4º QUARESMA-A

4° DOMINGO DA QUARESMA ANO A

19/03/2023

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


1ª Leitura: 1 Samuel 16,1b.6-7.10-13a

Salmo 22(23)-R- O Senhor é o pastor que me conduz; não me falta coisa alguma

2ª Leitura: Efésios 5,8-14

Evangelho de João 9, 1-41

Naquele tempo: 1Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. 2Os discípulos perguntaram a Jesus: 'Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?' 3Jesus respondeu: 'Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. 4É necessário que nós realizemos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. 5Enquanto estou no mudo, eu sou a luz do mundo.' 6Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego. 7E disse-lhe: 'Vai lavar-te na piscina de Siloé' (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando. 8Os vizinhos e os que costumavam ver o cego - pois ele era mendigo - diziam: 'Não é aquele que ficava pedindo esmola?' 9Uns diziam: 'Sim, é ele!' Outros afirmavam: 'Não é ele, mas alguém parecido com ele.' Ele, porém, dizia: 'Sou eu mesmo!' 10Então lhe perguntaram: 'Como é que se abriram os teus olhos?' 11Ele respondeu: 'Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: 'Vai a Siloé e lava-te'. Então fui, lavei-me e comecei a ver.' 12Perguntaram-lhe: 'Onde está ele?' Respondeu: 'Não sei.' 13Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido cego. 14Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego. 15Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: 'Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!' 16Disseram, então, alguns dos fariseus: 'Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado.' Mas outros diziam: 'Como pode um pecador fazer tais sinais?' 17E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao cego: 'E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?' Respondeu: 'É um profeta.' 18Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista. Chamaram os pais dele 19e perguntaram-lhes: 'Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?' 20Os seus pais disseram: 'Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego. 21Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo.' 22Os seus pais disseram isso, porque tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. 23Foi por isso que seus pais disseram: 'É maior de idade. Interrogai-o a ele.' 24Então, os judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: 'Dá glória a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador.' 25Então ele respondeu: 'Se ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo.' 26Perguntaram-lhe então: 'Que é que ele te fez? Como te abriu os olhos?' 27Respondeu ele: 'Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos dele?' 28Então insultaram-no, dizendo: 'Tu, sim, és discípulo dele! Nós somos discípulos de Moisés. 29Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é.' 30Respondeu-lhes o homem: 'Espantoso! Vós não sabeis de onde ele é? No entanto, ele abriu-me os olhos! 31Sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade. 32Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. 33Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada'. 34Os fariseus disseram-lhe: 'Tu nasceste todo em pecado e estás nos ensinando?' E expulsaram-no da comunidade. 35Jesus soube que o tinham expulsado. Encontrando-o, perguntou-lhe: 'Acreditas no Filho do Homem?' 36Respondeu ele: 'Quem é, Senhor, para que eu creia nele?' 37Jesus disse: 'Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo.' Exclamou ele: 38'Eu creio, Senhor'! E prostrou-se diante de Jesus. 39Então, Jesus disse: 'Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos.' 40Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isto e lhe disseram: 'Porventura, também nós somos cegos?' 41Respondeu-lhes Jesus: 'Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: 'Nós vemos', o vosso pecado permanece.' Palavra da Salvação.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, Arcebispo de Sorocaba SP

Jo 9,1-41

“Rabi, quem pecou, ele ou seus pais para que nascesse cego?”. Os discípulos procuram a explicação e o sentido dos males e das imperfeições que nos fazem sofrer.

A resposta de Jesus é clara: “Nem ele nem seus pais, mas para que se manifestem as obras de Deus”. As imperfeições que existem neste mundo não são castigo de Deus. Jesus não liga as imperfeições e as doenças humanas com um castigo de Deus. 

A imperfeição do cego é vista como ocasião, como pano de fundo da manifestação da ação criadora e salvadora de Deus. Além disso, a resposta de Jesus afirma que a imperfeição do cego não é imperfeição natural. Imperfeição natural indica uma imperfeição imutável que não será superada. Por isso, devemos falar de uma imperfeição inicial.

Todas as imperfeições deste mundo devem ser vistas como imperfeições iniciais. A imperfeição inicial é da vontade de Deus, pois, ao criar o universo, Deus fez tudo bem feito, mas não fez tudo perfeito. Se criasse tudo perfeito, Deus teria excluído o progresso, a evolução e o crescimento. A natureza e o homem foram criados repletos de possibilidades para evoluir e se desenvolver. Assim as imperfeições podem e devem ser superadas. Elas representam um desafio à imaginação, à criatividade e ao amor do homem.

Ao falar do cego, Jesus está falando também de todos nós. Não fomos criados perfeitos para que se manifeste em nós o poder de Deus. Superando as imperfeições, revelaremos a grandeza daquele que nos criou.

O cego não é só curado da cegueira física. Ele recebe a luz da fé. Por isso a cura do cego começa com a cura física, mas termina no dom da fé. Todo este processo se realiza em três etapas.

a. As pessoas perguntam ao cego curado: “Como se abriram os teus olhos?”. Ele responde: “Aquele homem chamado Jesus fez lama, aplicou-a nos meus olhos”. O cego ainda não sabe quem é Jesus, mas adere a ele por causa da cura.

b. De novo as pessoas perguntam ao cego: “Que dizes de quem te abriu os olhos?”. Ele responde: “é um profeta”. Neste ponto, o cego manifesta uma maior profundidade no conhecimento de Jesus Cristo. De fato, Jesus é profeta, mas não somente um profeta.

c. Por fim Jesus lhe pergunta: “Crês no Filho do Homem?”. “Quem é, senhor para que eu creia nele?”. “Tu o estás vendo, é quem fala contigo”. “Creio, Senhor!”. E prostrou-se diante dele. Aqui a profissão de fé marca o término de um processo que começou com a cura física. A visão física prepara a visão espiritual. A fé é fruto do encontro pessoal com o Senhor. Jesus vem ao encontro e se revela. Somente por causa disso a fé é possível.

Os verdadeiros cegos do evangelho são os fariseus que não enxergam aquilo que é evidente: Jesus é o Filho de Deus. Por várias vezes os fariseus interrogam o cego sobre quem o curou; se, de fato, ele foi mesmo curado. Perguntam aos seus pais se ele nasceu mesmo cego. De fato, eles não enxergam um palmo o que é evidente porque não querem ver a realidade.

O argumento que eles usam para não acreditar no milagre de Jesus é ridículo: um milagre feito no dia de sábado não pode ser um milagre. Eles são cegos porque não querem ver.

Fechar os olhos diante do próximo torna cegos diante de Deus (Texto-base, CF 2020, 80).


INTRODUÇÃO


As leituras deste Domingo propõem-nos o tema da “luz”. Definem a experiência cristã como “viver na luz”.


No Evangelho, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”; a sua missão é libertar os homens das trevas do egoísmo, do orgulho e da autossuficiência. Aderir à proposta de Jesus é enveredar por um caminho de liberdade e de realização que conduz à vida plena. Da ação de Jesus nasce, assim, o Homem Novo – isto é, o Homem elevado às suas máximas potencialidades pela comunicação do Espírito de Jesus.


Na segunda leitura, Paulo propõe aos cristãos de Éfeso que recusem viver à margem de Deus (“trevas”) e que escolham a “luz”. Em concreto, Paulo explica que viver na “luz” é praticar as obras de Deus (a bondade, a justiça e a verdade).

A primeira leitura não se refere diretamente ao tema da “luz” (o tema central na liturgia deste domingo). No entanto, conta a escolha de David para rei de Israel e a sua unção: é um ótimo pretexto para refletirmos sobre a unção que recebemos no dia do nosso Batismo e que nos constituiu testemunhas da “luz” de Deus no mundo.



O ENCONTRO DE JESUS COM UM CEGO:

É convivendo que os olhos se abrem

Mesters, Lopes e Orofino

O texto sobre o qual meditamos é comprido. Mas é um texto muito vivo. Difícil de ser cortado pelo meio. Trata da cura de um cego, a quem Jesus devolve a luz aos olhos. É uma história cheia de simbolismos. Temos aqui mais um exemplo concreto de como o Quarto Evangelho tira raio-X para revelar o sentido mais profundo que existe escondido dentro dos fatos. É o sexto sinal, realizado em dia de sábado (Jo 9,14) e ligado à Festa das Tendas (Jo 7,2.37), que era a festa da água e da luz.

As comunidades do Discípulo Amado identificaram-se com o cego de nascença e com a sua cura. Cegas desde o nascimento por causa da prática legalista da Palavra de Deus, elas conseguiram enxergar a presença de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. Para chegar a isso, tiveram que fazer uma travessia cheia de conflitos e de perseguições. Por isso, pela descrição das várias etapas e conflitos da cura do cego de nascença, descreveram também o itinerário espiritual que elas mesmas percorriam, desde a escuridão da cegueira até a luz plena da fé esclarecida em Jesus.

