Sílvio Martin, ou Sylvio, como costumava assinar, filho de Giovanni(João) Martin e Carolina Pavan Martin, nasceu na cidade de Meduna de Livenza, Província de Trevizo, Veneza, Itália, no dia 12 de outubro de 1914. Lá viveu até os oito anos.
Em 24 de fevereiro de 1923, seus pais Giovanni Maria Martin e Carolina Pavan Martin, fugindo dos horrores, desgraças e tristezas em decorrência da I Grande Guerra Mundial, partem, do Porto de Gênova, a bordo do navio “ Garibaldi” rumo ao Brasil. Chegam ao Porto de Santos em 15 de março de 1923. Com os pais, vieram os filhos e demais membros da família, como consta na Certidão de Desembarque obtida junto ao Museu da Imigração em São Paulo. De lá foram encaminhados à Fazenda Boa Esperança onde trabalhariam como colonos na plantação e na colheita do café.
A família Martin chegou à estação ferroviária de Botucatu e foi recebida pelo senhor Aquiles Zanluchi que os conduziu, em carroças, até a fazenda.
A vida na fazenda se resumia em uma palavra: trabalhar. Todos eram envolvidos: os mais velhos, no café, incluindo as mulheres, a mãe, as filhas, a nora. Os pequenos também já eram iniciados no serviço, levando comida aos que estavam na roça. Sílvio levou várias vezes comida aos irmãos. Nessa fazenda, cursou a primeira série do Curso Primário. Ele sempre se lembrava da enérgica e brava professora, dona Elza, que punha os garotos indisciplinados de castigo sobre grãos de milho. Apesar de brava, ela foi uma excelente professora e Sílvio, embora italiano, sempre dominou muito bem a matemática e a língua portuguesa.
Em 1925, os familiares mudam para a Fazenda São Bento, cujo proprietário, o senhor Virgílio Lunardi, os tinha convidado para trabalharem lá como meeiros no cultivo do café. Na escola dessa fazenda, Sílvio cursou a segunda série do Curso Primário e jamais se esqueceu de sua professora – Dona Idalina. Ela era muito bondosa e dizia que ele era “um excelente aluno”. Deu-lhe de presente um livro – “Coração de Criança” – do qual ele nunca se esqueceu, sempre comentava sobre essa obra. Seus familiares, trabalhadores que eram por índole, cultivaram, além do café, o milho, o feijão e o arroz, plantado num brejo que lá havia. Foi justamente por causa da plantação de arroz que o destino da família Martin mudou. O irmão de Sílvio, Ângelo, pegara maleita na plantação de arroz. Muito debilitado, foi impedido pelo médico de trabalhar pesado na lavoura. Mas, como um colono ficar parado, vendo todos os outros labutando? O que fazer para ganhar dinheiro sem se cansar muito por causa da doença? Nasceu então a ideia: Negociar!
Começou uma nova etapa na vida deles – o comércio. Passaram, pois, os irmãos – Ângelo, Luís, Fortunato e Sílvio - a viajar pelas fazendas da região, comprando e vendendo queijo. Esse comércio aumentou, e o sucesso do “ queijo curado” dos Martin atingiu regiões mais distantes. Do queijo passaram para os ovos, leitoas, cabritos que, aos sábados, os irmãos “Barbetas”( tinham esse apelidopor causa do cavanhaque que Ângelo usava ao retornar da Itália, apelido que passou para todos os irmãos, inclusive para Sílvio) vinham , em carrocinhas, vender na cidade. O apoio da mãe e irmãs foram de grande importância para os negócios.
O “negócio” prosperava. Urgia a criação de um depósito, de um armazém, de uma loja para estocar a mercadoria. Então, em 1926, esse armazém foi criado na própria fazenda. Em São Paulo, por Ângelo,eram compradas roupas, calçados, perfumaria e outros materiais para vender na loja da fazenda. No lugar dos quatro filhos agora negociantes, o velho Giovanni contrata outras pessoas para ajudar na lavoura. Compram a sua primeira propriedade no Brasil: a fazenda “ Água do Cigano”, em Vitoriana.
