6º DOMINGO TC-B

6 º DOMINGO COMUM-B

11/02/2024

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO

 

1ª Leitura: Levítico 13, 1-2.44-46 (ou 2Reis 5,9-14)

Salmo 31(32) R- Sois, Senhor, para mim, alegria e refúgio

2ª Leitura: 1 Coríntios 10,31-11,1

Evangelho de Marcos 1,40-45 

Naquele tempo um leproso aproximou-se de Jesus e, de joelhos, suplicava-lhe: “Se queres, tens o poder de purificar-me!” 41 Jesus encheu-se de compaixão, e estendendo a mão sobre ele, o tocou, dizendo: “Eu quero, fica purificado”. 42          Imediatamente a lepra desapareceu, e ele ficou purificado. 43         Jesus, com severidade, despediu-o e recomendou-lhe: 44       “Não contes nada a ninguém! Mas vai mostrar-te ao sacerdote e apresenta, por tua purificação, a oferenda prescrita por Moisés. Isso lhes servirá de testemunho”. 45    Ele, porém, assim que partiu, começou a proclamar e a divulgar muito este acontecimento, de modo que Jesus já não podia entrar, publicamente, na cidade. Ele ficava fora, em lugares desertos, mas de toda parte vinham a ele.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP


Mc 1,40-45

Um leproso chegou perto de Jesus

Não temos certeza de que se tratasse de lepra (hanseníase) no sentido clínico estrito. A lepra mencionada na Bíblia não era uma única enfermidade, mas muitas, incluindo fungos e mofos (cf. Lv 13-14). As formas modernas de hanseníase eram raras no tempo de Jesus. De qualquer forma, a doença de pele daquele homem “leproso” era grave e provocava a impureza e excluía a pessoa da comunidade.

É por isso que o “leproso”, de joelhos, pede: “se queres, tens o poder de purificar-me”. Os leprosos não eram “puros” para a adoração religiosa e não podiam participar do culto publicamente.

A reação de Jesus é de profunda “simpatia”: v.41: Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero, fica curado”!

Prestemos atenção nas palavras e gesto de Jesus. Ele diz: “Quero”: essa é uma palavra de consolo divino. O leproso sabia que Jesus podia efetuar a cura, mas não estava certo sobre a vontade dele de o curar. 

Com esse “quero”, Jesus dissipou qualquer dúvida. Jesus era dono de personalidade profundamente compassiva, e usou tudo quanto tinha para aliviar o sofrimento humano. Ele não realizou milagres a fim de dar espetáculo, mas somente para demonstrar seus direitos messiânicos e para aliviar os sofrimentos das pessoas que encontrava.

Prestemos atenção também ao gesto de Jesus: ele estendeu a mão e tocou nele. Jesus toca no doente e não se contamina. Pelo contrário, o cura e o limpa de sua impureza.

A cura foi instantânea, completa e benéfica para o corpo e para a alma. Mas antes de poder retornar ao culto, era necessário que aquele homem obedecesse ao que prescrevia a legislação mosaica. A cura precisava ser testemunhada oficialmente (Lv 14,2-32). Por isso Jesus o manda mostrar-se ao sacerdote e oferecer os sacrifícios prescritos por Moisés. Essa ordem mostra que Jesus desejava que aquele homem, além de recuperar a saúde, fosse reintegrado à comunidade. 


Com suas mãos, Jesus tece seu dizer e seu fazer

 

Adroaldo Palaoro

 

“Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão e tocou nele...” (Mc 1,41).

 

O caminhar de Jesus pela Galileia gera situações de alívio; sua missão é aliviar o sofrimento da humanidade. Pelos caminhos, Jesus se encontra com as pessoas “deslocadas”, sem lugar e fora do convívio social. A partir do “Deus vivo” Jesus se move em direção àqueles que estavam sobrando; sua presença entre os excluídos é portadora de vida. Olhando-as nos olhos e acolhendo-as com suas mãos, Ele se deixa afetar por eles.

Jesus não se esquiva da dor, da solidão e da morte; encara-as, toca-as, revela as entranhas compassivas de Deus onde a lei vê impureza, ativa a compaixão do Pai nas entranhas das pessoas indefesas e estas encontram e recuperam sua fortaleza, sua dignidade de ser humano.

Assim procede Jesus; suas mãos deixam transparecer um coração compassivo, solidário e comprometido.

Muitas vezes, Ele cura os doentes através do toque, da imposição das mãos, da bênção...

O evangelho está cheio de momentos nos quais as pessoas querem tocar em Jesus, mesmo que fosse a franja de suas vestes; em outras circunstâncias, é o próprio Jesus que rompe os “protocolos sanitários” e toca os doentes, leprosos... correndo o risco de se contaminar.

Um leproso tinha, no contexto daquela época, a obrigação de viver separado, fora das povoações e distanciado da família, para evitar o risco da contaminação. E tinha o dever de gritar aos outros, prevenindo-os para que não se aproximassem. No relato deste domingo, porém, o leproso quebra o protocolo e vem ao encontro de Jesus. E faz isso, certamente, porque pressentia no profeta de Nazaré a abertura para tal.

Ora, Jesus não fica apenas na palavra: “quero”. Estende também sua mão, tocando o leproso. Podia simplesmente mandá-lo lavar-se setes vezes nas águas do rio Jordão, como o profeta do AT (2Rs 5,10); mas Ele prefere incorrer no perigo da contaminação, desejando tocar a ferida do outro, querendo compartilhar, como só o toque pode revelar, aquele sofrimento, ajudando o leproso a vencer o ostracismo interiorizado por aquela separação forçada.

Jesus não pensa nas severas restrições da Lei, mas deixa aflorar a compaixão, aquele sentimento divino que Ele encarna e torna visível. É a compaixão que o leva a quebrar o distanciamento social e compromete-se. Quando as mãos estão carregadas de compaixão, elas se tornam oblativas, abertas, servidoras... A compaixão é o sentimento que faz a conexão das mãos com o coração. Ter compaixão é ter coração nas mãos.

Tocar é algo mais que uma simples experiência psicológica; tocar é sentir que uma corrente de vida passa de um para outro. O leproso é tocado no sentido de encontrado, assumido, aceito, reconhecido, resgatado, abraçado. Quando toda a distância é vencida, o toque de Jesus reconstrói a humanidade ferida. Ou seja, a pessoa se sente reconstruída em sua integridade; a acolhida incondicional e o reconhecimento que Jesus lhe confere, fazem o leproso recuperar a confiança em si mesmo, abrindo-lhe um horizonte de esperança.

Sabemos que um doente, quando tocado de forma respeitosa e não invasiva, recebe estímulos de humanidade, de autoestima e confiança que facilitam o curso da sua recuperação. Um profissional de saúde deve saber que, por vezes, um simples toque ajuda a amenizar a perturbação, tranquiliza sentimentos agitados e transmite um conforto que nenhuma máquina ou medicamento transmite.

