Quero a Fome de Calar-me

Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único

Recado que repito para que me não esqueça. Pedra

Que trago para sentar-me no banquete

A única glória no mundo — ouvir-te. Ver

Quando plantas a vinha, como abres

A fonte, o curso caudaloso

Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo

Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa

Chaga do pastor

Que abriu o redil no próprio corpo e sai

Ao encontro da ovelha separada. Cerco

Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes

A flor — várias árvores cortadas

Continuam a altear os pássaros. Os caminhos

Seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam

As águas nocturnas — pequenos

Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas

Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio

Alveolar expira — e eu

Estendo-as sobre a mesa da aliança

Daniel Faria, in "Dos Líquidos"