A menina avoada

Foi na fazenda de meu pai antigamente

Eu teria dois anos; meu irmão, nove.

Meu irmão pregava no caixote

duas rodas de lata de goiabada.

A gente ia viajar.

As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:

Uma olhava para a outra.

Na hora de caminhar

as rodas se abriam para o lado de fora.

De forma que o carro se arrastava no chão.

Eu ia pousada dentro do caixote

com as perninhas encolhidas.

Imitava estar viajando.

Meu irmão puxava o caixote

por uma corda de embira.

Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.

Eu comandava os bois:

- Puxa, Maravilha!

- Avança, Redomão!

Meu irmão falava

que eu tomasse cuidado

porque Redomão era coiceiro.

As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.

Meu irmão desejava alcançar logo a cidade -

Porque ele tinha uma namorada lá.

A namorada do meu irmão dava febre no corpo dele.

Isso ele contava.

No caminho, antes, a gente precisava

de atravessar um rio inventado.

Na travessia o carro afundou

e os bois morreram afogados.

Eu não morri porque o rio era inventado.

Sempre a gente só chegava no fim do quintal

E meu irmão nunca via a namorada dele -

Que diz-que dava febre em seu corpo.

- Manoel de Barros -