Dizem que atrás de um grande homem sempre está uma grande mulher.
Não é verdade; as grandes mulheres estão ao lado e até à frente de seus homens.
Esta é a história de Áurea Turriani Marques. Filha de imigrantes italianos, de uma prole de 7,
Áurea sempre foi a mais inteligente da família Turriani, em Itapeva.
Ainda criança, assistindo a fatos que imortalizaram a Revolução de 1932 na região sul do Estado de São Paulo, Áurea queria continuar seus estudos, mas suas obrigações de filha falaram mais alto.
Dedicou-se à família desde cedo, com rigor e seriedade que sempre lhe foram peculiares, cuidando da mãe doente, que perdeu para morte tão precocemente.
Quando começou seu namoro com João Queiroz Marques, a moça passava horas no portão a namorar e a tomar os pontos de estudo de seu futuro marido.
Assim nasceu uma parceria imbatível, inestimável na conquista de seus sonhos e ideais.
Sem ela, ele não tinha alicerce e estrutura para dedicar-se exclusivamente aos seus livros e aulas; sem ele, ela praticamente perdeu sua identidade, referindo-se a si própria, pelo resto de sua vida, como “ a viúva do prof. Marques”.
Foram suas diferenças que afinaram seu compasso de vida por mais de 30 anos. Os passos dele eram apressados por ela no rumo da estabilidade econômica da família; os projetos dele eram o alimento que o intelecto dela ansiava.
Se à Áurea foi negada a escola formal, fez-se presente a faculdade da vida.
Sua letra firme, arredondada e bonita não ficaram apenas em receitas culinárias que, aliás, não era sua maior prenda.
Ficaram em comunicados e registros de notícias de jornais, da qual era leitora assídua. A ela, não escapava notícia sem ler e tirar conclusões.
Como em sua juventude, na vida adulta, manteve a casa e a família com pulso forte e dominador.
Sua rígida maneira de educar nunca permitiu que os filhos fraquejassem, baixassem guarda de seus livros e deveres de casa, de seus estudos. - Aqui não tem lugar para vagabundo, dizia ela.
Ao assumir a casa e a família na viuvez, aos 54 anos de idade, ela enrijeceu ainda mais seu velado amor, sem nunca deixar transparecer que seu coração, um dia sequer, poderia falar mais alto.
Na dura missão de manter-se e de sobreviver ao golpe da solidão, passou a comandar a casa com mão de ferro, pois com” dó não se educa”.
Morreu assim, sábia, culta, com uma memória prodigiosa e não há um dia em que nós, seus filhos, não encontremos motivo para citá-la.
Sua herança foi a tenacidade diante das dificuldades, o doar de si sem hipocrisia, a bondade crua e nua, sem fingimentos.
Somente depois que se anda pela estrada da vida é que se pode analisar seu terreno, a distância percorrida e as dificuldades encontradas.
Somente depois damos valor ao processo de formação que nos foi proporcionado. Afinal, não se faz aço com brasa e não se constrói edifício com palha.
Texto de Stella Áurea Turriani Marques - filha
S A U D A D E
Homenagem de seu filho José Sérgio Turriani Marques.
Não sabemos se o tema se entrosa hoje, com a mesma precisão antiga, como o coroamento de um inteiro programa gramatical.
Hoje, a estrutura dos programas interpolou a matéria e entremeou-a de tanta frase literária e textos a interpretar, que os alunos, no geral, acabam não sabendo sequer, a mais elementar regra da Gramática. E nem mesmo os professores.
Veja-se, por exemplo, a triste contingência a que chegaram, na primeira fase, os milhares de candidatos reprovados no último concurso para preenchimento de vagas na cadeira de Português , do segundo grau.
Salvou-se uma diminuta e digna elite. No nosso tempo, quando se chegava ao Idiotismo, a classe já tinha apontados em seus índices de aproveitamento cabal, os nomes dos futuros literatos, poetas e oradores.
Por Idiotismo, entenda-se aqui, a vera acepção da palavra, não a terminologia psicanalítica e nem mesmo, o calão popularesco. Nas priscas eras, estudava-se a Etimologia, a fundo.
Sem mesmo conhecermos o grego, as leis do ensino obrigavam-nos a mergulhar sério, na infra-estrutura idiomática e, com Ramiz Galvão, o dicionarista das raízes gregas, conhecíamos a contribuição clássica ao nosso idioma. Sob sua exata acepção sabia-se que o idiotismo é a expressão, termo ou dicção existente numa língua sem correspondente em outros idiomas. A palavra “saudade”, situa-se dentre os idiotismos do nosso vernáculo.
Martin Heidegger, filosofo alemão há pouco falecido, deixou, este, entre seus muitos pensamentos : “ Um individuo que não sabe o que é saudade não pode filosofar”. Saudade é, como dissemos, uma peculiariedade de nosso idioma. Sua significação não tem substrato em outras línguas.
Não é exatamente o “remember” inglês , nem o “souvenir” francês , nem o “recuerdo” espanhol, nem mesmo o sonoro “riccordo” italiano. Essas palavras, semanticamente, tem um sentido quase físico, palpável. Tem algo de mecanismo mnemônico. É dicotomia onde vibram as fibras nervosas, que acendem memórias e idéias. Saudade, para nós, é algo mais profundo. Nasce primeiro no coração. Saudade , para nós, dói . Machuca.
E paradoxalmente nos alimenta, nos envolve, nos alenta e faz viver. Ela se infiltra no coração, se esgueira no espírito, se imiscui na mente, e nos alcandora às doces regiões do sonho. Por isso, nosso cancioneiro é rico em improvisações e tem um profundo sentido filosófico : Saudade, palavra doce Que traduz, tanto amargor. . .
Saudade é como se fosse Espinho beijando a flor . . .
Elda Moscogliato
São 20 anos sem Dona Áurea.pdf
“Homenagem do Museu a Céu Aberto Portal das Cruzes” Curador: Prof. José Sérgio Turriani Marques