Homens que são como lugares mal situados

Homens que são como lugares mal situados

Homens que são como casas saqueadas

Que são como sítios fora dos mapas

Como pedras fora do chão

Como crianças órfãs

Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas

Que são como caminhos barricados

Homens que querem passar pelos atalhos sufocados

Homens sulfatados

Por todos os destinos

Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias

Que são como os esconderijos dos contrabandistas

Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis

Homens que são sobreviventes vivos

Homens que são sítios desviados

Do lugar

....

Homens que são como projectos de casas

Em suas varandas inclinadas para o mundo

Homens nas varandas voltadas para a velhice

Muito danificados pelas intempéries

Homens cheios de vasilhas esperando a chuva

Parados à espera

De um companheiro possível para o diálogo interior

Homens muito voltados para um modo de ver

Um olhar fixo como quem vem caminhando ao encontro

De si mesmo

Homens tão impreparados tão desprevenidos

Para se receber

Homens à chuva com as mãos nos olhos

Imaginando relâmpagos

Homens abrindo lume

Para enxugar o rosto para fechar os olhos

Tão impreparados tão desprevenidos

Tão confusos à espera de um sistema solar

Onde seja possível uma sombra maior

...

Não levantemos os homens que se sentam à saída

Porque se movem em seus carreiros interiores

Equilibram com dificuldade uma ideia

Qualquer coisa muito nítida, semelhante

A uma folha vazia

E põem ninhos nas árvores para se libertarem

Da gaiola terrível, invisível muitas vezes

De tão dura

Não nos aproximemos dos homens que põem as mãos nas grades

Que encostam a cabeça aos ferros

Sem outras mãos onde agarrar as mãos

Sem outra cabeça onde encostar o coração

Não lhes toquemos senão com os materiais secretos

Do amor.

Não lhes peçamos para entrar

Porque a sua força é para fora e a sua espera

É a fé inabalável no mistério que inclina

Os homens por dentro

Não os levantemos

Nem nos sentemos ao lado deles.

Sentemo-nos

No lado oposto, onde eles podem vir para erguer-nos

A qualquer instante

Daniel Faria, in “HOMENS QUE SÃO COMO LUGARES MAL SITUADOS”, 1998