Silvestre e o idioma

Silvestre quer saber

porque razão eu estrago o português

escrevendo palavras que nem há.

Não é a pessoa que escolhe a palavra.

É o inverso.

Isso eu podia ter respondido.

Mas não.

O tudo que disse foi:

é um crime passional, Silvestre.

É que eu amo tanto a Vida

que ela não tem

cabimento em nenhum idioma.

Silvestre sorriu.

Afinal, também ele já cometera

o idêntico crime:

todas as mulheres que amara

ele as rebatizara, vezes sem fim.

Amor se parece com a Vida:

ambos nascem na sede da palavra,

ambos morrem na palavra bebida.

- Mia Couto -