1.      João 9,1-5: O ponto de partida: cegueira a respeito do mal que existe no mundo

Ao verem o cego, os discípulos perguntaram: “Quem pecou, ele ou os pais, para ele nascer cego?” Naquela época, todo sofrimento era visto como castigo de Deus por algum pecado. Esta mentalidade precisava ser combatida. Associar um defeito físico ao pecado era uma das maneiras de os sacerdotes da Antiga Aliança manter seu poder sobre o povo. Para os saduceus e fariseus, um defeito físico ou uma doença eram sinais da maldição de Deus sobre a pessoa. Jesus não era desta opinião e corrigiu os discípulos. Não existe pecado na pessoa. “Nem ele nem os pais pecaram, mas para que nele sejam manifestadas as obras de Deus!” Obra de Deus é o mesmo que Sinal de Deus. Aquilo que para a época era sinal da ausência de Deus, para Jesus vai ser sinal da sua presença luminosa no meio de nós. Ele disse: “Enquanto é dia, tenho que realizar as obras do Pai que me enviou. Quando vem a noite, já não dá mais para trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.” O Dia dos Sinais começou a raiar quando Jesus realizou o primeiro sinal em Caná. Mas o Dia está chegando ao fim e logo será Noite. A noite é a morte de Jesus.

2.      João 9,6-7: O sinal do enviado de Deus

Jesus cuspiu na terra, fez lama com sua saliva, aplicou sobre os olhos do cego e pediu que fosse lavar-se na piscina de Siloé. O homem foi e ficou curado. Este é o sinal! João comenta, dizendo que Siloé significa enviado. Jesus é o Enviado do Pai que realiza as obras, os sinais do Pai. O sinal deste “envio” é que o cego começou a enxergar. E, tal como Deus criara o ser humano a partir do barro, Jesus vem recriar as pessoas. Nele, somos novas criaturas (2Cor 5,17).

      3  João 9,8-14: A base da fé é a humanidade de Jesus

A primeira reação veio dos vizinhos e das pessoas chegadas. O cego era muito conhecido. Eles ficaram na dúvida: “Será que é ele mesmo?” O cego respondia: “Sou eu mesmo!” Perguntaram: “Como é que se abriram seus olhos?” O que antes era cego tem que testemunhar: foi o homem Jesus quem me abriu os olhos. O fundamento da fé em Jesus é aceitar que ele é um ser humano igual a nós. Os vizinhos perguntaram: “Onde está ele?” – “Não sei!” Eles não ficaram satisfeitos com as respostas do cego. Para tirar tudo a limpo, levaram o homem até os fariseus, que eram as autoridades religiosas. Aquele dia era um sábado! Em dia de sábado era proibido exercer a medicina.

4.      João 9,15-17: Jesus é o profeta, ele responde às aspirações do povo

Diante da polêmica criada pelo sinal de Jesus, o caso foi para as autoridades religiosas. O homem agora testemunha o sinal de Jesus diante dos fariseus, contando tudo de novo. Cegos na sua observância das leis, alguns fariseus comentaram: “Ele não é de Deus, porque não observou o sábado!” Não aceitavam que o homem Jesus fosse um sinal de Deus por fazer tal coisa num dia de sábado. Mas outros se questionavam: “Como é que alguém, sendo pecador, pode realizar tais sinais?” Aí perguntaram ao cego: “E você, o que nos diz a respeito de Jesus?” O homem avançou no seu testemunho. Agora, para ele, Jesus “é um Profeta!”

5.      João 9,18-23: Cegos pelo preconceito da lei, os fariseus não aceitam o testemunho da lei

A terceira reação vem dos pais. Os fariseus, agora chamados de judeus, não acreditavam que o rapaz tivesse sido cego. Achavam que fosse uma fraude montada. Por isso, mandaram chamar os pais e perguntam: “Este é o filho de vocês? Ele nasceu cego? Se nasceu cego, como é que agora enxerga?” Com muita cautela, os pais responderam: “É nosso filho e ele nasceu cego! Como agora enxerga não sabemos, nem sabemos quem o fez enxergar. Vocês interroguem a ele. Ele tem idade!” A cegueira dos fariseus gerava medo no povo, pois quem fizesse a profissão de fé em Jesus como Messias seria expulso da sinagoga. A conversa com os pais revelou a verdade, testemunhada por duas pessoas. Mas as autoridades religiosas se negaram a aceitá-la. A cegueira delas era maior que a evidência. Elas, que tanto insistiam na observância da lei, agora não queriam aceitar a lei que declarava válido o testemunho de duas pessoas (Jo 8,17).

6.      João 9,24-34: O discípulo não é maior que o mestre. O mestre foi rejeitado…

Chamaram de novo o cego e disseram: “Dá glória a Deus! Sabemos que este homem é um pecador!” Dar glória a Deus significava: “Peça perdão pela mentira que você nos pregou!” O cego tinha dito: “Ele é um profeta!” Conforme os fariseus, ele deveria ter dito: “Ele é um pecador!” Mas o cego era vivo. Ele disse: “Se ele é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora estou enxergando!” Contra fato não vale argumento! De novo, os fariseus perguntaram: “O que ele fez? Como abriu seus olhos?” O cego respondeu com ironia: “Eu já disse a vocês! Vocês também querem tornar-se discípulos dele?” Responderam: “Você, sim, é discípulo dele. Nós somos discípulos de Moisés! Sabemos que Deus falou a Moisés. Mas esse Jesus, nós não sabemos de onde é!” Novamente, com fina ironia, o cego disse: “Espantoso! Vocês não sabem de onde ele é, e ele me abriu os olhos! Se este homem não viesse de Deus, não seria capaz de fazer um sinal desses!” Confrontado com a cegueira dos fariseus, a luz da fé cresceu dentro do cego. Ele rompeu com a velha observância da Lei de Moisés, afirmando que quem lhe abriu os olhos só pode ser alguém que veio de Deus. Esta profissão de fé resultou em sua expulsão da sinagoga. Assim acontecia também no fim do século I. Quem quisesse professar sua fé em Jesus tinha de romper laços familiares e comunitários. Assim acontece até hoje. Quem decide ser fiel a Jesus sofre e corre o perigo de tornar-se um excluído em sua própria família e vizinhança.

7.      João 9,35-38: A nova comunidade: Jesus o acolhe e ele se entrega

Jesus não abandona quem por causa dele padece ou é perseguido. Quando soube da expulsão, procurou o homem e o ajudou a dar mais um passo, convidando-o a assumir sua fé no Filho do Homem. Ele respondeu: “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?” Jesus respondeu: “Você está olhando para ele. Sou eu que estou falando com você!” O cego exclamou: “Creio, Senhor!” E prostrou-se diante de Jesus. A atitude do cego diante de Jesus é de total confiança e de inteira aceitação. De Jesus ele aceita tudo. Esta é a fé que sustenta as comunidades do Discípulo Amado.

8.      João 9,39-41: Uma reflexão final

O cego, que não enxergava, acaba enxergando melhor que os fariseus. As comunidades, que antes eram cegas, descobrem a luz. Os fariseus, que pensavam enxergar corretamente, são mais cegos que o cego de nascimento. Presos à velha observância, eles mentem quando dizem que veem. O pior cego é aquele que não quer enxergar! Os fariseus. Na verdade, continuam cegos.

O nome “EU SOU”

Para esclarecer o significado da cura do cego de nascença, o Quarto Evangelho lembrou a frase de Jesus: “Eu sou a luz do mundo!” (Jo 9,5; 8,12). Em vários outros lugares e oportunidades, repete esta mesma afirmação: EU SOU. O Evangelho de João, no seu conjunto, é uma resposta para a pergunta inquietante feita pelos contemporâneos de Jesus, tanto discípulos quanto adversários:  “Quem  és tu?” (Jo 8,25) ou “Quem pretendes ser?” (Jo 8,53). Para responder a essas questões e, ao mesmo tempo, revelar a profunda identidade entre ele e o Pai, Jesus repete várias vezes a expressão “Eu sou” (Jo 8,24.28.58). Dessa forma, a comunidade joanina quer-nos mostrar que fez a experiência com Jesus como a encarnação do Deus libertador do Êxodo (Ex 3,1-14).

Além disso, Jesus repete a expressão com complementos: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6,34.48); “Eu sou o pão vivo descido do céu” (Jo 6,51); “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12; 9,5); “Eu sou a porteira” (Jo 10,7.9); “Eu sou o bom pastor” (Jo 10,11.14); “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25); “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6); “Eu sou a videira” (Jo 15,1); “Eu sou rei” (Jo 18,37).

Esta revelação de Jesus atinge seu ponto alto numa discussão com os judeus em que ele afirma: “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que Eu sou” (Jo 8,28).

