A família Silva Paes morava no bairro dos Machados, em São Manuel, onde dona Sebastiana, que tinha ficado viúva de seu Matheus, lecionava. Um de seus filhos – José Maria da Silva Paes – foi ordenado padre em Botucatu, no dia 3 de novembro de 1918. Em 1919, foi-lhe designada a primeira paróquia, em Piratininga, São Paulo. Para lá, acompanhando o jovem sacerdote, muda-se a família toda.
Tharcísio Pinto da Silva Paes, irmão do padre José Maria, tinha se casado com Olímpia Maria Machado de Oliveira e seguem também com os familiares. Em Piratininga, no dia 25 de janeiro de 1923, nasceu Carmen da Silva Paes, batizada com o nome de Maria do Carmo. Lá também nasceram suas irmãs, Maria - a primogênita- Esther e Maria Nalda (falecida pequenina).
Em 1926, Pe. José Maria foi nomeado Vigário em São Manuel onde permaneceu até 1934. A família, novamente, o acompanha. Em São Manuel, nasceram os outros irmãos de Carmen: Therezinha e Matheus (falecido bebezinho). Em São Manuel, Carmem vive sua infância e cursa o Primário. Desde pequena, apresentava uma voz maravilhosa e sempre cantava no coro da igreja do Tio Padre e se apresentava em festas, ao lado de suas irmãs que também cantavam.
De São Manuel, Padre José Maria foi encaminhado para Itaberá, acompanhado, uma vez mais, por seus familiares. Em Itaberá, no dia 30 de maio de 1937, Carmen foi recebida na Congregação das Filhas de Maria da paróquia Nossa Senhora da Conceição. O seu diploma de Filha de Maria foi-lhe entregue pelo Tio Padre.
Em 13 de outubro de 1938, Padre José Maria assumiu a paróquia do Sagrado Coração de Jesus, em Botucatu. Nova mudança da família. Portanto, a vida de Carmen bem como a de suas irmãs esteve intimamente ligada às missões do querido e inesquecível tio Padre Zeca, como era carinhosamente chamado. Só não o acompanharam quando, em 1941, ele foi transferido para Agudos. A família de Carmen já tinha criado laços com Botucatu, e aqui, enxergando um futuro digno e brilhante para suas filhas, permaneceu.
Carmen fez o “Curso de Mestria” na Escola Profissional, denominada depois de Escola Industrial, e atualmente conhecida como ETEC Dr. Domingos Minicucci Filho. Lá aprendeu todas as artes que enobrecem uma mulher: o bordado, a costura, a pintura, a culinária, o conhecimento geral, a educação moral e cívica. Sempre ela se recordava desse tempo com saudade. Em 1942, quando foi inaugurada estátua de Duque de Caxias em frente da escola EECA, Carmen discursou em nome da Escola Profissional, após o desfile das escolas e de apresentações de coral.
Gostava muito de cantar e, como cantora, apresentou-se em vários eventos do Rotary Clube. Passou a fazer parte do – “cast”- de cantores da Rádio Emissora de Botucatu PRF8 ao lado de outras importantes personalidades de Botucatu. O diretor artístico da rádio era o compositor Angelino de Oliveira. A Rádio ficava na rua João Passos, onde hoje há a papelaria Hirota. Lá acontecia um famoso programa dirigido por Dr. Sebastião de Almeida Pinto (que era primo do pai de Carmen e pai do dramaturgo Alcides Nogueira Pinto) que envolvia vários momentos, e entre eles, a “Meia Hora Literária”. Nessa programação, eram lidos textos, poesias e cantadas músicas; era onde Carmen se apresentava.
Cantava também em programas de auditório, interpretando variado repertório, especialmente as canções compostas por Angelino de Oliveira. Muitas delas foram compostas pessoalmente para ela cantar como: “Por Quê?, Derradeira Valsa, Não terás Perdão, Manhãs da Minha Terra” etc.
