DE MANHÃ SÃO DE TERRA

De manhã são de terra

as palavras que trago sobre a língua.

Sabem a trigo

ao sangue dos morangos

ao caule das papoilas.

Dizem coisas morenas e germinam.

São de terra. As palavras.

À tarde são de vento

e flutuam na seda das bandeiras

e deslizam na solidão das águias

e adejam no limiar dos plátanos.

Desabridas desatam véus e medos

e porque são de vento

constroem catedrais e tecem barcos.

Fazem bater janelas do lado do poente

por onde espreita

a ponta de marfim da lua nova.

Depois são música nos teus cabelos de harpa

E desfloram lilases.

Mas à noite são água.

As palavras são água.

Procuram os teus olhos enfeitados de estrelas

e salpicam safiras e matizes

no teu corpo de fonte.

Dizem regato e cantam.

São cântaros no poial da entrada

onde bebem as tuas mãos vagabundas.

Beijo a beijo

pus pérolas de chuva nos teus ombros.

E as palavras escorrem sendo água

na cachoeira azul-escura da noite.

Embalam sendo lago

Gestos caídos da margem

e vogam na fluidez do sono.

As palavras da noite, gota a gota

Orvalhando o silêncio

(redondo, o húmido coração do silêncio).

E devagar, na espuma do desejo

Acordam naus submersas. As palavras.

E correm sendo rio

na promessa de serem amanhã

de novo terra. E trigo.

Mas agora são mar.

Vem marear comigo.

in "Poemas Escolhidos e Dispersos"