A imposição das mãos também está sendo redescoberta em seu significado sanador. Ao impor as mãos em outra pessoa, o Espírito curador de Deus inunda-a, invade suas áreas de tensão, suas paralisias, seu caos interior.

“Tocar” é uma experiência especial; o tato é o mais visceral, originário e delicado dos sentidos; e a sensação de tocar e ser tocado é primária; basta ver como os bebês querem tocar em tudo e se acalmam quando se sentem tocados.

O toque é primordial na comunicação mútua. A chamada “fome da pele” é experiência reconhecida na vida humana. O mais leve toque pode despertar emoções, expressar calor humano que não se consegue com palavras. Reduzir os sentimentos a meras palavras cessa qualquer mensagem do coração.

O toque alivia a dor, a depressão, a ansiedade; o toque afetuoso dá segurança, faz a pessoa sentir melhor consigo mesma e com o seu ambiente; seu efeito é positivo sobre o desenvolvimento humano, provoca mudanças naquele que toca e é tocado.

É fácil dizer que na vida é preciso andar “com tato”. É verdade que com o corpo e com as mãos, expressamos ternura, abertura, proteção, acolhida, vinculação... O amor também é físico. E hoje, quando há muito contato físico sem amor, ou muitos contatos sem entrega, é necessário sentir essa unidade.

O amor toca, e assim se expressa, de muitos modos, a relação mais profunda, mais intensa e estável. O amor, atento ao outro, se expressa fisicamente de mil maneiras.

O coração é o lugar onde o ser humano se revela. As mãos são expressão daquilo que está presente no coração; um coração cheio de ternura, bondade, compaixão... se expressa através das mãos ternas, bondosas, compassivas, que praticam a partilha... Um coração cheio de violência, arrogância, ambições, malícias... se expressa através de mãos violentas, maliciosas, fechadas... As mãos... o espelho da alma.

É o coração transformado que dirige a mão santificada, delicada. É o coração agradecido que transforma as mãos em instrumentos de graça.

As mãos, portanto, adquirem uma infinidade de expressões (mãos estendidas, enérgicas, punho fechado, mãos abertas, governar com mão de ferro”, “bordar com mão de fada”, “escrever com mão de mestre”, “abrir mão de algum direito”, “dar uma mão a alguém”, “estar de mãos atadas diante de um problema”, “lançar mão de um estratagema”, “estender a mão para alguém”, “pedir a mão da moça em casamento”, “pôr mãos à obra”, “estar nas mãos de alguém”, “impor as mãos”...

Observando estas expressões, encontramos a “mão” como metáfora para a “força, energia, domínio”.

A aplicação figurada provém do fato de as mãos serem o instrumento mais universal de que o ser humano dispõe. Além de instrumento, as mãos são ainda meio de comunicação entre pessoas de línguas diferentes. Através das mãos comunicamos energia, rompemos distâncias...

Mas também, através das nossas mãos, podemos comunicar algo maior e que não nos pertence. Na nossa mão há a Mão da Vida; encontramos esta expressão em diferentes tradições religiosas: “a Mão de Deus”. Algumas vezes podemos nos sentir guiados, como se tivéssemos uma Mão pousada em nosso ombro, em nossa cabeça, nas nossas costas, para nos fazer avançar, para nos manter de pé. Em hebraico, a mão simbolizada pela letra y (yod), é encontrada no tetragrama YHVH, que significa Javé.

As mãos estão sempre associadas à ação, como a cabeça à razão e o coração aos sentimentos.

“Mãos à obra” é uma expressão acertada e precisa. Não é possível continuar fazendo elucubrações vazias sobre as coisas, divagando sobre o legalismo e o moralismo, especulando ideias piedosas e estéreis... Às vezes, em nosso meio cristão, sobram grandes ideias e palavras em excesso, mas sempre faltam mãos abertas, mãos estendidas, mãos ativas, dispostas a se sujar, a gastar-se e empenhar-se no esforço por construir, por abrir as portas à vida daqueles que estão à margem. Sempre serão mais urgentes mãos capazes de reconciliar e de elevar quem está mais afundado, mais quebrado, mais ferido; mãos capazes de suportar a própria carga e a carga alheia, daqueles que não tem quem os ajude ou de quem os defenda, a de quem não tem forças, nem esperança...

Para meditar na oração:

Para rezar com o tato você deve, ainda, aprender outras linguagens: das mãos (cumprimentos, abraços, carícias, aplausos); dos lábios (beijos, consolos, palavras agradáveis); dos olhos (sorrisos, lágrimas); do coração (sensibilidade e afetos...)

Ninguém toca ninguém “de longe”. Você também estará tocando em Deus ao se aproximar d’Ele com uma visita, um telefonema, uma mensagem, uma saudação na rua, um favor, um serviço prestado com amor, um serviço voluntário...

Há templos famosos pela liturgia da oração tátil: orfanatos, hospitais, cárceres, periferias, sanatórios, asilos, favelas... Não deixe de frequentá-los.

- Na sua oração, sinta-se próximo de todos. Toque tudo. Acaricie todas as suas recordações. É uma forma fabulosa de rezar a vida.

 

Estender as mãos

 

José Antonio Pagola

 

A felicidade só é possível ali onde nos sentimos acolhidos e aceitos. Onde falta acolhimento, falta vida; o nosso ser paralisa-se; a criatividade atrofia-se. Por isso uma «sociedade fechada é uma sociedade sem futuro, uma sociedade que mata a esperança de vida dos marginalizados e que finalmente se afunda a si própria» (Jorgen Moltmann).

 

São muitos os fatores que convidam os homens e mulheres do nosso tempo a viver em círculos fechados e exclusivistas. Numa sociedade em que crescem a insegurança, a indiferença ou a agressividade, é explicável que cada um de nós trate de assegurar a nossa «pequena felicidade» com aqueles que sentimos iguais.

 

As pessoas que são como nós, que pensam e querem o mesmo que nós, dão-nos segurança. Por outro lado, as pessoas que são diferentes, que pensam, sentem e querem de forma diferente, produzem preocupação e medo.

 

Por isso se agrupam as nações em «blocos» que se olham mutuamente com hostilidade. Por isso procura cada um de nós o nosso «recinto de segurança», aquele círculo de amigos, fechado aqueles que não são da nossa condição.

 

Vivemos como «à defesa», cada vez mais incapazes de quebrar distâncias para adotar uma posição de amizade aberta para com qualquer pessoa. Habituamo-nos a aceitar apenas os mais próximos. Aos restantes toleramos ou olhamos com indiferença, se não mesmo com cautela e prevenção.

 

Ingenuamente pensamos que, se cada um se preocupa em assegurar a sua pequena parcela de felicidade, a humanidade continuará a caminhar em direção ao seu bem-estar. E não nos apercebemos que estamos a criar marginalização, isolamento e solidão. E que nesta sociedade vai ser cada vez mais difícil ser feliz.