A fase seguinte foi adentrar no ramo industrial e, para isso, teriam que se mudar para a cidade. Em 1929, Sílvio e Ângelo mudaram-se, definitivamente, para Botucatu e aqui, em nome da família, compraram um moinho de farinha de milho e fubá, que ficava na rua Newton Prado. Adquiriram a torrefação de Café Victória. Em 31 de março de 1930, foi oficialmente iniciada a atividade industrial dos Martin na cidade com a criação da Sociedade Ângelo Martin e Irmãos. Mais um tempo e toda a família muda-se para a cidade deixando a fazenda arrendada para os Zanluchi.
Criada a “Sociedade Ângelo Martin e Irmãos”, coube a Sílvio cuidar da produção. Investiram no setor alimentício: criaram uma padaria, iniciaram a fabricação de biscoitos e bolachas, instalaram a fábrica de balas, caramelos, chupetinhas, velinhas coloridas, enfim, todo tipo de guloseimas tão ao gosto dos botucatuenses. Muitos empregados foram contratados.
Depois foi a vez do investimento nos refrigerantes - o guaraná, a soda limonada, a taubaína - e nos xaropes e bebidas alcoólicas. A firma assumiu o nome de Indústria MartinS&A – Produtos Enológicos. Foi preciso que alguém da família conhecesse e apreendesse os segredos do preparo das bebidas e xaropes. Sílvio foi, então, encaminhado para São Paulo para fazer o Curso de Química e Manipulação, num laboratório localizado no bairro de Pompéia, no período de 1942 a 1946. Fez também estágio na Indústria Montezano e Antártica. Sílvio substituiu o velho e famoso químico da indústria, João Naerk, que tinha falecido.
Quando voltou de São Paulo, Sílvio trouxe muitas ideias inovadoras e que deram resultado e sucesso. Surgiu a “Groselha Martin”, conhecida e apreciada nacionalmente. O passo seguinte foi a fabricação do Vinagre Martin e de várias bebidas alcoólicas. Como não se lembrar do delicioso Vinho de Laranja e de Jabuticaba? Como não se lembrar do inesquecível Licor de Cacau que, juntamente da Groselha, selaram a marca do reconhecimento dos Martin? Como não citar outras tantas bebidas reconhecidas como: “ A Caipirinha, Batida de Coco, de Amendoim e de Limão; Aguardente de Alcatrão e Mel; Aperitivo Canelinha e Ferro Quina Extra; Licor de eucalipto; Conhaque fino e com Gengibre; Fernet; Vermouth; Vinho Quinado; Aguardente Maracatu composta com ovos de codorna; Aperitivo de Uva-Passa; Vinho composto de Jurubeba; Aperitivo de Alcachofra. De Catuaba; Aguardente de Cana Velha e outros”?
O comércio de bebidas estourara! Viajantes eram muitos. Sílvio, entre eles, iniciara sua profissão de viajante em 1938 e só iria parar de viajar para esse fim em 1948. Várias regiões e estados do Brasil foram visitadas por ele, por seus irmãos e empregados viajantes. As fronteiras estavam escancaradas para os antigos colonos!
Os Martin, antes de tudo, eram lavradores. Seu coração era lavrador, embora sua alma fosse comercial e industrial. Por isso, nunca abandonaram a terra. Adquiriram muitas fazendas e sítios em Botucatu e em outras regiões do estado de São Paulo e do Brasil.
Um número imenso de empregados trabalhavam nas indústrias. Há quem diga até hoje: Quem não trabalhou com os “Barbetas” em Botucatu? Sempre há alguém da família que o fez.
