”, à nossa verdadeira identidade, à “Terra prometida” onde há fartura de pão.

Por isso, é preciso ampliar nosso interior para despertar outras fomes.

O lema da CF – “dai-lhes vós mesmos de comer” – nos revela que nosso interior é uma reserva de “alimentos humanizadores”: compaixão, desejos nobres, dons originais, criatividade, espírito de busca... São alimentos que plenificam e dão sabor à nossa vida. É preciso extraí-los e multiplicá-los para que a fome de sentido e de esperança das pessoas seja saciada. Ninguém tem o direito de armazenar nos seus celeiros o “trigo” doado por Aquele que é fonte de todo “alimento salutar”.

Afinal, alimento guardado é alimento que apodrece. Vida partilhada é vida abundante.

Com frequência, nossa existência humana parece uma corrida em busca daquilo que nos sacia de um modo definitivo. Nesta corrida, aparecem muitos elementos que nos são familiares: necessidades, ansiedade, insegurança, vazio, insatisfação... Todos eles, à primeira vista, nos fazem tomar consciência que somos seres carentes. Seria, pois, essa carência aquela que nos movimenta na busca de algo para preencher nosso vazio?

De fato, o ser humano é um ser insaciável, insatisfeito... vive eternamente buscando, muitas vezes sem saber o quê. Em contato com o seu interior, sente a necessidade de preenchê-lo a qualquer preço; na maioria das vezes, preenche-o com “coisas”: busca de poder, posses, prestígio, pão que se perde... e sente-se frustrado, porque nada lhe satisfaz.

Não são as “coisas exteriores” que nos tentam. O que nos tenta é a maneira injusta, perversa com o qual utilizamos as coisas, o espírito com o qual vivemos a nossa vida. Só o Pão da Palavra pode preencher nosso interior; só um alimento nos plenifica: “fazer a Vontade do Pai”.

Aqui, também é preciso nos perguntar: - qual é a nossa tentação? O que é que nos seduz?

Nossa liberdade sente-se movida e atraída em duas direções. A cena das “tentações de Jesus” desvela (distingue, põe às claras...) os dois dinamismos, duas tendências, dois impulsos... que se fazem presentes em nosso interior (um de alargamento ou expansão de nós mesmos em direção aos outros e de Deus; e outro de fechamento, auto centramento, resistência e medo).

A questão de fundo é saber qual dos dois dinamismos alimentamos; é aqui que entra a liberdade (ordenada) para deixar-nos conduzir pelo Espírito. O centro é o Espírito.

“Dai-lhes vós mesmos de comer”: este apelo nos inquieta, ativa nossa sensibilidade e nos faz ampliar a visão em direção à grande multidão de famintos, presentes em nossa realidade: famintos de alimento, de proximidade, de justiça, de comunhão, de afeto...

Jesus ensina que a dinâmica do Reino é a arte de compartilhar. Talvez todo o dinheiro do mundo não seja suficiente para comprar o alimento necessário para todos os que passam fome... O problema não se soluciona comprando, o problema se soluciona compartilhando.

O pão nas mãos de Jesus era pão para ser partido, repartido e compartilhado.

O pão armazenado, como o maná no deserto, se corrompe, apodrece.

Também hoje Ele precisa de nossas mãos para multiplicar os grãos; precisa de nossas mãos para triturar esses grãos, amassar a farinha e fazer o pão. E precisa de nosso coração para que o pão seja repartido.

O pão sem coração é pão “monopolizado”. Pão indigesto, que engorda o egoísmo.

O pão sem coração gera divisões e conflitos. Quantas guerras fraticidas provoca o pão sem coração!

Deus precisa de nosso coração para que o pão leve o sinal da fraternidade, seja vitamina de solidariedade, alimento de comunhão, para que possamos comungar.

No pão compartilhado, encontramos a luz da vida. “Se partes teu pão com o faminto, brilhará tua luz como a aurora” (Is 58,7).

Para meditar na oração

Já paramos para pensar na abundância de recursos e nutrientes em nosso coração e que poderíamos compartilhar com os outros? Nem sempre se trata de encher estômagos vazios. Não só o estômago tem necessidades. Há outras muitas necessidades vitais no coração humano. Nosso coração é habitado pelo impulso do “mais”; ali não há carência. Em nossos celeiros interiores há abundância de alimentos que nos humanizam.

- Quais são as “fomes” que mobilizam sua criatividade e seus melhores recursos? São “fomes” egocentradas ou oblativas, fomes autocentradas ou abertas à solidariedade e partilha?

- Visite seu “celeiro interior”; ative suas “reservas” de bondade, recursos, beatitudes originais...

 

A Boa Nova é testada e provada no deserto - Mesters e Lopes


Depois do batismo, o Espírito de Deus toma conta de Jesus e o empurra para o deserto, onde ele se prepara para a missão (Mc 1,12s). Marcos diz que Jesus esteve no deserto 40 dias e que foi tentado por Satanás. Em Mateus 4,1-11 se explicita a tentação: tentação do pão, tentação do prestígio, tentação do poder. Foram três tentações que derrubaram o povo no deserto, depois da saída do Egito (Dt 8,3; 6,16; Dt 6,13). Tentação é tudo aquilo que afasta alguém do caminho de Deus.

Orientando-se pela Palavra de Deus, Jesus enfrentava as tentações e não se deixava desviar (Mt 4,4.7.10). Ele é igual a nós em tudo, até nas tentações, menos no pecado (Hb 4,15). Inserido no meio dos pobres e unido ao Pai pela oração, fiel a ambos, ele resistia e seguia pelo caminho do Messias-Servidor, o caminho do serviço a Deus e ao povo (Mt 20,28).