 

Por isso, o gesto de Jesus assume uma especial atualidade para nós. Jesus não só limpa o leproso. Estende a mão e toca-o, quebrando preconceitos, tabus e fronteiras de isolamento e marginalização que excluem os leprosos da convivência. Os seguidores de Jesus devemos sentir-nos chamados a trazer a amizade aberta aos setores marginalizados da nossa sociedade. São muitos os que necessitam de uma mão estendida que chegue a tocá-los.

  

Nós, leprosos, tocados e curados por Jesus

Enzo Bianchi

Tradução Moisés Sbardelotto.

 

No evangelho deste domingo, lemos um relato que tem um início repentino, sem especificação de tempo e de lugar, um relato que facilmente nos parece atual, podendo ser situado aqui e agora: é o encontro entre Jesus e um homem que sofre de lepra.

O leproso era à época e ainda é agora um doente repugnante, a ponto de ser qualificado como um homem morto. Para um judeu, além disso, a lepra era sinal de um castigo específico de Deus, uma doença pela qual haviam sido afetados, pelos seus pecados, a irmã de Moisés, Miriam (cf. Nm 12,9-10), o servo do profeta Eliseu (2Re 5,27) e outros pecadores. Grande é o horror, terrível é a reação diante dessa doença que devasta, até a putrefação da carne, o rosto e o corpo dos doentes.

Sendo a lepra contagiosa, ela exigia que o doente fosse excluído da convivência, segregado em algum lugar deserto e reconhecível pelo grito que devia emitir quando visse alguém se aproximar dele: “Sou impuro! Sou impuro!” (Lv 13,45-46).

Um leproso, portanto, parecia ser uma pessoa sem possibilidade de relação e de comunhão, nem com Deus nem com as pessoas. Não era apenas um doente, mas também um “impuro”, como um cadáver. Tocar uma pessoa nessa condição significava excluir-se de qualquer ato religioso. Só era possível se aproximar do leproso depois do desaparecimento dos sintomas do mal nele e após a sua “purificação”: esta devia ser reconhecida por um sacerdote, que, com um ato religioso, podia reintegrar a pessoa na comunidade dos fiéis.

E eis o encontro entre Jesus e um leproso que vai até ele, ajoelha-se diante dele e lhe suplica: “Se queres, tens o poder de curar-me!”. Não sabemos nada desse homem, nem podemos avaliar a sua vida e a sua fé. Certamente, ele tem confiança em Jesus, que lhe parece confiável; ele é atraído por Jesus como por um homem que pode fazer algo por ele. Com audácia, mais do que com fé, portanto, ele se aproxima daquele homem que merece escuta, confiança, talvez até adesão.

E Jesus, diante dele, tem uma reação: justamente porque o olha e sabe o que significa essa doença, justamente porque sente o fedor das suas chagas e vê o seu rosto contorcido, o seu corpo devastado, “sente cólera” (orghistheís), irado pela intolerabilidade do mal e do destino que pesa sobre esse homem.

Sim, Marcos nos narra um Jesus colérico, que, precisamente por ser capaz de paixão, tem uma reação de cólera; ele nos descreve como Jesus sente como intolerável tal situação para um homem que é seu irmão, homem como ele, igual a ele na dignidade de pessoa humana.

Mas prestemos atenção às palavras de Jesus. Em resposta à súplica do outro, ele não responde: “Eu quero e te curo!”, mas: “Eu quero: fica curado!” (divino passivo). Jesus dá lugar àquele que purifica, Deus: não pretende ocupar o seu lugar, mas proclama o seu desejo e a sua vontade de que aquele homem não deva mais ser separado, mas possa ser purificado, curado.

O evangelista, porém, não sabia que, usando algumas expressões que testemunham a humanidade verdadeira e concreta de Jesus, podia despertar estupor, oposição e julgamento sobre o próprio Jesus. De fato, especialmente entre os homens religiosos, sempre há almas mefíticas, tão voltadas a uma santidade formal que se escandalizam com a paixão de Jesus e a sua cólera. Esses religiosos estão sempre em cena. Para eles, Jesus, primeiro, deveria ter pensado no que a Lei prevê e, depois, mostrar o seu sentimento de acordo com aquilo que a Lei manda.

Mas, ao invés disso, Marcos, querendo mostrar de modo claro e compreensível os comportamentos de Jesus, diz aquilo que para alguns não é suportável: Jesus sente cólera, aqui como em outros lugares (cf. Mc 3,5: diante dos fariseus; 10,14: diante dos seus discípulos). Sim, Jesus sente cólera, porque sabia viver o conflito e se rebelar contra o mal, a doença, a situação de escravidão e de segregação que deixava aquele homem como morto. Não era algo justo, e eis então a cólera de Jesus!

Alguns escribas, porém, pensaram em corrigir essa expressão, que, em alguns manuscritos, se tornou: “foi tomado de compaixão” (splanchnistheís; cf. Mc 6,34 e 8,2: diante das multidões). Assim, as pessoas com baixa frequência de sentimentos ficaram satisfeitas com isso...

Na verdade, também na expressão “sentiu cólera”, havia a paixão da compaixão, mas, com essa correção, que a versão italiana [e brasileira] segue, o comportamento de Jesus pareceria talvez mais aceitável, mas menos capaz de expressar os seus sentimentos.

Naquele ataque de ira, Jesus toma a mão daquele homem, toca-o, entrando assim em relação ou, melhor, em comunhão com ele. Mão leprosa na mão de Jesus, contato vetado pela Torá, toque em uma carne julgada como demoníaca, e o seu gesto é acompanhado pela palavra: “Eu quero: fica curado”.

“No mesmo instante – anota Marcos – a lepra desapareceu e ele ficou curado”: aquele leproso está curado, a sua confiança em Jesus obteve o resultado esperado, a sua oração de compaixão foi ouvida. Ele não é mais um excomungado; antes, é uma pessoa que entrou em plena comunhão com Jesus, que eliminou aquele mal tão horrível e excludente.

Essa deveria ser a atitude do cristão em relação aos doentes e aos pecadores, quando o cuidado e a misericórdia se tornam mão na mão, olho no olho, rosto no rosto, um beijo como aquele que Francisco de Assis soube dar ao leproso como sinal do início de outra visão e, portanto, de outra vida.

Jesus também diz: “Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova para eles”. Ele recorda as prescrições da Lei, pede que o doente purificado as observe, mas também se preocupa que seja dado o testemunho aos sacerdotes e aos funcionários do templo.

Essas “observâncias” não seriam necessárias, porque a ação purificadora de Deus ocorreu com eficácia, mas Jesus insiste nelas, para que também no templo se saiba a novidade trazida por ele com a sua pregação e a sua ação.

Mas, depois da cura, eis ainda um Jesus que não gosta das pessoas “religiosas” que se alimentam somente de mel. O texto diz que Jesus, “livrando-se dele, o mandou logo embora”. Ocorrida a libertação, Jesus não fica ali recebendo elogios, pedindo que se olhe e se constate sua ação: de fato, ele nunca é tentado pelo narcisismo que espera o reconhecimento pelo bem feito e, às custas de parecer rude e indelicado, desdenha e expulsa aquele homem curado por ele, advertindo-o para não dizer nada a ninguém.

