“Homenagem do Museu a Céu Aberto Portal das Cruzes” Curador: Prof. José Sérgio Turriani Marques
Turíbio Vaz de Almeida, Rua
Parque São Domingos – Decreto Nº 2.851/80
Dentre todos os botucatuenses da colônia negra nunca houve ninguém que tivesse, ao longo da vida, reunido mais prestigio junto a toda cidade, do que Turíbio Vaz de Almeida.
Morador da Rua General Telles, bem defronte ao Fórum, podia, por longo tempo, ser visto, todas as tardes, sentado em um pequeno banco, do lado de fora do muro, ao lado do portão da calçada.
Seus vizinhos, entre eles os da família Moscogliato, conviveram com Turíbio longo tempo, passado entre conversas de recordações ou sessões musicais, em tardes quentes de verão.
Contava histórias incríveis, atraindo sempre, enquanto pode atender, um séquito de jovens repórteres, interessados nelas.
Quando foi organizada a União Cultural Negra de Botucatu, já na vacância deixada pela ausência da Sociedade Recreativa Luiz Gama, Turíbio foi escolhido como seu membro de honra e patrono perpétuo.
Não fosse sua existência tão real, e poderíamos interpreta-lo como um mito; o maior mito da colônia negra de Botucatu.
Em Turíbio, no entanto, fundem-se o real e o imaginário.
O real do realizado por ele e por tantos outros.
E o imaginário, do sonho possível e sempre perseguido pelos seus irmãos de cor.
Turíbio Vaz de Almeida fez 100 anos em fevereiro de 1977, rodeado pelos botucatuenses.
Recebeu de sua igreja, a Presbiteriana Independente uma homenagem estampada no jornal “O Estandarte”.
Nela se vê todo o carinho que a cidade e, em particular, seus irmãos de fé lhe dedicavam: “Filho de Joaquim Vaz de Almeida, nasceu em Botucatu no dia sete de fevereiro de 1877”.
Homem do trabalho conseguiu vencer em todos os empreendimentos.
Filiou-se à Igreja Evangélica, nos dias da mocidade. Leitor assíduo da bíblia e seguidor rigoroso dos seus ensinamentos.
Foi músico, organista e regente de coros em várias igrejas.
Casou em primeiras núpcias com D. Marcolina de Paula Almeida.
Em segundas núpcias consorciou-se com D. Esmeraldina Buarque de Almeida.
Seus filhos são os seguintes: Jesse Vaz de Almeida; professor Bartimeu Vaz de Almeida, casado com d. Eunice de Freitas Almeida; Odilon Vaz de Almeida, casado com D. Teofila Rodrigues de Almeida; Eunice Vaz de Almeida, Josefina, casada com Tarciso Policarpo da Graça; Abner Vaz de Almeida, casado com D. Cássia Ferreira de Almeida; Marta, casada com Natanael Freitas da Silva. Ao todo, 16 filho, 17 netos e 9 bisnetos.
É considerado pelos historiadores da cidade como a Crônica Viva de Botucatu.
Tem sido muito entrevistado pelo radio e pelos jornais de Botucatu, inclusive por um dos canais de televisão de São Paulo.
Foi amigo do Dr. Vital Brasil, a quem prestou serviços de seleiro, quando exercia essa profissão.
Foi condecorado pela família Vital Brasil, com sua comenda, quando se comemorou, em Botucatu, o centenário do grande cientista e também irmão em Cristo , Francisco Guedelha. Ainda em vida Turíbio Vaz de Almeida foi homenageado pela União Cultural Negra de Botucatu.
Turíbio foi levado para São Paulo, para junto de seus netos, bisnetos e familiares, onde faleceu. (crônica de Elda Moscogliato)
1 - TURÍBIO VAZ DE ALMEIDA Naqueles idos de 1866 apareceu na fazenda do Sobrado (naquele tempo um sertão bruto), vindo das bandas de Piracicaba e do Tietê, um Sr.Joaquim Vaz de Almeida.
Era muito moço. E vinha se esconder do “voluntariado” para a guerra do Paraguai.
Carapina dos bons foi contratado para construir senzalas nas fazendas que estavam sendo abertas nesta zona do Estado. O homem escravo, canalizado de outras zonas, vinha povoar as senzalas, que logo mais iriam se despovoar.
A fazenda Sobrado, verdadeiro latifúndio, era propriedade do Senador Souza Queiroz.
Depois de 1870, Joaquim Vaz de Almeida passou a trabalhar na fazenda Santa Rosa (logo adiante da fazenda dos Moura).