Sílvio foi, uma certa vez, assistir a um programa de auditório da Rádio Emissora de Botucatu PRF8 e lá conheceu sua futura esposa. Foi assim: uma das cantoras da Rádio, Teresinha Paraíso, era vizinha de Sílvio, morava numa casa antes da casa dele.Um dia, ela o convidou para ir ouvi-la cantar na Rádio Emissora. Ele foi e acabou se apaixonando por outra cantora, Carmen da Silva Paes, a bela morena de uma voz maravilhosa, conhecida pelo slogan de “A voz que venceu!” . Casaram-se em 29 de dezembro de 1947, na Catedral Velha de Santana, numa cerimônia oficiada pelo Cônego Agostinho Colturato e concelebrada pelo Monsenhor e Tio Paterno, José Maria da Silva Paes. Dessa união nasceram: Carmen Sílvia, Maria Cristina, Francisco José, Ana Lúcia (falecida) e Sílvio Filho.
Mais um passo na área industrial foi dado pela família: a inauguração, em 31 de julho de 1965, de uma moderníssima fábrica de bolachas e biscoitos, construída no km 259 da rodovia Marechal Rondon (atual Irizar): a CATU. O nome CATU foi escolhido para homenagear Botucatu, a terra que acolhera sua família e acreditou naqueles imigrantes, os “Barbetas”. Oferecia mais de 100 empregos aos botucatuenses e pessoal da região. Foi a primeira indústria de Botucatu a ter um amplo e confortável restaurante para os empregados e a fornecer ônibus como transporte para eles. Foi a primeira a acreditar na Zona Industrial ou Parque Industrial de Botucatu! Infelizmente, em virtude da cessação de financiamentos e empréstimos dos bancos por conta do Regime Militar, a CATU cessou suas atividades.
Após o fechamento da CATU, Sílvio continuou um tempo ainda atendendo no laboratório de bebidas, cargo em que foi substituído mais tarde por seus sobrinhos. Ele assumiu a gerência da CIMAPE – Cia Mercantil de Autos e Peças – entidade que era representante da Ford e da Chrysler e que também vendia produtos eletrodomésticos. A matriz ficava na Av. Floriano Peixoto, 461 e havia suas duas filiais – uma na Rua Amando de Barros, 114 e outra, em Barra Bonita. Ele também administrava, nessa mesma época, um posto de combustível para autos, que ficava no mesmo local.
Durante o período de 24 de maio de 1951 a 5 de janeiro de 1963, atuou como Conselheiro da diretoria do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – CIESP.
Desejoso de se tornar brasileiro para poder votar e eleger os governantes do país, em 1984, recebeu o Certificado de Naturalização Brasileira e o seu Título Eleitoral. Dizia que “gostava da Itália, mas amava o Brasil!”
No dia 30 de junho de 2000, na Câmara Municipal de Botucatu, recebeu o título de Cidadão Botucatuense, honraria de autoria do Vereador Valdir Florêncio que disse no final de seu discurso:
“(...) Mesmo ocupando lugar de destaque no aspecto econômico, político e social, Sílvio e seus familiares mantiveram-se humildes, simples, dando exemplo de que trabalhar não é vergonhoso e que a única forma de o homem vencer é através do trabalho honesto.
(...) Botucatu teve a sorte de ter sido escolhida para morada desse nosso ilustre homenageado, o Sr. Sílvio Martin, que aqui se enraizou e gerou frutos para nossa terra(...)
(...)A cidade de Botucatu, nesta noite, sente-se engalanada em poder homenagear o Sr. Sílvio Martin o qual, com os pensamentos de que ‘Deus é seu trabalho diário’, ‘Cedo madrugar é seu cantar constante’ e ‘Não esmorecer jamais’, muito contribuiu para o desenvolvimento desta terra.”
E Sílvio, muito emocionado, agradeceu assim:
Agradecimento :“Dizem que ‘para um homem ser completo precisa de três coisas: ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro’.