ALARGANDO

A semente da Boa Notícia, o início do anúncio do Evangelho na América Latina

Marcos inicia dizendo como foi o começo. Você esperaria de Marcos uma data bem precisa. Em vez disso, recebe uma resposta aparentemente confusa. Para descrever esse começo, Marcos cita Isaías e Malaquias (Mc 1,2-3). Fala de João Batista (Mc 1,4-5). Alude ao profeta Elias (Mc 1,4). Evoca a profecia do Servo de Javé (Mc 1,11) e as tentações do povo no deserto, depois da saída do Egito (Mc 1,13). Você pergunta: "Mas afinal, o começo foi quando: na saída do Egito, no deserto, em Moisés, em Elias, em Isaías, em Malaquias, em João Batista?" O começo, a semente pode ser tudo isso ao mesmo tempo. O que Marcos quer sugerir é que olhemos a nossa história com outros olhos. O começo a semente da Boa Nova de Deus, está escondida dentro da vida da gente, dentro do nosso passado, dentro da história que vivemos.

O começo da Boa Nova na América Latina está escondido na resistência e no despertar das etnias indígena e negra, que buscam vida, dignidade e liberdade para todos. Resgatando a sua história e reconhecendo os valores éticos presentes na cultura do seu povo, os indígenas se unem aos descendentes afro e a todas as pessoas que sofrem injustiça e discriminação. As mulheres despertam como sujeito de um novo tempo, desconstruindo velhos padrões de comportamento e gerando uma nova consciência.

No campo e na cidade o MST vem demonstrando uma nova capacidade de organização e articulação. Apesar da propaganda contrária da TV, revistas e jornais, o MST gera um debate nacional sobre pontos fundamentais para uma política agrícola. Surge uma nova sensibilidade ecológica e cresce a consciência de cidadania. O grande desejo de participação transformadora, que a discussão e debate dos problemas sociais vêm provocando, se expressa no voluntariado de jovens, pessoas desempregadas, aposentadas… Até mesmo daquelas que em meio ao trabalho e ao estudo ainda encontram tempo para entregar-se gratuitamente ao serviço dos outros.

A busca de novas relações de ternura, respeito, ajuda mútua e intercâmbio vem crescendo. Há uma indignação do povo frente à corrupção e à violência. Há algo que vai nascendo dentro de cada pessoa, algo novo, que não permite mais a indiferença diante dos abusos políticos, sociais, culturais, de classe e de gênero. Há uma nova esperança, um novo sonho, um desejo de mudança. Resgata-se a utopia de construir uma sociedade nova, onde haja espaço de vida e de participação para todas as pessoas.

O anúncio da Boa Nova de Deus na América Latina será realmente Boa Notícia se apontar para esta novidade que está acontecendo no meio do povo. Ajudar a abrir os olhos para essa novidade, comprometer as comunidades de fé na busca pela utopia é reconhecer a presença libertadora e transformadora de Deus agindo no dia-a-dia de nossa vida.

O povo da Bíblia tinha esta convicção: Deus está presente na nossa vida e na nossa história. Por isso, eles se preocupavam em lembrar os fatos e as pessoas do passado. Pessoa que perde a memória perde a identidade, ela já não sabe de onde vem nem para onde vai. Eles liam a história do passado para aprender a ler a história deles e descobrir dentro dela os sinais e os apelos da presença de Deus. É o que Marcos fez aqui no início do seu evangelho. Ele tira o véu dos fatos e aponta um fio de esperança que vinha desde o êxodo, desde Moisés, passando pelos profetas Elias, Isaías e Malaquias, pelos servidores do povo, até chegar em João Batista, que aponta Jesus como aquele que realizará a esperança do povo.


DESERTO, LUGAR DO DISCERNIMENTO - Pe Adroaldo Paloro

“O Espírito conduziu Jesus ao deserto...” (Mt 4,1)


Na experiência do batismo, Jesus escutou a voz do Pai. Trata-se do principal momento teofânico de sua vida, juntamente com a transfiguração. Mateus se serve deles para proclamar que a identidade de Jesus consiste em ser o Filho amado do Pai. Essa é sua identidade e nela se revela que seu “código genético” consiste em ser o Filho, o Amado, o Predileto..., sobre quem se visibiliza a complacência do Pai. 

Agora podemos compreender sua ida ao deserto, movido pelo Espírito, como uma necessidade imperiosa de “processar”, no silêncio e na solidão, essa revelação, de alargar espaço, em sua interioridade, para o deslumbramento e o assombro. 

O significado do deserto não é prioritariamente o penitencial. “Levá-lo-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração”, tinha dito Oséias (2,16), convertendo o deserto em um lugar privilegiado de encontro pessoal e de escuta da Palavra. Jesus é conduzido ao deserto para acolher a Palavra escutada em seu coração no mo-mento de seu batismo. Ele precisava de tempo para assentar no mais profundo de seu ser uma Palavra que o descentrasse para sempre de si mesmo e o situasse à sombra da ternura incondicional de Alguém maior.


O evangelista Mateus apresenta a estadia de Jesus no deserto como um tempo de lucidez, fazendo-nos perceber que a relação filial da qual Ele tinha tomado consciência, iluminou de tal maneira sua visão, que se tornara impossível confundir a Deus com os falsos ídolos que o tentador lhe apresenta: um deus em busca de um mágico e não de um Filho; um “deus” contaminado das vazias pretensões do pior da condição humana: ter, brilhar, ostentar poder, exercer domínio...

O que parece claro é que Jesus buscou o deserto para um tempo de discernimento, em oração e em solidão, diante do Pai que o proclamou seu Filho; Ele teve de refletir e discernir sobre o modo como assumiria sua missão em sua vida pública. 

Ora, essa missão comportava, de fato, não só um fim que havia de realizar (a salvação e a libertação total da humanidade) senão, também, um meio, ou seja, um caminho e uma maneira de proceder, tendo em vista alcançar aquele fim. E esse meio ou esse procedimento era, essencialmente, a solidariedade com todos os pecadores e excluídos da terra, a ponto de morrer com eles e por eles.

Não podemos esquecer que o tentador não propõe a Jesus que se afastasse de seu fim, ou seja, de seu projeto messiânico de salvação (“Se és o Filho de Deus...”), senão que, na realidade, o que ele faz é oferecer a Jesus alguns meios determinados para realizar a implantação do Reino do Pai.