E lá se casou com Joana Vaz de Almeida. Desse casamento, aos 07 de fevereiro de 1877, nasceu o menino Turíbio. E depois a menina Leopoldina. Esta foi a mãe do famoso Zé Carabina, pedreiro muito conhecido, e mais conhecido ainda, como jogador de futebol. Era dono de um chute formidável, parecendo ter um canhão nos pés.
Com a mudança da família para Botucatu, o menino Turíbio, aos quatro anos de idade começou a frequentar a escola dominical, escola protestante do missionário Landes, norte– americano. Data daí, seu ingresso na comunidade evangélica de Botucatu.
Entre os colegas desse tempo, tem lembrança da mãe dos meninos Oscar e Elias Machado de Almeida, que foram Engenheiros e figuras de projeção nos meios políticos e culturais do Estado de São Paulo.
Foi colega, também, de dona Garibaldina Pinheiro Machado, que se formou Professora e casou-se com o Prof. Benedito Maria Tolosa, primeiro Inspetor Escolar na zona.
Aos 7 anos de idade, Turíbio matriculou-se na escola primária de Manequinho Mestre (Manoel Theodoro de Aguiar), onde, de 1885-1887, foi colega de meu saudoso pai Sebastião Pinto Conceição.
Deixando a escola, foi aprender o ofício de Seleiro. Seu mestre foi Salvador Benedito da Silva, o conhecido Salvador Seleiro. Mais tarde se estabeleceu por conta própria, negociando e trabalhando no gênero por largos anos. Só parou em 1907, quando mudou-se para São Manuel e posteriormente para São Paulo.
Aos 19 anos de idade, Turíbio Vaz de Almeida, casou-se com a finada Marcelina de Paula Campos, pupila de Miguel Cioffi.
Desse consórcio teve os filhos: Gersei, Ana, Leôncio, Odilon, Joana, Maria, Josefina, Marta, Abnez, Barthimeu e Damáris.
Esta última faleceu em São Francisco na Califórnia (Estados Unidos da América do Norte), onde residia, no dia 29 de março de 1970. Seu corpo foi transportado para São Paulo, por via aérea, sendo dado à sepultura no dia 04 de abril próximo findo. Golpe terrível para o pai amantíssimo.
Barthimeu Vaz de Almeida foi meu contemporâneo na Escola Normal de Botucatu. Formado Professor Normalista, não ingressou no magistério. Por concurso, foi para o funcionalismo público do Estado de São Paulo. Fez brilhante carreira e aposentou-se como alto funcionário da Secretaria da Fazenda. Residiu em Jaboticabal onde foi cidadão de escol.
Ausente da cidade, Turíbio não se esqueceu da terra querida. Vinha visitá-la com frequência, até que se aposentou, em 1946, como funcionário da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
Resolveu então mudar-se para Botucatu, o que fez em 1958. Residiu na rua Dr. Cardoso de Almeida, número 1076, na casa que foi de Nhôzinho Góes.
Já então, em segundas núpcias, estava casado com dona Esmeraldina Buarque de Almeida.
Aos 93 anos de idade, Turíbio Vaz de Almeida é um moço. Jovem de corpo e espírito. Sua lucidez é impressionante. Sua memória é o arquivo onde vou buscar o material para as estórias de Botucatu ( não sou historiador ).
Narrador fiel e imparcial das coisas de minha terra tenho-o na conta de um dos grandes cidadãos botucatuenses. Pela sua conduta inatacável. Pela sua fé, como bom cristão. Pelo seu espírito de solidariedade. Pelo seu senso de equilíbrio. Pela maneira de se conduzir, no lar, na igreja e na sociedade.
Pobre de pecúnia, mas rico de predicados morais, o meu amigo Turíbio, é um dos homens bons da minha terra. Na sua longa vida, nestes 93 anos de idade, viu, ouviu e sentiu muita coisa.
Viu a cidadezinha sertaneja e mal afamada, crescer, civilizar-se, prosperar e transformar-se numa linda e educada cidade, justificando o lema:- “Cidade dos Bons Ares e das Boas Escolas” e da boa gente, também.
Conheceu Botucatu do fim do Império e dos primórdios da República. Conheceu os homens bons que fizeram a grandeza da centenária Ibiticatu.
Viu, também, muita coisa feia e atos deploráveis, que ele critica e analisa com isenção de ânimo, com justiça e sabedoria.
Texto do Dr. Sebastião Almeida Pinto (Correio de Botucatu - 21/05/1970 )
2 - TURÍBIO VAZ DE ALMEIDA E A MARCHA DO TEMPO
Há dias, escrevendo sobre o Sr. Turíbio Vaz de Almeida, ( hoje com 93 anos de idade ), dissemos que ele conheceu o velho Botucatu, no fim do Império e nos primórdios da República.