Um livro, eu sei que não vou escrever; deixo este trabalho para meus filhos e netos.Filhos, eu já tive cinco.Árvores, eu já plantei muitas.Porém, eu acrescento mais um item que poderá completar a vida de um homem: ser reconhecido por seus conterrâneos enquanto estiver vivo.
Por isso, neste momento, agradeço à Câmara Municipal e, particularmente, ao Vereador Valdir Florêncio, o título de Cidadão Botucatuense que hoje me conferem.Este título não pertence somente a mim, mas aos meus pais, meus irmãos e irmãs, meus cunhados e cunhadas, meus sobrinhos e sobrinhas, meus tios e tias, meus primos e primas, meus empregados e empregadas, meus filhos e filhas, meus genros e noras, meus netos e netas e, principalmente, à minha esposa Carmen, que foi, que é e que sempre será minha força e companheira de todos os momentos nessa caminhada de 53 anos de matrimônio.
Obrigada, pois, em nome da Família Pavan e Martin
Sílvio Martin
Sílvio amava o futebol. Jogou por muitos anos como ponta-esquerda.Quando não mais podia jogar, ouvia pelo rádio ou assistia pela televisão as partidas. Era palmeirense roxo e teve a sorte de casar com uma senhora que também amava o futebol... embora ela fosse corintiana roxa! Nas copas mundiais, quando o Brasil jogava contra a Itália, Sílvio torcia pelo Brasil.
Procurou praticar a política da “boa vizinhança”, muito educado, tratava todos bem e todos gostavam dele. Os empregados deram testemunho dessa faceta de sua personalidade: “mesmo quando ele chamava nossa atenção, era educado”.
Sempre muito elegante, usava terno e chapéu sempre que saía `a rua. Mais tarde, deixou de usar o terno, mas não saía sem o seu paletó. Fizesse calor ou não, estava ele de paletó. Praticava sua caminhada diariamente, andando de ombros eretos e com passos firmes pelas ruas da cidade.
Manteve a fé que adquiriu com seus pais na religião Católica Apostólica Romana que seguiu fielmente até o fim de sua vida. Rezava o terço todo dia com sua esposa e praticava a caridade sem demonstrações exteriores. A imagem de Santo Antônio – a mesma que fora colocada na indústria de sua família- a CATU - foi levada para sua casa, após o encerramento da CATU. Sua esposa a restaurou e ela ficou num oratório da varanda de entrada em sua casa, na Praça Carlos Gomes, 136, por muitos anos. Hoje essa mesma imagem se encontra no Panamá, para onde o filho que lá vive, Silvinho, a levou.
O amor à terra estava incutido em Sílvio desde criança. Após a divisão dos bens entre todos os familiares, a Sílvio coube parte da Chácara São João, localizada na rua Donato di Credo, s/n, na Vila Ferroviária, Botucatu. Esse imóvel foi sua causa e fonte de vida. Embora já aposentado pelo INSS, diariamente, ele se dirigia para lá a fim de orientar e conferir os serviços feitos. Fizesse frio ou sol, chuva ou vento, lá estava ele. A princípio, a esposa o levava de carro; depois passou a ir de ônibus mesmo. Criou gado por um tempo e depois se dedicou, de corpo e alma, ao cultivo do café. O cuidado, a atenção e o carinho para com o café o mantiveram vivo e forte mesmo após o falecimento de sua amada esposa Carmen, em 30 de março de 2005.
Ele foi o “último Barbeta” que faleceu, vitimado por uma metástase de câncer prostático. Sua partida ocorreu em 2 de setembro de 2007, aos 92 anos.Iria completar 93 no dia 12 de outubro. Em seu túmulo, no cemitério Portal das Cruzes, os filhos fizeram-lhe uma homenagem colocando uma placa onde está desenhado um galho de café e onde está escrita uma frase que ele usava: “A vida é um cafezal: tem que cuidar bem para produzir bem!”