Suas irmãs também se apresentavam fazendo dueto com ela. Numa dessas apresentações de auditório, seu futuro marido a conheceu. Foi assim: uma das cantoras da rádio, a Teresinha Paraíso, era vizinha de Sílvio, morava numa casa antes da casa dele. Um dia, ela o convidou para ir ouvi-la cantar na Rádio Emissora. Ele foi. Acabou conhecendo e se apaixonando por uma bela morena de voz maravilhosa: Carmen da Silva Paes. Casaram-se em 29 de dezembro de 1947, na Catedral Velha de Santana, numa cerimônia oficiada pelo Cônego Agostinho Colturato e concelebrada pelo Monsenhor José Maria da Silva Paes. Dessa união nasceram: Carmen Sílvia, Maria Cristina, Francisco José, Ana Lúcia (falecida) e Sílvio Filho.
Em 1960, Carmen recebeu o diploma de Professora de Corte e Costura, curso realizado na Escola de Corte e Costura Coração de Jesus, cuja Diretora era Florinda Fattore Damatto. Especializando-se, ainda, em costura, fez mais dois cursos em 1970 e em 1982. Era uma hábil costureira, mas só costurava para os filhos e para a família.
Participou de vários corais da cidade e se apresentava nos Encontros de Corais de Botucatu e região. Sempre se dedicou, com especial carinho, ao Coro da Igreja São Benedito. Era devota desse Padroeiro e pertencia à sua irmandade. Mas, antes de tudo, era devotadíssima à Mãe de Jesus. Venerou a Virgem Maria com especial carinho e fé até o fim de sua vida.
Em 20 de novembro de 1994, depois de ter participado de vários encontros e treinamentos espirituais, recebeu com muita emoção e alegria, a Carteira de Ministro da Eucaristia da Paróquia de São Benedito. Desenvolveu atividades na realização de cerimônias na igreja e visitação aos doentes da paróquia, levando-lhes o amparo e Jesus Hóstia Santa.
Foi uma divulgadora das canções de Angelino de Oliveira. Participou, por anos seguidos, enquanto viva, das festividades anuais da “Semana Angelino de Oliveira”, realizadas na Escola Estadual Angelino de Oliveira, em Botucatu.
Em 1971, quando o Departamento Municipal de Turismo de Botucatu, promoveu a confecção de uma Coletânea que continha as músicas de Angelino de Oliveira, Carmen colaborou com o colega Gastão Dal Farra na compilação de várias letras e na gravação de muitas músicas do compositor. Suas irmãs, Esther e Therezinha também colaboraram nessa atividade ao seu lado, pois também tinham conhecido o compositor e interpretado muitas canções dele.
Na verdade, Carmen era uma Artista total: bordava, pintava, costurava, cozinhava maravilhosamente, tocava violão, piano e teclado, escrevia, cantava, amava a natureza cultivando belíssimas plantas e flores que, ao toque de suas mãos, se transformavam e brotavam encantadoras! Amava seu esposo e seus filhos como ninguém. Tudo feito e praticado com muito cuidado, esmero, perfeição. Infelizmente, por causa da metástase de câncer de mama, que afetou o pulmão e as cordas vocais, perdeu a voz e quase não podia mais se alimentar no fim de seus dias. Porém, não se desesperou; sua fé e esperança a alimentaram até o fim. Purificou-se na dor de não poder mais fazer o que mais gostava!
Em 2004, os filhos organizaram um CD com músicas cantadas por Carmen e pelo coral do qual participava, fato que a fez muito feliz! Assim estava escrito na capa de apresentação do CD:
Apresentando uma Mãe-Cantora
“Carmen da Silva Paes Martin nasceu em Piratininga, São Paulo, no dia 25 de janeiro de 1923 (ano em que seu futuro esposo estava chegando ao Brasil, oriundo de Veneza, Itália). Filha de Tarcísio Pinto da Silva Paes e de Olímpia Maria da Silva, desde criança, dedicou-se às Artes, particularmente à Música, sua paixão. As irmãs Maria, Esther e Terezinha também cantavam e com ela formavam uma equipe musical inesquecível: as irmãs ‘Silva Paes’.
Sua voz encantava os ouvintes: nas cerimônias de Coroação de Nossa Senhora, nas celebrações da Semana Santa quando interpretava o dolorido cântico de Verônica, nas reuniões familiares onde o riso e a alegria eram contagiantes, nos corais dos quais participou onde, inúmeras vezes, atuou como solista e na interpretação de músicas populares, quando então era cantora - membro do ‘cast artístico’ da Rádio Emissora de Botucatu/PRF8, nos idos anos 40.
