MURMÚRIOS

Perseguem-me dias sempre iguais,

Num cais da infância

Entre as paredes do meu quarto.

Quatro paredes de lágrimas

Por vezes búzios em valsa pela enseada

Dos murmúrios.

A noite persegue-me entretanto

Essências do rosmaninho enlaçados de alecrim,

Cantatas de pinheiros mansos e suas

Resinas frescas.

Perseguem-me as palavras que não sei dizer,

O fado que não sei cantar,

Persegue-me a morte que não sei morrer…

Minha sina é esta,

Ter esta condição!

Não saber o que é o abraço de um irmão,

Ter dançado com as feiticeiras na eira

E observado tarde demais que a Lua era similar

À roda da carroça

Que o meu avô guardava no telheiro.

Ter entendido o amor assim que o perdi

Quando nas minhas asas já quebradas eu deixava sucumbir todo o Infinito, todas as fogueiras, todas as ausências de um querubim

E parti de mim no murmúrio sereno das fontes.

Célia Moura, (inédito) 19.IV.2016