Como viver sua missão e a partir de quê lugar? Buscando seu próprio interesse ou escutando fielmente a Palavra do Pai? Como deverá atuar? Dominando os outros ou pondo-se a seu serviço? Buscando sua própria glória ou a vontade de Deus? Centrando sua vida na busca de poder e riqueza ou assumindo uma vida pobre, como expressão de solidariedade com os mais excluídos?


Na cena das tentações, vemos Jesus reagindo do mesmo modo como fez ao longo de toda sua vida: centrado e em sintonia afetiva com tudo aquilo que Ele vai descobrindo como o querer de seu Pai: a vida abundante daqueles que veio buscar e salvar. Ele não veio para preocupar-se de seu próprio pão, mas de preparar uma mesa na qual todos pudessem se sentar para comer; Ele não veio para que os anjos o carregassem sobre as asas, para angariar fama e “ter um nome”, mas para dar a conhecer o nome do Pai e carregar sobre seus ombros todos os perdidos, como um pastor carrega a ovelha extraviada. Não veio para possuir, dominar ou ser o centro, mas para servir e dar a vida.

O que livra Jesus de cair nos enganos do tentador é sua ex-excentricidade, sua referência ao Pai e à sua Palavra, e, a partir desse Centro, receberá o impulso para abandonar o deserto e se deixar conduzir pela corrente de Vida, alimentada pelo Espírito. A partir desse momento, vê-lo-emos caminhando pela Galileia, entrando em relação com o mundo dos pobres e excluídos, anunciando o Reino, criando uma nova comunidade de vida, buscando colaboradores, aproximando-se das pessoas, entrando nas casas, acolhendo, curando, ensinando, abrindo um horizonte de sentido para a vida das pessoas...


A passagem evangélica das tentações também nos inspira a encontrar com o mesmo Deus a quem Jesus conheceu no deserto: um Deus que não exige de nós proezas nem gestos espetaculares, mas somente alimentar nossa confiança n’Ele e nosso agradecimento; um Deus que nos dirige sua Palavra, não para nos impor obrigações ou para apontar nossas fragilidades, mas para nos alimentar e nos fazer crescer; um De-us que não é encontrado nos lugares carregados de prepotência, de poder, de vaidade e consumismo, mas nos lugares do despojamento e da simplicidade de vida, nos lugares dos “descartados” e excluídos. 

Muitas vezes pensamos que Deus é um “estraga-prazeres”, ou um Deus triste que não quer que vivamos prazerosamente. E, então, temos a sensação que as tentações são essas coisas fascinantes que nos seduzem, mas que temos de renunciá-las em nome de uma suposta “perfeição”. Porém, Deus não é Aquele que complica nossa vida com leis, sacrifícios, renúncias... Ele quer que vivamos e, de maneira intensa.

Para cruzar os desertos da vida é preciso ativar uma atitude de esvaziamento de tudo aquilo que é “peso morto” para chegar ao mais profundo e verdadeiro de nosso ser. O deserto nos revela de onde viemos e para onde vamos; ele nos remete inteiramente ao Doador da vida e desperta outros recursos vitais, aninhados em nosso interior.

Tudo o mais é pouco para a sede do coração. “Só Deus basta”, nos sussurra o deserto.


Desde sempre, a humanidade inteira e cada um de nós, estamos expostos à tentação. Faz parte de nossa condição humana. Trata-se de um conflito permanente que pode travar nossa existência por dentro.

Por um lado, sentimos o apelo e o impulso para o bem, para a liberdade, para o compromisso e a fraternidade. Mas por outro, sentimos também a sedução e a tendência para o egocentrismo, o prestígio e os instintos de poder e posse. Sentimo-nos simultaneamente santos e pecadores, oprimidos e libertados. 

As tentações sempre estão diante de nós, como pedras que se convertem em pães, como aplauso buscado a partir dos critérios do mundo, ou como joelhos que se dobram frente às promessas de um ídolo com pés de barro.  São dinamismos que bloqueiam o fluxo da vida, impedindo-a de se expandir e de se colocar a serviço de outras vidas.

Ser tentado é próprio do humano, mas o que é divino pode também ser encontrado em nosso interior.

Quem é conduzido pelo Espírito, é capaz de acessar à própria interioridade e não se deixa enredar pelos estímulos externos nem pelos impulsos egóicos.


Diante das tentações do poder, do ter e do prestígio, o(a) seguidor(a) de Jesus responde com a partilha, o serviço, a comunhão, a solidariedade... O tempo quaresmal vem ativar esse dinamismo expansivo. E a Campanha da Fraternidade nos motiva a fazer da vida um grande dom e um profundo compromisso.

Só quem se deixa conduzir pelo Espírito, como Jesus, consegue romper com tudo aquilo que atrofia a vida; só assim consegue fazer o salto libertador

Trata-se de ser dócil para deixar-se conduzir pelos impulsos do Espírito, por onde muitas vezes não entende e não sabe. É Ele que ativa o que há de melhor em si mesmo, expandindo sua vida em direção aos valores do Reino: desapego, serviço, esvaziamento do ego...

Na realidade, só existe uma “grande tentação” para os cristãos: a tentação radical da infidelidade a Cristo e a seu Reino. É a tentação de traçar para si mesmo um caminho, isto é, de projetar uma vida para si, dando uma direção diferente daquela que lhe deu o próprio Deus. Esta é a maneira de trair o melhor de si mesmo, de renunciar ao que há de melhor em si mesmo. Tentação essa que significa o fracasso da própria vida.


Texto bíblico: Mt 4,1-11


Na oração: Diante de “Jesus tentado”, recorde experiências pessoais de tentação: quais são aquelas que mais lhe afetam e lhe seduzem? Como você procede para não se deixar conduzir e nem se determinar por elas?

- Recorde dimensões da vida que precisam ser ampliadas a partir da experiência do deserto.  


As aparências enganam - Ana Maria Casarotti


Na Quarta-feira de Cinzas iniciamos um tempo novo do Ano Litúrgico que está dentro do ciclo pascal, o tempo de Quaresma. Este é o tempo de preparação para a Páscoa, a grande festa da fé cristã.

Como disse o Papa Francisco: “A Quaresma é um novo começo, uma estrada que leva a um destino seguro: a Páscoa de Ressurreição.”

