Mudança de idade

Para explicar

os excessos do meu irmão

a minha mãe dizia:

está na mudança de idade.

Na altura,

eu não tinha idade nenhuma

e o tempo era todo meu.

Despontavam borbulhas

no rosto do meu irmão,

eu morria de inveja

enquanto me perguntava:

em que idade a idade muda?

Que vida,

escondida de mim, vivia ele?

Em que adiantada estação

o tempo lhe vinha comer à mão?

Na espera de recompensa,

eu à lua pedia uma outra idade.

Respondiam-me batuques

mas vinham de longe,

de onde já não chega o luar.

Antes de dormirmos

a mãe vinha esticar os lençóis

que era um modo

de beijar o nosso sono.

Meu anjo, não durmas triste, pedia.

E eu não sabia

se era comigo que ela falava.

A tristeza, dizia,

é uma doença envergonhada.

Não aprendas a gostar dessa doença.

As suas palavras

soavam mais longe

que os tambores nocturnos.

O que invejas, falava a mãe, não é a idade.

É a vida

para além do sonho.

Idades mudaram-me,

calaram-se tambores,

na lua se anichou a materna voz.

E eu já nada reclamo.

Agora sei:

apenas o amor nos rouba o tempo.

E ainda hoje

estico os lençóis

antes de adormecer.

- Mia Couto