O título que melhor resume o resultado desta busca é “Eu sou” (Jo 8,58). Este nome é como que o ponto de chegada após uma longa caminhada. “Eu sou” é o mesmo que Javé, o nome que Deus assumiu no êxodo como expressão da sua presença libertadora no meio do povo (Ex 3,14). Agora, para as comunidades do Discípulo Amado, o verdadeiro rosto deste Deus é o rosto de Jesus de Nazaré: “Quem me vê, vê o Pai!” (Jo 14,9). Depois do exílio babilônico, no Antigo Testamento, o nome sagrado Javé, que aparece quase 7 mil vezes no Antigo Testamento, foi substituído pela palavra Senhor. Desde Pentecostes, os discípulos e as discípulas chamam Jesus de Senhor (At 1,36; Fl 2,11; Jo 20,28). Até hoje dizemos: nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Cego de nascença passagem da margem à iluminação - Adroaldo Palaoro

“Enquanto estou no mundo, Sou a Luz do mundo.” (Jo 9,5)


A cura do cego de nascença (Jo 9) revela-se como uma instigante narrativa que requer ser lida em seu contexto imediatamente anterior; ali encontramos uma discussão de Jesus com os judeus e que começa com esta afirmação: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12). Frente à cegueira cultural-religiosa, Jesus se mostra como Luz na vida.

O relato deste domingo nos põe em contato com Jesus que traz Luz-Vida. Ele não só se revela como Luz, mas, através de seu “toque”, ativa a luz presente naquele que não podia ver a luz do dia. Como no caso da samaritana, é Jesus quem toma a iniciativa, mas o interessado deve responder pessoalmente.

Todo o relato é simbólico; as alusões ao batismo são constantes. A Igreja primitiva chamava o batismo “photismós”, que significa “iluminação”. Trata-se de indicar aos catecúmenos o caminho que precisam percorrer antes do batismo.

Este cego de nascença representa toda a humanidade, porque, em certo sentido, todos somos cegos enquanto não acolhamos Aquele que é Luz. Esta cegueira é a que impede ver a verdade que nos fará livres. Somos cegos quando nos fechamos em nossa mentalidade, critérios, ideologias... Somos cegos quando nos petrificamos no fanatismo, na intolerância e na resistência em perceber a luz que habita naquele que pensa e sente de maneira diferente.

“Jesus ia passando, quando viu um cego de nascença”. O “passar” é uma evocação do caminho do Êxodo, caminho de liberdade. No deserto, Deus é o “clarão” que orienta e move o povo de Israel a fazer a travessia da terra da escuridão para a terra da liberdade. Jesus é Luz que “passa” em meio ao mundo da marginalidade e da exclusão, reacendo a luz da esperança e da vida em cada pessoa.

Jesus é a “Luz que toca”; aqui aparece, com muita força, o símbolo do contato físico. O contato nos faz despertar. Existe a idade da palavra, a do ouvido, a do olhar..., mas neste momento Jesus se detém na idade do contato; é a idade da comunhão, a idade da ternura materna. O caminho do tato é o da mais profunda comunhão.

Jesus tocava pessoas feridas, quebradas... e sua gestualidade prolongava o sexto dia da Criação.

Sabemos pouco da riqueza de nosso contato. O contato nos cura. É um caminho de comunicação maravilhoso. Na enfermidade, muitas pessoas não buscam mais que o contato.

Um verdadeiro contato nos envia sempre para dentro. Não é o contato da pele, mas o que nos põe em marcha para nosso interior.

Existem forças reconstrutoras presentes em todos nós. Através de suas palavras e do seu toque, o Mestre da Galileia restabelece o contato do cego com a fonte, com os seus recursos interiores. Esses recursos existem em cada pessoa, e cada um pode aproveitá-los. Através do encontro com Jesus e do seu toque, as pessoas descobrem os recursos interiores que devem ser mobilizados. Ele confia nas forças de autocura do ser humano; não precisa fazer tudo sozinho.

No encontro com Jesus, o doente entra em contato consigo mesmo, com as fontes interiores que o Pai lhe deu: estas são as fontes das forças de autocura, de dons e habilidades, de força e de esperança.

Jesus não explica, não faz uma teoria sobre a origem da cegueira (quem pecou?). Realiza algo muito maior: ajuda o cego, afasta-o da cidade alta (dominada por sacerdotes e escribas) e o convida a descer à fonte da vida, abaixo, no manancial de Siloé, que é sinal profético de abundância e de iluminação futura.

Este cego é o homem que não consegue ver desde o nascimento; não se trata de pecado, mas da própria situação vital, da cegueira humana que se expressa, de um modo claro, neste ser humano. Há muitos que lhe querem ensinar a ver (os mestres da lei), mas lhe deixam na cegueira. É uma cegueira que começa sendo externa (não ver as coisas, não compreender o sentido da vida) e que termina sendo interior (não saber quem é, em quem pode confiar, viver sendo manipulado por outros).

Podemos, então, afirmar que o relato de João é um “texto de rebelião”, um texto que denuncia toda religião que aprisiona as pessoas nas trevas do sentimento de culpa, de medo e de impotência. É o testemunho de Jesus que se rebela contra aqueles que querem manter as pessoas cegas, travando a verdadeira identidade delas que se revela como participação na luz divina, presente no interior de cada uma.

Contra tal situação Jesus diz ao cego de Siloé que se rebele, que não permaneça cego à beira do caminho, que veja por si mesmo, que decida, que confesse sua nova liberdade mesmo que isto lhe custe a rejeição das autoridades religiosas, inclusive de seus próprios familiares.

Junto ao cego de nascença se faz visível o pecado de todas as pessoas que não lhe ajudam, que não querem entendê-lo, que o submetem às suas leis e conveniências. Pois bem, Jesus não consola o cego (em sentido superficial), mas lhe diz para ser ele mesmo, que assuma sua própria vida, que desça à água, que se purifique... Jesus mesmo põe barro nos olhos do cego (terra com saliva, alento vital) e lhe diz que vá, que veja, que não tenha medo, que assuma seu destino... Jesus não cria dependência; ativa no cego sua autonomia para que ele seja autor de sua própria vida, inclusive correndo riscos de ser rejeitado.

No fundo, Jesus pede ao cego que se rebele contra uma lei de cegueira, que o obriga a mendigar, sob a “caridade” dos mestres cegos que vivem à custa da cegueira dos outros. Pede-lhe que se rebele, que deixe seu lugar de mendigo, que saia da margem e que recupere sua verdadeira identidade. Trata-se de uma rebelião para a liberdade, para a vida. É uma rebelião que conduz ao encontro com Jesus que é simplesmente “filho do homem”, o homem em plenitude.

O cego passa a crer em Jesus como “filho do homem”, ou seja, como humanidade libertada e libertadora.

Pouco a pouco, o mendigo vai ficando sozinho. Seus pais não o defendem; os dirigentes religiosos o expulsam da sinagoga. Ao ver a realidade com o novo olhar que Jesus lhe ofereceu, já não cabia dentro da sinagoga, lugar de uma atrofiada visão de Deus e da vida.

O que era cego experimentou o amor gratuito e libertador. Para ele é impossível negar o que pessoalmente viveu. Do mesmo modo que Jesus teve que sair do templo, o cego que recebeu a luz, foi expulso da sinagoga.

Jesus não veio colocar uma pequena vela sobre nossas cabeças, mas acender nossa existência humana para que brilhemos a partir de nosso interior, com luz própria. Cada um de nós carrega dentro o combustível inextinguível da luz, colocada por Aquele que é Luz e que ilumina constantemente nossa existência.

Ao despertar, caímos na conta de que não somos o “ego inflado” criado por nossa mente, mas o “eu sou” universal, numa identidade compartilhada com todos.

A luz da treva é sedutora, mentirosa e assassina. Todos levamos dentro resquícios de trevas, espaços onde ainda não deixamos entrar a luz.

Por um lado, temos a luz, a visão e a vida. Por outro, as trevas, a cegueira e a morte. No meio, a longa gestação da luz dentro de nós, que pode progredir na visão de

Deus e do mundo como o cego curado, ou que pode crescer também na cegueira das trevas como as autoridades que negam o evidente. Este é o dilema: “Ver ou perecer” (cf. Benjamin Buelta, sj).

Para meditar na oração:

Aquele(a) é capaz de olhar o próprio interior, sensibiliza-se para olhar de modo diferente a realidade que o cerca.

Espeleologia é a ciência das cavernas.

A oração é a “espeleologia” que se dedica a explorar as cavernas do “eu profundo”: nossa dimensão iluminada.

O “eu profundo” é um emaranhado de cavernas iluminadas por uma luz que se insinua por frestas estreitas, cavernas que vão ficando cada vez mais fundas e escuras. Lugar do silêncio e da escuta atenta.