Na Quaresma, movido pelo Espírito, o povo de Deus é convidado a iniciar junto com Jesus a passagem pelo deserto, de maneira semelhante à do antigo povo de Israel, que partiu durante quarenta anos pelo deserto para ingressar na terra prometida.

Da mesma forma como o silêncio permite escutar mais os sons que há ao nosso redor, contribui para que ouçamos melhor a voz de Deus que fala no nosso interior. Neste tempo somos também convidados a escutá-lo, e assim ter mais elementos para nossa vida. Como lembra Francisco, “na base de tudo está a Palavra de Deus que somos convidados a ouvir e meditar com maior assiduidade neste tempo”.

Qual é a raiz das tentações que sofre Jesus? Leiamos mais atentamente as respostas de Jesus a cada uma das tentações que recebe.

Cada uma delas procura desviar Jesus de sua missão neste mundo, que é fazer a vontade do Pai, levar adiante o seu Projeto. Por isso Jesus vence as tentações voltando-se para o Pai, buscando força e refúgio na sua Palavra.

Jesus não dialoga com cada uma das propostas que recebe, não tenta dar explicações sobre sua decisão. Sabe que esse caminho não conduz a nenhuma parte. Ele responde fazendo uso de textos do Deuteronômio: “Não só de pão vive o homem”; “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a ele servirá”; “Não tente o Senhor seu Deus”.

O livro do Deuteronômio coloca alguns “códigos” através dos quais o povo de Israel será fiel à Aliança com Deus e assim ter vida. É um livro que procura transmitir um projeto de sociedade nova, baseado na fraternidade entre os homens e mulheres e na partilha de tudo o que Deus, que é chamado de Pai, concedeu a todos/as.

Jesus vence o Diabo permanecendo fiel e servindo até as últimas consequências ao Projeto do Pai: “Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e está presente em todos” (Ef 4,6).

Tendo sofrido as tentações e vencendo-as, Jesus vem em auxílio daqueles que são também provados, tentados a abandonar do Projeto do Pai e servir a outros projetos (Hb 2,18).

O papa Francisco na sua mensagem para este tempo disse que ”A Quaresma é um tempo propício para abrir a porta a cada necessitado e nele reconhecer o rosto de Cristo. Cada um de nós encontra-o no próprio caminho. Cada vida que se cruza conosco é um dom e merece aceitação, respeito, amor.” E continua: “A Palavra de Deus ajuda-nos a abrir os olhos para acolher a vida e amá-la, sobretudo quando é frágil.”

A esperança cristã nos faz crer que nenhum mal tem a palavra final. Que a ressurreição de Cristo, para a qual nos leva a Quaresma, nos livre da “indiferença globalizada”.


Não só de pão viverá o ser humano- Ildo Bohn Grass


No próximo domingo, o primeiro da quaresma, queremos aprender de Jesus como enfrentar as tentações de satanás. Tentações que, como nunca, ainda hoje nos encantam e tentam desviar-nos do caminho de Deus, o caminho da vida.

Da oração diária de Jesus, e que ele pediu que também nós rezássemos, faz parte o seguinte pedido: “Pai, não nos conduzas à tentação, mas livra-nos do Maligno” (cf. Mateus 6,13). Isso revela que Jesus teve que enfrentar muitas tentações diariamente, a fim de se manter fiel à vontade do Pai, fiel à realização do seu reinado de partilha e de justiça. Movido por essa fidelidade, Jesus não sucumbiu diante das tentações de quem neste mundo tenta impor a injustiça e manter os seus privilégios. Tentações que seduzem ainda muitos hoje. 

Tal como em Marcos e em Lucas, também em Mateus o relato das tentações de Jesus no deserto vem depois que João Batista preparou o caminho do Messias (Mateus 3,1-12). Agora, é Jesus mesmo que se prepara (Mateus 3,13-4,11) para assumir publicamente o projeto do Reino (Mateus 4,12-17). 

No Antigo Israel, pessoas escravizadas recém libertadas da opressão do Egito foram, durante 40 anos, tentadas no deserto a voltar atrás e desistir do projeto de liberdade (Deuteronômio 8,2). Passaram por longo processo de purificação, superando as relações desumanas impostas pelo sistema egípcio. Aos poucos, aprenderam a confiar, a partilhar o pão e a descentralizar o poder (Êxodo 16-18). De forma semelhante, as tentações de Jesus no deserto são um resumo das dificuldades que ele enfrentou durante toda a sua vida (Mateus 4,1). Com a força do Espírito, superou a todas elas. A referência aos 40 dias de jejum faz memória do jejum de Moisés no monte, ao elaborar as “palavras da aliança” (Êxodo 34,28). Assim, Mateus apresenta Jesus como o novo Moisés, anunciando as “palavras da nova aliança”, do novo êxodo. Jejum e enfrentamento das tentações fazem parte da preparação de Jesus para a sua missão.

Do grego, diabo quer dizer aquele que “joga através”, que põe empecilho ou obstáculo no caminho de alguém. Do hebraico, satanás quer dizer “adversário”, “inimigo”. Para Jesus, é o inimigo do projeto de vida e de liberdade, do Reino de Deus e de sua justiça.

E quais foram as grandes tentações que Jesus enfrentou e que continuam a nos maravilhar ainda hoje?

Em vez de soluções mágicas para a fome, Jesus propõe a partilha (Mateus 4,2-4)

Nas duas primeiras tentações, o diabo, da mesma forma como depois encarnado em fariseus e escribas, pede a Jesus sinais de sua filiação divina (Mateus 4,3.6; 12,38). Jesus, porém, mostra os verdadeiros sinais da presença de Deus em sua e nossa vida.

Na caminhada libertadora do Êxodo, o povo fora tentado quando não tinha o que comer. Diante da fome, também Jesus é tentado pelo diabo com o pecado da injustiça, apresentando uma solução mágica e individualista que independe de uma sociedade justa. Jesus, que não é mágico, vence esta oferta do sistema mundano, citando Deuteronômio 8,3. De fato, para que haja vida digna é necessário que existam, além do pão, a água, a moradia, a saúde, a roupa, a educação, o trabalho, o lazer, o transporte, etc. Mas tudo isso somente é possível, quando vivemos conforme a justiça de Deus, isto é, a sua Palavra. Pouco adiante no evangelho segundo Mateus, Jesus diria o mesmo de outro jeito: "Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas" (Mateus 6,33).  