Sua voz foi o cupido que cativou o amor de seu esposo, Sílvio Martin, de cuja união matrimonial de 56 anos nasceram os filhos Carmen Sílvia, Maria Cristina, Francisco José, Ana Lúcia (falecida) e Silvinho.
Sua voz embalou os filhos no colo e no berço e os embala ainda, na vida adulta, levando aos netos, genros e noras sua mensagem artística de fé e coragem.
E como anunciava o apresentador do programa radiofônico da PRF-8 ‘Meia Hora Literária’ — Milton Mariano — nos primórdios da emissora, repetimos:
— “Agora ouviremos Carmen da Silva Paes, a Voz que Venceu.”
Carmen Sílvia Martin Guimarães
Botucatu, 9 de setembro de 2004
Carmen e Sílvio viveram juntos por 58 anos.Uma vida de lutas, de alegrias e de tristezas também, mas ela sempre esteve ao lado de seu amado esposo e de seus filhos, até 30 de março de 2005, quando faleceu no hospital Misericórdia Botucatuense.
No seu túmulo, no cemitério Portal das Cruzes, o esposo e os filhos colocaram uma placa em sua homenagem onde está desenhada uma pauta musical e a frase: “Carmen, a Voz que venceu!”
Entrevista com o Radialista da PRF8- João Carlos Figueiroa -Abril de 2002
Certa vez, o João Carlos Figueiroa, por ocasião da comemoração dos 147 anos do Município e do aniversário da PRF8, foi entrevistar mamãe, lá na casa dela, na Praça Carlos Gomes, 136. Ela já estava ficando rouca, por causa do câncer. Eu levei o violão e ela ainda conseguiu cantar algumas músicas. Nós lhe dizíamos que ela tinha tido uma paralisia nas cordas vocais, porque ela tinha horror ao câncer. E então fiz um apanhado da entrevista que foi ao ar pela Rádio Emissora de Botucatu PRF8 , no programa do Figueiroa.
Entrevista
Figueiroa- Dona Carmen, quando e por que sua família veio para Botucatu ?
Carmen- Nossa família veio para Botucatu em 1938, acompanhando o tio Padre Zé Maria- Monsenhor José Maria da Silva Paes- que veio como vigário da Igreja Sagrado Coração de Botucatu.
Em nossa família, sempre gostamos muito de cantar e de poesia, então as crianças foram criadas nesse ambiente. Eu e minhas irmãs cantávamos em missas, em festas religiosas ou não religiosas, recitávamos poesias, participávamos das peças de teatro que Tio Padre escrevia, e aqui em Botucatu, particularmente, começamos a frequentar a Rádio Emissora onde havia muitos cantores na época.
F- Quem fazia parte do “cast”, da equipe dos cantores da Rádio Emissora nos anos de 1939,40,41 e 42?
C- Muitos faziam parte, entre os cantores, havia: eu, Antoninho Alves, Terezinha Paraíso, Tarcísio Godinho, Nívea Ranzani, José Claro, Berta Zuicker, Lurdes Liguori, Norma Liguori, Vanice de Andrade Camargo ( que se casou com o Antoninho),minhas irmãs Esther e Therezinha, Zezé César, a Lozano, Wilson Souza Dias, Isolda Wagner, La Luna, Odair Marzano, etc.
F- Por quem eram acompanhados os cantores? Quem fazia parte do Regional?
C- O Regional era composto por Germano Hansen ( piano), Romeu Ligouri ( violino), Ciccino (sanfona), Nelinho Rizzo ( cavaquinho), Zezinho Nascimento ( violão), Herval Portela (bateria)...Não me lembro mais...
F- O que era o Conjunto Sertanejo “Alma do Sertão”?
C- O Conjunto Sertanejo “Alma do Sertão” interpretava músicas sertanejas e era composto por Zezinho Nascimento e seu irmão Osório Nascimento e por minha irmã Esther, que era a “Nhá Barbina”. O seu Ciccino os acompanhava na sanfona.
F- Quais eram os principais apresentadores dos cantores?
C- Entre os apresentadores, eu me lembro do Minho ( que era filho do seu Angelino de Oliveira), do Milton Marianno e de seu irmão, e ainda do Simão Cury.Tinha também o Otacílio Paganini. Quando o Milton Marianno ia me apresentar, ele usava o slogan:
“Vamos ouvir Carmen da Silva Paes, A Voz Que Venceu!”
