1ª Parte - Arte de infantilizar formigas
1.
As coisas tinham para nós uma desutilidade poética.
Nos fundos do quintal era muito riquíssimo o nosso dessaber.
A gente inventou um truque pra fabricar brinquedos
com palavras.
O truque era só virar bocó.
Como dizer: Eu pendurei um bentevi no sol...
O que disse Bugrinha: Por dentro de nossa casa passava
um rio inventado.
O que nosso avô falou: O olho do gafanhoto é sem princípios.
Mano Preto perguntava: Será que fizeram o beija-flor
diminuído só para ele voar parado?
As distâncias somavam a gente para menos.
O pai campeava campeava.
A mãe fazia velas.
0eu irmão cangava sapos.
Bugrinha batia com uma vara no corpo do sapo e ele virava uma pedra.
Fazia de conta?
Ela era acrescentada de garças concluídas.
-Manoel de Barros -
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6
Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra
- meu avô começou a dar germínios
Queria ter filhos com uma árvore.
Sonhava de pegar um casal de lobisomem para ir
vender na cidade.
Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do
quintal : Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra
dentro.
Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.
Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.
Aí a nossa mãe deu entidade pessoal ao dia.
Ela deu ser ao dia,
e Ele envelheceu como um homem envelhece.
Talvez fosse a maneira
Que a mãe encontrou para aumentar
as pessoas daquele lugar
que era lacuna de gente.
-Manoel de Barros -
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Diário de Bruguinha (Excertos) – 1925
1.4
Uma violeta me pensou. Me encostei no azul da sua tarde.
5.3
A voz do meu avô arfa. Estava com um livro debaixo dos olhos.
Vô! o livro está de cabeça para baixo. Estou deslendo.
10.4
Os patos prolongam meu olhar… Quando passam
levando a tarde para longe eu acompanho…
12.8
As garças descem nos brejos que nem brisas.
Todas as manhãs.
21.4
Pensar que a gente cessa é ingreme.
minha alegria ficou sem voz.
- Manoel de Barros -