Diferentemente do diabo, Jesus apresenta outra solução para a fome. É a partilha, a solidariedade (cf. Mateus 14,13-21; 15,32-39). Jesus tem claro que a busca de soluções mágicas mascara a realidade e não gera discernimento. Ao contrário, aliena e produz acomodação. Ao superar a tentação de soluções individualistas, Jesus desmascara a injustiça e propõe o engajamento na luta por vida em plenitude. 

Em vez de prestígio individual, dignidade para todas as pessoas (Mateus 4,5-7)

Depois, o diabo seduz com o pecado do prestígio e da glória, através do espetáculo sensacionalista, do exibicionismo com poderes divinos (Mateus 4,5-6). São outras formas de poder. E, ainda, usando os anjos de Deus para chegar à fama.

Com a força do Espírito que recebeu no batismo (Mateus 3,13-17), Jesus cita Deuteronômio 6,16 para refutar mais essa oferta dos poderosos para que manipulasse o templo e a religião a seu serviço. Na proposta do Pai, porém, há glória quando todas as pessoas têm dignidade, são cidadãs, irmãs e irmãos (Mateus 12,48-50; 23,8-12). O bispo Oscar Romero diria: "A glória de Deus é a vida do pobre". 

Em vez de poder centralizado, autoridade que serve; Em vez de riqueza acumulada, bens repartidos (Mateus 4,8-10)

Por fim, tal como Moisés no deserto fora tentando a concentrar o poder em suas mãos (Êxodo 18), o diabo também seduz Jesus com o pecado da ambição por poder centralizado. Jesus, porém, enfrenta este encantamento dos que aprisionam a verdade na injustiça (Romanos 1,18), citando Deuteronômio 6,13. Ele tinha claro que o poder acumulado a serviço de poucos é idolatria, é dominação (Mateus 20,25). Não é por acaso que Emerich Edward Dalberg dizia no final do século XIX: "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente". Há algo mais satânico que o poder absoluto? 

Na proposta de Jesus, o poder é participativo, é serviço, é lava pés (Mateus 20,20-28; João 13,1-17). O problema não é o poder em si, mas a concentração de poder. Poder horizontal é comunhão. Poder sobre é opressão. Em todo o caso, a ambição por poder e glória é uma das maiores tentações do diabo. E experimentamos essa condição humana em todas as nossas relações, grandes ou pequenas, seja em casa, no trabalho, nas igrejas ou até mesmo no supremo tribunal federal em Brasília.

Ao encantar Jesus com o poder sobre reinos, o diabo induz também ao pecado da riqueza acumulada, injusta. No projeto da família de Deus, a riqueza tem sentido quando partilhada com os pobres, quando serve à vida (Mateus 19,16-22). O problema não é a riqueza em si. Esta é criação de Deus. Riqueza partilhada é divina (Mateus 6,20: “ajuntai para vós tesouros no céu”). Diabólica, porém, é a riqueza acumulada (Mateus 6,19: “não ajunteis para vós tesouros na terra”), pois ela gera fome para muita gente. 

Em seu ensino e em seu agir, Jesus mostra que Deus não se revela em ações a-históricas (mágicas, sensacionalistas ou extraordinárias), mesmo que feitas em seu nome. A filiação divina de Jesus revela-se nas coisas mais simples, pois é ali que está o divino. Revela-se onde há solidariedade, acolhida, justiça, cuidado, isto é, onde a Palavra de Deus é vivida. E isso não percebe quem cultiva em seu coração a cobiça por riquezas ou a ambição por poder e glória. Somente percebe o sagrado no cotidiano quem busca viver na simplicidade em comunhão com o Pai, vivendo relações amorosas e justas em todas as dimensões de sua vida. 

Na paixão de Jesus, mais uma vez o poder de satanás se faz presente na força do dinheiro, nos poderes de morte. Ele corrompe Judas (Lucas 22,3), seduz Pedro (Lucas 22,31) e encanta Jesus para que abandone o projeto do Pai (Lucas 22,39-46). E, mais uma vez, Jesus derrota os poderes deste mundo. Como sabemos, a sua fidelidade à vontade de Deus tem consequências trágicas. Porém, até hoje, sua morte tem sentido para nós, pois a doação de sua vida em favor de muitos foi por uma causa justa. 

Ao superar estas tentações com a força do Espírito recebido no seu batismo (Mateus 3,16), Jesus já começou a vencer os poderes de morte. Concedeu-nos a força do seu Espírito para que, como ele, também vençamos as seduções do diabo que levam à diminuição da vida ainda hoje. Por isso, pediu que rezássemos com ele: "Pai, não nos conduzas à tentação, mas livra-nos do Maligno (Mateus 6,13). Dessa forma, seremos mais livres para colocar-nos a serviço da vida, aceitando o convite de Jesus: "convertei-vos porque o Reino dos céus (de Deus) está próximo" (Mateus 4,17).


TEXTO EM ESPANHOL- Dom Damián Nannini, Argentina


PRIMER DOMINGO: LAS TENTACIONES EN EL CAMINO DEL DISCÍPULO


1a. lectura (Gn 2,7-9; 3,1-7):


Los primeros capítulos del Génesis constituyen el prólogo o introducción a toda la Biblia y nos dan el marco referencial que necesita el lector para comprender todo lo que se narrará a continuación, dado su carácter de eventos originarios y originantes. En particular los primeros versículos del texto que leemos hoy nos revelan la iniciativa amorosa de Dios al crear al hombre del polvo de la tierra y colocarlo en un lugar ideal, un jardín en Edén. 