Ao entrar na caverna o medo se manifesta; são poucos os que tem coragem de fazer este percurso. Lá dentro tudo é diferente. As vozes se transformam em sussurros; a pupila dos olhos aumenta; também cresce o assombro diante das novas descobertas.

Aqui nos descobrimos sozinhos. Há solidão e silêncio, habitados por uma Presença iluminante e iluminadora que tudo harmoniza, integra e pacifica. Aqui está enraizada nossa identidade (“sou eu”), a verdade do “eu profundo” onde as palavras cessam e podemos ouvir uma serena melodia.


UMA PRESENÇA CRIADORA E LIBERTADORA

Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado. (do site UNISINOS)


Neste domingo continuamos caminhando com Jesus rumo a Jerusalém, à festa da Páscoa. A narrativa que lemos é o relato do cego de nascença que recobra a visão, um milagre seguido de uma controvérsia entre o cego que “agora está enxergando” e as autoridades dos judeus que não podem aceitar “que seus olhos se abriram”. A resposta do homem às perguntas das autoridades judaicas repousa exclusivamente sobre o que aconteceu nele: “só sei que eu era cego e agora estou enxergando”.

Este texto do evangelho é a continuação da cena na qual Jesus é quase apedrejado pelos judeus porque ele afirma que existe antes que Abraão (Jo 8, 58-59). A hostilidade entre Jesus e os judeus é clara no evangelho de João. Isto responde ao contexto que vivia a comunidade joânica quando o evangelho foi escrito.

A expulsão das sinagogas dos judeus convertidos ao cristianismo ocorreu antes de o evangelho ser escrito. Mas os cristãos joaninos ainda eram perseguidos e até condenados à morte pelos “judeus”. Este era o ambiente no qual crescia a fé na comunidade joânica.

A narrativa do capítulo 9 integra a série de sete “sinais” de Jesus descritos no evangelho de João. Lembremos que os sinais não só mostram as ações admiráveis de Jesus, seus milagres, mas visualizam simbolicamente o que Jesus significa: o alimento que dá vida, a luz do mundo, a ressurreição e a vida.

“Ao passar, Jesus viu um cego de nascença“. O texto começa com o olhar de Jesus, que se dirige a uma pessoa cega. Os discípulos percebem o olhar de Jesus e lhe perguntam: «Mestre, quem foi que pecou, para que ele nascesse cego? Foi ele ou seus pais?». Eles só veem no cego sua cegueira como consequência do pecado porque não há sofrimento sem culpabilidade. Também os fariseus expressaram esta conceição dominante de que a pobreza e a doença são um castigo pelo pecado: «Você nasceu inteirinho no pecado e quer nos ensinar?».

Nos perguntamos: O que é que Jesus vê nesse homem? Como é o olhar de Jesus a esse homem? Em Jesus há um olhar diferente, ele vê além do pecado e enxerga nesse cego o desejo de Deus, que, presente nele, quer dar-lhe uma nova vida. Por isso Jesus responde aos discípulos: «Não foi ele que pecou, nem seus pais, mas ele é cego para que nele se manifestem as obras de Deus». Inculpar aos que sofrem da doença é afundá-los nela. Isso também impede encontrar que os meios apropriados sejam tomados nessas situações.

Perguntemos o que vê Jesus quando passa ao nosso redor? Deixamos que ele pare diante de cada um de nós e nos olhe tranquilamente? Diante do cego: “Jesus cuspiu no chão, fez barro com a saliva e com o barro ungiu os olhos do cego”.

O cego acreditou, deixou que Jesus colocasse barro em seus olhos e foi obediente a suas palavras: “’Vá se lavar na piscina de Siloé’ (Esta palavra quer dizer «O Enviado»). O cego foi, lavou-se, e voltou enxergando”.

Agora bem esta nova vida que o ex-cego inicia se desenvolve no meio das tensões que descrevíamos no início. Por meio do mendigo cego, a comunidade que escreve o evangelho espelha as dificuldades que sofre para viver fiel a Jesus e a seus ensinamentos.

É por isso que depois da cura o evangelho nos oferece o longo processo que o mendigo faz, tendo que enfrentar a não compreensão do povo em geral, a rejeição das autoridades religiosas e até o abandono de seus pais, permanecendo sempre fiel a “aquele” que: “colocou barro nos meus olhos, eu me lavei, e estou enxergando”.

As sucessivas respostas que ele oferece no diálogo inquisidor ao qual é submetido mostram que ele ainda não conhece plenamente a aquele que o curou, só sabe de sua existência e do que obrou nele. Como esquecer que antes estava na escuridão e agora vivia na Luz! A alegria dessa mudança ninguém lhe podia tirar. O ex-cego sofre a expulsão da sinagoga como tantos judeus cristãos da comunidade joânica sofreram.

O evangelho mostra como Jesus conhecia e acompanhava o cego, assim como a cada um/as de seus amigos/as, e por isso quando fica sabendo que ele é expulso da sinagoga, não o abandona; ao contrário, vai de novo ao seu encontro.

E é nesse novo diálogo de Jesus com o ex-cego que ele termina reconhecendo em Jesus o filho de Deus, ao qual adora: “E se ajoelhou diante de Jesus”.

A fé do mendigo cego deste evangelho desafia a nossa. Somos capazes de reconhecer a presença de Jesus nos acontecimentos de nossa vida? Em cada situação que passamos da escuridão à luz, da dificuldade à paz, da tristeza à alegria, vemos a Jesus?

Pensemos especialmente neste momento difícil que todos os países e sociedades do mundo estamos atravessando.

Oração

Olhar-me desde Ti.

Olha-me tu, Jesus de Nazaré

que eu sinta pousar-se sobre mim

teu olhar livre,

sem escravidão de sinagoga,

sem exigência que me ignorem,

sem a distância que congela,

sem a cobiça que me compre.

Que teu olhar se pouse

em meus sentidos,

e se filtre até os desvãos

inacessíveis onde te espera

meu eu desconhecido

semeado por ti desde meu início

e germine meu futuro

rompendo em silêncio

com o verde de suas folhas

a terra machucada que me sepulta

e que me nutre.

Deixa-me entrar dentro de ti,

para olhar-me desde ti,

e sentir que se dissolvem

tantos olhares

próprios e alheios

que me deformam e me rompem.

Benjamim Gonzalez Buelta



OLHOS NOVOS

José Antonio Pagola - teólogo espanhol 

(Do site da UNISINOS)

O relato do cego de Siloé está estruturado a partir de uma chave de forte contraste. Os fariseus acreditam que sabem tudo. Não duvidam de nada.

Impõem a sua verdade. Chegam, inclusive, a expulsar da sinagoga o pobre cego: “Sabemos que a Moisés falou-lhe Deus”. “Sabemos que esse homem que te curou não guarda o sábado”. “Sabemos que é um pecador”.

Pelo contrário, o mendigo curado por Jesus não sabe nada. Apenas conta a sua experiência a quem o queira escutar: “Só sei que era cego e agora vejo”. “Esse homem trabalhou os meus olhos e comecei a ver”. O relato termina com esta advertência final de Jesus: “Eu vim para que os que não veem, vejam, e os que veem fiquem cegos”.

A Jesus dá-lhe medo uma religião defendida por escribas seguros e arrogantes, que manejam autoritariamente a Palavra de Deus para impô-la, usá-la como arma ou inclusivamente excomungar a quem sente de maneira diferente. Teme os doutores da lei, mais preocupados em “guardar o sábado” do que em “curar” mendigos doentes. Parece-lhe uma tragédia, uma religião com “guias cegos” e diz abertamente: “Se um cego guia outro cego, os dois cairão no buraco”.

Teólogos, pregadores, catequistas e educadores, que pretendem “guiar” outros sem ter-se deixado iluminar por Jesus, não devemos ouvir a sua interpelação? Vamos continuar a repetir incansavelmente as nossas doutrinas sem viver uma experiência pessoal de encontro com Jesus que nos abra os olhos e o coração?

A nossa Igreja, hoje, não necessita de pregadores que encham as igrejas de palavras, mas de testemunhas que contagiem, mesmo que de forma humilde, com a sua pequena experiência do evangelho. Não necessitamos de fanáticos que defendam “verdades” de forma autoritária e com linguagem vazia, cheios de clichês e frases feitas. Necessitamos de crentes de verdade, atentos à vida e sensíveis aos problemas das pessoas, buscadores de Deus capazes de escutar e acompanhar com respeito a tantos homens e mulheres que sofrem, procuram e não conseguem viver de uma maneira mais humana ou mais crente.


PARA EXCLUÍDOS

José Antonio Pagola - teólogo espanhol 

(Do site da UNISINOS)

É cego de nascimento. Nem ele nem os seus pais têm qualquer culpa, mas o seu destino ficará marcado para sempre. As pessoas olham-no como um pecador castigado por Deus. Os discípulos de Jesus perguntam-lhe se o pecado é do cego ou dos seus pais.