Conheceu os homens bons que fizeram a grandeza da centenária Ibiticatu. Viu também muita coisa feia e atos deploráveis, que ele analisa com censo crítico elevado e justiça. Turíbio tem lembrança do Capitão Tito Correa de Mello, que era Deputado à Assembleia Provincial de São Paulo, isto no fim do regime imperial. Em 15 de Novembro de 1889, gritou vivas à República.
Presenciou cenas interessantes, quando muito monarquista virou republicano, acuando o Delegado de Polícia Pedro Egídio do Amaral, que se manteve fiel às suas convicções políticas e não virou casaca.
Turíbio conta, que na época trabalhava na “A GAZETA”, jornal local que teve pouca duração.
O nosso informante frisa, com humorismo, que não era jornalista, mas sim jornaleiro encarregado da limpeza das oficinas e entrega do furibundo hebdomadário, como se dizia então.
Ele se lembra muito bem, do professor Azurára, na tarde de 15 de Novembro. O homem tinha ido à estação da Sorocabana, saber notícias dos fatos que ocorriam na Capital Federal. Soube da Proclamação da República, que telegramas difundiam pelo Brasil afora.
O Prof. Azurára, de pé, em cima de uma carroça, de chapéu na mão, apoplético, dava vivas a República. E o povo, nas ruas, correspondia entusiasticamente. E, imediatamente, todas as autoridades constituídas foram demitidas. Formaram uma junta governativa, onde figuravam os cidadãos Raphael Augusto de Moura Campos, Amando de Barros, Bernardo Augusto Rodrigues da Silva, Dr. Costa Leite e outros homens de projeção.
Em 1901, dirigido pelo médico Dr. Miguel Zacharias de Alvarenga, surgiu o “Correio de Botucatu”, decano da imprensa botucatuense e da Zona Sorocabana.
Outros órgãos da imprensa surgiram depois. Entre eles, “O Botucatuense”, dirigido por Avelino Carneiro. Nas trincas e futricas locais, o “Correio de Botucatu” defendia a facção AMANDISTA, o “O Botucatuense” era grupo CARDOSISTA. Ambos eram alas do Partido Republicano Paulista, o famoso PRP. Naqueles velhos tempos, os monarquistas eram apelidados “Cascudos” e os republicanos eram os “Farrapos”.
Mais tarde, os Cardosistas eram os “Carrapatos” e os Amandistas eram os “Gafanhotos”.
Turíbio, naqueles tempos de lutas bravas, não era eleitor. Vivia muito bem com os elementos de todos os grupos políticos. Dizia ele, muito moço, que “em festa de uru, nambu não pia”.
Na década de 1890 – 1900 e na passagem do século, que foi assinalada com grandes festas, Botucatu era mal afamada.
Tida e havida, como terra de valentões, bandoleiros, bagunceiros, ladrões de cavalo, etc...
Entre os criminosos, figuravam o Dioguinho e Chico Tanoeiro. Mal afamados ladrões de cavalos, eram o Chico Estevam e o Timóteo. Como arruaceiros se destacavam o Prudêncio Paes e o Lourenço Paranistas. Estes, na opinião de Turíbio, eram apenas moços divertidos, de coragem, que, nas festas populares (circos, touradas, carreiras de cavalos) gostavam de desacatar a polícia, mas não matavam ninguém ...
Quando o Dr. Vital Brazil, residiu em Botucatu, iniciando os trabalhos que culminaram com a descoberta do soro antiofídico, Turíbio conta que houve um reboliço tremendo entre as comadres locais.
A mulherada se reunia no açougue de João Cláudio Pereira. E ali comentava as artes daquele médico, que no porão da casa, guardava cobras, coelhos, cachorros, sapos, etc... Devia ser coisa do tinhoso por que o homem não ia à igreja (Vital Brazil era protestante).
Por falar em Vital Brazil, nas comemorações do centenário de seu nascimento, Turíbio Vaz de Almeida, recebeu a medalha comemorativa conferida pelo Governo de São Paulo.
E o nosso amigo, em sessão solene na Câmara Municipal de Botucatu, pronunciou, a respeito do cientista patrício, uma pequena oração, objetiva, simples e bonita, que calou fundo nos presentes. Falar da vida de Turíbio, seria um nunca mais acabar.
Por isso, agora vai um ponto final. Mas, em outras oportunidades, ainda faremos menção aos fatos de que tem conhecimentos. E da sua valiosa opinião, sobre a vida local, também lançaremos mão.
Para regalo dos possíveis leitores destas despretensiosas crônicas.
Texto do Dr. Sebastião Almeida Pinto (Correio de Botucatu – 31/05/1970)
Observação: Os protestantes foram os primeiros a traduzir a Bíblia para suas línguas pátrias, enquanto a Igreja Católica continuou por muito tempo com a Bíblia em latim.