La intención de Dios es la felicidad del hombre viviendo en la amistad con Él. A su vez aparece un rasgo importante: el hombre es libre, pero esta libertad no es absoluta, es la libertad de un ser creado, finito, limitado. Y es el mismo Dios quien le fija este límite que el hombre debe libremente aceptar: no está en sus manos establecer el bien y el mal. Es algo exclusivo de Dios quien establece el “orden moral objetivo” que viene explicitado en la Ley o Torá. En este marco se nos brinda a continuación un resumen que anticipa en cierto modo el contenido de todo el libro: el drama de las relaciones entre Dios y los hombres. Es un drama porque hay libertad; porque hay posibilidad de decir no, de separarse, de pecar.

La sutileza de la tentación y la astucia del tentador se muestran en que nunca invita o manda abiertamente «comer del árbol» (o sea transgredir el mandamiento); sino que desfigura el mandamiento exagerando la prohibición y debilitando el fundamento de la obediencia - que es la confianza - sembrando sospechas acerca de la intención de Dios. Se comete así el primer pecado que es ante todo un acto de desobediencia a la Palabra de Dios. 

Dado su carácter arquetípico o primordial, este relato no queda encerrado en el pasado, sino que ilumina el presente. Nos revela nuestro estado de “naturaleza caída” y nuestra condición de pecadores, al mismo tiempo que nos muestra cómo el espejismo de una felicidad pasajera al margen del plan de Dios puede seducirnos y llevarnos a dar la espalda a nuestro Creador. Lo aparente y superficial tiene mucha influencia sobre nosotros; por eso es tan urgente el llamado, en esta cuaresma, a una mayor profundidad e interioridad.



2a. lectura (Rom 5,12-19):


Al comienzo de su argumentación (5,12-14) San Pablo presenta y asume la gravedad del pecado de Adán con su inevitable consecuencia para todos los hombres: la muerte. Su intención es justamente establecer la universalidad del reino del pecado en el mundo, por cuanto a causa del pecado de Adán, quien actuó como jefe y cabeza de la humanidad, todos los hombres quedaron constituidos pecadores . En los versículos siguientes (5,15-21) Pablo se dedica a demostrar la superioridad de la redención obrada en Cristo y sus consecuencias en favor de todos los hombres: la justificación y la vida eterna. Por tanto, en Cristo el reinado del pecado ha sido vencido y sustituido por el reinado de la vida nueva, que ahora se ofrece a todos los hombres. 

A través de esta contraposición entre Adán y Cristo, San Pablo nos da la posibilidad de una lectura cristiana del pecado de Adán, ya que "Pablo ha percibido el carácter universal de las consecuencias de la trasgresión de Adán partiendo del carácter universal de las consecuencias de la redención de Cristo" . Pero a su vez nos permite también captar la gratuidad y fidelidad del amor misericordioso de Dios, ya que la desobediencia de Adán fue reparada y superada por la obediencia de Cristo. Donde abundó el pecado, sobreabundó la gracia (Rom 5,20). 

Evangelio (Mt 4,1-11):


En comparación con el relato paralelo, pero mucho más breve de Mc 1,12-13 señalamos que Mateo introduce los 40 días de ayuno y las tentaciones al final de este período. Marcos habla de tentación en general mientras que Mateo especifica que fueron tres y las desarrolla estableciendo un claro paralelismo entre Jesús e Israel. En efecto, como trasfondo del relato de las tentaciones de Jesús están las narraciones de las pruebas de Israel durante los cuarenta años de camino por el desierto (cf. Ex 15-17 y Nm 14-20). Ante la prueba el pueblo reaccionó con la murmuración y reveló así su corazón incrédulo. Jesús, en cambio, vence las tentaciones y permanece fiel al designio del Padre, revelando su corazón de Hijo obediente.

La mención del Espíritu que conduce a Jesús al desierto vincula este texto con el anterior, el del Bautismo de Jesús, porque en “ese momento se abrieron los cielos, y vio al Espíritu de Dios descender como una paloma y dirigirse hacia él” (Mt 3,16). También las dos primeras tentaciones, al comenzar con la expresión “Si eres Hijo de Dios”, remiten a Mt 3,17 dónde “se oyó una voz del cielo que decía: "Este es mi Hijo muy querido, en quien tengo puesta toda mi predilección”. Es decir, al salir de las aguas del Jordán el Padre lo confiesa como su Hijo muy querido; en el desierto el diablo va a poner a prueba la filiación de Jesús, su fidelidad al Padre.

También es muy interesante en 4,1 el paralelismo antitético entre la acción del Espíritu (ὑπὸ τοῦ πνεύματος) que conduce a Jesús al desierto y la acción del diablo (ὑπὸ τοῦ διαβόλου) que lo tienta. Tanto el verbo “conducir” como “tentar” están en pasivo señalando que Jesús sufre una tensión entre la acción del Espíritu por un lado y la del diablo por otra.

El desierto se referiría a una zona montañosa desértica que está al norte del río Jordán.

Mateo resalta el ayuno de “cuarenta días con sus cuarenta noches” (4,2) que hace Jesús en el desierto. Vale la aclaración de las noches porque el ayuno más frecuente era durante todo el día hasta el atardecer. Al señalar que al final de este ayuno Jesús sintió “hambre”, da pie a la primera tentación que será sobre este tópico.

El nombre de “tentador” (ὁ πειράζων) o "diablo" (diabo,loj) significa acusador, calumniador, y encarna todo lo que obstaculiza la obra de Dios. En la primera tentación se lo nombra como el “tentador”; en las otras dos y en la conclusión como el “diablo”. Jesús, por su parte, cuando le pide que se aleje en la última tentación lo llama “satanás” (σατανᾶ).

Las dos primeras tentaciones, al comenzar como oraciones condicionales con “Si eres Hijo de Dios”, indican que el tentador quiere que Jesús pruebe, demuestre que es Hijo de Dios, haciendo lo que el diablo le pide. Esto implica tomar un camino distinto del elegido por el Padre para la redención del mundo, que es el camino de la cruz. Y Jesús respondió con Fe/Fidelidad a la Palabra del Padre. Cada No dado al tentador supone un claro Sí al Padre y a su Voluntad. La fidelidad de Jesús al Padre incluyó no sólo el fin sino también los medios. Y de este modo quedó confirmada su verdadera identidad de Hijo de Dios. 