Jesus olha-o de forma diferente. Desde que o viu, só pensa em resgatá-lo daquela vida de mendigo, desprezado por todos como pecador. Ele sente-se chamado por Deus a defender, acolher e curar precisamente os que vivem excluídos e humilhados.

Depois de uma cura trabalhosa em que ele também colabora com Jesus, o cego descobre pela primeira vez a luz. O encontro com Jesus mudou a sua vida. Por fim poderá desfrutar de uma vida digna, sem temor de envergonhar-se diante de ninguém.

Engana-se. Os dirigentes religiosos sentem-se obrigados a controlar a pureza da religião. Eles sabem quem não é pecador e quem está em pecado. Eles decidirão se pode ser aceito na comunidade religiosa. Por isso o expulsam.

O mendigo curado confessa abertamente que foi Jesus quem se aproximou e o curou, mas os fariseus rejeitam-no irritados: «Nós sabemos que esse homem é um pecador». O homem insiste em defender Jesus: é um profeta, vem de Deus. Os fariseus não o podem aguentar: «Você nasceu inteirinho no pecado e quer nos ensinar?» E o expulsam.

O evangelista diz que, «quando Jesus ouve que o tinham expulsado, foi encontrar-se com ele». O diálogo é breve. Quando Jesus lhe pergunta se acredita no Messias, o expulso diz: «E quem é, Senhor, para que possa acreditar nele?». Jesus responde-lhe comovido: «Não está longe de ti. Você o está vendo; é aquele que está falando com você». O mendigo diz-lhe: «Creio, Senhor».

Assim é Jesus. Ele vem sempre ao encontro daqueles que não são acolhidos oficialmente pela religião. Não abandona quem o procura e o ama, mesmo que sejam excluídos das comunidades e instituições religiosas. Os que não têm sítio nas nossas igrejas, têm um lugar privilegiado no Seu coração.

Quem levará hoje esta mensagem de Jesus até esses grupos que, em qualquer momento, escutam condenações públicas injustas de dirigentes religiosos cegos; que se aproximam das celebrações cristãs com o temor de serem reconhecidos; que não podem comungar com paz nas nossas eucaristias; que se veem obrigados a viver a sua fé em Jesus no silêncio do seu coração, quase de forma secreta e clandestina?

Amigos e amigas desconhecidos, não o esqueceis: quando os cristãos os rejeitam, Jesus os está acolhendo.


QUEM É CEGO E QUEM VÊ?

  Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, A tradução é de Moisés Sbardelotto. Tirado do site UNISINOS


No caminho que a Igreja nos convida a fazer rumo à Páscoa, depois do tema da água – água de vida que Jesus Cristo dá a quem nele crê –, eis o tema da luz ou, melhor, da iluminação, ação realizada por Jesus para que nós vejamos e sejamos arrancados das trevas.

O trecho do Evangelho é um longo relato, construído de maneira maravilhosa, um dos mais preciosos do Quarto Evangelho, verdadeira obra-prima da arte dramática. Em Jerusalém, onde está sendo celebrada a festa das tendas (Sucot), festa da luz na qual a esplanada do templo era inteiramente iluminada, Jesus declara: “Eu sou a luz do mundo!” (8,12) e imediatamente depois faz um sinal, revela como essa luz ilumina.

Jesus e seus discípulos passam ao lado de um cego: o Evangelho lê o olhar que todos os presentes dirigem para aquele homem gravemente ferido nas suas faculdades desde o nascimento. Entre os envolvidos, encontramos acima de tudo os discípulos, que fazem a Jesus uma pergunta semelhante àquela que nós também faríamos espontaneamente. Diante do mal, nós sentimos a necessidade de uma explicação, queremos encontrar o culpado, talvez apelando a uma antiga visão teológica que vê uma ligação direta entre pecado e doença: “Quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?”. Talvez não está escrito: “Eu, o Senhor, sou um Deus ciumento: quando me odeiam, castigo a culpa dos pais nos filhos, netos e bisnetos” (Ex 20,5)?

Mas Jesus rejeita categoricamente essa explicação e responde à pergunta anunciando aquilo que está prestes a fazer: ele quer manifestar a ação de Deus, o amor de Deus! Jesus rejeita as explicações habituais, mesmo que piedosas e devotas, sequer propõe outras justificativas para o mal, mas se compromete a combater, a destruir o mal, a se solidarizar com quem sofre.

Esse é o único comportamento de Deus, esse é o comportamento que o ser humano deve adotar. Diante do mesmo cego, duas óticas diferentes: um olhar culpabilizante dos discípulos, um olhar de compaixão e de solidariedade por parte de Jesus.

E eis Jesus em ação: fez lama com a sua saliva, espalhou-a nos olhos do cego com um gesto terapêutico que lembra o gesto de Deus quando criou Adão (cf. Gn 2,7) e depois pediu que o cego se dirigisse à piscina de Siloé – ou seja, à piscina do “Enviado” – para se lavar.

Jesus, que precisamente no Quarto Evangelho é chamado várias vezes de Enviado de Deus, manda o cego se lavar na água do Enviado: assim faz o cego, e se cura.

Nesse ponto, continua a “visão” diferente das testemunhas do fato. Jesus saiu de cena, mas começa o processo contra ele, um processo à revelia, poderíamos dizer, realizado através do cego curado. Acima de tudo, os vizinhos se perguntam se o curado que vê realmente é a mesma pessoa que estava cega ou apenas alguém que se assemelhava a ele. Depois, chegam os fariseus que se informam sobre a modalidade da cura realizada por Jesus e a contestam: por que ele agiu em dia de sábado com uma ação médica, proibida naquele dia?

Enquanto isso, vêm os pais do cego de nascença, gente pobre, que dizem e não dizem, temerosos como são da autoridade religiosa adversária a Jesus.

E assim os fariseus, com o seu saber teológico e a sua autoridade religiosa, autossuficientes e autorreferenciais como todos os homens religiosos de todos os tempos, não pensam em encontrar Jesus para interrogá-lo, mas emitem um julgamento sobre ele: “Nós sabemos que esse homem é um pecador” (v. 24).

Consuma-se, assim, o processo à revelia em que aqueles que se fazem juízes da obra de Deus concluem com desprezo que tanto Jesus quanto o cego de nascença e que agora vê são pecadores. Na verdade, porém, o cego agora não apenas vê, mas também já contempla e discerne na fé quem é o Enviado de Deus, quem o salvou.

A conclusão do episódio do Evangelho nos mostra que aqueles que acreditavam que julgavam, na realidade, foram julgados por Jesus, que aqueles que viam e acreditavam que viam parecem cegos, que aqueles que indicavam os outros como pecadores são presas de um pecado profundo: a cegueira pecaminosa, a revolta dos corações endurecidos.

Perguntemo-nos também nós: quem é cego e quem vê? Na verdade, permanece cego quem endurece o próprio coração diante de Cristo, enquanto quem vê é quem discerne a própria cegueira e se abre para a ação curadora e iluminadora do Senhor Jesus.

 

Este relato evangélico tem o mérito de mostrar que a fé não é algo que se adquire uma vez para sempre; a fé é um longo processo, difícil em alguns momentos, mas que sempre nos faz avançar e que nos obriga a assumir um compromisso. A luz que descobrimos pouco a pouco e que nos ilumina jamais a possuímos completamente; devemos nos deixar guiar por ela, porque ela sempre nos precede e não conseguimos ver sem ela.


VER COM O CORAÇÃO

Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no site Réflexions de Raymond Gravel.  A tradução é de André Langer. Tirado do site UNISINOS


Esta semana ainda quero propor a seguinte exegese sobre o Evangelho de São João que é uma catequese pré-batismal e que nós é oferecida nessa Quaresma do Ano A, o ano de Mateus... Boa leitura!

Escrutínio: o cego de nascença (Jo 9,1-41)

O relato do cego de nascença é uma bela passagem do evangelho... É uma catequese sobre o caminho da fé que se opera após ter encontrado o Cristo ressuscitado. Este relato evangélico tem o mérito de mostrar que a fé não é algo que se adquire uma vez para sempre; a fé é um longo processo, difícil em alguns momentos, quando o medo e a dúvida persistem, mas que sempre nos faz avançar e que nos obriga a assumir um compromisso. A luz que descobrimos pouco a pouco e que nos ilumina jamais a possuímos completamente; devemos nos deixar guiar por ela, porque ela sempre nos precede e não conseguimos ver sem ela. Penso que é o próprio sentido do evangelho de João: quem não vê por si mesmo, abre-se necessariamente à luz que é Cristo, ao passo que aquele que acredita ver por si mesmo não pode ver a luz que lhe é oferecida gratuitamente: “Então, Jesus disse: ‘Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não vêem, vejam, e os que vêem se tornem cegos’” (Jo 9,39).

