ÚLTIMA CARTA

"Sobre o leito de morte do poeta, foi

encontrado esse papel cheio de letras

trémulas e manchado de lágrimas".

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Por que não me vens ver? Estou doente...

É possível que morra com o luar...

Anda, lá fora, um vento, tristemente,

as ilusões das rosas a esfolhar.

E, aqui dentro, na alcova penumbrada,

onde arquejo, sozinho, sem sequer

a invisível presença abençoada

de um pensamento meigo de mulher,

há o desconsolo imenso, a imensa dor

de alguém que vai morrer sem seu amor...

De quando em quando,

o coração, que sinto

cada vez mais cansado, se arrastando,

marcando o tempo, recontando as horas,

pergunta-me, num sopro quase extinto,

quando é que virás...

Volta depressa, sim?... Se te demoras,

já não me encontrarás...

Ouço, longe, a gemer de harpas eólias...

É de febre... Começo a delirar...

Desabrocham, no parque, as magnólias...

Vem surgindo o luar...

E, como a luz do luar que vem nascendo,

eu vou aos poucos, meu amor, morrendo...

Antônio Tavernard