Jesus não quer ser reconhecido como alguém que faz milagres, não quer que o aclamem por ações prodigiosas e, acima de tudo, quer que o segredo sobre a sua identidade de Messias seja revelado e proclamado quando ele estiver pendurado na cruz. Só então será lícito, a quem entendeu Jesus, dizer que ele era bom, que ele era justo (cf. Lc 23,47), que ele era o Filho de Deus (cf. Mc 15,39, Mt 27,54).

Jesus é discreto diante das pessoas, faz silêncio e pede para se fazer silêncio, para não despertar o aplauso, conhece a arte da fuga aos lugares desertos para escapar do fácil consenso dos outros; mas também sente cólera, ofende-se visivelmente diante do sofrimento, da mentira, do desconhecimento da verdade, da preguiça e da covardia das pessoas. E assim, de todas as cidades, as pessoas vêm procurar, ver, rezar a Jesus.

Sucesso? Sim, mas sucesso do qual Jesus sabe se defender, porque está ciente de que aquilo que ele cumpre, ele realiza apenas emprestando olhos, mãos, voz ao Pai, a Deus que o enviou. 

 

 Um encontro libertador

 

Ana Maria Casarotti

 

Na época de Jesus os leprosos pertenciam a uma categoria considerada maldita e desprezada pela sociedade e por Deus. Eles tinham um duplo sofrimento: junto com sua enfermidade eles sofriam o desprezo e a marginalização de todas as pessoas.

Sua lepra era considerada um castigo de Deus. Por isso deviam permanecer separados das pessoas. Moravam fora da cidade ou do povoado, cumprindo as normas do livro do Levítico: "Viverá separado e morará fora do acampamento” (Lv 13, 46). Caso se aproximassem dos povoados, das cidades, deviam avisar para que ninguém ficasse perto deles. Levavam uma campainha no pescoço para advertir que estavam nos arredores e sua maldição fosse transferida pelo contato. “Com as roupas rasgadas e despenteadas, com a barba coberta e gritando: Impuro! Impuro!” (Lv 13, 35).

Pessoas que sofriam de uma impureza moral e religiosa, mas também social. Pessoas sem dignidade que não tinham possibilidade de cura e além de tudo eram um permanente perigo para as outras pessoas.

Na perícope que foi lida, aparece já desde o começo uma transgressão realizada pelo leproso. “Um leproso chegou perto de Jesus”. É um gesto admirável que permite ver nele um grau de confiança e esperança muito grande na pessoa de Jesus. Sua confiança nele é surpreendente. Apresenta-se como sua única possibilidade de viver uma vida diferente. Quantos relatos de libertação ele terá escutado para atuar assim neste momento.

Ele atua convencido, não quer ser um excluído e um segregado da sociedade. É uma atitude que espelha seu profundo anseio e convicção no desejo de Jesus. “Se queres, tu tens o poder de me purificar”.

Fica a disponibilidade da vontade de Jesus com uma fé convencida da sua libertação.

E Jesus “ficou cheio de compaixão, estendeu a mão e tocou nele”. O amor compassivo de Jesus diante do sofrimento da pessoa, neste caso, do leproso, leva-o a realizar um ato que socialmente era rejeitado. Ele também estava transgredindo a lei: está tocando um leproso! Seu amor à pessoa doente e excluída da sociedade é mais forte e firme. Sua vontade de devolver-lhe sua dignidade não fica limitada por uma lei que neste caso contribuia somente para rejeitar pessoas e excluí-las da vida social e religiosa.

Nestes gestos Jesus comunica-nos a mensagem do Reino. Ele é misericordioso, compassivo, sensível à dor humana. Ele não é indiferente a nenhuma situação de opressão e com sua prática apresenta-nos o coração do Amor Misericordioso do Pai.

Moramos numa sociedade que tristemente continua excluindo e segregando pessoas. Seja pela sua origem, pele, costumes de vida, e tantas outras limitações que contribuem unicamente para considerar umas pessoas melhores que outras, mais capacitadas, com uma inteligência superior e tantas outras classificações que são estabelecidas socialmente e também religiosamente.

Pessoas que sofrem de diferentes “lepras” físicas, afetivas, e continuam sendo excluídas de nossa sociedade. Assim acontece com os dependentes das drogas, os enfermos de aids, em vários casos os indígenas que lutam continuamente pela sua terra, as pessoas que padecem do tráfico humano, meninos e meninas de rua...

Eles e elas sofrem a exploração, o abandono extremo junto com a falta de saúde e de liberdade. Escravos e escravas de uma sociedade que se autoconsidera livre, ignorados pelas estatísticas porque não existem para o mundo social e muitas vezes religioso.

Por isso, como disse Francisco, “O mundo de hoje precisa de misericórdia, precisa de compaixão, ou seja, sofrer com.”[...] “O mundo precisa descobrir que Deus é Pai, que há misericórdia, que a crueldade não é o caminho, que a condenação não é o caminho, porque a própria Igreja, às vezes, segue uma linha dura, cai na tentação de seguir uma linha dura, na tentação de enfatizar apenas as normas morais, mas quantas pessoas ficam de fora.”

Jesus convida-nos hoje a refletir e atuar como ele. Para isso devemos ter um olhar compassivo e misericordioso como ele com as diferentes situações de violência que se geram ao nosso redor e que possivelmente sejamos parceiros silenciosos.

O amor ao ser humano deve ser sempre o motor que nos impulsione a atuar pela sua defesa e dignidade e derrubar os muros que separam pessoas e dividem sociedades. Somos chamados a transgredir os limites que impõem os e as que se consideram donos do mundo e da vida dos seres humanos.

  

“Sejam santos, pois eu, o SENHOR, o Deus de vocês, sou santo” – 19,2.

Thomas McGrath


A quaresma inicia-se agora na quarta-feira que vem – quarta-feira de Cinzas. Quaresma é o Tempo da Campanha da Fraternidade. De cinco em cinco anos é a Campanha da Fraternidade Ecumênica. Isto quer dizer que é uma CF feita com a participação da Igreja Católica e outras Igrejas Cristas. As semanas de quaresma formam um período de preparação para a Semana Santa e a Pascoa. É tempo para fazer jejum, penitência e ajudar de forma mais expressiva os necessitados, e praticar a fraternidade.  Tempo de reflexão e conversão. Cada ano as Igrejas escolhem um tema específico.

Nesta quaresma somos chamados a crescer na capacidade de diálogo. Diálogo implica abertura, acolhida, escuta, capacidade de interação, e discernimento. Diálogo é o oposto do ódio, é um instrumento de promoção da Paz, e um compromisso de amor. “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”.

