CÂNTICO BIPOLAR
Poderia falar-te destes meus ébrios estandartes de loucura
Erguê-los ao vento
Ao tempo que resta em flor de giesta
No teu corpo,
Paridos numa Primavera qualquer,
Algures esquecida
Qual mulher que se não ama.
Mas não!
Prefiro cantar-te meus amores,
Meus amantes de alento ou tormento
Velados no meu tempo,
Entre tudo o que fui
No exílio do que sou.
Poderia contar-te uma por uma as pérolas
Do meu martírio,
E o alívio das plumas negras
No meu corpo de cetim,
Encantamentos
Da paixão que derramaste entre os meus dedos
Se esta alegoria
Entre o riso e o desespero
Não fosse o palco das minhas diversões.
Mas eu talvez seja o segredo
Do desejo escorrendo vícios pela madrugada,
Contemplando as arestas do devaneio
Entre a alegria mais pura
Nos olhos das crianças mais tristes
E de todos os cânticos que derramastes
Entre os meus lábios,
Entre Vénus e as minhas sôfregas coxas
Prenhes de silêncio e de ti.
Poderia morder-te num ápice de paixão
Ou de embriaguez,
Entre o condão desta agonia
E sorrir-te como a mais bela criança ao entardecer dos sentidos
Na brisa da planície,
Ou na rasgada paz do voo do condor
Ou poderia cuspir-te no rosto a indignação do povo
E escorraçar-te como qualquer verme
Em meu corpo.
Poderia ainda dançar nua ao vento
Abraçando o tempo
Percorrer milhas, cantar todas as melodias
Ousar todas as ousadias,
Rasgar-me por inteira perante a tua cobardia
E gritá-la no cume do mais alto monte...
Mas, não tudo isto é vão!
Na vida onde estou sentada
Observando as imagens,
As minhas bipolarizadas imagens
E as outras,
Posso somente olhar
Enquanto vou percorrendo as milhas que só eu consigo
Ultrapassar,
Definindo,
Gritando,
Cantando,
Sorrindo,
Dançando,
Permitindo-me por vezes parar,
Para simplesmente ainda conseguir chorar.
Célia Moura, in "Enquanto Sangram As Rosas..."
Martin Strauss Photography