O habitante

(ao meu pai)

Se partiste, não sei.

Porque estás,

tanto quanto sempre estiveste.

Essa tua,

tão nossa, presença

enche de sombra a casa

como se criasse,

dentro de nós,

uma outra casa.

No silêncio distraído

de uma varanda

que foi o teu único castelo,

ecoam ainda os teus passos

feitos não para caminhar

mas para acariciar o chão.

Nessa varanda te sentas

nesse tão delicado modo de morrer

como se nos estivesse ensinando

um outro modo de viver.

Se o passo é tão celeste

a viagem não conta

senão pelo poema que nos veste.

Os lugares que buscaste

não têm geografia.

São vozes, são fontes,

rios sem vontade de mar,

tempo que escapa da eternidade.

Moras dentro,

sem deus nem adeus.

- Mia Couto -