Província - 1945

VIII

Cala os olhos vagabundo.

Não me digas
que há estradas no mundo
sem urtigas.

Não me contes
que nascem astros nos vales
para além dos horizontes.

Não me fales
de haver poentes
com as cores ardentes
das penas dum galo.

Não me tentes,
vagabundo.

Não quero ver o mundo.
Prefiro imaginá-lo.

José Gomes Ferreira - in Poeta Militante II

XII

Tantas flores azuis, verdes, brancas, amarelas, vermelhas lírios
-sempre outras e as mesmas desde o princípio do Silêncio.

Flores de asas imóveis
com desenhos quietos de perfumes
a darem à terra
a ilusão dum destino...

Flores mais doidas
que num salto de milhões de anos
fugiram dos caules
com asas ainda pétalas
atrás de si mesmas nos pomares...

Flores que nas manhãs do mundo
andam de planta em planta
com saudades das raízes antigas
neste enleio de bichos e de cores
misturado com o pensamento dos homens
-Ó aves que voais!

Flores com cio
a cheirarem ao espanto de existir
e ao sonho das coisas naturais.

José Gomes Ferreira - in Poeta Militante II