DANIEL FARIA

Poemas escolhidos no final da página

Daniel Faria

Nasceu em Baltar, Paredes, a 10 de abril de 1971.

Faleceu a 9 de junho de 1999 no Mosteiro Beneditino de Singeverga.

Daniel Faria: o rapaz raro

Poucos poemas em língua portuguesa nos últimos 20 anos terão o impacto verdadeiro dos de Daniel Faria. Sophia de Mello Breyner Andresen foi, para ele, o princípio da poesia. E quando chegou a vez de Sophia o ler, disse: "Versos que põem o mistério a ressoar em redor de nós." Essa é a síntese, tudo o que importa. É da poesia que partimos, mesmo quando vamos de casa em casa, à volta da vida. Para saber um pouco mais, para voltar a não saber. Vale só por isto, a aproximação a uma biografia. Quando lhe pediram um auto-retrato, Daniel Faria (1971-1999) escreveu que era "um rosto que há-de vir". E assim será, para o leitor dos poemas. Acreditamos que na poesia portuguesa dos últimos 20 anos poucos tenham vindo à luz assim, com um impacto de pedra.

ALEXANDRA LUCAS COELHO

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Daniel Faria:

Se fores pelo centro de ti mesmo

Maria Teresa Dias Furtado

Faculdade de Letras – Universidade de Lisboa

Prometo-te a palma da minha mão para a escrita.

Cerca-a de magnólias, cerca-me. Podes fechar a escrita

No interior da mão ou na boca dos livros

Podes esquecê-la ou libertá-la dos mil botões

Que ela sopra no interior dos homens.

Poesia, p. 334

Aceito a palma da mão do poeta para tentar libertar a sua escrita dos mil botões que ela pode soprar no interior de nós, seus leitores. Centro-me nos chamados “livros da idade adulta”: Explicação das Árvores e de outros Animais (1ª edição1998),

Homens que são como Lugares mal situados (1ª edição 1998) e Dos Líquidos (1ª edição, póstuma, 2000). Para tal, utilizo a 2ª edição de Poesia, da responsabilidade de Vera Vouga

e publicada nas Quasi Edições em Maio de 2006, que contém esses livros e outros, anteriores, bem como inéditos. Farei uma pequena nota biográfica, tratando depois do teor da sua poesia, da temática “Se fores pelo centro de ti mesmo”, debruçando-me, por fim, sobre dois ciclos de poemas numerados. Tentarei, sobretudo, dar voz ao Poeta. Daniel Faria escreveu no seu auto-retrato: “É um rosto com os olhos, os lábios, o pensamento, todo o retrato à procura do silêncio ressuscitado, como Sábado Santo esperando em seu coração, em sua garganta, em suas

mãos, em cada sopro do barro, o canto novo (…). Eu já sabia que o lugar era a pedra, mas só depois fiz da pedra o meu lugar. Encontrei como entrar nela pelo seu lado aberto, descansar

em sua pulsação, até não ser mais ninguém. A completa presença na única presença, para ser, à sua semelhança, tudo em todos.” (Cfr. Alexandra Lucas Coelho, 2001)

De facto, Daniel nasceu num Sábado Santo, 10 de Abril de 1971, em Baltar, Paredes. Desde cedo começou a escrever. Também desde criança sentiu um chamamento, a partir do qual frequentou o Seminário, tendo-se depois apercebido de que a sua verdadeira vocação era

de monge beneditino, ingressando como noviço no ano l998/99 em Singeverga.

Antes, porém, licenciou-se em Teologia na Universidade Católica do Porto e em Estudos Portugueses na Faculdade de Letras da mesma cidade. Faleceu a 9 de Junho de 1999, na sequência de uma queda doméstica. Ganhou vários prémios escolares e literários e colaborou

em diferentes revistas.

O teor da sua Poesia

O poeta que aqui focamos é um poeta maior, único e extremamente original. O seu olhar

sobre o mais imediato e sobre o que o transcende é fresco e cheio de vigor, utilizando uma linguagem aparentemente simples numa organização do discurso poético muito bem elaborada, não deixando nenhum verso ou imagem ao acaso. A sua poesia toca o fundo do ser humano,

os seus dilemas e a sua liberdade, a sua busca de identidade e o seu modo de identificação,

a sua partilha e a sua necessidade de solidão, a sua horizontalidade e a sua verticalidade. Daniel Faria é também um leitor atento e versátil, construtor de uma intertextualidade oportuna e fecunda, projectando o texto “herdado” numa multiplicidade de direcções e sentidos.