Nesta catequese evangélica, João resume todo o percurso de qualquer pessoa que encontra Jesus, que se deixa recriar por ele, que caminha na sua fé descobrindo-o aos poucos, até encontrá-lo como Luz do mundo. Nesse relato, João visa os fiéis da sua comunidade e as dificuldades que eles encontram. Ao reler esta passagem do evangelho, hoje, nos sentimos igualmente concernidos pelas mensagens que ela contém.

1. Quem é o cego de nascença?

É o excluído, o marginalizado, o descrente, o abandonado, o pobre... A primeira pergunta que os discípulos fazem a Jesus é esta: ‘‘Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?’” (Jo 9,2). Esta pergunta é a mesma que os cristãos de hoje se fazem em relação ao mal, ao sofrimento e às limitações humanas: o que foi que eu fiz ao bom Deus para que isso me acontecesse? É preciso encontrar culpados para a nossa realidade humana, feita de limitações, de pobrezas e fragilidades. Mas, o Jesus do evangelho não entra nesse raciocínio. Ele diz: “‘Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele’” (Jo 9,3). E a ação de Deus consiste em combater o mal em todas as suas formas e em nos curar das nossas limitações e pobrezas. É, portanto, nossa responsabilidade curar e socorrer aqueles que sofrem.

2. Jesus sempre nos precede

Quem não vê não pede nada. Jesus aproximou-se do cego, e o que faz é um gesto de recriação: “Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva” (Jo 9,6). Santo Irineu, no século II, estabelece um paralelo sugestivo entre a criação do primeiro homem e a recriação realizada pelo Cristo Pascal. Ele escreve: “Deus tomou barro da terra e modelou o homem. É por isso que o Senhor cuspiu no chão, fez lama e colocou-a sobre os olhos do cego, mostrando com isso de que maneira aconteceu a modelagem original e, para aqueles que eram capazes de compreender, manifestando a mão de Deus pela qual o homem foi modelado a partir do barro”. Assim, após ter recriado o homem, começa a missão: “‘Vai lavar-te na piscina de Siloé’ (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando” (Jo 9,7). Em poucas palavras João nos diz como se entra no caminho da fé pelo batismo, pela recriação.

3. Os obstáculos da fé

Não é porque o cego vê, que ele se torna fiel e tudo está resolvido. Ele precisa agora atravessar as provas da vida que são feitas de medo, de dúvidas, de rejeição e inclusive de exclusão por parte daqueles que dizem ver, portanto, que são fiéis. Podemos perceber também que Cristo está completamente ausente do caminho da fé do novo crente; o que significa que, na nossa vida cotidiana, no nosso caminho de fé, o Cristo pode parecer estar ausente mais vezes que antes. Estamos em relação com os outros: os vizinhos, os colegas de trabalho, os amigos, a família, outros fiéis, os dirigentes da Igreja. Eles nos fazem perceber que jamais possuímos a luz; podemos refleti-la, e aqueles que acreditam possuí-la são aqueles que menos veem. É, infelizmente, o caso de boa parte das instituições religiosas que definem as regras e as doutrinas que devem ser o caminho de fé dos novos batizados: “Disseram, então, alguns dos fariseus: ‘Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado’” (Jo 9,16a).

A religião pode tornar-se a tal ponto um obstáculo à fé que ela pode, em alguns momentos, impedir Deus de falar e o Cristo de curar. É o acontece com o cego de nascença: “Então insultaram-no, dizendo: ‘Tu, sim, és discípulo dele! Nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é’” (Jo 9,28-29). Chegamos até a excluí-lo da comunidade de fiéis: “Os fariseus disseram-lhe: ‘Tu nasceste todo em pecado e estás nos ensinando?’ E expulsaram-no da comunidade” (Jo 9,34). Quantas mulheres e homens são ainda hoje condenados pela Igreja, amordaçados, rejeitados e excluídos, porque não se adéquam às normas e doutrinas que os dirigentes lhes impõem?

4. As etapas da fé

Bem no começo do seu caminho, o cego curado balbucia sua fé. Fala para os seus vizinhos do homem que é chamado Jesus (v. 11), aquele que o cura, mas ele ainda não sabe onde encontrá-lo (v. 12). Um pouco mais adiante, confrontado com os fariseus, ele vê melhor. Ele confessa que Jesus é um profeta (v. 17). E, mesmo abandonado pelos seus, por seus parentes que têm medo da instituição (v. 22), o cego curado vai mais longe na expressão da sua fé. Ele ousa dizer aos seus detratores: “‘Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada’” (Jo 9,33). Expulso da comunidade, da Igreja, mas sempre a caminho, o Cristo vem novamente ao seu encontro, e trata-se da confissão de fé por excelência: “Encontrando-o, perguntou-lhe: ‘Acreditas no Filho do Homem?’” (Jo 9,35). “Respondeu ele: ‘Quem é, Senhor, para que eu creia nele?’ (Jo 9,36). “Jesus disse: ‘Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo’” (Jo 9,37). “Exclamou ele: ‘Eu creio, Senhor’! E prostrou-se diante de Jesus” (Jo 9,38). O mesmo vale para cada um nós: julgados, rejeitados, condenados e excluídos por aqueles mesmos que acreditam possuir a luz, Cristo nos convida a confessar a fé, porque ele veio para que possamos ver e sua luz não pode ser filtrada por ninguém, nem por nenhuma instituição. Aos fariseus que perguntam a Jesus se eles também são cegos (v. 40), Jesus respondeu: “‘Se fosseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece.’” (Jo 9,41).

Concluindo, eu gostaria de citar este longo comentário do cardeal francês Albert Decourtray, que pode ajudar a Igreja a discernir melhor a luz que vem do Cristo ressuscitado: “Jamais homem algum respeitou os outros como este homem. Para ele, o outro é sempre mais e melhor que as ideias recebidas, inclusive os sábios e doutores da lei, tentam reduzi-lo. Ele sempre vê nela ou nele alguém que encontra um lugar de esperança, uma promessa viva, um extraordinário possível, um ser chamado – independentemente das suas limitações, dos seus pecados e, às vezes, dos seus crimes – a um futuro novo. Ele chega mesmo a discernir algum maravilhoso segredo, cuja contemplação o mergulha na ação de graças!

Ele não diz: esta mulher é volúvel, ligeira, sonsa, marcada pelo atavismo moral e religioso de seu ambiente, é apenas uma mulher. Ele lhe pede um copo de água e toma a iniciativa da conversa. Ele não diz: esta é uma pecadora pública, uma prostituta completamente atolada no seu vício. Ele diz: ela tem mais chances para entrar no Reino de Deus do que aqueles que se aferram à sua riqueza ou se jactam de sua virtude e seu saber. Ele não diz: essa não passa de uma adúltera. Ele diz: eu não te condeno. Vai e não voltes a pecar. Ele não diz: este cego paga seguramente suas faltas ou a dos seus ancestrais. Ele diz que nos enganamos completamente em relação a isso, e deixa todo o mundo estupefato, seus apóstolos, os escribas e os fariseus, mostrando claramente como este homem goza do favor de Deus.

Jesus nunca disse: não há nada de bom nesse ou naquele, nesse meio ou naquele. Em nossos dias, jamais diria: esse é um integrista, um modernista, um esquerdista, um fascista, um ímpio, um beato... Para ele, os outros, quem quer que sejam, quaisquer que sejam seus atos, seu estatuto, sua reputação, são sempre seres amados por Deus. Jamais homem algum respeitou os outros como este homem. Ele é único. Ele é o Filho único d’Aquele que faz brilhar o sol sobre bons e maus.”


Reviravolta na vida

Dom Paulo Peixoto, Arcebispo de Uberaba

Diante da claridade e da consciência que uma pessoa pode ter das coisas, ela consegue encontrar possibilidade para caminhar por novos rumos e fazer uma verdadeira transformação nas suas atitudes e modo próprio de viver. A escuridão consegue fechar as portas para o brilho da luz e tudo se torna difícil para quem quer abrir novos horizontes na perseguição e construção de seus objetivos.

A Palavra de Deus é uma luz para quem vai ao seu encontro e a coloca em prática. Ela não dá tanto valor às aparências, como a situação social, econômica, política ou religiosa da pessoa, mas leva em conta o seu interior e a formalidade contida no seu proceder. Palavra que se apresenta como um mistério que está por detrás das aparências e consegue provocar transformação de vida.

Jesus se apresenta como luz do mundo e deseja que todos os seus verdadeiros seguidores também brilhem. Para isto eles devem ser desacomodados e atuantes, com o testemunho de fidelidade no seguimento, tanto na bondade, na justiça e na verdade, diante da comunidade. Não basta fugir das trevas e dos erros de infidelidade, mas ser construtor do dom da vida no Reino de Deus.

