A ALVORADA DO AMOR

Um horror, grande e mudo, um silêncio profundo

No dia do Pecado amortalhava o mundo.

E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo

Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,

Disse:

Chega-te a mim! Entra no meu amor,

E à minha carne entrega a tua carne em flor!

Preme contra o meu peito o teu seio agitado,

E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!

Abençoo o teu crime, acolho o teu desgosto,

Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê, tudo nos repele! E toda a criação

Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…

A cólera de Deus torce as árvores, cresta,

Como um tufão de fogo, o seio da floresta;

Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;

As estrelas estão cheias de calafrios;

Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu…

Vamos! Que importa Deus? Desata, como um véu,

Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!

Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;

Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;

Surjam feras a uivar de todos os caminhos;

E, vendo-te a sangrar das urzes através,

Se amarrem no chão as serpes aos teus pés…

Que importa? O Amor, botão apenas entreaberto,

Ilumina o degredo e perfuma o deserto!

Amo-te! Sou feliz porque, do Éden perdido,

Levo tudo, levando o teu corpo querido!

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:

Tudo renascerá cantando ao teu olhar,

Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,

Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!

Rosas te brotarão da boca, se cantares!

Rios te correrão dos olhos, se chorares!

E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,

Tudo morrer, que importa? A natureza és tu,

Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah! Bendito o momento em que me revelaste

O amor com teu pecado, e a vida com o teu crime!

Porque, livre de Deus, redimido e sublime,

Homem fico na terra, luz dos olhos teus,

Terra, melhor que o Céu! Homem maior que Deus!

- Olavo Bilac -