Assim acontece com a Bíblia – vários textos do Antigo e do Novo Testamento –, com autores de literatura espiritual como S. João da Cruz, Santa Teresa do Menino Jesus e autores da literatura portuguesa como Ricardo Reis e Luiza Neto Jorge. Os poemas de Daniel Faria são, sobretudo,

um espaço de diálogo com o mundo, com outros e com o Outro que é Deus. Não estamos, porém, perante uma poesia “religiosa” ou “espiritual”, mas sim face a uma poesia cuja unidade é a unidade do próprio autor enquanto pessoa que pensa e sente, acredita e constrói, aproxima-se e afasta-se, numa lúcida transparência de quem sabe que está a escrever poesia e que tem consciência sóbria do seu valor. O sujeito da escrita é um contemplativo que se move nos lugares onde se movem os outros, que faz as suas opções de modo livre e decisivo, que ergue o seu canto até ao infinito, mesclado com o canto das aves e dos Anjos, solidário, no seu grito, com o grito de todo o ser humano. É a sua atitude contemplativa que dá à sua Obra a marca mais forte, uma vez que ela se inscreve num universo teocêntrico, sem deixar, por esse motivo, de prestar uma arguta atenção ao mundo que o rodeia, como nitidamente se pode verificar no poema:

As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões

E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos – digo,

As mulheres – ainda que as casas apresentem os telhados inclinados

Ao peso dos pássaros que se abrigam.

É à janela dos filhos que as mulheres respiram

Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas

Transformam-se em escadas

Muitas mulheres transformam-se em paisagens

Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram

Nos ramos – no pescoço das mães – ainda que as árvores irradiem

Cheias de rebentos

As mulheres aspiram para dentro

E geram continuamente. Transformam-se em pomares.

Elas arrumam a casa

Elas põem a mesa

Ao redor do coração. (p. 122)

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AINDA SOBRE DANIEL FARIA:

Crónica de SUSANA MOREIRA MARQUES

Programa “O Fio da Meada” – ANTENA 1

(22 Março, 2018)

Há quinze anos já parecia uma história muito antiga, um jovem nascido no princípio dos anos setenta descobre vocação para se juntar a Deus, estuda num seminário, mais tarde junta-se a um mosteiro, onde cada vez menos se juntam jovens. O jovem escreve poesia, uma poesia inspirada pelas conversas que tem com Deus e alguns homens e assente na escala musical da Bíblia, estou a falar de Daniel Faria, o poeta que nunca deixou de ser jovem. Daniel Faria escreveu meia dúzia de livros em pouco tempo, morreu quando fazia o noviciado, no mosteiro de singverga em 1999, tinha 28 anos. Há cerca de quinze anos, face à sua poesia curiosa acerca da sua história, entrevistei algumas pessoas que o conheceram, nunca cheguei a publicar nada, nem construí nada sobre o poeta com esse material. O mistério daquele rapaz nascido nos arredores da segunda cidade do País como se viesse de um tempo antigo, nunca ficou desvendado para mim. Do que me lembro melhor era da maneira como as pessoas falavam da sua generosidade, havia essa particularidade na sua poesia, muitos dos seus poemas tinham surgido como presentes, eram ofertas para as pessoas de quem gostava, ou a quem queria retribuir alguma coisa, de certa forma isso não é incomum na poesia, tantos poemas são dedicados aos pais, aos irmãos, aos amantes, aos amigos, ou a outros poetas como se fossem amigos. Mas o Daniel Faria levava o gesto mais longe, oferecia os seus poemas manuscritos e chega a dar a ideia de que sem esse gesto de oferta os seus poemas não teriam sequer começado a existir.

Através daquelas conversas com antigos colegas, amigos, professores, formei a imagem de um homem que se conservava menino, que era tímido, mas que se deslumbrava com a beleza do mundo e com a criação. Que procurava alguma coisa, talvez também por isso se tenha juntado à comunidade de monges Beneditinos de singverga, para se treinar em procurar menos, querer pouco, dar ainda mais. Cheguei a ir passar uns dias a singverga, a parte feminina da comunidade recebia hóspedes. No grande espaço, cada vez mais vazio, tinham reservado alas para hóspedes que podiam usar as celas para escreverem teses, ou livros, ou para simplesmente lerem livros ou reflectirem. Lembro-me de uma irmã idosa que andava completamente curvada e que quase não conseguia levantar a cabeça. Quando me fui embora ela olhou-me de baixo para cima e com um tom misterioso, não me desejou boa sorte, nem inspiração, nem sequer bom trabalho, desejou-me maturidade… e eu fiquei sempre a pensar o que é que ela quereria dizer exactamente com aquilo.

Ainda vi a magnólia que inspirou os últimos poemas do seu último livro publicado postumamente. Escreveu ele que a magnólia cresce, e essa é a verdade, cresce sempre apesar de nós.