A liturgia do Domingo 14 de fevereiro já vai abrindo o assunto da CF. Nos fala de um Deus cheio de amor, bondade e ternura, que convida todos os homens e todas as mulheres a integrar numa única comunidade dos filhos de Deus. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização. Nos últimos dias, infelizmente, nós vimos (vindo de dentro da nossa própria Igreja, infelizmente) ataques de ódio contra setores da Igreja, e grupos humanos. Nem a CNBB escapou dos ataques violentos. Em resposta aos apelos para diálogo, fraternidade e unidade, vindo do próprio Texto Base, de dentro do corpo da nossa mãe – a Igreja - vem saindo faíscas violentas que causam e promovem ódio, divisão e desunião, no lugar de diálogo, misericórdia, compreensão, escuta, acolhida, abertura que promove a paz.

O livro de Levítico tem a forma de um conjunto de discursos que Javé teria feito a Moisés no Monte de Sinai, após a saída da escravidão do Egito, para explicar ao Povo o que deveria fazer para viver sempre em comunhão com Deus – “ser santo como o Javé é santo” (Lv 19,2” -, e cumprir a Aliança entre eles.  O nosso trecho de hoje pertence à terceira parte do Livro (cf. Lv 11-16), conhecida como “lei da pureza”, e apresenta os vários tipos de “impureza”, e os ritos destinados a “purificar” o homem. O caso mais grave de “impureza” era causado por uma doença – a lepra. “Lepra” se refere a todas as doenças de pele. A comunidade precisava ser protegida do contagio de doenças. Quatro mil anos atrás a forma de proteção foi como detalhada na leitura. Para nossos dias de hoje a forma de garantir proteção é usando máscara, lavando as mãos, mantendo distância e vacinando, enquanto não temos remédio para curar.

 

 

Manter viva a consciência da missão!

 Carlos Mester e Mercedes Lopes.

Nos versículos 16 a 45 do primeiro capítulo, Marcos descreve o objetivo da Boa Nova e a missão da comunidade, apresentando os critérios para as comunidades do seu tempo poderem avaliar a sua missão. Tanto nos anos 70, época em que Marcos escreveu, como hoje, época em que nós vivemos, era e continua sendo importante ter, diante de nós, modelos de como viver e anunciar o Evangelho e de como avaliar a nossa missão.

Comentando

Mc 1,40-42: Acolhendo e curando o leproso, Jesus revela um novo rosto de Deus

Um leproso chega perto de Jesus. Era um excluído. Devia viver afastado. Quem tocasse nele ficava impuro também! Mas aquele leproso teve muita coragem. Transgrediu as normas da religião para poder chegar perto de Jesus. Ele diz: “Se queres, podes curar-me!” Ou seja: “Não precisa tocar-me! Basta o senhor querer para eu ficar curado!” A frase revela duas doenças:

1. a doença da lepra que o tornava impuro;

2. a doença da solidão a que era condenado pela sociedade e pela religião. Revela também a grande fé do homem no poder de Jesus. Profundamente compadecido, Jesus cura as duas doenças. Primeiro, para curar a solidão, toca no leproso. É como se dissesse: “Para mim, você não é um excluído. Eu o acolho como irmão!” Em seguida, cura a lepra dizendo: “Quero! Seja curado!” O leproso, para poder entrar em contato com Jesus, tinha transgredido as normas da lei. Da mesma forma, Jesus, para poder ajudar aquele excluído e, assim, revelar um rosto misericordioso de Deus, transgride as normas da sua religião e toca no leproso. Naquele tempo, quem tocava num leproso tornava-se um impuro perante as autoridades religiosas e perante a lei da época.

Mc 1,43-44: Reintegrar os excluídos na convivência fraterna

Jesus não só cura, mas também quer que a pessoa curada possa conviver. Reintegra a pessoa na convivência. Naquele tempo, para um leproso ser novamente acolhido na comunidade, ele precisava ter um atestado de cura assinado por um sacerdote. É como hoje. O doente só sai do hospital com o documento assinado pelo médico de plantão. Jesus obrigou o fulano a buscar o documento, para que ele pudesse conviver normalmente. Obrigou as autoridades a reconhecer que o homem tinha sido curado.

Mc 1,45: O leproso anuncia o bem que Jesus fez; ele e Jesus se tornam excluídos

Jesus tinha proibido o leproso de falar sobre a cura. Mas não adiantou. O leproso, assim que partiu, começou a divulgar a notícia, de modo que Jesus já não podia entrar publicamente numa cidade. Permanecia fora, em lugares desertos. Por quê? É que Jesus tinha tocado no leproso. Por isso, na opinião da religião daquele tempo, agora ele mesmo era um impuro e devia viver afastado de todos. Já não podia entrar nas cidades. Mas Marcos mostra que o povo pouco se importava com estas normas oficiais, pois de toda a parte vinham a ele! Subversão total!

O duplo recado que Marcos dá às comunidades do seu tempo e a todos nós é este:

1. Anunciar a Boa Nova é dar testemunho da experiência concreta que se tem de Jesus. O leproso, o que ele anuncia? Ele conta aos outros o bem que Jesus lhe fez. Só isso! Tudo isso! E é este testemunho que leva os outros a aceitar a Boa Nova de Deus que Jesus nos trouxe.

2. Para levar a Boa Nova de Deus ao povo, não se deve ter medo de transgredir normas religiosas que são contrárias ao projeto de Deus e que dificultam a comunicação, o diálogo e a vivência do amor. Mesmo que isso traga dificuldades para a gente, como trouxe para Jesus.

Alargando

O Anúncio da Boa Nova de Deus feito por Jesus

A prisão de João fez Jesus voltar e iniciar o anúncio da Boa Nova. Foi um início explosivo e criativo! Jesus percorre a Galileia toda: as aldeias, os povoados, as cidades (Marcos 1,39). Visita as comunidades. Ele muda de residência e vai morar em Cafarnaum (Marcos 1,21; 2,1), cidade que fica no entroncamento de estradas, o que facilita a divulgação da mensagem. Ele quase não para. Está sempre andando. Os discípulos e as discípulas com ele, por todo canto. Na praia, na estrada, na montanha, no deserto, no barco, nas sinagogas, nas casas. Muito entusiasmo!

Jesus ajuda o povo prestando serviço de muitas maneiras: expulsa maus espíritos (Marcos 1,39), cura os doentes e os maltratados (Marcos 1,34), purifica quem está excluído por causa da impureza (Marcos 1,40-45), acolhe os marginalizados e confraterniza com eles (Marcos 2,15). Anuncia, chama e convoca. Atrai, consola e ajuda. É uma paixão que se revela. Paixão pelo Pai e pelo povo pobre e abandonado da sua terra. Onde encontra gente para escutá-lo, ele fala e transmite a Boa Nova de Deus. Em qualquer lugar.