Al ser bautizado en el Jordán Jesús fue proclamado por Dios como su Hijo, ahora en la tentación demostró ser Hijo por su obediencia al Padre; no por los privilegios y facilismos que esto podría traerle. A la luz de todo el evangelio es claro el mensaje de que el signo de autenticidad de la filiación Divina de Jesús está en su obediencia al Padre que se manifestará más plenamente en el momento en que su debilidad y su muerte en cruz parecen desmentirla. La renuncia o despojo de sí mismo que manifiesta al vencer las tentaciones anticipan su kénosis o vaciamiento en la cruz. Su anonadamiento es una confesión de la totalidad del Padre.

Veamos ahora muy brevemente el alcance de cada una de las tres tentaciones.

La primera tentación busca que Jesús oriente su filiación en beneficio de sí mismo y no como dependencia y donación total al Padre. El milagro sería simplemente para satisfacer su hambre. La respuesta de Jesús, citando Dt 8,3 ("El hombre no vive solamente de pan, sino de toda palabra que sale de la boca de Dios"), es una clara negativa a hacer este milagro junto a una declaración de que su vida se regula, se alimenta de la obediencia a la Palabra de Dios.

La segunda tentación encierra una gran presunción pues quiere que Jesús salte del pináculo del templo de Jerusalén (entre 90 y 100 metros de altura), obligando a Dios a intervenir de modo extraordinario para salvarlo. Con esta acción le estaría exigiendo al Padre que interviniera en una situación de emergencia provocada por él mismo. En este caso la tentación busca apoyarse en una cita bíblica (Sal 91,11-12) en la que Jesús debe creer y arrojarse “confiando” en Dios. Pero esto es lo que justamente la Escritura denuncia como “tentar a Dios”, en cuanto querer poner a prueba su poder o su fidelidad. Por eso Jesús responde con la expresión: “no tentarás al Señor tu Dios” tomada de Dt 6,16. Dado que durante la pasión se invita a Jesús a que haga un acto extraordinario, que baje de la cruz (cf. Mt 27,40), para demostrar que es Hijo de Dios; se suele ver en esta tentación y en la victoria de Jesús sobre la misma un anticipo de lo que luego le tocará vivir en la pasión.


En la tercera tentación el diablo lleva a Jesús a un monte muy alto. Allí le muestra todos los reinos de la tierra y su gloria, y le ofrece el dominio del mundo. ¿No es precisamente esa la misión del Mesías, establecer su reinado en el mundo? ¿No debe ser Él el rey del mundo, que reunirá a toda la tierra en un gran reino de paz y de bienestar? Entonces se le sugiere a Jesús que haga alianza con los poderes de este mundo (que el evangelio considera bajo dominio de Satán) para realizar su misión. Pero el precio de esto sería caer en idolatría, pues sólo ante Dios hay que postrarse y adorar, como enseña Dt 6,13, texto que Jesús cita.

En una lectura global y profunda descubrimos que: “En las tres tentaciones, Jesús no quiere nada para sí mismo; por eso no pone a Dios a prueba” .

En conclusión, como bien nota A. Rodríguez  “Para Mateo, la tentación es un hecho positivo, querido por el Espíritu. Antes de comenzar su misión, el Mesías debe probar su capacidad de obediencia total al Padre, a quien tiene que servir como primer valor absoluto y por el que debe asumir los riesgos necesarios para hacer su voluntad. De esta forma se legitima y presenta como Mesías probado, verdadero Hijo de Dios.”


Algunas reflexiones:


El evangelio nos invita a reflexionar sobre el desierto como imagen de la cuaresma que hemos comenzado a caminar.

"En primer lugar el desierto, donde Jesús se retira, es el lugar del silencio, de la pobreza, donde el hombre es privado de los apoyos materiales y se encuentra de frente a las preguntas fundamentales de la existencia, es empujado a ir a lo esencial y precisamente por esto es más fácil encontrar a Dios" (Benedicto XVI). Por tanto, busquemos en esta cuaresma momentos de soledad para orar más, para reflexionar sobre el curso de nuestra vida, cómo estamos viviendo y si estamos conformes con nuestra vida considerando nuestra relación con Dios, con los demás, con nosotros mismos y con la creación.

Pero también el desierto aparece como el lugar de la tentación, de la lucha, de la decisión. En el desierto de nuestras vidas se pone a prueba la verdad más íntima de nosotros mismos pues en este espacio de silencio y de soledad aparece lo diabólico, es decir lo que desgarra y divide interiormente al hombre. En este sentido, la cuaresma nos invita a tomar conciencia de estas tentaciones o solicitudes internas al pecado y a combatirlas, a vencerlas con la gracia de Dios y las prácticas cuaresmales (ayuno, oración y limosna).

Las tres lecturas tienen protagonistas en común. En la primera se enfrentan Adán y el tentador o diablo, en forma de serpiente, con la derrota del primero. Adán es tentado y peca, desobedece a la Palabra de Dios. En el evangelio tenemos el enfrentamiento entre Jesús y el tentador. Aquí Jesús vence la tentación, permanece fiel y obediente al Padre. La segunda lectura es una excelente síntesis entre la primera y el evangelio al contraponer la derrota de Adán con la victoria de Cristo y las consecuencias de ambas acciones para la vida de todos los hombres. En efecto, ella es la que presenta mejor nuestra situación actual pues de algún modo vuelve a colocar al cristiano ante la posibilidad de elegir: o el pecado y la muerte con Adán; o la gracia y la vida filial con Cristo. Y en Cuaresma se nos invita a elegir bien. Y la tentación nos obliga a elegir, a decidirnos.