BIBLIOGRAFIA:

Fez desenhos, colagens, mobiles, encadernação e encenação. Dirigiu no Seminário Maior o Círculo de Leitura (s) (1989/93); ganhou vários prémios literários e escolares, colaborou em diferentes revistas.

- Prémio Eng.ª Nuno Meireles (1990 – Uma cidade com muralha)

- Prémio Sebastião Salgado – (1991)

- Prémio D. António Ferreira Gomes (1992)

- Prémio Fundação Manuel Leão (1998 - Explicação da Árvores e de Outros Animais)

- Prémio Teixeira de Pascoaes – (2004 – Poesia)

A sua obra literária e já publicada em alguns casos com reedições:

1991 - Uma cidade com Muralha

1992 – Oxálida

1993 – A Casa dos Ceifeiros

1998 – Explicação da Árvores e de Outros Animais (Prémio Fundação Manuel Leão)

1988 – Homens que são como Lugares mal Situados

1999 – A vida e conversão de Frei Agostinho; entre a aprendizagem e o ensino da Cruz

2000 – Dos Líquidos

2000 – Legenda para uma casa habitada

Em 2003 a Quasi Edições editou num só volume todos os livros de Poesia: “Poesia – Daniel Faria”

Muitos dos seus poemas integram antologias de poesia, nomeadamente:

- A Poesia está na rua – 25º Aniversário do 25 de Abril. Organização de Francisco Duarte Mangas. INATEL/Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto – 1999)

- Encontros de Talábriga – 1º Encontro Internacional de Poesia de Aveiro. Coordenação de Egipto Gonçalves e Rosa Alice Branco, Aveiro. Fundação João Jacinto de Magalhães, 1999.

- O Futuro em Anos-Luz – 100 anos, 100 poetas, 100 poemas. Selecção e organização de Vítor Hugo Mãe. Porto 2001.Quasi Edições 2001.

- Anos 90 e Agora – Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização de Jorge Reis – Sá. Famalicão. Quasi Edições 2001.

- Século de Ouro – Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX. Organização de Fernando Silvestre e Pedro Serra. Braga/Coimbra/Lisboa. Angelus Novos e Cotovia. 2002.~

- Há no mundo inteiro, uma quando muito, rua difícil de encontrar – Metáfora Viagem: palavras de poeta. Organização de Ana Castro e Jorge Roque, Lisboa. IPBL. Dia Mundial da Poesia, 2003.

- A Alma não é Pequena – 100 poemas portugueses para SMS. Selecção e organização de Vítor Hugo Mãe. Famalicão. Centro Atlântico 2003.

No quadro do lançamento da Anthologie de la jeune poésie portugaise, editada pela Maison de la Poésie Rhône-Alpes, o Centro de Língua Portuguesa do Instituto Camões na Universidade Lumiére Lyon 2 realizou no dia 23 de Abril de 2004 um encontro com os poetas Isabel Cristina Pires e Fernando Pinto do Amaral. Além de Daniel Faria, Francisco José Viegas, José Luís Peixoto e Pedro Mexia, são alguns dos nomes que constam desta antologia e cujos poemas foram traduzidos para Francês.

Para além de ter colaborado em diversas revistas, tais como:

- Limiar – Revista de Poesia, Porto, nº 11. 1999

- Hablar/Falar de Poesia – Badajoz/Lisboa, nº. 4, 2000.

- Cadernos – Centro Catecumenal Igreja do Porto, Porto. Ano I, nº 1, 2000

- Folhas Caídas – Porto, Biblioteca Municipal Almeida Garret, Setembro 2003, Semanas 1-4.

- Apeadeiro – Revista de Atitudes Literárias. Famalicão, n.ºs 4 / 5, 2004.

- PRIMEIRA@PROVA – Revista electrónica de Línguas e Literaturas da Faculdade de Letras do Porto.

- Sara Fazib – Revista electrónica

Considerado por alguns como um Poeta Maior da Língua Portuguesa e o maior poeta místico português do século XX para outros, que o colocam na linha de S. João da Cruz e de Santa Teresa do Menino Jesus onde foi buscar referências bem como em alguns Poetas Portugueses como Herberto Hélder; Sophia, Pessoa e Eugénio de Andrade entre muitos outros, mas é sobretudo da Bíblia que lhe vem a maior parte dessas referências.

A sua Tese de Licenciatura em Teologia – A vida e conversão de Frei Agostinho; entre a aprendizagem e o ensino da Cruz – Editada pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica, está esgotada.

A Câmara Municipal de Penafiel, em Maio de 2004, instituiu um prémio de Poesia com o seu nome destinado a jovens poetas até aos 35 anos.

POEMAS ESCOLHIDOS: