SONETO DE MAL AMAR

Invento-te recordo-te distorço

a tua imagem mal e bem amada

sou apenas a forja em que me forço

a fazer das palavras tudo ou nada.

A palavra desejo incendiada

lambendo a trave mestra do teu corpo

a palavra ciúme atormentada

a provar-me que ainda não estou morto.

E as coisas que eu não disse? Que não digo:

Meu terraço de ausência meu castigo

meu pântano de rosas afogadas.

Por ti me reconheço e contradigo

chão das palavras mágoa joio e trigo

apenas por ternura levedadas.

Ary dos Santos, in 'O Sangue das Palavras' ...