AUSÊNCIAS
Sinto o sabor do meu sangue,
Nos lábios.
Dói-me, porém delicia-me
Esta adaga
Estas chicotedas ferozes de vento quente
Na pele.
Rasgo-me por inteira
Como quem perde um filho!
A Dor maior da existência humana toda em mim!
Que se faça silêncio, por favor!
Honremos todas as mães!
Já nem choque, pranto, riso ou convulsão
Nem qualquer metamorfose sagrada!
Calemo-nos então!
Já não há nada!
O sabor do meu sangue
Permanece-me nos lábios
E nos olhos duas chagas flamejantes
Em restauro de agonia
Ou flor,
Ou lilás,
Ou somente a agreste tortura
De já nem saber amar!
Tento expulsar-me,
Expulsando-te
Mas a angústia reclama mais rasgos de pele
Mais ausências plenas!
Que exorcismo me poderá libertar?...
Que magistral exorcismo nos poderá libertar?
Hoje,
Em meu banquete
Rodopiam como loucas mariposas
As palavras, as perdas, o clamor do sangue
E este temor súbito de ter aqui todas as palavras
Todas serem escassas
Para me poderem suportar!
Dos meus lábios está acesa uma fogueira.
Célia Moura, in "Enquanto Sangram As Rosas..."
Hamish Blakely painting