Sonãmbulo 1941-1942-1943
I
Chove…
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove…
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
José Gomes Ferreira - in Poeta Militante I
II
Ó fabricantes de nuvens
que andais pelos caminhos
a atirar fantasmas para a Lua
e a falar sozinhos.
Também eu, também, como vocês,
caio de chão em chão,
neste entremez
de boiar na Realidade ...
--- Mas com a ilusão
de que fabrico nuvens de tempestade.
José Gomes Ferreira - in Poeta Militante I
III
E cá estamos
a ouvir o vento que chora
na boca voadora
por cima dos telhados.
E cá estamos,
a ouvir cair na chuva dos ramos
lágrimas de fantasmas enforcados.
E cá estamos...
(Alma: porque te prendes
--- até que a dor a anule ---
a esta escuridão
onde nem sequer há duendes
da fogueira azul
como no carvão?)
José Gomes Ferreira - in Poeta Militante I
IV
Um dia virás,
hora doce e calma
sem as espadas dolorosas
que me sangram a alma
quando cismo...
Eu que até nas rosas
procuro um abismo.
José Gomes Ferreira - in Poeta Militante I