A Campanha da Fraternidade de 2020 quando fala da vida como dom divino, ela quer provocar na sociedade uma grande reviravolta na forma como esse dom está sendo tratado em nosso país. É relevante o número de pessoas que não são enxergadas pela enorme maioria do povo brasileiro. Existe uma cegueira cultural institucionalizada, causadora de marginalização e violência.

Parece ser muito difícil para um cego guiar outro cego. Olhando para o Brasil, há uma forte impressão de que muitos cegos estão à frente de grandes instituições e não conseguem ver os estragos feitos com sua má administração. Infelizmente isso é uma realidade, principalmente quando grande parte do povo fica fora dos projetos geradores de vida, dignidade social e cidadania.

Devemos concordar que o universo da exclusão mata a vida, mata a sociedade. Não tenho dificuldade de dizer que os males que afetam o mundo são consequências evidentes da desigualdade e desproporção nas oportunidades. O “coronavirus” não seria um alerta sobre a necessidade de reviravolta na condução do mundo! Não é hora de ficar com os olhos vedados e não enxergar o que está por vir.

Dom Paulo Mendes Peixoto

Arcebispo de Uberaba.


 TEXTO EM ESPANHOL de Dom Damián Nannini, Argentina


CUARTO DOMINGO: LA PASCUA PROYECTA SU LUZ SOBRE NUESTRAS TINIEBLAS


1a. lectura (1Sam 16,1b.6-7.10-13a): 


La narración nos cuenta la unción de David, pero notemos de entrada que la iniciativa es toda de Dios, quien será el verdadero protagonista de este relato. Aquí no es el pueblo quien pide un rey, sino Dios quien envía a Samuel con el cuerno de aceite a "Jesé, el de Belén, porque he visto entre sus hijos un rey para mí". El Señor le pide a Samuel que vaya a ofrecer un sacrificio y que invite a Jesé y sus hijos, y entonces ungirá a quien Él le señale. Notemos que ni Samuel ni el "lector" saben quién será el ungido, el elegido; sólo el Señor lo sabe. 

El relato se centra ahora en la relación de los hijos de Jesé con Samuel. Según lo que corresponde, primero se presenta Eliab, el primogénito de Jesé. En teoría reúne las dos condiciones para ser rey: es el más importante por ser el primogénito; y es el más imponente físicamente. Por eso Samuel piensa apenas lo ve: "Seguro que el Señor tiene ante él a su ungido" (16,6). Y la respuesta del Señor es: "No te fijes en su aspecto ni en lo elevado de su estatura, porque yo lo he descartado. Dios no mira como mira el hombre; porque el hombre ve las apariencias, pero Dios ve el corazón" (16,7). El sentido de esta frase es claro: los hombres, el profeta Samuel incluido, vemos lo exterior, la apariencia, vemos según nuestros ojos; en cambio Dios ve lo interior, lo verdadero, ve el corazón. El texto deja muy en claro que los criterios de elección de Dios no son iguales a los de los hombres. Y llama la atención que Samuel, el profeta, tampoco sea capaz de ver con los ojos de Dios. En concreto, Eliab no es elegido. Y tampoco los otros seis hijos de Jesé que desfilan ante Samuel. Pero todavía le quedaba a Jesé el hijo menor que no estaba allí sino pastoreando el rebaño (tal vez no estaba allí por no tener edad suficiente para participar en el culto sacrificial; o simplemente para resaltar que no era tenido en cuenta).

Aparece entonces el hijo menor que es descrito como "rubio, de bellos ojos y hermosa presencia". Su aspecto físico contrasta con el de Eliab, y también con el de Saúl pues no parece para nada un guerrero. Ni bien el hijo menor aparece se devela el misterio pues Dios dice a Samuel: "Levántate y úngelo, porque éste es" (16, 12). Samuel lo unge y viene sobre David el Espíritu del Señor. 

La elección de David nos enseña la pedagogía de Dios, de la cual no es el único ejemplo. Nos lo explica B. Costacurta : "Los criterios de Dios son diferentes de los criterios de los hombres, y su ungido no es grande, reputado, llamativo. Por el contrario, es un muchacho pequeño, que precisamente por su pequeñez es idóneo para convertirse en signo del poder de Dios en medio de su pueblo. Y es un pastor, que es el verdadero modo de ser rey, que se muestra solícito hacia aquellos que le son confiados. Así, pues, se prefiere la pequeñez frente a la grandiosidad, el pastor frente al hombre de armas, pero no por ello el nuevo soberano es menos hermoso […] La elección de Dios se fija en el pequeño para poder hacer, a través de él, cosas grandes; en el débil, para poder confundir con él a los fuertes (véase 1Cor 1,27-29). Se trata de una economía misteriosa que llega a plenitud en aquel Mesías, prefigurado por David, que como él nace en la pequeña Belén, y en el que definitivamente se cumple la salvación en la total insignificancia de una muerte infamante y vivida en el abandono".

Por tanto, esta lectura nos presenta la necesidad primaria de escuchar a Dios para poder ver la realidad en su verdad profunda. Espiritualmente somos ciegos necesitados de iluminación.


2a. lectura (Ef 5,8-14):

 

El término ‘luz’ (φῶς) aparece 5 veces en esta lectura. Es importante porque se aplica a los cristianos convertidos quienes de ser tinieblas pasaron a ser luz. Y deben seguir viviendo como hijos de la luz cuyos frutos son: bondad, justicia y verdad. En efecto, "una conducta auténticamente cristiana es un rayo de luz que no sólo juzga las tinieblas, sino que las penetra para transformarlas. El discípulo de Cristo es misionero con su vida: despierto del sueño de la muerte – así es la vida bautismal – , despierta a su vez las conciencias, para que su esterilidad se convierta en fecundidad de bien" .

Es innegable la connotación bautismal del texto, en particular del último versículo que sería una estrofa de un primitivo himno bautismal que culmina con la promesa que colmará la esperanza del catecúmeno: “Despiértate, tú que duermes, levántate de entre los muertos, y Cristo te iluminará”.


Evangelio (Jn 9,1-41): 


El evangelio comienza describiendo un hecho concreto y particular: Jesús ve a un hombre, ciego de nacimiento, le unta los ojos con barro hecho con saliva y lo manda a lavarse a la piscina de Siloé, que significa "Enviado". El ciego se lava allí y comienza a ver. Este milagro, o mejor “signo” en la terminología joánica, desata una serie de reacciones y opiniones – interpretaciones -  encontradas, que en el fondo giran en torno a la identidad de Jesús. En efecto, Jesús está presente en todo el relato, pero sólo interviene directamente al inicio y al final.

Este evangelio, al igual que el del domingo anterior, es cristológico y bautismal. En el texto largo (el leccionario ofrece también una versión más breve) aparecen los pasos de una cristología ascendente pues Jesús es reconocido por el ciego primero como un profeta (v. 17); luego como alguien que viene de Dios (v. 33) y al final termina con un acto de fe en el Hijo del Hombre: “Creo, Señor” (v. 37). Además, esta narración está ubicada en el contexto de la Fiesta de la Tiendas (Jn 7-10) durante la cual Jesús se proclama como “luz del mundo” (Jn 8,12; 9,5). 

El tema bautismal, íntimamente ligado al cristológico, está patente en la referencia a la piscina de Siloé y en la curación de la ceguera. El milagro no se produce sólo con el gesto de Jesús de ponerle barro en los ojos (y que algunos Padres por la presencia del barro lo remiten a Gn 2 dándole el sentido de una nueva creación); sino con el lavado en la fuente de Siloé, del enviado .  Como bien nota G. Zevini : “La realización de este proyecto de amor, sin embargo, se pone en las manos del hombre. Él podrá ir a lavarse o no a la piscina de Siloé para adquirir la luz”. 

En síntesis, la curación pone de relieve la referencia al Bautismo como purificación e iluminación de quien ha creído y aceptado seguir a Jesús. Pero la referencia cristológica no está ausente puesto que en el cuarto evangelio Jesús es llamado muchas veces el enviado del Padre.

Notemos también que, al igual que el domingo pasado con el agua, también aquí el evangelista Juan "juega" con dos niveles de significación de la ceguera y de la visión. Por un lado, está la ceguera física del ciego de nacimiento, que no obstante por tener fe puede ver en Jesús al enviado de Dios. Por otro están los fariseos que físicamente ven, pero espiritualmente están ciegos pues se cierran a creer en Jesús. En efecto, “los responsables del mundo judío cierran los ojos a la enseñanza del Maestro hecha con obras y con palabras, llenos de indignación porque se hace Dios […] La luz que ha venido al mundo trae un juicio que está a punto de celebrarse: el que cree ver permanece en pecado, a diferencia del que se siente ciego y que realmente es el que se acerca a la luz” .