Solemos llamar tentación a todo aquello que nos presiona para apartarnos del camino de Dios. En el relato evangélico las tentaciones son propuestas hechas a Jesús para que se aparte del camino de la cruz elegido por el Padre para salvar al mundo. Son tentaciones en relación a los “medios” y no al “fin”. Y nos enseñan que la fidelidad de Jesús al Padre incluye no sólo el fin (la salvación del mundo) sino también los medios (el camino de la cruz, la obediencia a la Palabra de Dios). Esta forma de tentación estará presente en el camino de todos los bautizados porque hay y habrá muchas propuestas para apartarnos de una vida cristiana responsable. Hay que aceptar que la tentación forma parte del camino del discípulo hasta que haya llegado a la meta. Ya lo decía la sabiduría de Eclo 2,1: "Hijo, si te decides a servir al Señor, prepara tu alma para la prueba". En resumen: "Las tentaciones manifiestan nuestra imperfección; bien tomadas, nos mantienen en la humildad. No hay que extrañarse de ellas; en sí no constituyen falta alguna; pero son signos que nos ponen en guardia" (J. Leclerq).

Incluso más, muchas veces la tentación es un signo de que vamos de camino, de que tenemos la firme intención de avanzar. Sentir la tentación no significa que seamos más pecadores, basta que no la con-sintamos, no la sigamos, no la obremos. En este sentido la cuaresma es una buena oportunidad para reconocer y desenmascarar nuestra tentación actual, ponerle un nombre y enfrentarla. Porque como vimos en la primera lectura, el mayor peligro está en su carácter sutil y engañoso. Debemos estar más atentos a todo aquello que nos aparta de Dios y que englobamos bajo el término de pecado. Aquí se juega un primer tipo de tentación y de conversión cuaresmal.

Una segunda forma sutil de tentación es pensar que no tenemos necesidad de convertirnos; o de que basta nuestra decisión para convertirnos y salvarnos, que es lo que nos propone el diablo, el “padre de la mentira”. Por eso el desierto, dónde se dan la prueba y la tentación, es también un lugar de aprendizaje para el hombre pues allí mismo tomamos conciencia de nuestra fragilidad, de nuestra debilidad y del pecado que anida en nuestro corazón. Y esto es bueno porque nos lleva a reconocer que necesitamos de la gracia y la misericordia de Dios. Esto lo notó muy bien San Agustín quien al respecto decía que Dios tienta a fin de que el hombre mismo se descubra; por tanto la tentación es una forma de interrogación y de enseñanza que conduce al hombre al descubrimiento de su verdadero yo. 

Al respecto decía el Papa Francisco en el ángelus del 1 de marzo de 2020: “Esto nos enseña una cosa: Jesús no dialoga con el diablo. Jesús responde al diablo con la Palabra de Dios, no con su palabra. En la tentación muchas veces empezamos a dialogar con la tentación, a dialogar con el diablo: “Sí, pero puedo hacer esto..., luego me confieso, luego esto, luego lo otro...”. Nunca se habla con el diablo. Jesús hace dos cosas con el diablo: lo expulsa o, como en este caso, responde con la Palabra de Dios. Tened cuidado: nunca dialoguéis con la tentación, nunca dialoguéis con el diablo.

También hoy Satanás irrumpe en la vida de las personas para tentarlas con sus propuestas tentadoras; mezcla las suyas con las muchas voces que tratan de domar la conciencia. Desde muchos lugares llegan mensajes que invitan a la gente a “dejarse tentar” para experimentar la embriaguez de la transgresión. La experiencia de Jesús nos enseña que la tentación es el intento de tomar caminos alternativos a los de Dios: “Pero haz esto, no hay ningún problema, ¡luego Dios te perdona! Pero tómate un día de alegría...” – “¡Pero es un pecado!” – “No, no es nada”. Caminos alternativos, caminos que nos dan la sensación de autosuficiencia, de disfrutar de la vida como un fin en sí misma. Pero todo esto es ilusorio: pronto nos damos cuenta de que cuanto más nos alejamos de Dios, más impotentes y desamparados nos sentimos ante los grandes problemas de la existencia.

Que la Virgen María, la Madre de Aquel que quebró la cabeza a la serpiente, nos ayude en este tiempo de Cuaresma a estar vigilantes ante las tentaciones, a no someternos a ningún ídolo de este mundo, a seguir a Jesús en la lucha contra el mal; y también nosotros saldremos vencedores como Jesús”.

En fin, pidamos al Señor que nos ayude a comenzar bien esta cuaresma, para lo cual necesitamos que nos ilumine para poder desenmascarar las tentaciones que padecemos.

En primer lugar, la tentación de dejar al Dios verdadero e irnos detrás de las criaturas. Necesitamos reconocer lo que realmente nos aleja del Señor. 

En segundo lugar, la tentación de la idolatría, en el sentido de reducir al Dios verdadero a un ídolo entre otros muchos. La decisión se impone: Jesús es el único Señor de nuestra vida. Nada ni nadie puede ponerse al lado de Jesús. Sólo Él es el Señor. 

En tercer lugar, la tentación de hacernos a nosotros mismos "dios", de colocarlos en el centro de todo y de todos; de querer decidir todos nuestros caminos, incluso los de la salvación, al margen de Dios, de su Evangelio y de su Iglesia. Lo que el Espíritu Santo nos inspira es la humilde confesión de nuestros pecados. El que se reconoce pobre, pecador, vence la tentación con la fuerza de la humildad. Sí, en el campo de la humildad no puede entrar el tentador. Es la tierra de María, la Inmaculada Concepción, la humilde servidora del Señor. Junto a Ella está la victoria. No nos alejemos nunca de Ella, por nuestro bien, y venceremos toda tentación.



PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):


Este desierto…

 

Comienza un tiempo sagrado,

Sus días tienen tanto de ti, Señor del Universo

Son nuestra escuela de oración

De conversión y silencio

 

Vale reflexionar sobre su justo valor

Así aprovechar mejor el recogimiento,

Recorrer contigo el mismo camino

Y contemplar cada momento

 

Morado el color y contrito el corazón

Nos internamos en este desierto de hoy,

En la rutina, las fatigas… la sed de cada día

Escuchamos al tentador

 

Hay de nosotros sin ti Señor!

Haznos capaces y dispuestos

A discernir para crecer,

En la esperanza y la fe.

 

Vence en nosotros el deseo

De buscarnos a nosotros mismos

Y ocupa Tú el centro.

Contigo no hay temor al Enemigo

 

No permitas que de ti nos apartemos

Y haz de este polvo nuestro

un barro nuevo en tus manos

Modela tu vasija, noble Alfarero. Amén