Em Jesus, tudo é revelação daquilo que o anima por dentro! Ele não só anuncia a Boa Nova do Reino. Ele mesmo é uma amostra, um testemunho vivo do Reino de Deus. Nele aparece aquilo que acontece quando um ser humano deixa Deus reinar, tomar conta de sua vida. Pelo seu jeito de conviver e de agir, Jesus revelava o que Deus tinha em mente quando chamou o povo no tempo de Abraão e de Moisés. Jesus desenterrou uma saudade e transformou-a em esperança! De repente, ficou claro para o povo: “Era isso que Deus queria quando nos chamou para ser o seu povo!”

Este foi o começo do anúncio da Boa Nova do Reino que se divulgada rapidamente pelas aldeias da Galileia. Começou pequena como uma semente, mas foi crescendo até se tornar árvore grande, onde o povo todo procurava um abrigo (Marcos 4,31-32). O próprio povo se encarregava de divulgar a notícia.

O povo da Galileia ficava impressionado com o jeito que Jesus tinha de ensinar. “Um novo ensinamento! Dado com autoridade! Diferente dos escribas!” (Marcos 1,22.27). Ensinar era o que Jesus mais fazia (Marcos 2,13; 4,1-2; 6,34). Era o costume dele (Marcos 10,1). Por mais de 15 vezes o Evangelho de Marcos diz que Jesus ensinava. Mas Marcos quase nunca diz o que ele ensinava. Será que não se interessava pelo conteúdo? Depende do que a gente entende por conteúdo! Ensinar não é só uma questão de ensinar verdades novas para o povo decorar. O conteúdo que Jesus tem para dar transparece não só nas palavras, mas também nos gestos e no próprio jeito de ele se relacionar com as pessoas.

O conteúdo nunca está desligado da pessoa que o comunica. Jesus era uma pessoa acolhedora (Marcos 6,34). Queria bem ao povo. A bondade e o amor que transparecem nas suas palavras fazem parte do conteúdo. São o seu tempero. Conteúdo bom sem bondade é como leite derramado.

Marcos define o conteúdo do ensinamento de Jesus como “Boa Nova de Deus” (Marcos 1,14). A Boa Nova que Jesus proclama vem de Deus e revela algo sobre Deus. Em tudo que Jesus diz e faz, transparecem os traços do rosto de Deus. Transparece experiência que ele mesmo tem de Deus como Pai. Revelar Deus como Pai é fonte, conteúdo e destino da Boa Nova de Jesus.

 

TEXTO DE DOM DAMIAN NANNINI, ARGENTINA

6º DOMINGO DO TEMPO COMUM – CICLO “B”1

1º Leitura (Lv 13,1-2.45-46):

A seção à qual pertence este texto é a de Levítico 11-15, que foi chamada de “código de pureza” porque nestes capítulos o vocabulário sobreo puro e o impuro1. Contém, portanto, as leis que regulamentam opurezaritual da aldeia. Entre as diversas formas deimpureza são detalhadas doenças de pele, que são generalizadas com o nome delepra, mas vão além desta doença específica como a entendemos hoje2. Vale ressaltar que no textoNão se faz referência tanto à doença em si como à situação de impureza que ela gera;e é por isso que o seu diagnóstico era da responsabilidade dos padres e não dos médicos. Confirmada a doença pelos sacerdotes, o leproso foi declaradoimpuro e teve que viver fora da comunidade. Ele não deveria nem se aproximar de nenhum homem saudável devido ao perigo de contágio. Se trata de "a exclusão das pessoas afetadas da coexistência civil e religiosa”3. E cabia também aos padres confirmar a cura e permitir a reentrada na comunidade, declarandopuroaos curados (cf. Lv 14,2-8).

Em sintese,A doença da lepra tinha, sobretudo, uma dimensão ou consideração religiosa, pelo que ser leproso é um sinal claro de que o homem está distante de Deus e separado da comunidade de salvação..

2º. Leitura (1Cor 10,31-11,1):

Esses versículos concluem a seção iniciada em 1Co 8:1. Aqui São Paulo, com genialidade, harmoniza as duas ideias mestras que nortearam toda a sua reflexão:caridade e liberdade(de consciência). Por isso afirma que em tudo o que fazemos devemos buscar a glória de Deus comliberdade, mas sem dar origem a escândalo. Além disso, estando dispostos, seguindo o exemplo de São Paulo e movidos porcaridade, renunciar ao próprio direito pelo bem dos outros como ele, que se esforça para agradar a todos em todas as coisas, não buscando o seu interesse pessoal, mas o do maior número, para que possam ser salvos. Mas esta imitação não deve permanecer com Paulo, pois ele imita a Cristo (11,1).

Evangelho (Mc 1,40-45):

Numa primeira e rápida leitura do texto parece-nos que estamos diante de mais uma história de cura milagrosa de Jesus. Mas uma segunda leitura, mais atenta, mostra-nos que não é esse o caso. Em primeiro lugar, não é apropriado falar sobrecuraPois bem, então veríamos a lepra - como a vemos hoje - como uma doença simples e crueldoença, como um problema de saúde. Em vez disso, o evangelho fala explicitamente depurificação(kakari, zwem 1.40.41.42) para o qual a lepra era considerada mais como umaimpureza, algo que nos separa

1Cf. E. Cortese – P. Kaswalder,O Encanto do Sagrado. Redescobrindo o livro de Levítico(San Pablo; Milão 1996) 56-57.

2“Havia três tipos de impureza: a) nos objetos ou animais, chamava-se impuro o que estava sujo (um recipiente, por exemplo) ou em certos animais que a lei proibia comer; b) no ser humano, no corporal, a pessoa afetado por uma doença de pele mais ou menos repugnante (lepra), a quem cometeu certos crimes, tocou num cadáver ou teve certas funções orgânicas naturais (contato sexual, menstruação, parto, ejaculação, etc.); c) finalmente, no mais importante sentido religioso, o que era impuro era o que não era aceitável aos olhos de Deus, o que era indigno de aparecer diante dele. A impureza apontada em b) sempre causou separação de Deus (c)", J. Mateos – F. Camacho,O Evangelho de Marcos. Análise linguística e comentário exegético(El Almendro; Córdoba 2003) 182.

3J. Cardeal Mejía,Levítico. Guia para leitura cristã(Ágape; Buenos Aires 2013) 34.

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puro e santo, que nos separa de Deus e do seu povo. E mais ainda, o leproso era transmissor de impureza, por isso tinha que viver isolado dos demais. A primeira leitura de hoje ajuda-nos a ter em conta esta perspectiva. Ao que ali dissemos, seria necessário acrescentar que, para a tradição judaica, a lepra era considerada um dos piores males que podem atingir o homem, razão pela qual o leproso era considerado um morto-vivo e a sua cura era equiparada à ressurreição. de um morto. Além disso, a teologia rabínica considerava a lepra, como todas as doenças, como um castigo divino pelos pecados cometidos. Assim, tanto pelos efeitos físicos (úlceras e deformações cutâneas) como sociais (marginalização) desta doença,O leproso é o símbolo do homem pecador punido por Deus.4.