F- Como eram feitas as apresentações e os ensaios?
C- As apresentações eram feitas anteriormente dentro do estúdio; e depois, no palco. Quando a PRF8 funcionava no prédio antigo (onde hoje é a papelaria Hirota), ali na rua João Passos, o programa era feito dentro do estúdio. Depois que a rádio mudou para o atual local, passou a ter programas de auditório também. Foi numa dessas apresentações de auditório que meu marido me conheceu. A cantora Teresinha Paraíso era vizinha dos pais de Sílvio, morava numa casa antes da casa deles. Um dia, ela convidou o Sylvio para ir ouvi-la cantar na Rádio emissora. Ele foi e se apaixonou por mim.
Os ensaios eram feitos um pouco antes das apresentações.
F- Em que locais mais os cantores se apresentavam?
C- Os cantores se apresentavam no Programa Estudantil ( que era dirigido pelo Dr. Sebastião de Almeida Pinto, primo de meu pai), nas festas e jantares do Rotary Clube. Eu cantei várias vezes nos jantares do Rotary.
F- E sobre Angelino de Oliveira, o que pode nos falar?
C- Seu Angelino era uma pessoa boníssima, muito sensível. Alegre e respeitador. Tratava-nos com carinho, como filhas e nos ensaiava quantas vezes fosse preciso. Quando foi Diretor da PRF8, levou-a ao sucesso! Ele compôs músicas especialmente para mim e minhas irmãs cantarmos. Tais como: “A Princesinha”- feita para a minha irmã Therezinha cantar no “Programa Infantil”. Para mim: “Por Quê?,“Derradeira Valsa”, Não terás Perdão”, “Manhãs da Minha Terra” etc.
F- A senhora e suas irmãs Esther e Therezinha cantavam juntas?
C- Eu e Esther cantávamos algumas músicas dele em dupla; ela fazia a segunda voz e eu, a primeira. Como em : “Manhãs de Minha Terra, Saudade de Botucatu, A Derradeira Valsa” etc.
F- Lembra-se de quanto ganhava, para cantar?
C- Nós recebíamos R$50,00 por semana e cantávamos dois dias na semana. Uma vez, perdi o dinheiro e que tristeza, pois seria usado para comprar material de escola.
F- Lembra-se de alguns fatos interessantes ocorridos quando cantora da PRF8?
C- Sim. Na inauguração da Rádio Emissora, em 20 de outubro de 1939, duas canções de Angelino de Oliveira foram cantadas pela primeira vez: “Tristeza do Jeca”, por Maria Banducci e “O Cativeiro”, por Dirce Campos Leite.
Alguns colegas de trabalho chegavam e me diziam:
— Carmen, o “Mil e Um” está aí para ouvi-la!
Sabe quem era? Era um fã que não tinha dois dentes na frente formando um “1001” em sua boca! Sentava-se bem na frente para me ouvir cantar. E todos riam muito.
Certa vez, o apresentador Otacílio Paganini, ao me apresentar, me perguntou:
—Carmen, o que vai cantar hoje?
E eu lhe respondi:
—“Não me abandones nunca!”
Ao que ele afirmou:
—...Mas eu nunca vou te abandonar!
E o fato mais importante de meu casamento ter tido seu início no auditório da PRF8.
F- Tem saudade daquele tempo?
C- Sim, tenho muita saudade, eram tempos bons, saudáveis, sem malícia. Só alegria!
F- Que mensagem poderia deixar para Botucatu, através da PRF8, na passagem dos 147 anos do município?
C- Primeiramente, a mensagem que deixo à PRF8, em seu aniversário, é que este importante meio de comunicação leve a todos os lares informações corretas, mas também leve alegria e paz que é o que estamos precisando hoje em dia! Parabéns a todos os funcionários e, particularmente, aos descendentes da família Paganini, que tanto lutou por essa Rádio.
A Botucatu, desejo que todos os botucatuenses sejam como Angelino de Oliveira: um homem que amou e respeitou esta cidade, mesmo não tendo nascido aqui. Parabéns, Botucatu!
F- Gostaria de gravar algumas canções para nós?
C- Sim
Finalizando a entrevista, Figueiroa agradeceu e Carmen cantou algumas canções, já encontrando algumas dificuldades na voz, e sendo acompanhada, ao violão, por sua filha, Carmen Sílvia.