Podemos decir que el ciego, como el catecúmeno, ha hecho un paso de las tinieblas a la Luz de la fe en Cristo, tal como lo proclamaba la segunda lectura. Es para resaltar la iniciativa gratuita de Jesús de curar al ciego de nacimiento dejando en claro que la fe es en primer lugar un don: porque recibe la luz, porque es iluminado, puede ver/creer en Jesús.


Algunas reflexiones: 


Este cuarto domingo de cuaresma es el domingo laetare, de la alegría, y está dominado por el tema de la LUZ. La luz es uno de los dones fundamentales de la existencia: es posibilidad de ver las cosas y de estar orientado. De modo especial en la Biblia la luz está relacionada con Dios, con la Verdad y con la Vida; y en contraposición a la luz, las tinieblas están relacionadas con el pecado, la mentira y la muerte. Dios crea la luz (Gn 1); la luz lo envuelve como un manto (Sl 104,2); es la luz eterna de la que es reflejo la Sabiduría (Sab 7,26). El nacimiento del príncipe mesiánico se anuncia en términos de luz (Is 9,1). Esta simbología aparece ya en el prólogo de Juan (Jn 1,4-5): "En ella estaba la vida y la vida era la luz de los hombres, y la luz brilla en las tinieblas, y las tinieblas no la vencieron".

Más puntualmente en el evangelio de Juan el simbolismo de la luz sirve para expresar tanto la persona de Jesús como su obra; mientras el término “tinieblas” representa al pecado y a la incredulidad. “La luz-vida, contenido del proyecto de Dios (1,4), se encarna en Jesús, proyecto de Dios hecho hombre (1,14). Así, es él la luz del mundo, es decir, la vida de la humanidad. Al dar su adhesión a Jesús y seguirlo, el hombre obtiene la luz que es vida y escapa de la tiniebla-muerte (8,12; 12,36)” .

El evangelio del domingo anterior, la samaritana, buscaba despertar en nosotros la sed de Dios al mismo tiempo que se nos revelaba a Jesús como fuente del agua viva, definitivo pozo donde podemos encontrar plenamente la manifestación del Padre. El evangelio de este domingo nos enseña que nuestro deseo de conocer a Dios (en sentido bíblico de entrar en comunión con lo conocido) por sí solo no alcanza. Necesitamos el DON de la FE, la iluminación de Dios. O con las palabras del mismo evangelio: necesitamos que Jesús nos cure la ceguera, sólo él puede permitirnos ver, o sea, creer. 

El ciego representa al hombre que no ha recibido la fe, que no puede ver y por eso lleva una vida infeliz. En cierto sentido, todos somos ciegos de nacimiento. A pesar de nuestro vivo deseo de alcanzar a Dios, de nuestra sed del agua viva, no está en nuestras manos el poder ver. Como Moisés en el monte Sinaí le pedimos a Dios: “Por favor, muéstrame tu gloria” (Ex 33,18) o como el salmista: “muéstrame Señor tus caminos” (Sal 25,4). O con la exquisita poesía de San Juan de la Cruz en su Cántico Espiritual, canción 11: “Descubre tu presencia, y máteme tu vista y hermosura; mira que la dolencia de amor, que no se cura sino con la presencia y la figura”.

Se trata de una súplica orante a Dios porque necesitamos ser iluminados por Cristo; necesitamos el “colirio de la fe” (San Agustín) para recuperar la vista y poder verlo presente. Necesitamos lavarnos en la piscina de Siloé, del Enviado del Padre que es Jesús, participar en su misterio pascual por medio del bautismo. Y esta posibilidad de ver conlleva un nuevo modo de vivir, una vida nueva fruto de una conversión verdadera, de corazón. 

Y esto sólo es posible si permitimos que Cristo nos ilumine y disipe las tinieblas de nuestro corazón. Justamente el evangelio de Juan nos señala que el drama de la historia y de la vida humana es la aceptación o el rechazo de la LUZ del VERBO que es VIDA de los hombres (cf. Jn 1,9-13). 

Y también nos señala el evangelio que hay una ceguera que es pecado: la ceguera como actitud de rechazo obstinado y culpable de la luz que encarnan los fariseos (cf. Jn 3,19-21). Sobre esta ceguera podemos decir con G. Thibon : "No es la luz la que falta a nuestra mirada, sino nuestra mirada la que falta a la luz". Esta ceguera, cuya raíz fontal es el pecado, es producida por nuestras pasiones y la describe certeramente el lenguaje popular cuando habla de los “ciegos de ira”, de los que viven “cegados por la ambición”, de algunos amores que son ciegos y “ponen una venda sobre los ojos”, de las personas “que tienen una mirada turbia”. La gracia, la LUZ que es Jesús, viene a curarnos de esta ceguera. El evangelio de hoy nos anticipa y nos orienta hacia la vigilia de Pascua con su “liturgia de la luz” donde haremos el hermoso gesto que representa la victoria de la Luz de Cristo sobre las tinieblas del pecado. Este domingo es una invitación para agradecer la iluminación que el Señor nos ha dado, nos ha sacado del dominio de las tinieblas y nos ha hecho entrar en el Reino de la luz. Basta recordar los momentos de oscuridad y confusión que hemos pasado para agradecer al Señor su LUZ.

Al respecto dijo el Papa Francisco en el ángelus del 22 de marzo de 2020: “Con la luz de la fe, aquel que era ciego descubre su nueva identidad. Es, ahora, una “nueva criatura”, capaz de ver su vida y el mundo que lo rodea con una nueva luz, porque ha entrado en comunión con Cristo, ha entrado en otra dimensión. Ya no es un mendigo marginado por la comunidad; ya no es esclavo de la ceguera y los prejuicios. Su camino de iluminación es una metáfora del camino de liberación del pecado al que estamos llamados. El pecado es como un oscuro velo que cubre nuestro rostro y nos impide ver con claridad tanto a nosotros como al mundo; el perdón del Señor quita esta capa de sombra y tiniebla y nos da una nueva luz. Que la Cuaresma que estamos viviendo sea un tiempo oportuno y valioso para acercarnos al Señor, pidiendo su misericordia, en las diversas formas que nos propone la Madre Iglesia.

El ciego curado, que ahora ve, sea con los ojos del cuerpo que con los del alma, es una imagen de cada bautizado que, inmerso en la Gracia, ha sido arrebatado a las tinieblas y puesto bajo la luz de la fe. Pero no es suficiente recibir la luz: hay que convertirse en luz. Cada uno de nosotros está llamado a acoger la luz divina para manifestarla con toda su vida. Los primeros cristianos, los teólogos de los primeros siglos, decían que la comunidad de los cristianos, es decir, la Iglesia, es el “misterio de la luna”, porque daba luz pero no era una luz propia, era la luz que recibía de Cristo. Nosotros también debemos ser el “misterio de la luna”: dar la luz recibida del sol, que es Cristo, el Señor. San Pablo nos lo recuerda hoy: «Vivid como hijos de la luz; pues el fruto de la luz consiste en toda bondad, justicia y verdad» (Efesios 5, 8-9). La semilla de la nueva vida puesta en nosotros en el Bautismo es como la chispa de un fuego, que a los primeros que purifica es a nosotros, quemando el mal que llevamos en el corazón, y nos permite que brillemos e iluminemos con la luz de Jesús”.

En conclusión, estamos llamados a dar el paso de las tinieblas a la luz fruto del encuentro creyente con Jesús. Ya hemos sido iluminados en nuestro Bautismo, es hora que esta luz brille en nuestros corazones. Es hora de volver a recuperar la alegría de la fe; la alegría de poder ver más allá de lo inmediato y lo visible; de poder penetrar en el sentido de la vida y de la muerte; del dolor y del amor. El cristiano recibe este don de la LUZ DE LA FE que le cambia la vida; el modo de valorarla y vivirla. Y este gozo por la LUZ no se puede ocultar: somos LUZ DEL MUNDO.


PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):


Ignorancia


Vamos andando por estos caminos

Deseosos de ti y sin conocer tus designios

Sonidos, imágenes, maravillas de este mundo

nos invaden sin remedio


Y sin entender tus misterios,

frenéticos y enceguecidos, buscamos. 

Sordos, ciegos, tan confusos

encontramos otros rumbos…


Ven a sanarnos, a despertarnos, ven a morar.

La ignorancia es un arma mortal

¡Y Tú Señor, tan cerca estás!


Este amor reprimido no nace

Se hace herida que no sana y muerte temprana,

rechaza tu salud y se desangra.


Señor de la Pasión, haznos ver

y comprender nuestra sed, adónde calmarla.

¿Quién nos preguntará después cómo fue,

qué derecho tendrá a cuestionarla?


Búscanos, incansable Amigo y Pastor

muéstranos tu rostro en el pan que nos sacia.

Postrados ante ti con toda confianza

seremos tu Gloria y alabanza. Amén.