Tendo em conta este contexto daquele tempo, o gesto de Jesus de tocar o leproso e purificá-lo assume um grande significado, superando todas as barreiras impostas pela lei. BJ diz sobre isso. Malina – RL Rohrbaugh5: “A ação de tocar uma pessoa doente violava os padrões de pureza e teria tornado Jesus impuro. A verdadeira lepra, a hanseníase, era muito rara na Palestina do primeiro século; daí o termo provavelmente se referir aqui a doenças de pele de diferentes tipos (cf. Lev 13).”.

Depois de tudo isto, fica claro para nós que este milagre de Jesus tem um alcance maior do que a mera cura de um doente. Na verdade, ao retornarpurohomemimpuro, está permitindo que ele recupere – além da saúde – o vínculo com Deus e com os demais membros do povo de Deus. Precisamente por isso Jesus o envia ao sacerdote para verificar a cura e reincorporá-lo ao povo santo de Deus.

O texto está, portanto, em continuidade com os evangelhos dos domingos anteriores, onde as curas e exorcismos de Jesus revelaram o seu poder para derrotar o mal e estabelecer o Reino de Deus. No caso da purificação do leproso, dadas as suas conotações particulares, a manifestação do poder de Jesus é ainda maior do que nos milagres anteriores. Além disso, como este milagre encerra a pregação itinerante de Jesus pelas sinagogas da Galileia, tem o valor de concluir uma etapa.

Agora, a história não termina com a purificação, mas continua e nos apresenta mais algumas questões. Em primeiro lugar, notamos que Jesus termina a sua relação com o leproso de forma um pouco abrupta. Na verdade, no versículo 1:43, uma expressão grega difícil de traduzir, mas que denota uma certa raiva, aborrecimento ou severidade, é usada em referência ao estado emocional de Jesus ao falar. A tradução seria: “repreender, repreender ou repreender”. Além disso, neste mesmo versículo, as traduções dizem que JesusEle o demitiu, mas Marcos usa o verbo aquie vkba ,llein o que significa bastantejogar fora ou expulsar. Segue-se a proibição de contar o que aconteceu, um silêncio que até agora era exigido apenas aos espíritos impuros.6. Em resumo, e para não nos perdermos nos detalhes,Parece claro que Jesus não se sentiu muito satisfeito com o milagre realizado7.

O que se segue na história confirma esta suposição, pois o leproso purificado desobedece à ordem de Jesus de não dizer nada e começa a proclamar (khru, sein) e difundir o fato, a tal ponto que Jesus não pode mais entrar nas cidades e deve permanecer em lugares desertos, onde pessoas de todos os lados vêm até ele.

4Pegamos esses dados de J. Gnilka,O Evangelho segundo São Marcos. Vol. eu(Siga-me; Salamanca 1992) 107.5Os evangelhos sinópticos e a cultura mediterrânea do século I(Palavra Divina; Estella 1996) 150.6“O silêncio solicitado ao destinatário do milagre tem a função de evitar a propaganda que favorece ir a Jesus apenas para obter benefícios materiais… permite-nos compreender que Jesus deseja um encontro pessoal, porque quer criar um contágio que salve e não apenas um contágio que cura. Para ser salvo é necessário encontrar-se pessoalmente e estar disposto a segui-lo no caminho que ele nos mostra. Entusiasmos fáceis são como fogueiras de palha destinadas a apagar-se imediatamente. Portanto, recomenda-se o silêncio, que equivale à cautela, à internalização, à participação direta e não ao “boato””, G. Zevini – P. G. Cabra,Lectio Divina para a vida quotidiana 7. O Evangelho de Marcos(Verbo Divino; Estella 2008) 65. É interpretado na mesma linha por A. Rodríguez Carmona,O Evangelho de Marcos(DDB; Sevilha 2006) 40.

7Deixamos de lado a questão da crítica textual que surge porque alguns manuscritos ocidentais dizem “zangado” ou “cheio de ira” (é assim que BJ traduz3) e não “cheio de compaixão” em 1:41; cf. J. Gnilka,Marcos, 108.

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Diante dessa questão, creio que a análise semiótica de J. Delorme pode nos dar alguma luz. Segundo este autor, o leproso, ao expressar o seu desejo de purificação, manifesta implicitamente uma imagem de Jesus como um ser com poder ilimitado que pode exercer a seu critério (“Se você quiser, você pode me purificar"). Jesus o ama, toca nele e é purificado. MasO que se segue nos mostra que Jesus quer algo mais e não apenas a cura. O contexto imediato do evangelho mostra-nos que, embora a actividade pública de Jesus inclua a expulsão de demónios, a cura dos enfermos, a pregação e o ensino; só para este último é que Jesus toma a iniciativa. Na verdade, Jesus não procura os doentes e os endemoninhados, mas eles vão ter com ele. Por outro lado, Jesus expressa claramente a sua decisão de viajar pelas cidades para pregar (khru, sein), porque foi para isso que Ele veio, esta é a sua missão (cf. Mc 1,38). Agora, a desobediência do leproso impede Jesus de cumprir esta missão e ele é obrigado a isolar-se em lugares desertos.8.

Meditação:

  

O crente geralmente vive em tensão entre o que espera de Deus e o que Deus quer lhe dar através de Jesus. Tensão entre o que queremos que Jesus faça por nós, de acordo com os nossos planos e projetos; e o que Jesus quer fazer em nossas vidas. Essas tensões aparecem no evangelho de hoje.

O leproso, com o seu drama e a sua fé nas costas, aproxima-se de Jesus e pede para ser purificado; livre daquela doença que o separa de Deus e dos outros. Jesus quer purificar o leproso, assim como quis curar os outros doentes e libertar os endemoninhados. Mas quer também que o ouçam falar do Pai, do seu amor e do seu perdão; de como o Reino de Deus está presente e opera entre eles. Ele quer que eles continuem a renunciar a si mesmos e a carregar a cruz. Esta necessidade de ir além da cura física aparece mais claramente na história da cura dos dez leprosos relatada no Evangelho de São Lucas (cf. 17, 11-19). Diz-se que apenas o samaritano que voltou para agradecer a Jesus pela sua cura foi salvo pela fé. Nos outros nove, a fé em Jesus apenas levou à cura-purificação, mas não foi suficiente para a salvação.9De modo semelhante, mas mais completo e progressivo, temos o caminho da fé descrito por Jo 6 a partir do sinal da multiplicação dos pães.

Por tanto,Parece-nos que, embora Jesus não se recuse a realizar as curas ou os milagres que lhe são exigidos, teme que esta busca exagerada do bem físico pessoal não se abra à escuta da Palavra que Ele deve anunciar de Deus. É uma palavra que carrega um poder maior do que expulsar demônios, curar enfermos ou purificar leprosos. É a palavra do perdão de Deus, o poder de perdoar os pecados, como se verá claramente na cena seguinte onde Jesus primeiro perdoa os pecados e só depois faz o paralítico andar, mostrando que a cura física é um sinal visível da obra profunda. e maior do que o perdão dos pecados (cf. Mc 2,1.12). A este respeito, o Papa Francisco disse: “Com os sinais de cura que realiza em doentes de todo tipo, o Senhor quer suscitar a fé em resposta […] Os milagres, com efeito, são “sinais” que convidam à resposta da fé; sinais que vêm sempre acompanhados da palavra que os ilumina; e juntos, sinais e palavras, provocam fé e conversão pela força divina da graça de Deus”(Angelus de 4 de fevereiro de 2018).

