MINHA MÃE QUE NÃO TENHO

Minha mãe que não tenho meu lençol

de linho de carinho de distância

água memória viva do retrato

que às vezes mata a sede da infância.

Ai água que não bebo em vez do fel

que a pouco e pouco me atormenta a língua.

Ai fonte que não oiço ai mãe ai mel

da flor do corpo que me traz á míngua.

De que Egipto vieste? De qual Ganges?

De qual pai tão distante me pariste

minha mãe minha dívida de sangue

minha razão de ser violento e triste.

Minha mãe que não tenho minha força

sumo da fúria que fechei por dentro

serás sibila virgem buda corça

ou apenas um mundo em que não entro?

Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:

constrói a casa a lenha e o jardim

e deixa que o teu fumo que o teu cheiro

te façam conceber dentro de mim.

in " Antologia Poética"