8“A fama que se espalha a partir de suas ações é traduzida concretamente pelo afluxo de doentes e endemoninhados. A fama reflete, portanto, uma imagem de poder benéfico que desperta o desejo de se beneficiar dela. "proclamar". Há um desequilíbrio e um mal-entendido entre o que ele quer e o que se espera dele [...] A raiva de Jesus e suas queixas apontam para a separação e a tensão entre seu projeto e a esperança que ele suscita", J Delorme,O risco da palavra. leia os evangelhos, (Lidium; Buenos Aires 1995) 22. Para ver a análise completa, cf. pág. 10-23.

9“Se a fé não for acompanhada de gratidão, não é verdadeira fé. Ela permanece ligada ao milagre e não ascende à salvação”, F. Bovon,O evangelho segundo São Lucas III(Siga-me; Salamanca 2004) 192.

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Um bom, "Jesus quer evitar que os judeus confundam o sentido da sua vinda: para ele não é um reino terreno; A sua paixão e a sua morte farão compreender o sentido da sua missão."10. Importante é, então,recuperar a verdade da vida cristã como caminho, como processo, com etapas de crescimento progressivo e inclusivo. Não se trata do contraste entre o material-corpóreo e o espiritual; bem como o contraste entre cristãos com formação intelectual que buscam apenas o espiritual e cristãos sem formação que buscam apenas milagres ou cura física. Não se trata de contraste porque na ordem da fé não se cresce por substituição, mas por aprofundamento ou integração.

Todos nós, como o leproso do Evangelho, aproximamo-nos de Jesus para pedir-lhe que nos liberte de algum mal, seja uma doença física ou moral; que resolve algum problema em nossas vidas ou tira alguma angústia ou desconforto. Ao fazer isso confessamos tanto o seu poder divino quanto a nossa humilde condição de criatura, confessamos que precisamos do Senhor e da sua Graça em nossas vidas. Mas Jesus quer que também nós nos aproximemos dele para ouvi-lo, segui-lo, amá-lo. E tudo isso significa um caminho longo e cansativo.

Nesta mesma linha está a conclusão sobre as leituras deste domingo a que L. Monloubou chegou: “A plena comunicação do mistério de Jesus, da plenitude do Evangelho, exige um certo itinerário ou um certo período [...] Para levar verdadeiramente à fé em Jesus e no seu Evangelho, repitamos, os homens precisam percorrer um determinado caminho. Existem etapas que são impossíveis de ignorar. Portanto, Jesus se recusa a manifestar-se em qualquer circunstância e busca as trevas. O Evangelho é uma luz invencivelmente eficaz. Evangelização, um procedimento que não pode ignorar os prazos nem ignorar os percursos. Jesus se lembrou disso. Marcos insiste em repetir. Como poderia a Igreja de hoje esquecer isso?"11.

É bom não deixar de olhar para Jesus e para o seu estilo particular de ligação connosco; como faz o Papa Francisco: “Desta forma, realiza a Boa Nova que anuncia: Deus tornou-se próximo da nossa vida, tem compaixão do destino da humanidade ferida e vem derrubar todas as barreiras que nos impedem de viver a nossa relação com Ele, com os outros e connosco próprios. . eles mesmos. Tornou-se próximo. Proximidade. Lembre-se bem desta palavra: proximidade, compaixão. O evangelho diz que Jesus, ao ver o leproso, “teve compaixão dele”. E ternura. Três palavras que indicam o estilo de Deus: proximidade, compaixão, ternura. […] Pode acontecer a cada um de nós experimentar feridas, fracassos, sofrimentos, egoísmos que nos fecham a Deus e aos outros, porque o pecado nos tranca em nós mesmos, por vergonha, humilhação,

mas Deus quer abrir o coração. Diante de tudo isso, Jesus nos anuncia que Deus não é uma ideia ou uma doutrina abstrata, mas que Deus é Aquele que está “contaminado” pela nossa humanidade ferida e que não tem medo de entrar em contato com as nossas feridas. Mas, pai, o que você está dizendo? Que Deus está contaminado? Não o digo, São Paulo disse-o: tornou-se pecado (cf.2 Coríntios5,21). Aquele que não é pecador, que não pode pecar, tornou-se pecado. Vejam como Deus se contaminou para se aproximar de nós, para ter compaixão e para fazer compreender a sua ternura. Proximidade, compaixão e ternura”, (Angelus de 14 de fevereiro de 2021).

Ao mesmo tempo, Jesus mostra-se-nos como modelo de Pastor, que sabe ceder pelo bem dos necessitados, mas que não se deixa encerrar em expectativas humanas “curtas” ou “baixas”. , mas convida, através dos seus silêncios e das suas palavras na cruz, a crescer na fé e no amor a Deus.

Em suma, trata-se de crescimento no amor, amor que é o caminho e ao mesmo tempo a meta, que é a própria saúde da alma como nos diz belamente São João da Cruz no seu Cântico Espiritual 11,11-12:"A saúde da alma é o amor de Deus, e assim, quando não tem amor completo, não tem saúde completa, e por isso está doente, porque a doença nada mais é do que falta de saúde. Assim, quando a alma não tem grau de amor, ela está morta; mas, quando tem algum grau de amor de Deus, por mínimo que seja, já está vivo; mas ela está muito debilitada e doente por causa do pouco amor que tem; mas, quanto mais o amor aumentasse, mais saúde ele teria e, quando tivesse o amor perfeito, sua saúde seria plena.".

10A. Eles machucamCelebre Jesus Cristo V(Sal da Terra; Santander 1982) 138.

11Leia e pregue o Evangelho de Marcos. Ciclo B(Sal da Terra; Santander 1981) 45-46.

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PARA ORAÇÃO (RESSON NCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):

O Pão que diviniza

Eu me aproximo Senhor, doente

Pele seca, ossos quebrados.

Tremendo eu me encontro

Diante do Rei do universo

E eu te peço, me cure,

Você conhecerá o espaço e o tempo.

Às vezes, desanimado,

Eu rastejo e gemo órfão,

Abandonado por todos e desprezado:

Meu cheiro é assustador e minha aparência.

Eu olho para você limpo e puro,

Branco perfeito.

Você diz: - Eu sou o Pão Vivo que desceu do céu

E eu procuro febrilmente

A graça de ser aceito

Para quem entrega para mim

Seu Sangue e Seu Corpo

E eu digo a mim mesmo...

O amor me ama!

Morro purificado em minha dor,

Eu nasci de novo e me curvo.

O próprio Deus foi movido

E é quem agora, na sua Misericórdia

Isso me torna divino. Amém.